Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 518/2020-T
Data da decisão: 2021-06-18  IRS  
Valor do pedido: € 25.942,60
Tema: IRS – mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes.
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 SUMÁRIO:

O atual regime de tributação de mais-valias imobiliárias previsto no CIRS, mesmo após a introdução do regime opcional previsto no artigo 72.º do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, consubstancia uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do TFUE.

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ..., ...-... Oeiras, (doravante designada por "Requerente") apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

A Requerente pede:

a) A anulação da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, correspondente à nota de cobrança n.º 2019..., bem como das respetivas demonstrações de juros compensatórios e de acerto de contas, com a consequente restituição de imposto no valor de € 25.942,60, bem como a anulação do despacho de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2020...;

b) A condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-10-2020.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 02-12-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído no dia 05-01-2021.

 

A Requerente considera que a Autoridade Tributária tributou as mais-valias imobiliárias do ano de 2018 na sua totalidade, aplicando a taxa de 28%, prevista no artigo 72.º do CIRS, sem observância do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, com discriminação de tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes. Dessa tributação decorre uma carga fiscal superior à que se verificaria em relação ao mesmo tipo de operação caso a mesma fosse realizada e declarada por um residente fiscal em Portugal, assim infração ao disposto no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Considera a AT, por seu lado, que a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português, assim obtendo o pretendido benefício, caso tivesse acionado essa opção na declaração de IRS. Não o fez porque, caso o fizesse, teria também de declarar todos os rendimentos obtidos nesse ano, incluindo os obtidos fora do território nacional. Ou seja, para ter acesso ao regime de tributação pretendido, era necessário que a Requerente tivesse preenchido os campos 8, 9 (opção pelas taxas do artigo 68.° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) do anexo G da declaração modelo 3 de IRS. Acrescenta, ainda, que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

 

A AT sustenta, ainda, a compatibilidade da legislação portuguesa com o direito da União Europeia, referindo que a alteração operada por via da introdução dos atuais n.ºs 14 e 15 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes sejam tributados em circunstâncias igualitárias, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

 

Por outro lado, requer a suspensão da instância e o reenvio prejudicial ao TJUE, por considerar que a questão não deve ser decidida sem a pronúncia daquele tribunal, defendendo que, apesar de já ter demonstrado que a interpretação da AT cumpre escrupulosamente o direito europeu, desconhece jurisprudência do TJUE que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, designadamente proferida em casos com todas as características factuais apontadas, em face da alteração legislativa introduzida no CIRS e ocorrida em 2008.

 

Por despacho de 26-01-2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas.

 

Questionada a Requerente sobre a sua vontade de manter o pedido de produção de prova testemunhal constante do pedido de pronúncia arbitral, veio esta responder, através de requerimento de 15.03.2021, que, dado que a discussão no presente processo se reduz a questões de direito, prescindia da produção dessa prova.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           No período de tributação de 2018, a Requerente era residente fiscal em Espanha.

B.            Em 10/02/2016, a Requerente e o marido adquiriram a fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao 5.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano destinado a habitação sito na ..., ... e ..., em Lisboa, descrito na conservatória do registo predial sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ... sob o artigo ... .

C.            O imóvel descrito em B) foi adquirido pelo valor de € 425.000,00.

D.           A 03.09.2018, a Requerente alienou o imóvel descrito em B) pelo valor de € 740.000,00.

E.            Na sequência do falecimento de sua mãe, em 20/11/2013, adquiriu, em conjunto com as suas irmãs, o prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho de Sobral de Monte Agraço, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ... .

F.            A Requerente e as suas irmãs adquiriram ainda o prédio urbano sito na Rua do ..., n.º..., ..., freguesia de ..., concelho de Sobral de Monte Agraço, inscrito sob o artigo matricial n.º ... e descrito sob o número ... na respetiva conservatória.

G.           No dia 01.06.2018, a Requerente e as suas irmãs alienaram o prédio urbano descrito em F) pelo valor de € 300.000,00.

H.           No dia 14.06.2018, a Requerente e as suas irmãs alienaram o prédio rústico descrito em F) pelo valor de € 15.000,00.

I.             A 25.06.2019, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS relativa aos rendimentos obtidos em 2018, entre os quais declarou as mais-valias imobiliárias realizadas com as três vendas ocorridas nesse ano.

J.             Na referida declaração, a Requerente declarou a sua condição de não residente fiscal em Portugal.

K.            Após a entrega da declaração modelo 3 referente ao ano de 2018, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2019..., cujo imposto, no valor de € 42.387,09, pagou.

L.            O imposto pago incidiu sobre a totalidade das mais-valias realizadas.

M.          Posteriormente, na sequência de divergências detetadas pela AT, a Requerente foi notificada da liquidação adicional n.º 2019..., com o valor de imposto a pagar de € 9.498,10, que também pagou.

A.           Nesta liquidação adicional, para efeitos do apuramento do rendimento tributável, foi considerado o valor total das mais-valias imobiliárias realizadas no ano de 2018.

B.            A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional, à qual foi atribuído o número ...2020... .

C.            A decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa ...2020... foi notificada à Requerente no dia 13 de julho de 2020.

 

2.1. Factos não provados

Com relevância para a causa não existem factos que se tenham considerado não provados.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral e em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente considera que as liquidações efetuadas sobre os rendimentos obtidos com a venda dos prédios descritos na matéria de facto são ilegais por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, em virtude de violação de normas de direito da União Europeia, em concreto, por não aplicação da redução em 50% das mais-valias sujeitas a tributação.

 

Com efeito, a Requerente considera que, apesar do estatuto de não residente fiscal em Portugal no ano em que realizou as mais-valias imobiliárias, deveria poder ser tributada como tal, mas beneficiando da redução de 50% da matéria coletável prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS. Não tendo sido isso que sucedeu, está ser tratada de forma discriminatória face aos residentes em Portugal. Considera, ainda, que esse tratamento discriminatório é violador das liberdades fundamentais previstas no direito da União Europeia. A Requerente recorda que o STA, diversos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD e o próprio TJUE já decidiram esta questão no sentido por si defendido.

 

Na sua Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte:

             Com efeito, o TJUE, através do Acórdão C - 443/06, de 2007OUT11, decidiu a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina de tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72.°, n.º 1, e 43.°, n.º 2, do Código do IRS, por “o artigo 56.° CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

             Esse foi também o entendimento seguido pelo STA no Acórdão de 2008JAN16 (processo 0439/06).

             Contudo, já depois de proferidos esses arestos, foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 14), cujo teor à data dos factos, era o seguinte:

«9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

             Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 15) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.0 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que “10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

             Por força da alteração introduzida ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (Orçamento de Estado para 2008), as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida a opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS.

             Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2017), verifica-se que, no quadro 8 B do Modelo 3, foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

             Ou seja, a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português, assim beneficiando do regime fiscal pretendido, se tivesse acionado essa opção na declaração de IRS. Se o fizesse, teria também de declarar todos os seus restantes rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional.

             Assim, as alegações da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 14) e 8 (atual n.º 15). O n.º 8 (atual n.º 15) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

             O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Como tal, para efeitos de tributação às taxas aplicáveis aos residentes, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

             Este quadro normativo passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis: - por um lado, a Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez; - por outro lado, a Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

             Os n.ºs 14 e 15 do artigo 72.º do Código do IRS passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e desde que optem pelo englobamento dos restantes rendimentos, quer obtidos em Portugal, quer obtidos fora de Portugal – razão pela qual esta alteração legislativa sanou a incompatibilidade que se verificava entre o regime nacional de tributação das mais-valias imobiliárias e o direito da União Europeia.

             Contudo, porque se levantam dúvidas sobre se o quadro normativo em vigor, tendo em conta a situação de facto apresentada pela Requerente, nomeadamente saber se a mesma viola ou não a liberdade de circulação de capitais prevista no direito da União Europeia, a Requerida sugere que a instância seja suspensa para se proceder ao reenvio prejudicial.

 

O artigo 10.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/88, de 30 de Novembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, estabelecia:

“1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; […]

4.  O ganho sujeito a 1RS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1; […]”

 

Nos termos do artigo 13.°, n.º 1, do CIRS, estavam sujeitas a 1RS as pessoas singulares residentes em território português e as que, nele não residindo, aí obtivessem rendimentos.

 

O artigo 15.°, n.ºs 1 e 2, do CIRS previa que, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incidisse sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, e que, tratando-se de não residentes, o 1RS incidisse unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

Nos termos do artigo 18.° do CIRS, consideram-se obtidos em território português os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

 

O artigo 43.°, n.°s 1 e 2, do CIRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, previa que: “1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. 2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.° 1 do artigo 10.°, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.” À época, o rendimento coletável dos residentes era o resultante do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas.

 

Quanto aos não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a aplicação de uma taxa especial proporcional de 25%, que incidia sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias.

 

Em 2007, a questão foi analisada pelo TJUE . Estava em causa a tributação de rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos em Portugal por E. Hollmann através da venda de um imóvel. No ato de liquidação dos rendimentos respeitante ao ano de 2003, a Administração Tributária competente considerou a totalidade da mais-valia realizada por E. Hollmann na determinação do seu rendimento coletável, somando esse valor aos seus demais rendimentos tributáveis em Portugal. Segundo a Administração Tributária, a recorrente no processo principal não podia invocar em seu favor o disposto no artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, pelo facto de residir noutro Estado-Membro da União Europeia e não em Portugal. E. Hollmann impugnou o referido ato de liquidação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, tendo a impugnação sido julgada improcedente. Interpôs, então, recurso dessa sentençEntretanto, o pleno da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, veio pronunciar-se sobre esta questão em Acórdão de 09/12/2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, tendo uniformizado jurisprudência no sentido de considerar que «o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia.»

 

Assim, em respeito pela primazia do direito da União Europeia sobre o direito nacional e pela autoridade interpretativa do TJUE, este tribunal faz seu o entendimento de que o regime fiscal dos artigos 43.º, n.º 2, e 72.º, nº 1, 14 e 15 do CIRS, estabelece uma discriminação injustificada entre residentes e não residentes relativamente à tributação de mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em Portugal, incompatível com o disposto nos artigos 63.° e 65.º do TFUE, de igual vício padecendo o facto de, para evitar que o não residente fique sujeito a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, aquele tenha que escolher entre um regime fiscal discriminatório e outro não discriminatório, devendo, por conseguinte, ser declarada a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS em crise no presente processo, com todas as consequências legais.

 

Mostram-se, ainda, preenchidos os requisitos legais de que depende, nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

4. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Declarar a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, correspondente à nota de cobrança n.º 2019..., bem como das respetivas demonstrações de juros compensatórios e de acerto de contas, assim como da liquidação adicional n.º 2019..., com a consequente restituição de imposto no valor de € 25.942,60, bem como a anulação do despacho de indeferimento proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2020...;

b)           Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia indevidamente paga, desde o dia em que foi paga até ao seu efetivo e integral reembolso.

 

5. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 25.942,60, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

6. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se o Ministério Público da presente decisão.

 

Lisboa, 18 de junho de 2021

 

A Árbitro,

Raquel Franco