Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 484/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IVA  
Valor do pedido: € 22.184,64
Tema: Imposto sobre o Valor Acrescentado - regularizações, meios de prova.
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Decide, nestes autos, a Árbitro Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral:

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A., com sede na Rua ... n.º... - ... ..., ..., ..., com o número de pessoa colectiva ... (doravante A... ou Requerente), apresentou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.° e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido como RJAT), em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º e no n.º 2 do artigo 131.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), “… pedido de constituição de Tribunal Arbitral, relativo ao Despacho do Diretor de Finanças do Porto, de 15/04/2019, que indeferiu o Recurso Hierárquico do Despacho do Chefe do Serviço de Finanças da ..., 13/02/2019, que indeferiu a Reclamação Graciosa dos atos de liquidação adicional de IVA e respetivos atos de liquidação de juros compensatórios, relativos ao ano de 2013”.

 

2. Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que se está perante uma ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios por não se verificarem os pressupostos legais em causa previstos nos n.ºs 4, 7 e 11 do artigo 78.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante CIVA) referidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Assim, vem invocar mais especificamente em linhas gerais o seguinte:

 

a)            A AT conclui pelas seguintes correcções em sede de IVA: (i) Falta de liquidação de IVA, no valor de € 1.246,12 (que a Requerente aceita); (ii) Falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA, no valor de € 16.550,41; (iii) Regularização indevida de IVA de créditos considerados incobráveis, no montante de € 8.905,87; (iv) Dedução indevida de imposto, no valor de € 1.538,73;

b)           Isto é, em causa estão basicamente duas situações: (i) Dedução indevida de imposto por falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA; e, (ii) Regularização indevida de créditos incobráveis.

 

No tocante à dedução indevida de imposto - falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA

 

c)            No que se refere à falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA, alega, em geral, que as facturas anuladas pelas notas de crédito em causa não foram contabilizadas pelos adquirentes, ou seja, os adquirentes não procederam à dedução do IVA correspondente a essas facturas, pelo que os mesmos também não estão obrigados a fazer qualquer correcção, nem a Requerente estará obrigada a ter na sua posse prova um documento que comprove que o adquirente tomou conhecimento da rectificação. “25. Com efeito, não tendo os adquirentes registado as operações (entenda-se as faturas da Requerente) a única prova que poderá ser exigida à Requerente, como requisito para a regularização do IVA, é a fatura que foi emitida ao cliente, bem como a correspondente nota de crédito, o que já foi apresentado à AT. A razão de ser da prova prevista no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA - fazer com que a adquirente corrija o imposto deduzido - não se verifica no caso em apreço, conquanto os adquirentes não deduziram o imposto das faturas anuladas pela Requente;”

d)           Estamos perante três tipos de situações, a saber: i) Facturas que nunca chegaram a ser enviadas aos clientes/adquirentes, e consequentemente também nunca foram enviadas as correspondentes notas de crédito que continuam na posse da Requerente; ii) Facturas que os clientes/adquirentes comprovadamente não contabilizaram e o mesmo se diga em relação às notas de crédito; iii) Notas de crédito emitidas para anulação de uma factura emitida a um cliente não residente;

e)           No caso referido na alínea i) supra encontram-se incluídas as seguintes facturas/notas de crédito (cfr. Anexos 5 a 8 do doc. 2):

 

Atendendo a que, no que se refere documentos acima identificados, quer os originais das notas de crédito, quer os originais das facturas que aquelas vêm anular, estão na posse da Requerente, nunca o cliente/adquirente podia ter deduzido IVA com base na factura original, não lhe cabendo num segundo momento, qualquer correcção de imposto a favor do Estado;

f)            “….O software de faturação utilizado pela Requerente, à data da emissão dos documentos em causa, cumpria o requisito constante do ponto 2.2.15 do Despacho n.º 8632/2014, de 3 de julho, pelo que a impressão de uma 2.ª via de qualquer documento implicaria sempre a aposição de uma expressão que indicasse não se tratar do documento original. 41. Facto, aliás que poderia e deveria ter sido facilmente verificado e comprovado pela AT em sede de fiscalização.

(…)

… se no caso em apreço a AT tinha dúvidas se os documentos apresentados pela Requerente eram efetivamente os originais, a mesma facilmente poderia ter dissipados essas dúvidas através de uma simples consulta aos elementos que no âmbito do SAF - T (PT) lhe são comunicados pelos sujeitos passivos, ou até mesmo através de um pedido de um simples pedido de informação junto dos clientes/adquirentes aqui em causa.

No decorrer da inspeção tributária, conforme reiterado em sede de direito de audição e de Reclamação Graciosa, confirmou a Requerente, junto das entidades adquirentes supra identificadas que, quer as notas de crédito atualmente alvo de inspeção e correção, quer as faturas iniciais que foram anuladas por estas, não tinham sido alvo de contabilização pelas respetivas entidades. 66. De facto, em todas as situações elencadas, os clientes contabilizaram apenas a fatura final que lhes tenha sido emitida, sempre que aplicável,”

g)            Na situação das notas crédito emitidas para anulação de uma factura emitida a um cliente não residente está em causa a seguinte factura/nota de crédito:

 

h)           Tal como a Requerente invoca, “Este documento foi emitido tendo em vista a anulação de fatura emitida pelo sujeito passivo a um Número de Identificação Fiscal estrangeiro, pertencente a um sujeito passivo comunitário (francês), não registado em Portugal para efeitos de IVA. 82. A este respeito, cumpre notar que o cliente, sendo um sujeito passivo estrangeiro, sem registo de IVA em Portugal, não tinha direito à dedução do imposto aqui suportado. 83. Donde resulta que seria inócua uma comunicação de regularização, visto não ser possível ao sujeito passivo estrangeiro regularizar a favor do Estado o IVA que nunca deduziu, já que não lhe assistia esse direito. 84. Por outo lado, resulta também clara a inexistência de qualquer lesão aos interesses do Estado, na medida em que não existe o risco de regularização, a favor do sujeito passivo, de um IVA já deduzido por outro agente. 85. Ficando, assim, provado o integral cumprimento das obrigações fiscais do sujeito passivo, com a emissão da fatura final, e correspondente liquidação de IVA.”

 

No tocante à regularização indevida de créditos incobráveis

 

i)             Invoca a Requerente basicamente que, “98. O artigo 78º, nº 7 (na redação à data em vigor) estabelecia que “Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis: a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil; b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

E como resulta do disposto no Relatório no entender da AT, as regularizações efetuadas pela Requerente não podem ser aceites porque esta não forneceu “documento comprovativo da homologação da decisão” da assembleia de credores. 23/28 100. Ora, a Requerente não apresentou a homologação da deliberação da Assembleia de Credores sobre o Relatório do Administrador, porque de facto a mesma não existe, isto é, o CIRE não prevê a homologação da deliberação da Assembleia de Credores, ao abrigo do disposto no artigo 156º.

(…)

Ora, os documentos apresentados pela Requerente satisfazem plenamente os objetivos que o legislador procurou assegurar com o disposto no artigo 78º, nº 5, alínea b). 111. Como efeito, como doc. 8 junta-se a certidão emitida pelo Juízos Cíveis de Coimbra que atesta o que o crédito da Requerente no valor de € 30.039,28, sobre a sociedade B..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 02/01/2013. 112. Como doc. 9 junta-se a certidão emitida pelo Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão que atesta que o crédito da Requerente no valor de € 11.652,67, sobre a sociedade C..., S.A., foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 27/08/2012. 113. Como doc. 10 junta-se a certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Braga que atesta que o crédito da Requerente no valor de € 197.05, sobre a sociedade D..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 18/12/2012.”

j)             Neste contexto vem, em suma, a Requerente solicitar a este Tribunal que “…deve o presente processo de pronúncia arbitral ser considerado procedente anulando-se em consequência o Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico, o Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como as liquidações adicionais de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios. Requer-se ainda o pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.”

 

3. A Requerente juntou à petição diversos documentos.

 

4. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Arbitral Singular em 1 de Outubro de 2019, formado pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada nos termos do artigo 11.°, n.°8, do RJAT.

 

5. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT apresentar resposta a 18 de Novembro de 2019, alegando, sumariamente, que:

 

a)            Em momento algum a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral;

b)           Aliás, essa necessária prova haveria que ser contemporânea por forma a titular o direito de dedução ou regularização a seu favor, no exacto momento do seu exercício e não foi;

c)            O acervo documental junto em sede arbitral, não inova e tem total correspondência com aquele que a Requerente quis apresentar em sede de procedimento inspectivo e procedimento de contencioso administrativo;

d)           A nível documental a Requerente não forneceu, quer em sede inspectiva, quer em sede graciosa, quer, por fim, em sede arbitral, os documentos comprovativos necessários ao cumprimento do disposto nos n.ºs 5 e 7 do artigo 78.º do CIVA;

e)           Ora, o princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo (cfr. artigo 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do artigo 74.º da LGT);

f)            No que concerne à indevida regularização de créditos considerados incobráveis, nos períodos 201302, 201303 e 201307, a Requerente regularizou indevidamente IVA a seu favor, nos montantes de € 1.657,07, € 532,65 e € 6.716,15, respectivamente, em virtude de ter regularizado IVA sem dar cumprimento aos condicionalismos exigidos nos n.ºs 7 e 11 do artigo 78.º do CIVA;

g)            Dos elementos recebidos antes e após a notificação, verificou-se que os mesmos não reuniam, e não reúnem, os requisitos previstos no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA que possibilitem a regularização de imposto respeitante a créditos considerados incobráveis;

h)           Acresce que não foi exibida a prova da comunicação ao devedor da rectificação da dedução inicialmente efectuada;

i)             Quanto aos primeiros três clientes mencionados, a Requerente considerou-os incobráveis em virtude de estarem cessados para efeitos de IVA e de IRC. 2. Quanto ao cliente “E...Lda”, a Requerente não informou do motivo da incobrabilidade. 3. Quanto aos quatro processos em Tribunal, um de execução e os outros três relativos a insolvência, a Requerente apenas comprovou que constava como credor nesses processos, não dando, portanto, cumprimento ao disposto no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA;

j)             Nas regularizações de IVA relacionadas com insolvências de carácter limitado, é necessário que o sujeito passivo tenha na sua posse o documento do trânsito em julgado da sentença da insolvência de carácter limitado, documento este que tem de existir no momento em que a regularização é efectuada;

k)            Nas insolvências, de carácter pleno, para efeitos de regularização de IVA, o sujeito passivo terá de ter na sua posse o documento comprovativo da homologação da decisão, in casu, a acta de deliberação da assembleia de credores;

l)             A Requerente não fez prova da posse dos documentos supra referidos, não tendo fornecido o documento comprovativo da homologação da decisão, ou seja, a acta de deliberação da assembleia de credores, conforme o entendimento pelo SDG dos impostos de 2012-01-23, processo n.º...;

m)          No tocante à indevida dedução de IVA: (i) a 06-11-2013, foram emitidas pela Requerente três notas de crédito, relativas a três facturas emitidas, por haver considerado “exportações indevidamente faturadas com IVA” - NC 5577061641, NC 5577061640 e NC 5577061639 - (ii) a 21-03-2013 foi emitida a nota de crédito n.º... (iii) a 26-03-2013 foi emitida nota de crédito n.º..., tendo a Requerente sido notificada para apresentar prova de que o cliente tomou conhecimento da rectificação de imposto referente àquelas notas de crédito (cf. n.ºs 5 e 11 do artigo 78.º do CIVA);

n)           A Requerente refere que anulou facturas cujos originais estão na sua posse, identificando diversos clientes: (1) F... Lda; (2) G..., Lda. e (3) H..., Lda (4) I... e (5) J..., Lda. No que concerne à (1) F... Lda (Nota de Crédito n.º..., emitida em 15-11-2013 cujo valor do IVA regularizado a favor do sujeito passivo é de € 8.411,26.): Conforme documentos constantes no Anexo 5 do RIT, verificou-se que: foi emitida a factura n.º 2056887318, de 19-06-2012, para F... Lda relativa ao débito de material danificado, cuja data da prestação do serviço foi 09-03-2012, cujo valor perfazia os seguintes montantes: € 36.570,69 + IVA € 8.411,26. 75. Esta factura apresenta como suporte, a nota de débito n.º 530306, de 2012/06/19, emitida pelo cliente K... (Switzerland) à Requerente, no valor de € 36.570,69. 76. A 26-11-2012, a Requerente facturou o dano à seguradora “L... A/S”, conforme factura n.º 2057604011, no valor de € 33.250,69. Após o débito dos danos à seguradora, emitiram a 15-01-2013, a nota de crédito n.º..., para F... Lda. relativo a crédito interno sobre a factura 2056887318, no valor de € 36.570,69 + IVA € 8.411,26. Questionada a Requerente sobre a prova da “tomada de conhecimento por parte dos destinatários da retificação do imposto”, esta contactou os seus clientes, na tentativa de eles provarem que não tinham contabilizado as facturas nem as notas de crédito. De resto, a Requerente informou que não conseguiam contactar a sociedade F... Lda. Ora, como a Requerente não apresentou os documentos solicitados, foi efectuada a notificação para a apresentação dos mesmos. Após a notificação, a Requerente apresentou, relativamente ao cliente F... Lda, os documentos constantes em Anexo 6 do RIT. De uma análise aturada e cuidada, pode-se verificar, que os documentos apresentados são meros “prints” da factura e da nota de crédito e não expressam se é original, duplicado ou triplicado que não constituem, obviamente, “prova de que o destinatário tomou conhecimento da retificação do imposto”;

o)           No que respeita à (2) G..., Lda. e à (3) H..., Lda., a Requerente enviou as facturas e notas de crédito, (cf. Anexos 7 e 8 do RIT). De uma análise com acuidade resulta manifesto que aqueles documentos não provam que o cliente tenha tomado conhecimento da rectificação, a regularização de IVA a seu favor (cf. n.ºs 5 e 11 do artigo 78.º do CIVA);

p)           No tocante às notas de crédito emitidas para na anulação de (4) I..., a 03-01-2013, foi emitida a factura n.º 6307139705, para M..., com o NIF FR..., no valor de € 350,00 + IVA 80,50, relativo a um transporte realizado a 26-12-2012, Villiers. A 21-03-2013, foi emitida a nota de crédito n.º..., para M... , com o NIF FR..., no valor de € 350,00 + IVA 80,50, relativo a um transporte realizado a 26-12-2012, para 94350 Villiers. Notificada para apresentar os comprovativos exigidos pelo n.º 5 do artigo 78.º do CIVA, a Requerente falhou rotundamente na prova. “89. Não obstante o ideário argumentativo da Requerente, sempre se diga que o n.º 5 do art.º 78.º do CIVA, não exceciona nem desobriga da exibição de comprovativo, pelo facto de ser um sujeito passivo nacional ou outro. 90. Deste modo, pela falta de exibição da prova de que o cliente tomou conhecimento da regularização de imposto, considera-se indevida a respetiva dedução.”;

q)           Verificando a nota de crédito emitida em nome de (5) J..., Lda., a 14-03-2013, foi emitida a factura n.º 5577061594, relativa ao débito de uma multa. A 26-03-2013, foi emitida a nota de crédito n.º..., para anular a factura n.º 5577061594;

r)            “94. Redizendo o que vem antedito, devidamente solicitados os comprovativos referentes ao n.º 5 do art.º 78.º do CIVA, a Requerente não logrou apresentá-los. 95. No entanto, não apresentou prova de que o cliente tomou conhecimento da retificação do imposto, conforme o disposto no nº 5 do artigo 78º do CIVA, considerando-se indevida a dedução. É que, esta comunicação e a tomada de conhecimento é prévia à regularização e esta depende necessariamente daquelas, ou seja, o SP tinha que estar na posse da prova previamente à regularização, sendo que o ónus da prova é do sujeito passivo e não da AT. 96. Ora, feito o enquadramento factual a cada uma das notas de crédito, (i) O IVA foi liquidado nas respetivas faturas e, consequentemente torna-se desde logo exigível; (ii) O IVA relativo à regularização, inserto na Nota de Crédito correspetiva, só poderá ser dedutível após o destinatário desta tomar conhecimento de tal regularização e disto der conhecimento ao emitente. Mas mais, acrescente-se, esta comunicação e a tomada de conhecimento é prévia à regularização e esta depende necessariamente daquelas, ou seja, a Requerente tinha que estar na posse da prova previamente à regularização, sendo que daqui resulta que esse o ónus probatório é do sujeito passivo e não da AT, por forma a titular o direito de dedução ou regularização a seu favor, no exacto momento do seu exercício. 97. Ónus esse que não foi cumprido, quer em sede inspectiva, quer em sede graciosa;”

s)            Não obstante, a Requerente alega que os originais das facturas estão em seu poder, pelo que as notas de crédito não foram enviadas aos clientes;

t)            A prova terá de existir no momento que a regularização é efectuada, caso contrário a regularização, naquele período, é indevida;

u)           “104. Durante a acção inspectiva e questionada a ora Requerente sobre a prova da tomada de conhecimento por parte dos destinatários da rectificação do imposto, esta contactou os clientes, por forma a que estes fizessem prova que não tinham contabilizado as facturas nem as notas de crédito. Porém, face aos documentos apresentados (cf, Anexos 4, 5 e 6 do RIT), verifica-se que os documentos apresentados não têm idoneidade probatória para aferir daquilo a que a Requerente estava obrigada, i.e., a prova de que o adquirente havia tomado conhecimento da retificação do imposto. 106. A nível documental a Requerente não forneceu, quer em sede inspetiva, quer em sede graciosa, quer, por fim, em sede arbitral, os documentos comprovativos necessários ao cumprimento do n.º 5 do art.º 78.º do CIVA”;

v)            Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.

 

6. Em 19 de Novembro de 2019, foi este Tribunal notificado de que a Requerente, veio juntar três documentos para efeitos de prova, a saber, “novas certidões referentes aos docs. 9, 10 e 11 que se encontram anexos à PI.”, tendo a AT solicitado na mesma data o desentranhamento dos aludidos documentos.

 

7. Em 20 de Novembro de 2019, veio a Requerente invocar que o pedido da AT não deveria ser aceite.

 

8. Por Despacho de 20 de Novembro de 2019, foi aceite pelo Tribunal a junção dos referidos documentos.

 

9. Por Despacho de 19 de Novembro de 2019, foi marcada a primeira reunião do Tribunal com as partes para o dia 19 de Dezembro de 2019, nos termos e para os fins previstos no artigo 18.º do RJAT, procedendo-se à inquirição da testemunha arrolada.

 

10. A 3 de Dezembro de 2019, veio a Requerente solicitar que a primeira reunião fosse adiada por impossibilidade da sua mandatária estar presente.

 

11. Tendo sido apresentado comprovativo do impedimento apresentado pela Requerente, determinou o Tribunal, por Despacho de 6 de Dezembro de 2019, que a primeira reunião ficaria reagendada para 6 de Janeiro de 2020.

 

12. A 6 de Janeiro de 2020, procedeu-se à inquirição da testemunha indicada pela Requerente, tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações sucessivas escritas facultativas, no prazo de quinze dias.

 

13. A 21 de Janeiro de 2020, foi o Tribunal notificado da apresentação das alegações da Requerente, que manteve a sua posição, invocando essencialmente que, no tocante às facturas não enviadas aos clientes e com meros lapsos, “No que concerne a este ponto da prova documental e testemunhal, e com relevância para as questões em análise resulta demonstrado e provado os factos que possamos a indicar. 1. As faturas relativas aos clientes F..., G... e N... melhor identificadas no ponto 28 da PI nunca chegaram a ser enviadas para os clientes. 2. São faturas em que foram identificados meros lapsos de emissão tendo de imediato sido corrigidas através da emissão das correspondentes notas de crédito (cfr. depoimento da testemunha). 3. Não tendo as faturas sido enviadas aos clientes, a Requerente entendeu (e bem) que não faria sentido que as notas de crédito fossem enviadas para os clientes. 4. Durante o processo de fiscalização a Requerente apresentou à AT or

5. Ao contrário do que alega a AT, o sistema de faturação da Requerente não permite emitir dois “originais” da mesma fatura (cfr. depoimento da testemunha)

6. O original da fatura não faz qualquer menção ao facto de ser “original”, mas se se quiser imprimir uma fatura já emitida essa impressão surge com a referência, em marca de água, de se tratar de um duplicado.

7. A AT em sede de fiscalização não verificou se de facto era possível imprimir “dois originais” da mesma fatura, nem efetuou qualquer análise à conformidade, ou falta dela, do programa de faturação do cliente.

B – Faturas que não foram contabilizadas pelos clientes

No que concerne a este ponto da prova documental e testemunhal, e com relevância para as questões em análise resulta demonstrado e provado os factos que possamos a indicar.

8. As faturas melhor identificadas no ponto 64 da PI foram enviadas para os clientes mas estes, porque não aceitaram as faturas, não procederam à sua contabilização, nem consequentemente à dedução do imposto.

9. A Requerente não apresentou o original da fatura porque já não a tinha na sua posse, não obstante em sede de fiscalização tributária solicitou aos clientes que lhe fossem enviado o extrato contabilístico que provasse a não contabilização.

10. Os referidos extratos foram apresentados à AT durante o processo de fiscalização. Assim, do exposto podemos concluir que a Requerente demonstrou e provou que os clientes não contabilizaram as faturas, nem consequentemente deduziram o IVA das faturas anuladas pelas notas de crédito aqui em causa. Concluímos igualmente, que a AT não apresenta uma única prova ou indício de que o alegado pela Requerente não corresponde à verdade.

Sendo certo, que se esse era de facto entendimento da AT esta deveria ter feito tal esforço probatório atenta as especificadas do ónus da prova em matéria de direito tributário, nos termos melhor expostos na PI. Deste modo e resultando provado e demonstrado que os clientes não contabilizaram e não deduziram o IVA, o formalismo previsto no artigo 78.º, n.º 5, é absolutamente redundante, já que é insuscetível de produzir o efeito que o legislador pretendeu com o mesmo, que é o de garantir que a dedução do IVA seja regularizada.

C – Créditos Incobráveis

Relativamente a estes créditos a Requerente dá aqui por integralmente reproduzido tudo o quanto se encontra alegado na PI, sendo que da prova apresentada resulta provado e demonstrado tratarem-se de créditos incobráveis, sendo certo que os mesmos até à data ainda não foram recuperados pela Requerente.”

 

14. A 10 de Fevereiro de 2020, foi o Tribunal notificado das contra-alegações apresentadas pela Requerida, que, manteve todos os seus argumentos, afirmando que nas suas alegações a Requerente nada tinha trazido de novo ao processo.

 

15. Em 15 de Março de 2020, foi determinado por este Tribunal que, atento o facto de o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, segundo o estatuído no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais, por um lado, a complexidade do processo, incluindo a tramitação com julgamento e o  adiamento da inquirição de testemunhas conforme pedido da Requerente, por outro, não seria possível proferir decisão no prazo fixado de 16 de Março, tendo-se determinado que a decisão seria proferida até 1 de Abril de 2020.

 

16. Em 15 de Março de 2020, proferiu este Tribunal o seguinte despacho. “Estando ilegíveis os documentos de liquidação constantes do Doc. n.º2 anexo ao Pedido e não resultando dos demais documentos valores que traduzam os montantes exactos das liquidações adicionais de IVA e respectivos  juros compensatórios que levem ao adequado apuramento do valor da acção em 22.184,64 euros, como referido pela Requerente, solicita-se que a mesma envie a este Tribunal, até 20 de Março de 2020, um quadro sintéctico com identificação precisa do total das liquidações e respectivos juros compensatórios objecto do Pedido Arbitral.”

 

17. Através de requerimento de 17 de Março de 2020, veio a Requerente indicar que, “Considerando que o valor total das liquidações emitidas é de € 27.700.17 e o valor das correções aceites é de € 4.974,57, conclui-se que o valor a anular é de 22.725,60 e não de € 22.184,64, como por lapso foi indicado na PI.”

 

18. Em 17 de Março de 2020, proferiu este Tribunal despacho no sentido de solicitar à Requerida que, no prazo de 7 dias, se pronunciasse sobre o teor do  Requerimento apresentado pela Requerente na mesma data, que vem alterar o valor do Pedido e apresentar novos valores.

 

19. Em 26 de Março de 2020, proferiu este Tribunal despacho nos termos do qual, “Tendo a data da prolação da Decisão sido fixada para dia 1 de Abril e não se tendo a Requerida entretanto pronunciado, atenta a suspensão determinada pelo n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, torna-se imperioso prorrogar por dois meses o prazo para a prolação da mesma.”

 

20. Em 30 de Março de 2020, veio a Requerida apresentar requerimento onde refere que “Salvo o devido respeito, o somatório das liquidações juntas com o Doc. 2 perfazem o valor total de €27.159,21, e não como alega agora a Requerente €27.700,17. Pelo que, o valor das liquidações emitidas, ora juntas como Doc. 2, deduzido do montante aceite pela Requerente, i.e., €4.974,57, perfaz o valor de €22.184,64 – valor correspondente ao pedido de pronúncia arbitral.”

 

21. Em 30 de Março de 2020, proferiu este Tribunal o seguinte despacho “Tendo em consideração a resposta da  Requerente ao Despacho proferido por este Tribunal a 15 de Março de 2020 e a subsequente Resposta da Requerida, reitera-se pedido formulado à Requerente no aludido Despacho para que remeta a este Tribunal, no prazo de 5 dias, um quadro sintéctico com identificação precisa do total das liquidações e respectivos juros compensatórios objecto do Pedido Arbitral, com identificação individual dos respectivos números e montantes.”

 

22. Em 30 de Março de 2020, a Requerente veio novamente invocar que, “Do Relatório de inspeção tributária junto à PI como doc. 1 resulta demonstrado e provado que na sequência do mesmo a AT fez um conjunto de correções do qual resulta o apuramento de IVA em falta no valor de € 27.700,17 (cfr. quadro resumo das correções doc. 1 junto à PI).”

“….concluímos que o valor impugnado é de € 22.725,60, como resulta do quadro infra:

 

 

23. Em 6 de Abril de 2020, veio este Tribunal Arbitral proferir o seguinte despacho: “Analisadas as alegações das partes, constata-se que a Requerente, em relação às “B – Faturas que não foram contabilizadas pelos clientes”, vem, nomeadamente, invocar que em sede de fiscalização tributária solicitou aos clientes que lhe fosse enviado o extracto contabilístico que provasse a não contabilização e que os  referidos extractos foram apresentados à AT durante o processo de fiscalização constando do processo administrativo.

Neste contexto, e não resultando claro da consulta ao processo administrativo que constem tais documentos, solicita-se que no prazo de 5 dias a Requerente envie a este Tribunal os referidos extractos de forma sistematizada e com identificação clara e precisa dos adquirentes.”

 

24. Em 8 de Abril de 2020, veio a Requerente juntar ao processo os extractos contabilísticos solicitados supra.

 

25. Em 8 de Abril de 2020, veio este Tribunal Arbitral proferir o seguinte despacho: “Tendo em consideração o Requerimento hoje apresentado pela Requerente em sequência do Despacho deste Tribunal de 6 de Abril de 2020, que anexa extractos contabilísticos dos adquirentes que alega terem sido entregues no decurso da acção inspectiva em causa no presente processo, solicita-se à Requerida que, no prazo de 5 dias, se pronuncie sobre o teor do mesmo.”

 

26. A AT não se pronunciou sobre os referidos extractos contabilísticos remetidos a este Tribunal pela Requerente

 

II - Saneamento do Processo

 

1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

2. O objecto principal do processo reporta-se a liquidações adicionais de IVA, cuja legalidade é questionada, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.  

3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

 

III – Fundamentação

 

1. Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido às liquidações adicionais do IVA e de juros compensatórios, relativas ao período de 201307, respeitante à dedução e regularização de IVA, com fundamento no facto de não se verificarem in casu os requisitos previstos nos n.ºs 5, 7 e 11 do artigo 78.º do CIVA.

 

2. Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo e do depoimento da testemunha arrolada, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

a)            A Requerente exerce a actividade de transitário, com o CAE Principal: 52292 – Agentes Aduaneiros e Similares de Apoio ao Transporte;

b)           A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva, credenciada pela ordem de serviço n.º OI2016..., emitida a 14-09-2016, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, de âmbito parcial (IRC e IVA) e com o âmbito temporal delimitado ao ano de 2013;

c)            O fundamento da aludida acção inspectiva consubstanciou-se na análise a sujeitos passivos que solicitaram reembolsos sem terem sido alvo de controlo inspectivo, no triénio 2013 a 2015;

d)           Do projecto de relatório de inspecção tributária – RIT – resultaram correcções (de IVA) referentes a: i. Falta de liquidação de IVA ii. Dedução indevida de IVA iii. Regularização indevida de IVA a favor do sujeito passivo;

 

e)           A Requerente foi notificada do projecto de RIT através no ofício nº 2017..., de 26- 05-2017 e registo dos CTT de 29-05-2017, para, querendo, se pronunciar sobre o mesmo, no prazo de 25 dias, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPITA;

f)            A 21-06-2017 deu entrada na Direcção de Finanças do Porto o direito de audição prévia da Requerente;

g)            A Requerente foi notificada de RIT através no ofício nº 2017..., de 14-07- 2017 e registo dos CTT de 17-07-2017;

h)           Do procedimento de Inspecção Tributária resultou um conjunto de correcções em sede de IVA que deram origem às liquidações adicionais e liquidações de juros compensatórios infra identificadas:

 

 

i)             O valor das correcções aceites no referido procedimento de Inspecção Tributária foi de € 4.974,57,

 

k)            A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios relativas ao período do 201311;

l)             A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 01-02-2018 de parte das restantes liquidações adicionais;

m)          Através do ofício de 07-01-2019, foi a Requerente notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º da LGT, para, querendo, exercer o seu direito de audição, não o tendo feito;

n)           A 20-02-2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento por Despacho de 13/02/2019 da Chefe do Serviço de Finanças da ..., através de ofício de 14-02-2019;

o)           A Requerente apresentou em 13-03-2019 Recurso Hierárquico;

p)           A Requerente foi notificada, a 22-04-2019, da decisão final de indeferimento por Despacho de 15/04/2019 do Senhor Director de Finanças da ..., através de ofício de 16-04-2019;

q)           A AT efectuou uma correcção ao valor do IVA devido, no valor de € 16.009,45, decorrente de regularizações a favor do sujeito passivo, consideradas no campo 40 das Declarações Periódicas de IVA, por não estarem cumpridos os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA;

r)            À data da emissão dos documentos em causa, de acordo com o software cerificado utilizado, a impressão de uma segunda via das facturas implicava a aposição de uma expressão que indicava não se tratar do documento original;

s)            A Requerente confirmou, junto das entidades adquirentes que, quer as notas de crédito, quer as facturas iniciais que foram anuladas por estas, não tinham sido alvo de contabilização pelas respectivas entidades;

t)            No caso da dedução indevida do IVA, encontra-se a seguinte factura/nota de crédito, emitida tendo em vista a anulação de factura emitida pelo sujeito passivo a um Número de Identificação Fiscal estrangeiro, pertencente a um sujeito passivo não registado em Portugal para efeitos de IVA:

 

 

u)           No caso dos créditos incobráveis, encontram-se incluídas as seguintes facturas/notas de crédito:

 

 v)            A Requerente não apresentou a homologação da deliberação da Assembleia de Credores sobre o Relatório do Administrador;

w)          A Requerente apresentou certidão emitida pelo Juízos Cíveis de Coimbra, que atesta que o seu crédito no valor de € 30.039,28, sobre a sociedade B..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a sentença transitado em julgado em 02/01/2013;

x)            A Requerente apresentou certidão emitida pelo Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, que atesta que o seu crédito no valor de € 11.652,67, sobre a sociedade C..., S.A., foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a sentença transitado em julgado em 27/08/2012;

y)            A Requerente apresentou certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Braga, que atesta que o seu crédito no valor de € 197.05, sobre a sociedade D..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a sentença transitado em julgado em 18/12/2012;

z)            A Requerente prestou garantia bancária n.º ... junto do Banco O..., conforme doc. n.º 11 junto.

 

Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.2 Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

3. Das questões de direito

 

Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto às principais questões suscitadas nos presentes autos, a saber: se a AT actuou correctamente ao ter procedido, nos termos indicados, à liquidação do IVA e correspondentes juros compensatórios, concluindo que a Requerente não poderia ter procedido à dedução do IVA devido ao facto de não ter sido provado que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA, bem como à regularização do IVA decorrente de créditos considerados incobráveis, com fundamento no facto de não se verificarem in casu os requisitos previstos nos n.ºs 5, 7 e 11 do artigo 78.º do CIVA.

Como vimos, estão em causa duas situações, a saber: a) Falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação de IVA, no valor de € 16.550,41, estando em causa quer situações em que não foram emitidas facturas nem enviadas as correspondentes notas de crédito que continuam na posse da Requerente, quer facturas que os clientes/adquirentes comprovadamente não contabilizaram e o mesmo se diga em relação às notas de crédito, quer ainda a ausência de comunicação a um cliente estrangeiro; b) Regularização indevida de IVA de créditos considerados incobráveis, no montante de € 8.905,87.

Importa, pois, analisar tais questões tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da UE, e a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Vejamos.

 

3.1. Enquadramento em IVA

 

3.1.1 Nota prévia

 

A questão que por ora nos ocupa tem sido tratada em diversos Acórdãos deste Tribunal, nomeadamente, nos arrestos proferidos nos Processos n.ºs 698/2014-T, de 3 de Agosto de 2015, 278/2014-T, de 10 de Novembro de 2014 e 450/2017-T, de 18 de Janeiro de 2018.

 

3.1.2 Os princípios da neutralidade e da proporcionalidade

 

O IVA é o imposto mais harmonizado da União Europeia. Caracteriza-se essencialmente por ser um imposto indirecto de matriz comunitária plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo). Operando pelo método do crédito de imposto, cada operador sujeito a tributação liquida IVA sobre as suas vendas ou prestações de serviços, mas tem o direito a deduzir ao imposto liquidado o imposto que onerou as suas aquisições.

A principal propriedade do imposto, que o aconselha como sistema ideal de tributação do consumo, é a sua neutralidade, isto é, a ausência de efeitos de distorção dos comportamentos dos agentes económicos, em especial no que concerne à extensão das cadeias de produção e distribuição.

A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do imposto, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização das operações, as isenções e o exercício do direito à dedução. Na concepção, na aplicação e na interpretação do sistema comum do IVA, o legislador, os tribunais e os demais intérpretes e aplicadores das normas, deverão ter em consideração este princípio fundamental do imposto.

O princípio da neutralidade encontra-se, assim, vertido nas directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as normas do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE.

É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da UE.

O TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições) .

É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE, que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Directivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal.

Do ponto de vista da neutralidade no produtor, o elemento mais importante do IVA está no mecanismo do crédito de imposto, sendo através do mesmo que os operadores económicos se desoneram do imposto suportado, não sendo incorporado, consequentemente, o valor do IVA nos custos da actividade, o que exclui possíveis efeitos cumulativos e permite que o imposto seja efectivamente suportado pelo consumidor final.

O imposto será tanto mais neutral quanto mais abrangente for a concessão do direito à dedução. Assim tem decidido o TJUE na sua vasta jurisprudência.

O Tribunal dá uma grande importância ao carácter total e imediato da dedução do IVA, interpretando este aspecto de uma forma ampla.

Como se salienta no Caso BP Soupergaz , o chamado método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados, é o mecanismo essencial de funcionamento deste tipo de imposto - “[a] este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17. e seguintes da Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela directiva.”

Isto é, de acordo com o TJUE, o direito à dedução previsto nos artigos 167.º ss. da Directiva IVA é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante . 

No que respeita à aludida configuração do direito à dedução como característica fundamental do sistema comum, garantindo a neutralidade do imposto, conforme se reconhece no Caso Rompelman  e no Caso Comissão/França , “[a]s características do imposto sobre o valor acrescentado... permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA.” 

Neste contexto, facilmente se compreende que as exclusões ao direito à dedução sejam de interpretação restrita, conforme se salienta no Caso Metropol . E igualmente se compreende que o Tribunal se preocupe em garantir o carácter total e imediato do direito à dedução, interpretando este aspecto de uma forma ampla.

Assim, no referido Caso Comissão/França, salienta-se que “…na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante.” 

Importa em especial ter presente que é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Directiva IVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

Em conformidade com a jurisprudência que o TJUE consagrou às medidas fiscais relativas a prevenir e a lutar contra a fraude, o princípio da proporcionalidade exige que o sujeito passivo possa, nomeadamente, demonstrar a inexistência de fraude ou de abuso. Tal como se reconhece, só dificilmente se pode sustentar que o princípio da proporcionalidade não oferece esta protecção ao contribuinte em relação a medidas destinadas, essencialmente, a facilitar a tarefa da administração. Esta possibilidade evita, com efeito, a perda para o sujeito passivo do direito à “dedução” e contribui igualmente para manter a neutralidade do imposto. 

Cite-se, a este propósito, o Caso Ampafrance, de acordo com o qual “60. Por outro lado, há que recordar que, para que um acto comunitário relativo ao sistema do IVA esteja em conformidade com o princípio da proporcionalidade, as disposições que ele contém devem ser necessárias para a realização do objectivo específico que ele prossegue e afectar o menos possível os objectivos e os princípios da Sexta Directiva.

Como o TJUE salientou, na ausência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sob reserva de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas na Directiva IVA, o direito à dedução, uma vez constituído, permanece adquirido . As medidas que os Estados membros têm a faculdade de adoptar, ao abrigo do artigo 273.º da Directiva IVA, para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objectivos e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA.  

Grosso modo, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a identificar como subprincípios concretizadores (e densificadores) do princípio da proporcionalidade em sentido amplo os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Para além, naturalmente, de se exigir a legitimidade dos fins prosseguidos.

De acordo com o princípio da adequação ou da conformidade, a medida adoptada deve revelar-se apropriada (apta e conforme) ao fim prosseguido. O princípio da necessidade, ou da exigibilidade, determina que o meio escolhido deve ser o menos oneroso possível para os cidadãos, de entre os meios igualmente aptos a prosseguir o fim pretendido. Finalmente, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito aponta para uma ponderação entre o benefício social esperado com a medida e os custos sociais que impõe, só se considerando justificada se os benefícios esperados forem iguais ou superiores aos custos impostos.

A criação e aplicação de uma norma anti-abuso, como é o caso das normas ora em apreço, terá sempre de se sujeitar a diversos testes, designadamente terá de ir ao encontro do princípio da proporcionalidade, a fim de avaliar se as condições impostas ao contribuinte estão dentro dos parâmetros aceitáveis e se estamos perante a norma mais adequada para o objectivo que se pretende alcançar.

Note-se que igualmente a jurisprudência nacional se tem pautado pelos mesmos princípios que acabámos de citar quanto ao carácter abrangente do direito à dedução. Neste sentido veja-se, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 8 de Julho de 2009 (Isabel Marques da Silva) , no qual se salienta que “[o] direito à dedução do imposto suportado a montante, constitui característica fundamental do sistema comum do IVA, essencial para garantia da neutralidade do imposto e "peça-chave" do seu funcionamento.”

Sendo acto claro que o direito à dedução do IVA deve ser interpretado de forma lata e concedido desde logo, conclui-se, com o TJUE, que as Administrações Tributárias dos Estados membros deverão agir em conformidade com tal interpretação.

 

3.1.3 As normas sobre a regularização do imposto

 

a)            Regras da UE

A matéria referente às deduções e às regularizações encontra-se regulada, essencialmente, nos artigos 167.º a 192.º da Directiva 2006/112/CE, de 26 de Novembro de 2006 (Directiva IVA ou DIVA), em vigor desde 1 de Janeiro de 2007, relativa ao sistema comum do IVA, anteriormente regulada nos artigos 17.º a 20.º da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977).

A DIVA estipula, no seu artigo 90.º, n.º 1, que “em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros” podendo estes derrogar o aí disposto, “em caso de não pagamento total ou parcial (…)” (n.º 2).

De acordo com o disposto no artigo 184.º da Directiva IVA, “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”. Significa isto que a regularização só é possível se o sujeito passivo não tinha qualquer direito à dedução ou se tinha um direito que lhe atribuía um montante inferior ao efectivamente deduzido (por exemplo, anulação de compras, obtenção de abatimentos nos preços).

Em conformidade com o disposto no artigo 185.º, n.º 1, da DIVA, “a regularização é efectuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções (…)” sendo que, de acordo com o disposto no respectivo artigo 186.º, “os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.º e 185.º”, ou seja, as regras que disciplinam o regime da regularização das deduções do imposto. Isto é, compete aos Estados membros a determinação das normas de aplicação relativas à regularização.

Ora, como o TJUE conclui no seu Acórdão de 19 de Setembro de 2000, Proc. C-454/98 , : “1. (…) as medidas que os Estados-Membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do nº 8 do artigo 22º da Sexta Directiva, para garantirem o exacto recebimento de imposto e evitar a fraude, não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos (acórdão de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect. p. I-1577, nº 52);

2.Não poderão por isso ser utilizados de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria.”

Concluindo o Acórdão que “compete aos Estados-Membros definir o processo para regularização do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente facturado, desde que essa regularização não dependa do poder de apreciação discricionário da administração fiscal”.

 

b) Regras do CIVA

Está expressamente prevista no Código do IVA a possibilidade de os sujeitos passivos: (i) alterarem o valor tributável ou o imposto de uma operação, ou (ii) corrigirem uma factura por qualquer motivo, incluindo inexatidão através da emissão de um documento retificativo de factura .  Assim, quando haja lugar à emissão destes documentos rectificativos de facturas, o sujeito passivo tem a obrigação – no caso de ter liquidado imposto a menos –, ou a faculdade – no caso de ter liquidado imposto a mais – de proceder à regularização do imposto entregue ao Estado a menos ou a mais.

De acordo com o disposto no artigo 78.º, n.º 2, do Código do IVA, “se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável (…), o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável”.

Por sua vez, em conformidade com o previsto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando estiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução”.

É esta, desde logo, uma das normas em questão nos presentes autos, tendo em consideração que as correcções foram assentes no entendimento de que as regularizações de imposto efectuadas pela Requerente (no Anexo “Regularizações do Campo 40”, de cada uma das declarações periódicas identificadas) eram ilegítimas, nomeadamente, porque a Requerida considerou que não se encontravam “(…) preenchidos os requisitos previstos no mecanismo da regularização de IVA, nos termos do nº 5 do artigo 78º do CIVA”.

Ora, estamos precisamente perante uma norma anti-abuso. Como é expressamente referido na Informação Vinculativa exarada no processo nº 12757, a norma prevista no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA tem por objectivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor o imposto inicialmente deduzido pelo adquirente sem que este proceda à correcção do correspondente valor a favor do Estado, pelo que “se o fornecedor optar por efectuar a rectificação, esta tem de ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respectivas normas (…), sob pena de não poder ser efectuada.”

Daí que o n.º 4 do artigo 78.º do CIVA também disponha que “O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja sujeito passivo do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente a qual o seu fornecedor ou prestador do serviço procedeu à anulação, redução do seu valor tributável ou retificação para menos do valor faturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efetuada”.

Isto é, como bem nota a Requerente, ambos os preceitos legais partem do princípio de que quer o fornecedor, quer o adquirente registaram a factura na sua contabilidade, que o fornecedor entregou o imposto ao Estado e que o adquirente procedeu à correspondente dedução. Se assim for, naturalmente, quando o fornecedor corrige para menos o imposto entregue ao Estado deverá o adquirente fazer a correcção simétrica na sua declaração de forma a entregar ao Estado o imposto indevidamente deduzido, pois só assim estará garantida a neutralidade do imposto e só assim estará protegido o erário público. Naturalmente, o adquirente só poderá corrigir o imposto deduzido se o fornecedor lhe der a saber que a factura foi retificada. 

A este respeito, refira-se o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul/TCAS n.º 06602/13, de 14 de Abril de 2016, no qual se escreve que “(…) a regularização do IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.”

E acrescenta o mesmo Acórdão que “estamos perante um requisito legal de natureza formal do qual depende o exercício do direito à dedução do IVA (regularização), e portanto (…) aquele requisito legal não depende do facto do imposto ter sido deduzido pelo cliente e da necessidade de proceder à regularização do imposto (…)”, competindo assim à Requerente, “(…) ter na sua posse prova de que o destinatário da nota de crédito tomou conhecimento da mesma vinculando-se, deste modo, a efectuar a respectiva regularização em causa. Com efeito, trata-se de uma exigência de cariz formal que tem em vista permitir à AT o controlo dos pressupostos do direito à dedução reportados ao momento em que o direito à dedução é exercido, e por essa razão, a natureza dessa prova deverá ser inequívoca, ou seja, no momento da regularização do IVA deve ser claro que o adquirente tomou aquele conhecimento (…)”

Neste âmbito, conforme se esclarece na Informação Vinculativa n.º 2787 (despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, em 2011-12-15):

 “8- O Código do IVA, no artº 78º do CIVA, regula as rectificações do imposto. Nos termos do n.º 2 do art.º 78º, se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

9. Note-se que as regularizações, consignadas no n.º 2 do art. 78.º do CIVA, constituem uma faculdade para o sujeito passivo. No entanto, sempre que este opte por tais regularizações, é necessário dar cumprimento ao previsto no nº 5 do artº 78º do CIVA.

10. De acordo com o nº 5 artº 78º do CIVA, quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução”.

(…)

16. Relativamente ao Ofício-Circulado nº 33129/1993, de 02/04, da DSCA, convém referir o que se diz nos pontos 4 e 5, assim: 4. Para efeitos do n.º 5 do art.º 71º [21]são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço: a) Qualquer um dos meios de comunicação escrita - carta, ofício, telex, telefax, telegrama - com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA. b) Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA. c) Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar. 5. Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no n.° 5 do art.° 71°[22] do CIVA, tomando-se indevida a respectiva regularização de imposto.

17. Efectivamente, o ponto 4 do citado ofício considera idóneos, os documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço, referidos nas alíneas a), b) e c).”

Também na Informação Vinculativa n.º 8063, de 20 de Março de 2015, à semelhança do já esclarecido no  supra identificado Ofício-Circulado, se refere que, para efeito de esclarecer quais os documentos que constituem o meio de prova a que se refere o nº 5, do artigo 78.º do Código do IVA, é referido que “são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço (…)” elencando os documentos identificados no referido Ofício-Circulado e acrescentando-se que “estes meios de prova são exemplificativos, pelo que podem, ainda, ser realizados através de outros instrumentos.”

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que é legítimo concluir que a prova que o sujeito passivo deve possuir poderá ser efectuada por qualquer documento idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.

No que se refere às instruções previstas no Ofício-Circulado n.º 33129/1993, que divulga o entendimento administrativo relativo aos documentos que são considerados idóneos para satisfazer os condicionalismos enunciados no n.º 5 do artigo 78.º, note-se que as exigências nele consagradas não decorrem da lei, sendo antes meras instrução ou orientações administrativas que não revestem carácter vinculativo para os contribuintes.

Neste contexto, iremos seguidamente reproduzir algumas considerações tecidas no Processo arbitral n.º 698/2014 – T, de 3 de Agosto de 2015, do qual fomos subscritoras.

“Por sua vez, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas suas alegações, sustenta o entendimento de que o artigo 78.º/5 do CIVA “exige uma formalidade ad substantiam.”, que “é insuprível por qualquer outro género de prova”.

Quanto a esta matéria diga-se que a norma em causa não faz referência expressa a qualquer meio de prova, como começa por referir a Requerente. Contudo, uma leitura menos superficial do texto normativo, denota que, efectivamente, o mesmo se reporta à prova documental. Com efeito, ao utilizar-se a expressão “tiver na sua posse prova de que...”, a norma estará, inquestionavelmente, julga-se, a reportar à prova documental, dado que esse será o único meio de prova que, por ser, por natureza, objectivado, é possível de ser tido em posse.

O que a norma em questão não faz, todavia, é exigir um tipo específico de documento para prova das circunstâncias a que se refere. Ou seja: se, efectivamente, a norma em causa impõe que o sujeito passivo possua prova documental “de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”, já não impõe um tipo de documento específico para essa prova.

Tal exigência, de resto, justificar-se-á, não por uma qualquer devoção formalista do tipo de imposto em causa, ou da respectiva regulamentação, mas pela essencialidade de que a comunicação em causa (ou a devolução material do imposto) se reveste para que se crie na esfera jurídica do adquirente do bem ou serviço vendido pelo sujeito passivo, a obrigação de não deduzir o imposto regularizado por aquele, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

A prova que o sujeito passivo que proceda a uma regularização de IVA deve possuir terá de ser documental, podendo, todavia, consistir em qualquer documento idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.

O que vem de se dizer – relativamente à exclusividade do meio documental como prova do conhecimento, pelo adquirente, da rectificação – não quer dizer que a prova testemunhal seja de todo inadmissível ou irrelevante na matéria em questão. Com efeito, como decorre, desde logo, do artigo 393.º/3 do Código Civil, as regras relativas à prova legal “não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”.

(…)

Esta idoneidade terá, com efeito, de ser aferida em concreto, verificando-se se dos documentos apresentados, e tendo em conta o contexto da respectiva produção, se retira, ou não, “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação”, com a segurança necessária a poder afirmar-se que na esfera do adquirente do bem ou serviço vendido pelo sujeito passivo, se gerou a supra-referida obrigação de não deduzir o imposto regularizado pela Requerente, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

(…)

Ora, neste caso, como assinala a Requerente, a AT tinha a possibilidade de, sem dificuldades previsíveis, verificar se, de facto, no quadro documental apresentado pela Requerente, a adquirente dos bens vendidos por esta – ou seja, a C... – teve ou não conhecimento das rectificações efectuadas por aquela.

Com efeito, através da recolha de prova junto da C..., cruzada com informação que a própria AT já disporia, decorrente do cumprimento dos diversos deveres acessórios que sobre aquela impendem, seria apurável com previsível facilidade se, em que medida, é que a C... tomou conhecimento das rectificações levadas a cabo pela Requerente, e ora em questão.

Não se trata aqui, note-se, de a AT se substituir à Requerente em qualquer ónus probatório que lhe assista. Com efeito, como se notou, a Requerente deu resposta a tal ónus, embora de um modo não totalmente conclusivo. As dúvidas que, legitimamente, se suscitam face à documentação na posse da requerente, seriam, contudo, de dissipação fácil – para um lado ou para o outro –  mediante o cruzamento de informação com a situação tributária da C.... E nada se antevê que obstasse ou dificultasse, ao órgão instrutor do procedimento tal diligência que, note-se, está absolutamente fora do alcance da Requerente, por um lado, e, por outro, apenas se revela como necessária face às dúvidas – legítimas, reforça-se – suscitadas pela AT face à documentação na posse da Requerente.

Essa actuação será tanto mais exigível quanto estamos perante um imposto relativamente ao qual a neutralidade fiscal é especialmente prezada e prosseguida pelo legislador, sendo que aquele valor jurídico sairá fortemente penalizado se, em função do défice instrutório perpetrado, e ao arrepio também da justiça material que legislativamente se deseja que presida à tributação, ocorrer um tributação simultânea, não justificada, na esfera da Requerente e na esfera da C....

É que, como se escreveu no Acórdão do STA de 03-09-2014, proferido no processo 0718/14, a AT deve “ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar-lhe esclarecimento de dúvidas e solicitar-lhe elementos de prova adicionais ou complementares.”, desde que por aquele “tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova”, sendo certo que se é exigível à AT que solicite ao próprio contribuinte o esclarecimento de dúvidas, mais premente o será que solicite a terceiros esse esclarecimento, sobretudo nos casos em que o mesmo seja susceptível de resultar do cumprimento de deveres declarativos, ou outros deveres acessórios desses terceiros.

Também no Acórdão do STA de 21-10-2009, proferido no processo 0583/09, se sumariou que:

“III – Porém, e na decorrência do princípio do inquisitório, a AF pode exigir ao contribuinte outras provas e efectuar, face a tal princípio, as diligências tendentes a demonstrar a afectação de tais pagamentos àquela finalidade.

IV – No limite, pode efectuar uma inspecção à escrita do empreiteiro, diligência que está vedada ao contribuinte.

V – O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova.”

Neste último aresto, escreveu-se que:

“A AF tinha a possibilidade de proceder a uma inspecção da escrita desse destinatário, em ordem a apurar a prova e a causa desses pagamentos.

Possibilidade que estava de todo vedada à recorrente.

Dito isto, é possível concluir que a AF não podia sem mais recusar os comprovativos apresentados (...), sem efectuar outras diligências que comprovadamente só ela AF podia efectuar, não estando na disponibilidade e poder do contribuinte realizar.

E é igualmente de concluir, face à questão que colocamos anteriormente, que a realização de tais diligências não constituiriam um ónus excessivo para a administração.

Mal andou pois a AF em recusar sem mais os comprovativos apresentados (...), sem inquirir o seu destino, nos termos atrás apontados.”.

Ao omitir injustificadamente as diligências necessárias e exequíveis destinadas a apurar junto do adquirente dos bens da Requerente se aquele, efectivamente, tomou conhecimento das rectificações de imposto encetadas por esta, ora em apreço, como sustenta a Requerente que os documentos por si possuídos revelam, ou não, limitando-se à realização de diligências internas, e no domicílio fiscal do mandatário e no gabinete de contabilidade "B..., Ld.ª", incorreu a AT em preterição de formalidade legal, por violação dos artigos 6.º do RCPIT, e 58.º da LGT, que gera a anulabilidade dos actos tributários finais, na parte ora em questão.

(…)”

Note-se que, neste contexto, a jurisprudência do TJJUE tem entendido que as exigências impostas pelas Administrações Fiscais dos Estados membros quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder, em caso de redução do preço depois de efectuada a operação, a uma redução do valor tributável, não poderão pôr em causa os princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade. Tais princípios exigem “que o Estado-Membro permita que o sujeito passivo demonstre através de outros meios, perante as autoridades fiscais nacionais, por um lado, que efetuou as diligências necessárias nas circunstâncias do caso concreto para assegurar que o adquirente dos bens está na posse da fatura retificada e de que dela teve conhecimento e, por outro lado, que a operação em causa foi efetivamente realizada em conformidade com as condições enunciadas na referida fatura retificada.” 

No que respeita aos elementos de prova que podem ser utilizados pelos  sujeitos passivos, o TJUE indica designadamente os seguintes “cópias da factura retificada e do lembrete dirigido ao adquirente dos bens e serviços para efeitos de envio do comprovativo da receção, provas dos pagamentos ou a apresentação dos registos contabilísticos que permitam identificar o montante efetivamente pago ao sujeito passivo a título da operação em causa, pelo adquirente dos bens ou serviços.” 

Note-se ainda a este propósito que a simples qualificação de um documento como “interno à empresa” não deverá prejudicar, sem mais, a idoneidade do mesmo como elemento de prova dos factos invocados pelo contribuinte. Se a AT suspeita da veracidade da nota de crédito emitida pelo contribuinte e dos lançamentos contabilísticos registados a propósito das regularizações registadas no extrato de conta do adquirente em apreço, deverá suscitar a questão da falsidade dos documentos.

Para além disso, a AT tem possibilidade, no uso dos seus poderes inspectivos, de apurar se a regularização tem ou não correspondência na contabilidade da Requerente, e a falsidade dos documentos apresentados é susceptível de implicar responsabilidade criminal de quem os emitiu e de quem os utilizou.

Por outro lado, estando em causa igualmente créditos incobráveis importa salientar que o n.º 7 do artigo 78.º na redação à data em vigor estabelecia que: “Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:

a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil;

b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado ou após homologação da deliberação prevista no artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

Ora, cumprirá neste contexto salientar que o CIRE não prevê a homologação da deliberação da Assembleia de Credores, ao abrigo do disposto no artigo 156.º.

Por último, resulta ainda particularmente relevante o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea g), do Código do IVA, quanto à obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização deste imposto. Assim se explica que os sujeitos passivos se encontram obrigados a dispor de contabilidade organizada, devendo observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu adequado controlo e fiscalização  (cfr. artigos 44.º a 52.º do Código do IVA).

É este o quadro legal de acordo com o qual importa, assim, aferir se a Requerente tinha, ou não, na sua posse, prova cabal de que o adquirente dos serviços que prestou tomou conhecimento da rectificação do imposto e se a pretensão da AT face aos factos em apreço será proporcional face à ratio legis da aludida norma.

 

3.2 Indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia no âmbito dos respectivos processos de execução fiscal para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo, invocando que deve, por isso, ser indemnizada nos termos e para os efeitos do artigo 53.º da LGT.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

IV. Enquadramento da situação controvertida

 

Vista a matéria de facto dada como provada e o enquadramento jurídico, bem como as orientações jurisprudenciais e administrativas, resta-nos então proceder ao enquadramento das situações em apreço.

Vejamos então.

 

1. Dedução indevida de imposto por falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA

 

Vimos que estamos perante três tipos de situações: i) Facturas que nunca chegaram a ser enviadas aos clientes/adquirentes, e consequentemente também nunca foram enviadas as correspondentes notas de crédito que continuam na posse da Requerente; ii) Facturas que os clientes/adquirentes comprovadamente não contabilizaram e o mesmo se diga em relação às notas de crédito; e, (iii) Falta de comunicação da regularização a um cliente estrangeiro.

É certo que, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, contudo, importa em especial notar que, à data da emissão dos documentos em causa, de acordo com o software utilizado pela Requerente, a impressão de uma 2.ª via das facturas implicava a aposição de uma expressão que indicava não se tratar do documento original.

Todas as facturas emitidas pelos programas de facturação certificados, como é o caso, aparecem no SAF-T e são originais. Nos programas de facturação certificados as segundas vias aparecem identificadas como tal.

É certo que, nos termos das regras constantes do CIVA, impendia sobre a Requerente a obrigação de emissão de factura e respectivo envio ao adquirente, assim como da nota de crédito, o que não veio a acontecer em parte dos casos, alegando a Requerente que as facturas nunca chegaram a ser enviadas encontrando-se na posse dos originais das facturas e das respetivas notas de crédito, tendo procedido a uma anulação interna de um documento. Contudo, sempre se perguntará se será proporcional e adequado, no contexto legal, jurisprudencial e doutrinal que acabámos de citar e atentos os factos vindos de dar como provados, impedir o direito à dedução num caso como o vertente e afigura-se-nos que não. Com efeito, tal como a Requerente alega, não tendo sido enviadas as facturas nem as notas de crédito, e podendo a AT certificar-se de tal facto através do sistema SAF-T, não poderia ser exigido comprovativo de o adquirente ter tomado conhecimento da rectificação de IVA.

Quanto às facturas que os clientes/adquirentes comprovadamente não contabilizaram e o mesmo se diga em relação às notas de crédito, a Requerente apresentou os extractos contabilísticos dos seus clientes, que comprovam a não contabilização das notas de crédito ou das facturas que estas anulam, tendo os referidos extractos sido apresentados à AT durante o processo de fiscalização.

Logo no decorrer da inspecção tributária, confirmou a Requerente, junto das entidades adquirentes supra identificadas que, quer as notas de crédito, quer as facturas iniciais que foram anuladas por estas, não tinham sido alvo de contabilização pelas respectivas entidades tendo a Requerente promovido a obtenção de elementos probatórios complementares que se afiguram e credíveis.

Por último, a AT poderia ter-se certificado que os adquirentes não deduziram o IVA.

Excepciona-se, contudo, do que acabámos de concluir, a situação relativa à factura n.º 6307139705, emitida para M..., com o NIF FR..., no valor de € 350,00 + IVA 80,50, relativo a um transporte realizado a 26-12-2012, Villiers.

A este propósito vem a Requerente essencialmente fundamentar a sua pretensão no facto de, dado estarmos perante um cliente estrangeiro, ser inócua uma comunicação de regularização, visto não ser possível ao sujeito passivo estrangeiro regularizar a favor do Estado o IVA que nunca deduziu, já que não lhe assistia esse direito.

Esquece-se pois desde logo a Requerente da existência do mecanismo da restituição do IVA suportado por adquirentes estrangeiros previsto no Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto,  pelo que tal afirmação não é exacta.

Ora, tal como nota a AT, o n.º 5 do artigo 78.º do CIVA, não excepciona nem desobriga da exibição de comprovativo da prova de que o cliente tomou conhecimento da regularização de imposto pelo facto de estarmos perante um sujeito passivo nacional ou outro.

Termos em que se conclui não assistir razão à Requerente neste aspecto, não procedendo o pedido.

Assim sendo, tendo em consideração o princípio da neutralidade que rege este tributo e o princípio da proporcionalidade, é de proceder o pedido no tocante às referidas regularizações de IVA, com excepção do montante de 80, 50 euros de IVA relativo à aludida factura n.º 6307139705 emitida a cliente estrangeiro.

 

2. Regularização indevida de IVA de créditos incobráveis

 

Tal como a Requerente invoca, não apresentou a homologação da deliberação da Assembleia de Credores sobre o Relatório do Administrador, porque esta não existe. O CIRE não prevê a homologação da deliberação da Assembleia de Credores, ao abrigo do disposto no artigo 156.º, pelo que se impõe apurar se de facto há elementos que permitam suprir as informações em falta.

Neste contexto e tal como alega, “Ora, os documentos apresentados pela Requerente satisfazem plenamente os objetivos que o legislador procurou assegurar com o disposto no artigo 78º, nº 5, alínea b). 111. Como efeito, como doc. 8 junta-se a certidão emitida pelo Juízos Cíveis de Coimbra que atesta o que o crédito da Requerente no valor de € 30.039,28, sobre a sociedade B..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 02/01/2013. 112. Como doc. 9 junta-se a certidão emitida pelo Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão que atesta que o crédito da Requerente no valor de € 11.652,67, sobre a sociedade C..., S.A., foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 27/08/2012. 113. Como doc. 10 junta-se a certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Braga que atesta que o crédito da Requerente no valor de € 197.05, sobre a sociedade D..., Lda, foi reconhecido e que nada lhe foi pago, tendo a Sentença transitado em julgado em 18/12/2012.”

Termos em que se considera assistir razão à Requerente quanto a este aspecto, considerando-se que os documentos apresentados possibilitam a regularização de imposto respeitante a créditos considerados incobráveis.

 

3. Indemnização por prestação de garantia indevida

 

No caso em apreço, os erros que afectam as liquidações são parcialmente imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que as correcções que efectuou foram da sua iniciativa.

Nestes termos, a Requerente têm direito a ser indemnizada pelos prejuízos derivados da garantia prestada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança da quantia liquidada.

Neste contexto, tendo-se concluído pela existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo e verificando-se os demais pressupostos previstos nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, deverá a AT ser parcialmente condenada no pagamento dos referidos custos inerentes à prestação das garantias.

Contudo, não tendo sido alegados e provados os encargos que suportou para prestar a garantia, é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste Acórdão.

 

4. Valor do processo

 

Importa, por último, apurar o valor do presente processo. Como refere o artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ora, nos termos do mencionado artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, “os valores atendíveis [...] quando seja impugnada a liquidação, [são os] da importância cuja anulação se pretende”.

Considerando que o valor total das liquidações emitidas é de € 27.700.17 e o valor das correcções aceites é de € 4.974,57, conclui-se que o valor a anular é de 22.725,60 e não de € 22.184,64, como foi indicado na PI.

Assim sendo, o valor do presente pedido arbitral, inicialmente apontado pela Requerente como sendo € 22.184,64, terá de ser aumentado, nos termos do disposto no artigo 97.º-A do CPPT (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), para o valor de € 22.725,60.

 

V. Dispositivo

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes à falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA, e, em consequência, anular, as liquidações de IVA no montante peticionado de € 16.550,41 e dos respectivos juros compensatórios;

b) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes à falta de prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação de IVA no tocante às notas crédito emitidas para anulação de uma factura emitida a um cliente não residente, e, em consequência, manter as liquidações de IVA no montante peticionado de € 80, 50 euros de IVA relativo à aludida factura n.º 6307139705 emitida a cliente estrangeiro e dos respectivos juros compensatórios;

c) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes à regularização indevida de IVA de créditos considerados incobráveis, e, em consequência, anular, as liquidações de IVA no montante peticionado de € 8.905,87e dos respectivos juros compensatórios;

d) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes à dedução indevida de imposto relativo à aquisição por cliente estrangeiro, em consequência, manter, as liquidações de IVA no montante peticionado de € 1.538,73 e dos respectivos juros compensatórios;

e) Fixar o valor do presente processo em € 22.725,60;

d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, com referência ao valor cuja anulação foi determinada, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença;

e) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 22.725,60 (vinte e dois mil, setecentos e vinte e cinco euros e sessenta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas é fixado em €1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros) a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Requerente, na proporção dos respectivos decaimentos, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 5, do RCPAT e da Tabela I anexa a este último.

 

Notifique -se

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 23 de Junho de 2020

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco. A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

 

A Árbitro

Clotilde Celorico Palma