Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 481/2020-T
Data da decisão: 2021-05-31  IRS  
Valor do pedido: € 100.674,45
Tema: IRS. Mais-valias. Reinvestimento. Garagem anexa a habitação. Despesas com melhoramento do imóvel adquirido. Despesas com emolumentos e impostos
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Decisão Arbitral

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Augusto Vieira e Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-12-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A…¸ NIF: …, com domicílio fiscal em …, …, (doravante a “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2017, com o n.º 2020 5003326318 (n.º de Acerto de Contas 2020 00012742283), a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020 00003323409 e a respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 00000081001.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 25-09-2020.

Em 13-11-20209, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17-12-2020.

Em 30-10-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente o acto de liquidação.

Em requerimento de 03-02-2021, a Requerente manteve a pretensão inicial.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defende que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Em 23-02-201, a Requerente veio juntar uma nova liquidação de IRS, com o n.º 2020 ..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da revogação parcial.

No requerimento com que apresentou a nova liquidação, a Requerente diz que o «valor ainda não é o correto, porquanto não foram tidas em conta pela “AT” todas as despesas por si realizadas - quer as despesas necessárias à venda do imóvel de que resultou o rendimento; quer as necessárias a conferir habitabilidade ao prédio respeitante à sua habitação permanente onde a A. fez o reinvestimentos».

 Em 18-05-2021, realizou-se uma reunião com as partes, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos:

A.           A Requerente era proprietária de um imóvel sito na Rua ... nº 17, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do … sob o artigo ... (anterior artigo … da extinta freguesia da ...) (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B.            O referido prédio foi adquirido pelo preço de PTE 2.000.000$00 (quantia equivalente a € 9.975,96) através de contrato de compra e venda celebrado em 14-12-1983, pela Requerente e o seu marido, B… (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C.            Em escritura de partilha, celebrada em 27-07-1994, na sequência de sentença de dissolução de casamento por divórcio por mútuo consentimento era, no âmbito da partilha pela dissolução do matrimónio, o prédio referido foi adjudicado à Requerente, pelo valor de PTE 280.000$00 (quantia equivalente a € 1.396,63), correspondente à sua meação no valor total do bem a partilhar, que era de PTE 560.000$00 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D.             Em 27-01-0217, a Requerente vendeu o prédio referido, pelo valor de 585.000,00€ (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E.            A Requerente reinvestiu a quantia de € 205.000, recebida pela venda do imóvel,  na aquisição de nova habitação própria de residência permanente, tendo adquirido em 26-07-2017, pelo valor de € 205.000,00 duas frações autónomas (correspondentes a habitação e aparcamento automóvel) situadas na …, n.º 16, identificadas respetivamente pelas frações “AO” (habitação) e “M” (aparcamento) do prédio inscrito na matriz predial urbana, União de Freguesias de ... ,..., ..., ..., ... e ..., sob o número 12478 e descrito na Conservatória de Registo Predial do … sob o número 801 da mesma freguesia, sendo de € 194.500,00 e € 10.500,00, respectivamente os valores das fracções (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F.            Nesta escritura foi declarado pela Requerente a «a fração autónoma "AO" se destina a habitação própria permanente, constituindo a fração "M" complemento daquela e que tem conhecimento das obras a serem efetuadas no referido prédio»;

G.           Em 20-05-2018, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017, a qual foi acompanhada dos anexos G e G1, em que referiu, além do mais, os seguinte:

•             no campo 4001 do quadro 4 do sobredito anexo G fez constar haver alienado em Julho de 2017, pelo montante de € 585.000, o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do …, sob o artigo ..., a qual declarou haver adquirido em Julho de 1994 pelo valor de € 395.000;

•             declarou haver suportado despesas e encargos com a valorização daquele bem, ou inerentes à sua aquisição e/ou alienação, na importância de € 620,00;

•             fez constar dos campos 5001 e 5002 do quadro 5 do mesmo anexo as referências “2017” e 4001”;

•             declarou ainda nos campos 5006 “[[v]alor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)]” e 5008” [[v]alor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito)]” do mesmo quadro o montante de € 205.000;

•             informou pretender efectuar o reinvestimento declarado na aquisição das frações designadas pelas letras “M” e “AO” do prédio inscrito na matriz predial urbana da mesma união de freguesias sob o artigo 12478;

•             declarou ainda, no campo 501 do quadro 5 do anexo G1 a alienação pelo montante de € 395.000 do imóvel supra referido, que declarou haver adquirido em Dezembro  de 1983 pelo montante de € 10.000,00;

 

H.           Com base na entrega desta declaração foi efetuada em 22-05-2018 em nome da Requerente a liquidação de IRS nº 2018 5004215308, no âmbito da qual não foi apurado qualquer montante de imposto a pagar ou reembolsar, mas concluindo-se pelo montante total de perdas a reportar de € 25.785,00;

I.             Em 07-04-2020 foi instaurado, em nome da ora Requerente, no Serviço de Finanças de … 2, um procedimento de gestão de divergências determinado pelo motivo subordinado ao código “D25”, que corresponde a “reinvestimento em imóveis”, que foi encerrado em 13-06-2020, no estado de “[f]indo com correções”;

J.             Com base nas conclusões apuradas no procedimento de gestão de divergências foi oficiosamente elaborada em 03-06-2020, em nome da ora Requerente, uma declaração modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2017, a qual foi acompanhada apenas por um anexo G, em que passou a constar:

•             do campo 4001 do quadro 4 do anexo G o valor de aquisição de € 2.784,56, tendo-se mantido o valor de aquisição declarado;

•             despareceu da última coluna do mesmo qualquer referência a despesas e/ou encargos;

•             os valores mencionados nos campos 5005 e 5008 do quadro 5 do mesmo anexo foram (ambos) alterados para o montante de € 194.500,00;

K.            Com base nos valores constantes do anexo G da declaração oficiosa foi efetuada em

13-06-2020 em nome da requerente a liquidação de IRS nº 2018 500 3326318, no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 87.219,54, ao qual acresciam as importâncias de € 5.969,18, a título de sobretaxa e € 7.485,73 de juros compensatórios, que perfez o montante total a pagar de € 100.674,45;

L.            Em 23-09-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, impugnando esta liquidação;

M.          Em 30-10-2020, a Senhora Sub-Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente a liquidação referida, com os fundamentos da Informação que consta do documento junto com a resposta apresentada no presente processo pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido;

N.             Nessa Informação, refere-se além do mais o seguinte:

Temos, assim, que do campo 4001 do quadro 4 do anexo G da declaração modelo 3 relativa ao IRS de 2017 respeitante à ora requerente apenas deve constar o valor de realização correspondente a uma quota-parte de 50% do mesmo (a adquirida em 1994), no montante de € 292.500 (equivalente a metade do valor de alienação, que ascendeu a € 585.000), bem como o valor de aquisição de € 1.396,63 (o correspondente em euros aos 280.000$00 constantes da escritura).

E não € 4.687,16 como sustenta a requerente no ponto 33 e na primeira conclusão do requerimento de prolação de decisão arbitral apresentado.

O valor correspondente aos restantes 50% deverá constar do campo 501 do quadro 5 do

anexo G1, posto esta quota-parte haver sido adquirida antes da entrada em vigor do Código do IRS (CIRS).

Pelo que, nos termos do nº 1 do art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, não estão os ganhos

resultantes da respetiva alienação sujeitos a IRS.

Assim, no campo 501 do quadro 5 do anexo G1 deverá ser indicado o valor de alienação de € 292.500 e o valor de aquisição de € 4.897,98, correspondente a 1.000.000$00 (posto o imóvel haver sido adquirido – à época – por ambos os cônjuges pelo valor global de 2.000.000$00).

E não de € 60.493,05, como afirma a requerente no ponto 31 e na última conclusão do

requerimento que apresentou, porquanto os valores de aquisição são os mencionados no art. 46º, números 1 e 2 do CIRS.

Assim, o valor que - ao tempo - havia a considerar para efeitos de sisa foi o de 1.000.000$00 (de que a transmissão ficou isenta – cfr. fl. 57-verso dos autos), pelo que cumpre considerar, para efeitos de valor de aquisição, o seu contravalor em euros (€ 4.987,98).

De referir ainda que, com a reorganização administrativa das freguesias operada pela Lei nº 11-A/2013, de 28/01, a freguesia da ... (no concelho do …) foi extinta, passando a ser criada, no mesmo município, a União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ....

Por sua vez, ao artigo … da extinta freguesia das ... – mencionado nas escrituras cujas

cópias foram juntas pela contribuinte ao requerimento de prolação de decisão arbitral sob os documentos números 1 e 2 - passou a corresponder o novo artigo ... da União de Freguesias identificada no parágrafo que antecede – cfr. fls. 76 a 82 dos autos.

Que foi aquele que a ora requerente alienou – cfr. supra, ponto 2.2 e fls. 22 e 97 a 70 dos

mesmos autos e documento anexo ao requerimento de prolação de decisão arbitral sob o nº 3.

Procede, pois, nesta parte, a pretensão da ora requerente.

 

2 - Que pretendia fosse considerado o valor de € 20.000 - pago a título de indemnização – à locatária de parte do imóvel alienado como despesa relativa à respetiva alienação (ou encargo com a sua valorização).

Vejamos:

A norma em que a pretensão da requerente se poderia estribar é a al. a) do art. 51º do CIRS, que estatui:

“Artigo 51.º

Despesas e encargos

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.

Conforme expresso no texto da norma, o pagamento da indemnização terá de estar comprovado.

No caso em apreço, temos apenas uma declaração de “revogação de contrato de arrendamento”, assinada pela locatária (sem qualquer reconhecimento – ainda que simples – da respetiva assinatura), em como recebeu a quantia de € 20.000, junta ao requerimento sob o doc. nº 24 – cfr. fl. 83 dos autos.

Não é anexa ao pedido de prolação de decisão arbitral nenhuma cópia de meio de pagamento, sendo apenas efetuada alusão a um cheque.

Também não o sendo nenhum elemento bancário relativo à movimentação ou depósito do cheque em questão.

E observando a declaração modelo 3 da arrendatária relativa ao ano de 2017, constata-se que esta apenas foi acompanhada do anexo A, no qual tão só é declarado o recebimento de pensões, no montante total de € 8.242,64 – cfr. fls. 84 a 86 dos autos.

Ora, segundo a al. e) do nº 1 do art. 9º do CIRS, constituem incrementos patrimoniais “[a]s indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.”

Destarte, a apresentação, pela ex-inquilina, de uma declaração de recebimento de indemnização por “revogação de contrato de arrendamento”, sem qualquer formalidade adicional (nem um reconhecimento simples de assinatura, não obstante o elevado valor envolvido), desacompanhada pela menção, por parte daquela, na sua modelo 3 relativa a 2017 do recebimento dessa mesma indemnização, não satisfaz o requisito, patente na parte final da al. a) do nº 1 do art. 51º do IRS segundo o qual, para poder acrescer ao valor de aquisição, a indemnização se deveria configurar como comprovadamente paga.

Pelo que não é possível aceitar este montante como despesa ou encargo que deva acrescer ao valor de aquisição nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do nº 1 do art. 51º do CIRS.

Assim decaindo a pretensão da requerente.

 

3 - Que declarou haver reinvestido o valor de € 205.000 na aquisição de uma fração destinada à sua habitação própria e permanente.

Todavia, a AT apenas considerou, a este título, o montante de € 194.500, o que a contribuinte contesta.

Observando o ponto 83 do requerimento de constituição de tribunal arbitral, constata-se que nele é a própria requerente quem decompõe aquele valor, o que faz nos seguintes termos:

- Fração destinada a habitação: € 194.500.

- Fração complementar destinada a garagem: € 10.500.

Examinando os “prints” extraídos com recurso ao sistema informático da AT, constata-se que aqueles imóveis constituem as frações autónomas designadas pelas letras M (afeta a estacionamento) e AO (afeta a habitação) – cfr. fls. 49-verso e 52-verso dos autos.

Tratam-se, pois, de frações distintas e independentes, com afetações também diferentes.

Ora, a al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS (que abaixo se transcreve) apenas exclui de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos que sejam reinvestidos – no caso - na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino (nosso negrito).

Sendo que os vários tipos de prédios surgem discriminados no Código do IMI.

Primeiro, a mais elementar distinção entre rústicos e urbanos (ou mistos) – artigos 3º a 5º.

E depois os vários subtipos de prédios urbanos, previstos nas várias alíneas do nº 1 do art. 6º do mesmo compêndio, a saber:

“Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção (…)

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”

Temos, assim, que enquanto a fração AO constitui um imóvel habitacional, a fração M se enquadra na categoria de “outros”, visto ter como destino normal outros fins que não para habitação, comércio, indústria ou serviços, nem constituir um terreno para construção.

Escapa, deste modo, à possibilidade de constituir local de habitação de quem quer que seja.

Logo – e por maioria de razão – de habitação própria e permanente de alguém.

De resto, há muito que a AT assim vem entendendo.

Efetivamente, já em 2010 a (então) DGCI entendia que nesta norma de não sujeição (art. 10º, nº 5 do CIRS) se não enquadravam os arrumos, despensas ou garagens quando constituindo frações autónomas.

Isto mesmo quando desempenhassem funções complementares da habitação – cfr. ficha

doutrinária produzida no âmbito do processo 6833/2010, acessível através do Portal das

Finanças-) Cidadãos -) Informação fiscal e Aduaneira-) Informação Fiscal-) Informações Vinculativas.

De resto, esta posição seguia já um entendimento pacífico da DGCI, concretizado a propósito da isenção do (então vigente) Imposto Municipal de Sisa, constante do ponto 9 da Circular nº 10, de 05/05/1989 (acessível também através do Portal das Finanças-) Cidadãos -) Informação fiscal e Aduaneira-) Informação Fiscal-) Legislação/Instruções Administrativas-) Instruções Administrativas-) DGCI-) Circulares DGCI), segundo o qual “deverá considerar-se que ficam abrangidos pela isenção ou redução de taxa apenas os arrumos, despensas e garagens que façam parte da inscrição matricial do prédio ou fração destinados a habitação, ficando sujeitos à taxa geral de 10% os que constituírem ou façam parte de outra fração autónoma ou outro prédio.”

Ou seja:

Quer na consideração para efeitos de isenção de Imposto Municipal de Sisa (ao qual sucedeu o atual IMT), quer para efeitos de afastamento da tributação (por motivo de reinvestimento) em sede de IRS a administração fiscal seguiu a mesma linha de raciocínio:

Afastar ambas as possibilidades quando os arrumos, despensas ou garagens constituíssem frações autónomas.

É o que sucede no caso em apreço.

A fração habitacional é a representada pelas letras AO, enquanto a destinada a estacionamento está inscrita na matriz sob a letra M.

São frações física e matricialmente distintas.

Com natureza – determinada pelos fins de cada qual – igualmente diferente.

Só a fração AO se configurando como suscetível de constituir o local de habitação própria e permanente de uma (ou mais) pessoa(s).

Pelo que só ela satisfaz o requisito (ser destinada a habitação própria e permanente) previsto no nº 5 do art. 10º cuja satisfação se torna necessária para que possa operar a exclusão de tributação nele prevista.

Assim, criticas não merece o facto de os serviços da AT apenas haverem considerado o valor aplicado na aquisição desta mesma fração como passível de ser considerado a título de reinvestimento para os efeitos previstos no sobredito nº 5 do art. 10º do CIRS.

Pelo que também nesta parte a pretensão da requerente não procede.

 

4 – Que, além do valor aplicado na aquisição das duas frações supra identificadas, pretende ainda seja considerado o valor de reinvestimento de € 24.520,58 respeitante a:

- Despesas incorridas na sua aquisição (€ 5.210,31 de IMT, € 1.640 de IS e ainda € 440 de

emolumentos de registo predial das mesmas – cfr. documentos anexos ao requerimento de prolação de decisão arbitral sob os números 16 a 18 e fls. 39 a 43-A e 62 dos autos) e:

- Encargos que reputou necessários para dotar o imóvel adquirido de condições de

habitabilidade, no montante de € 17.230,27 – cfr. documentos ao mesmo anexos sob os

números 19 a 23 e fls. 62-A a 66.

4.1 - Comecemos por analisar a referida pretensão no tocante às despesas relativas a

impostos e emolumentos de registo predial:

Observemos, para esse efeito, a letra da al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, a qual estatui:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal”.

Texto legal que é bem diferente do plasmado na al. a) do nº 1 do art. 51º do mesmo compêndio, acima transcrito e que – esse sim – se reporta a “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.

Mas que, conforme o corpo do preceito expressamente refere se aplica para efeitos de “determinação das mais-valias sujeitas a imposto”, o que significa que a respetiva eficácia incide sobre o imóvel alienado - pois é essa mesma alienação que é suscetível de gerar mais-valias - e não àquele (eventualmente) adquirido com o produto - ou parte dele - resultante dessa mesma alienação.

Para efeitos de consideração de uma determinada verba como reinvestimento temos, pois, de nos cingir à previsão da al. a) do nº 1 do art. 10º, nº 5.

E essa reporta-se apenas à aquisição, construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, mas não a outras despesas inerentes a essa mesma aquisição, como seja o caso dos impostos ou dos emolumentos registais.

A diferença na redação de ambas as normas é, por si só, tão evidente que cremos serem

desnecessários maiores aprofundamentos.

Destarte, dúvidas não restem que os montantes correspondentes a impostos devidos pela aquisição de um imóvel com o produto da venda de outro (ambos destinados a habitação própria e permanente do respetivo proprietário), bem como o valor devido pelo registo dessa mesma aquisição não são passíveis de integrar o conceito de reinvestimento para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em sede de IRS.

Pelo que também nesta matéria fenece a pretensão da requerente.

 

4.2 – Que anexa cópias de três faturas, de um orçamento e de uma adenda a uma proposta como elementos alegadamente justificativos de encargos com melhoramentos no imóvel adquirido com parte do produto obtido com a venda daquele em que tinha fixado a sua habitação própria e permanente.

Não anexa, porém, elementos comprovativos do pagamento das quantias mencionadas nas mesmas (como cópias de recibos e dos meios de pagamento dos montantes constantes das ditas faturas).

Ora, uma fatura é um documento que atesta uma transação comercial entre duas pessoas (individuais e/ou colectivas) que deve conter informação sobre o produto transmitido ou o serviço prestado, bem como a quantidade e o valor desta transação ou prestação.

Enquanto o recibo constitui o documento comprovativo de que o cliente – no caso, a ora

recorrente – pagou a totalidade (ou uma parte, se tal tiver sido convencionado) dos produtos adquiridos ou serviços contratados.

Constituindo, pois, realidades documentais distintas.

Só o recibo se configurando como comprovativo de efetivo pagamento de um bem ou serviço.

No caso em análise, está em causa o conceito de reinvestimento.

Concretamente, do reinvestimento de uma mais-valia.

Esse reinvestimento só operará com o pagamento das quantias relativas às operações

económicas em que tal reinvestimento se traduz.

Na presente situação, no pagamento das importâncias devidas pelas várias operações que conduziram à ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido com o produto da sobredita mais-valia.

Cuja comprovação cabia à requerente efetuar.

Porquanto dispõe o art. 74º, nº 1 da LGT que:

“1 - [O] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

– Em linha, aliás, com o disposto no nº 1 do art. 342º do Código Civil, a saber:

“Artigo 342º - Ónus da prova

1 – Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito

alegado.”

Código Civil que, de resto – e de acordo com a al. d) do art. 2º da LGT – é supletivamente

aplicável às relações jurídico-tributárias.

O que, nos termos supra plasmados, teria de fazer através da exibição dos recibos comprovativos do pagamento dessas mesmas aquisições de bens e/ou serviços, ou, no

mínimo, de documentos relativos a transferências de verbas relativas aos pagamentos de tais aquisições.

A requerente junta ainda, como documentos anexos ao requerimento de constituição de tribunal arbitral, sob os números 22 e 23 – cfr. fls. 65 e 66 dos autos – cópia de um orçamento e uma adenda a uma proposta (certamente, também de orçamento).

Sendo certo que é uma conclusão de experiência comum que não constituir um orçamento prova de uma operação comercial.

Pois consiste numa avaliação do montante devido por uma prestação de serviços (incluindo, eventualmente, também o montante dos bens a utilizar na execução dessa mesma prestação).

Por maioria de razão, uma adenda a uma proposta também não demonstra a existência de uma operação económica.

Limita-se a alterar uma proposta anterior.

Ora, uma proposta consiste na demonstração de uma intenção (no caso, de contratar).

Mas não atesta a concretização dessa mesma intenção.

Pelo que os documentos anexos relativos a um orçamento e a uma adenda a uma proposta são absolutamente insuscetíveis de comprovar a prática de uma transação comercial.

Não podendo, assim, constituir elementos justificativos de despesas efetuadas por alguém.

Fosse a requerente ou qualquer outro(a) cidadão(ã).

Pelo que também nesta parte se não acolhe a posição da contribuinte.

Posição essa que – nos termos acima expostos (ponto 1) - é acolhida no tocante ao desdobramento em duas quotas-partes de 50% da consideração do valor de alienação.

Devendo constar o montante de € 292.500 no campo 4001 do quadro 4 do anexo G (com o valor de aquisição de € 1.393,63).

E os restantes € 292.500 no campo 501 do quadro 5 do anexo G1 (com o valor de aquisição de € 4.897,98).

No mais, deverão manter-se os valores constantes da declaração oficiosa elaborada pelos serviços da AT – cfr. supra, pontos 2.12 a 2.15 e fls. 26 a 28 dos autos.

Ou seja:

- Sem indicação de qualquer montante a título de despesas ou encargos com a alienação/aquisição ou a valorização do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do … sob o artigo ..., que a contribuinte alienou.

- E considerando, para efeitos de reinvestimento – parcial – do produto da alienação do bem mencionado no parágrafo que antecede, o montante de € 194.500.

 

O.           A decisão de revogação parcial com esta fundamentação foi notificada à Requerente, na sequência do que esta veio apresentar, em 24-11-2020, documentos adicionais, designadamente: 

•             Cópia de um contrato-promessa de compra e venda do prédio que posteriormente vendeu, celebrado em 12-10-2016, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

o             «A PROMITENTE VENDEDORA declara que o prédio será vendido totalmente devoluto e livre de quaisquer ônus ou encargos, designadamente do contrato de arrendamento vigente, de que é titular, enquanto arrendatária, C...»;

o             «O contrato definitivo de compra e venda será celebrado no prazo de 15 dias a contar da data em que a arrendatária entregar o arrendado à PROMITENTE VENDEDORA, livre de pessoas e bens, o que deverá ocorrer até ao dia 12 de Janeiro de 2017»;

•             Cópias de dois cheques emitidos pela Requerente em nome de C..., nos montantes de € 7.500,00 e € 20.000,00;

P.            A Requerente tinha arrendado parte do prédio vendido à referida C... e teve de lhe pagar uma  indemnização montante de € 20.000,00, através do cheque n.º 6494444308 para a arrendatária deixar a casa, por o comprador pretender a casa livre (depoimentos das testemunhas D..., E... e F..., e contrato-promessa, cheque que consta do documento n.º 7 e declaração que consta d documento n.º 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

Q.           A casa que a Requerente adquiriu em 2017 estava muito degradada e a Requerente teve de fazer várias obras para a tornar habitável, designadamente a nível de pinturas, aquecimento central, cilindro de aquecimento, estores e instalação eléctrica (depoimentos das testemunhas D..., E... e F...);

R.            O lugar de aparcamento adquirido pela Requerente situa-se na parte inferior do prédio onde está a fracção destinada a habitação, tendo acesso interior daquele a esta (depoimentos das testemunhas E... e F...);

S.            A Requerente suportou despesas fiscais com a aquisição do imóvel, nos valores de € 5.210,31 de IMT, € 1.640,00 de Imposto do Selo e ainda € 440,00 de emolumentos de registo predial para registo das fracções (documentos n.ºs 16, 17 e 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T.            Foram realizadas obras de melhoramento do imóvel adquirido pela Requerente, designadamente as referidas nas facturas que constam dos documentos n.ºs 19 e 20 e 21, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, nos valores de € 3.916,70, € 1.699,93 e € 6.150,00 respectivamente;

U.           Na sequência da revogação parcial da liquidação inicialmente impugnada, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2020 ..., datada de 27-11-2020, com acerto em 09-03-2021, no valor de € 18.145,69, junta pela Requerente em 23-03-2021, cujo teor se dá como reproduzido;

V.           A Requerente foi notificada nos termos que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, para efeitos de «Audição prévia», em que se refere, além do mais o seguinte:

Da análise efetuada (...) à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2017, com a identificação J1935 / 21, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

Não comprovou os valores indicados nos Anexo G e G1 referentes à venda do imóvel sito na Rua ..., n.º 17, ..., … (art. ...2).

Deve, assim, corrigir o Valor de Aquisição de 395.000€ para 2.784,56€ (Valor Patrimonial à data da compra - ano de 1994) e retirar o valor das Despesas (620€) indicados no Quadro 4 do Anexo G.

   Além disso, o Valor do Reinvestimento (205.000€) não pode incluir o Lugar de Estacionamento (fracção "M") mas apenas o montante reinvestido na habitação (fracção "AO").

Deve retirar o Anexo G1 porque não comprovou ter adquirido o art. ...º antes de 1989.

Sobre esta matéria, a Autoridade Tributária enviou-lhe o Ofício GIC-16695705 de 22/05/2018 e o Ofício GI-17649483 de 04/03/2020. ;

Deve, assim, enviar uma declaração de rendimentos de substituição conforme tabela infra.

Caso contrário, procederemos oficiosamente (artigo 65º/CIRS; punível com coima - art. 117a e 119e/RGIT).

 

Deste modo, fica V. Ex.a notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:

(...)

Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60.° da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, poderá apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias, no site www.portaldasfinancas.gov.pt, mediante seleção da opção "Serviços Tributários - Cidadãos - Consultar - Divergências", ou, em alternativa, junto do Serviço de Finanças de …-2, localizado em …, …-… ….

W.          Em 03-06-2020, o Senhor Chefe de Finanças do … 2 manifestou concordância com a informação que consta de páginas 5 a 7 da parte III do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

1.  O sujeito passivo (SP) enviou pela internet, a 20/05/2018, uma declaração de rendimentos para o ano de 2017 (Lote …/21) que foi seleccionada para análise para efeito de comprovação das datas e dos valores indicados nos Quadros 4 e 5 do Anexo G - Mais-valias (alienação de prédio urbano e reinvestimento) e no Quadro 5 do Anexo G1 - Imóveis alienados excluídos de tributação;

2.  No Anexo G, a contribuinte indicou, no Quadro 4, que vendeu, em Julho/2017, o imóvel sito na Rua ..., n° 17, na União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... no concelho do …, com o artigo matricial ...° pelo valor de 585.000€ e que o adquiriu em 1994 por 395.000€; a contribuinte declarou, também, um total de encargos associados á compra e venda daquele imóvel de 620€; no Quadro 5 do mesmo anexo, a contribuinte declarou a intenção de reinvestir 205.000€ e declarou ter concretizado a totalidade desse reinvestimento, no mesmo ano da venda, na aquisição das fracções "AO" e "M" do art. 12478° sito na …, n° …, …;

3.  No Quadro 5 do Anexo G1, a contribuinte declarou ter adquirido, em 1983, parte do imóvel identificado no ponto anterior (art. ...°);

4.  O art. ...°, sito na ..., era a habitação permanente do SP á data da sua venda;

5.  Para comprovação, correcção e/ou esclarecimento da situação descrita nos pontos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) enviou á contribuinte as seguintes notificações:

- Ofício GIC-16695705 de 22/05/2018;

'- Ofício G l-17649483 de 04/03/2020 (devolvido) e

- Ofício GI-17741300 de 20/04/2020 (notificação para audição prévia, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT), em carta registada e que consta no site dos CTT como entregue a 27/04/2020);

6. O SP não respondeu às notificações pelo que não foram apresentados documentos para comprovar as datas e os valores dos Quadro 4 e 5 do Anexo G e do Quadro 5 do Anexo G1;

7.  De acordo com os elementos disponíveis na base de dados da Autoridade Tributária e de acordo com as escrituras remetidas pela Conservatória do Registo Predial do … (escritura de venda de 27/01/2017) e pela Primeira Conservatória do Registo Predial de … (escritura do reinvestimento de 26/07/2017), a nosso pedido, verifica-se que o imóvel vendido em 2017 foi adquirido pela contribuinte em 1994 e a nova habitação permanente foi adquirida por194.500€;

8.  Na ausência do comprovativo do valor de aquisição, terá que se aplicar aqui o previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 46° e no n° 2 do art. 44° ambos do Código de IRS, isto é, o valor de aquisição a considerar para efeito de cálculo do IMT nunca seria inferior ao valor patrimonial, á data de aquisição, do referido art. ...° - 2.784,56€:

"Artigo 46° Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1  - No caso da alínea a) do n° 1 do artigo 10°, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.";

9.  Relativamente às Despesas declaradas no Quadro 4 do Anexo G, o SP não as comprovou;

10. No que diz respeito ao montante declarado no Quadro 5 do Anexo G referente ao Reinvestimento, verifica-se que a contribuinte indicou o valor total de aquisição da nova habitação (fracção "AO") e do aparcamento (fracção "M"), isto é, 205.000€; contudo, nos termos da Informação Vinculativa Processo n° 6833/2010 de 6/Dezembro, os aparcamentos não beneficiam da exclusão de tributação prevista no n° 5 do art. 10°/Código de IRS; o valor de aquisição da fracção "AO" foi de 194.500C e o domicílio fiscal da contribuinte coincide com a localização desta fracção desde 02/08/2017 (antes de decorridos 12 meses desde a sua aquisição conforme prevê a alínea a) do n° 6 do art. 10° do CIRS);

11. A contribuinte não exerceu o direito de audição e, á data de hoje, ainda não consta, na nossa base de dados, a declaração de rendimentos de substituição para o ano de 2017;

12. As notificações foram enviadas para a morada da contribuinte que constava na nossa base de dados à data de emissão das mesmas (nos termos do artigo 19° da LGT) e que se mantém á data de hoje;

13. Assim sendo, proponho a correcção oficiosa da declaração de rendimentos do ano de 2017, nos termos do n.º 4 do art. 65° do CIRS, no sentido de corrigir o valor de aquisição do art. ...° de 395.000€ para 2.784,56€, retirar o valor dos Encargos de 620€ declarados no Quadro 4 do Anexo G, corrigir o valor do reinvestimento indicado nos Campos 5006 e 5008 do mesmo anexo de 205.000€ para 194.500€ e retirar o Anexo G1 porque não foi apresentado nenhum elemento que comprove que o imóvel art. ...° foi adquirido antes de 1989;

14. Ao imposto assim apurado acrescerão os correspondentes juros compensatórios como estipula o art. 91° do Código de IRS e, posteriormente, irá ser levantado o competente auto de notícia nos termos dos artigos 57° e 119° do RGIT;

 

X.            Esta decisão foi notificada à Requerente (página 11 da parte III do processo administrativo);

Y.            Em 19-03-2021, a Requerente pagou a quantia de € 18.922,20, em execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento junto pela Requerente em 23-03-2021, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

2.1.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base ena prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

2.2.2. No que concerne às despesas com reparações para melhoramento do imóvel que a Requerente adquiriu, foram apresentadas facturas nos valores de € 3.916,70, € 1.699,93 e € 6.150,00, em que se refere que «os artigos/serviços faturados foram colocados à disposição do adquirente».

Por outro lado, as testemunhas inquiridas confirmam que foram efectuadas obras de melhoramento do imóvel que estava a necessitar delas, como, aliás, se referiu também na escritura de aquisição em que a Requerente declarou «que tem conhecimento das obras a serem efectuadas no referido prédio».

As facturas são um elemento credível para demonstração de que foram efectuadas as obras, sendo o documento considerado bastante para prova de gastos no âmbito do IRC, designadamente no âmbito do IRC (artigo 23.º, n.º 6, do CIRC) e para prova de transacções no âmbito do IVA [artigo 29.º, n.º 1, alínea b] do CIVA], códigos estes que não exigem a emissão de recibos pelos respectivos sujeitos passivos, como é o caso da sociedade comercial que executou as obras.

É certo que não estão esclarecidos os meios de pagamento utilizados, mas neste contexto, sendo emitidas facturas e tendo as obras sido realizadas, é convicção do Tribunal Arbitral que a Requerente suportou as despesas facturadas. Aliás, sendo um factura emitida em 21-09-2017 e as outras em 27-11-2017, sempre seria de presumir, à face das regras da experiência, que pelo menos a primeira teria sido paga, pois não é normal que fossem realizadas novas obras se a Requerente tivesse falhado o pagamento da primeira factura.

Assim, impondo o RJAT aos árbitros a fixação da matéria de facto com base na «livre apreciação dos factos (...) de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros», decide-se considerar provado que a Requerente suportou as despesas documentadas através de facturas.

No que concerne a outras obras a que aludem o «orçamento», no valor de € 1.713,64, e «proposta», no valor de € 3.750,00. que constam dos documentos n.ºs 22 e 23, não se considera provado que tenham sido realizadas as obras que neles se referem, pois não podem ser considerados comprovativos de transacções.

 

2.3.3. Quanto à indemnização paga à inquilina C..., dá-se como provado que a quantia paga, a esse título, foi de € 20.000,00, tal como consta da declaração por esta assinada que consta do documento n.º 24.

A Requerente apresentou, para além cheque no valor de € 20.000,00, outro com o valor de € 7.500,00, mas não há prova de que este último se reporte a pagamento de indemnização pela cessação do arrendamento.

Aliás, a Requerente afirmou no artigo 108.º do pedido de pronúncia arbitral que a indemnização foi de € 20.000,00 e não € 27.500,00.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 10.º do CIRS prevê a tributação a título de mais-valias dos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (n.º 1).

 O ganho sujeito a IRS é constituído, no caso de vendas de imóveis, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (n.º 4 do artigo 10.º).

No entanto, o n.º 5 do mesmo artigo 10.º estabelece o seguinte:

 

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação com correcções a nível de mais-valias obtidas pela Requerente com a venda de um imóvel utilizado para sua habitação própria e permanente, seguida de reinvestimento numa fracção autónoma também destinada à   sua habitação própria e permanente, bem como um local de aparcamento sito no mesmo prédio, mas que constitui uma fracção autónoma.

Na pendência do presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira acabou por revogar parcialmente a liquidação impugnada, que substituiu por outra, em que concretizou o que decidira sobre a revogação parcial. 

O artigo 13.º, n.º 2, do RJAT estabelece que «quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse».

Neste caso, no requerimento com que apresentou a nova liquidação, a Requerente diz o «valor ainda não é o correto, porquanto não foram tidas em conta pela “AT” todas as despesas por si realizadas - quer as despesas necessárias à venda do imóvel de que resultou o rendimento; quer as necessárias a conferir habitabilidade ao prédio respeitante à sua habitação permanente onde a A… fez o reinvestimentos», do que se depreende que imputa estes vícios relativos às despesas também à nova liquidação.

Entre esses vícios relativamente aos quais a Requerente mantém interesse inclui-se ainda o relativo à não consideração do lugar de aparcamento para efeitos do cálculo das mais-valias, como se depreende não só do facto de a nova liquidação não ter alterado o decidido sobre essa matéria na liquidação inicial. Aliás, a manutenção desse interesse foi confirmada pelo facto de que Requerente ter produzido prova testemunhal sobre essa matéria. 

Nestes termos, tendo a Requerente mantido interesse em que sejam apreciados os vícios referidos, que já imputara à liquidação inicial, o processo prossegue relativamente à nova liquidação, de harmonia com o n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, tendo em conta a respetiva fundamentação.

  A parte da liquidação que foi mantida baseia-se nos seguintes fundamentos, em suma:

– irrelevância da indemnização paga à arrendatária do imóvel que a Requerente vendeu;

– não atendibilidade, como reinvestimento, da aquisição do lugar de aparcamento;

– irrelevância das despesas inerentes à aquisição, inclusivamente, os impostos e emolumentos registrais;

– irrelevância das despesas com a fracção adquirida para seu melhoramento.

 

 3.1. Questão da indemnização paga à arrendatária do imóvel

 

O artigo 51.º, alínea a), do CIRC (na redacção vigente em 2017, actual n.º 1) estabelece o seguinte:

 

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.

 

Como se assinalou., esta norma é expressa no sentido de ser de atender para cálculo das mais-valias à «indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais».

O motivo pelo qual a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que a indemnização referida pela Requerente não poderia ser relevante é o entendimento de não estar provado que a indemnização tivesse sido paga.

No entanto, a prova produzida no presente processo é perfeitamente convincente.

Na verdade, não só as testemunhas confirmaram que a Requerente tinha parte do prédio arrendado e teve de pagar uma indemnização à arrendatária, como isso é referido no contrato-promessa apresentado pela Requerente no presente processo, em que se refere:

                «o prédio será vendido totalmente devoluto e livre de quaisquer ônus ou encargos, designadamente do contrato de arrendamento vigente, de que é titular, enquanto arrendatária, C...».

 

Foi também apresentada cópia do cheque que se refere na declaração emitida pela referida arrendatária relativa ao recebimento a indemnização.

Assim, não há qualquer razão para duvidar de que foi paga a indemnização no valor de € 20.000,00 à referida arrendatária, como a Requerente refere no artigo 108º do pedido de pronúncia arbitral.

O facto referido pela Autoridade Tributária e Aduaneira de a arrendatária não ter declarado a referida indemnização como rendimento do ano de 2017 não afecta, obviamente, o direito que o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CIRS lhe confere de ver o referido valor acrescido ao valor de aquisição da fracção que adquiriu.  

Consequentemente a correcção efectuada enferma, na medida em que não atendeu a esta indemnização no valor de € 20.000,00, de erro sobre os pressupostos de facto, que afecta a liquidação emitida na pendência do presente processo.

 

3.2. Questão da atendibilidade, como reinvestimento, da aquisição do lugar de aparcamento

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que a não tributação em sede de mais-valias, abrange apenas o valor reinvestido na aquisição própria e permanente e não também a fracção autónoma destinada a aparcamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca orientações administrativas que, desde 1989, já para efeitos de sisa, corroboram o seu entendimento.

No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é precisamente uniforme em sentido contrário, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

•             de 15-01-1997, processo n.º 21200, publicado em Apêndice ao Diário da República de  14-05-1999, página 105:

– «o conceito de habitação – quer para efeitos de CA – Contribuição  Autárquica – quer de Sisa – é um conceito amplo que abrange não só a  fracção autónoma destinada à habitação mas também outras fracções afectas  ao sujeito passivo ou seu agregado familiar, por exemplo uma garagem. – «o facto de a fracção autónoma para habitação e a fracção autónoma  para garagem terem inscrição matricial diversa não é obstáculo se fizerem  parte do mesmo prédio e a garagem esteja afecta à habitação, estando  funcionalmente ao serviço da fracção destinada a habitação».

•             de 11-6-1997, processo n.º 21201, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-10-2000, página 1781

Tratando-se de garagens que integrem o mesmo edifício ou conjunto habitacional e desde que sejam utilizadas exclusivamente pelo sujeito passivo ou seu agregado familiar, como complemento da habitação e deste que adquiridas conjuntamente com esta, beneficiam de isenção de sisa, nos termos do art. 11.º 22 do CIMSISD.

 

•             de 24-09-1997, processo n.º 21165, publicado em Apêndice ao Diário da República de 29-11-2000, página 2222:

Tratando-se de garagem que integra o mesmo edifício ou conjunto habitacional desde que seja utilizada exclusivamente pelo sujeito passivo ou seu agregado familiar, com complemento da habitação e deste que adquirida conjuntamente com esta, beneficia de isenção d sisa, nos termos do art. 11.º, n.º 22 do CIMSISD

 

•             de 05-02-1997, processo n.º 21164, publicado em Boletim do Ministério da Justiça n.º 464, página 296 e em Apêndice ao Diário da República de 14-05-1999, página 387:

«O conceito de habitação, em que, dado o seu carácter complementar  se inscrevem as garagens, introduzido no Código da Contribuição Predial  pelo Decreto-Lei 316/86, de 25-9, e hoje constante do art. 12.º do Código da  Contribuição Autárquica e 51.º e 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais,  vale igualmente para efeitos da isenção de sisa prevista no art. 11.º, n.º  22, do CIMISD. Assim, está isenta deste tributo a aquisição pela mesma escritura  de uma garagem conjuntamente com um andar, ambos fracções autónomas de  prédio em propriedade horizontal, ali se exarando destinar-se este a  habitação permanente do adquirente e ficar aquela afecta à mesma  habitação, sendo utilizada exclusivamente pelo comprador como sua garagem  (aparcamento do respectivo automóvel).

 

•             de 05-05-1999, processo n.º 21166, publicado em Apêndice ao Diário da República de 19-06-2002, página 1742

I - O conceito amplo de habitação introduzido pelo art. 18ºdo Código da Contribuição Predial, DL n.º 316/86, de 25-9, e hoje consagrado nos artigos 12ºdo Código da Contribuição Autárquica e 51ºe 52ºdo Estatuto dos Benefícios Fiscais, vale igualmente para efeitos da isenção de sisa prevista no art. 11º, nº 22, do CIMISD.

II - Assim, beneficia também daquela isenção a aquisição de garagem, concretizada através da mesma escritura de compra e venda de andar destinado a habitação permanente, ainda que integrando fracções autónomas diferentes de prédio em propriedade horizontal, sempre que aquela se destine e seja efectivamente utilizada pelo comprador e seu agregado familiar para o fim que lhe é próprio - estacionamento e guarda dos respectivos veículos automóveis.

 

•             de 30-5-2001, processo n.º 25975, publicado em Apêndice ao Diário da República de 08-07-2003, página 1525:

1 – O conceito de habitação, em que, dado o seu carácter complementar, se inserem as garagens, introduzido no Código da Contribuição Predial pelo DL n.º 316/86, de 25 de Setembro, e hoje constante dos artigos 12.º do Código da Contribuição Autárquica e 51.º e 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, vale igualmente para efeitos de isenção de sisa, prevista no art. 11.º, n.º 22, do respectivo Código.

2 – Assim, está isenta deste tributo a aquisição, pela mesma escritura, de uma garagem, conjuntamente com um andar, ambos fracções autónomas do prédio em propriedade horizontal, ali se exarando destinar-se este a habitação do adquirente e ficar aquela afecta à mesma habitação, sendo utilizada exclusivamente pelo comprador como sua garagem (aparcamento do respectivo veículo automóvel)

 

•             de 16-5-2018, processo n.º 0883/17:

                 A isenção de IMI prevista pelo art. 44.º, n.º 1, alínea d), do EBF, relativamente às associações sindicais e para "os prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins", abrange na sua previsão, não só a fracção autónoma destinada a escritório e onde a associação sindical tem a sua sede, como também as partes do mesmo prédio destinadas a garagem e que, não obstante constituírem também fracções autónomas, estão exclusivamente destinadas ao estacionamento dos automóveis dos funcionários da associação e dos sócios que aí se desloquem

 

Refere-se no acórdão proferido n processo n.º 25795:

E o cerne da questão está justamente no âmbito ou conteúdo do conceito de “habitação”, ao contrário do que pretende a recorrente, que dá, de barato, que a garagem, como tal, a se, logo por definição, se não destina a habitação, não se verificando aquele requisito de exclusividade do destino.

Tal conceito foi introduzido no Código da Contribuição Predial pelo Decreto-Lei no 316/86, de 25 de Setembro, relativamente à isenção da respectiva contribuição para os rendimentos dos prédios urbanos construídos de novo, “na parte destinada a habitação”.

Assim, o seu artigo 18º passou a dispor que “considera-se habitação (. . .) o conjunto de todos os compartimentos ou divisões constituindo um fogo independente, incluindo as respectivas dispensas e garagens, ainda que fisicamente separadas mas integrando o mesmo edifício ou bloco habitacional ou situadas no próprio logradouro, constantes da mesma inscrição matricial, devendo as garagens destinar-se exclusivamente à recolha de veículos, não adstritos a actividades comerciais ou industriais, do residente e do seu agregado familiar”, preceituando o artigo 19º que “nos prédios em regime de propriedade horizontal, cada habitação constituirá uma unidade autónoma”, abrangendo — § único — ”as respectivas dispensas e garagens individuais, ainda que as mesmas constituam ou se integrem noutra fracção autónoma”.

Tal conceito passou a considerar-se igualmente relevante para efeitos de isenção de sisa, ou redução da respectiva taxa específica, como se refere no acórdão deste Tribunal de 13 de Fevereiro de 1991, recurso no 12 152, Apêndice ao Diário da República, págs. 183 e segs., “atenta a natureza das realidades que aquele Código (da Contribuição Predial) e o da Sisa tomaram em consideração, em consonância para efeitos de reconhecimento das isenções num e outro previstas, sendo manifesto que o conceito matriz era o enunciado no Código da Contribuição Predial”.

Podendo, aliás, argumentar-se, no mesmo sentido, com a unidade do sistema jurídico que posterga, logo in limine, a utilização de conceitos distintos de habitação, em situações relativamente às quais valem as mesmas razões.

E o mesmo conceito passou, com ligeiras alterações formais, para o Código da Contribuição Autárquica — artigo 12º — e o Estatuto dos Benefícios Fiscais — artigos 51º e 52º.

No sentido da sua polivalência, tanto para a contribuição autárquica como para o imposto municipal de sisa - cfr., aliás, desenvolvidamente, Sá Gomes, Ciência e Técnica Fiscal, no 367, págs. 243 e seguintes.

Ora, como resulta do probatório da sentença, no caso vertente; ficou demonstrado que as duas fracções em causa, uma destinada a habitação e a outra a garagem, fazem parte do mesmo prédio, em propriedade horizontal, “tendo interligação entre si e sendo a luz da garagem fornecida directamente pela habitação, estando assim a garagem afecta e sendo um complemento desta”.

Pelo que tem de considerar-se preenchido o dito condicionalismo: a garagem foi comprada conjuntamente com o andar, constituindo ambas fracções autónomas do mesmo prédio em propriedade horizontal, consignando-se, na respectiva escritura pública, destinar-se o andar a habitação, o que se verifica na realidade e aquela para aparcamento do respectivo veículo automóvel e recolha de lenha e garrafas.

É aliás, no sentido exposto, de há muito, a jurisprudência uniforme deste STA.

Cfr., os Acds. de 13/Fev/91, Rec. 12.152, 15/03/95 Rec. 18.440, 5/Fev/97 Rec. 21.164 in BMJ 464-296, Acds. Douts. 427-875, e CTF 387-293, de 15/01/97 Rec. 21.200, 11/06/97 Rec. 21.201, 24/09/97 Rec.

21.165 e 05/05/99 Rec. 21.166».

 

Como se vê, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é uniforme no sentido de o conceito de «habitação» abranger a garagem que foi «comprada conjuntamente com o andar, constituindo ambas fracções autónomas do mesmo prédio em propriedade horizontal, consignando-se, na respectiva escritura pública, destinar-se o andar a habitação».

Foi precisamente o que sucedeu no caso em apreço.

Aliás, como se vê pela fundamentação da decisão de revogação parcial, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas entende que os anexos à habitação sejam excluídos do conceito de habitação «quando os arrumos, despensas ou garagens constituíssem frações autónomas» e não quando eles fazem parte da mesma fracção autónoma, definida no título constitutivo da propriedade horizontal.

Esta distinção entre as situações em que o lugar de aparcamento e a parte afecta à habitação constituem uma mesma fracção e aquelas em que são fracções autónomas não tem qualquer fundamento, à face da substância económica da operação, que é critério primacial de interpretação das normas  fiscais à face do n.º 3 do artigo 11.º da LGT.

Na verdade, a criação de fracções autónomas para lugares de aparcamento em prédios destinados a habitação em alternativa à integração jurídica desses lugares na própria fracção destinada a habitação é uma mera opção do promotor imobiliário, que não altera a realidade da afectação do lugar de aparcamento aos fins a que se destina como complemento da parte destinada a habitação.

Por isso, na linha da jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo e tendo em conta a unidade do sistema jurídico que ela privilegia, que pressupõe um conceito unitário de habitação com a generalidade dos impostos, é de entender que o conceito de habitação para efeitos de reinvestimento, utilizado no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS inclui os lugares de aparcamento adquiridos conjuntamente com a fracção destinada a habitação, no mesmo prédio em propriedade horizontal.

Por isso, quanto a esta questão, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que afecta a nova liquidação.

 

3.3. Questão da irrelevância das despesas de impostos e emolumentos registrais

 

A Requerente suportou despesas fiscais com a aquisição do imóvel, nos valores de € 5.210,31 de IMT, € 1.640,00 de Imposto do Selo e ainda € 440,00 de emolumentos de registo predial para registo das fracções.

O artigo 51.º, alínea a), do CIRC (na redacção vigente em 2017, actual n.º 1) estabelece o seguinte:

 

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceita a relevância destas despesas, dizendo o seguinte:

Observemos, para esse efeito, a letra da al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, a qual estatui:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal”.

Texto legal que é bem diferente do plasmado na al. a) do nº 1 do art. 51º do mesmo compêndio, acima transcrito e que – esse sim – se reporta a “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.

Mas que, conforme o corpo do preceito expressamente refere se aplica para efeitos de “determinação das mais-valias sujeitas a imposto”, o que significa que a respetiva eficácia incide sobre o imóvel alienado - pois é essa mesma alienação que é suscetível de gerar mais-valias - e não àquele (eventualmente) adquirido com o produto - ou parte dele - resultante dessa mesma alienação.

Para efeitos de consideração de uma determinada verba como reinvestimento temos, pois, de nos cingir à previsão da al. a) do nº 1 do art. 10º, nº 5.

E essa reporta-se apenas à aquisição, construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, mas não a outras despesas inerentes a essa mesma aquisição, como seja o caso dos impostos ou dos emolumentos registais.

A diferença na redação de ambas as normas é, por si só, tão evidente que cremos serem

desnecessários maiores aprofundamentos.

Destarte, dúvidas não restem que os montantes correspondentes a impostos devidos pela aquisição de um imóvel com o produto da venda de outro (ambos destinados a habitação própria e permanente do respetivo proprietário), bem como o valor devido pelo registo dessa mesma aquisição não são passíveis de integrar o conceito de reinvestimento para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em sede de IRS.

 

A lei é inequívoca quanto à relevância para efeitos de determinação das mais-valias das «despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação», mas essas são as despesas com o imóvel alienado, que acrescem ao seu valor de aquisição, nos termos da alínea a) do artigo 51.º do CIRC.

De facto, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há suporte legal neste artigo 51.º, alínea a), do CIRC para atribuir relevância às despesas fiscais e registrais com a aquisição do novo imóvel.

Por outro lado, como também bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, o n. 5 do artigo 10.º do CIRS apenas exclui da tributação o valor que seja «reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel», não fazendo referência, como o artigo 51.º, alínea a), às «despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação».

Para além disso, haverá uma razão, na perspectiva legislativa, para a não inclusão destas despesas na exclusão de tributação prevista para o reinvestimento, que é o facto de, efectivamente, essas despesas não constituírem um investimento, que, em termos económicos, se reconduz à aplicação de um capital com a finalidade de obter benefícios futuros.

Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto a esta questão.

 

3.4. Questão da irrelevância das despesas para reparação e melhoramento da fracção adquirida

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo, que «no tocante às despesas de valorização/obras efectuadas no imóvel adquirido/objecto de reinvestimento, a prova testemunhal produzida – para além de não poder substituir a prova documental que não foi produzida - não tem qualquer efeito útil, porquanto tais despesas não têm enquadramento legal no art. 51º do CIRS»  e que «tratam-se de despesas sobre o imóvel adquirido/objecto de reinvestimento, sendo que a alínea a) do nº 1 do art. 51º do CIRS regula as despesas e encargos a considerar para efeitos de tributação das mais-valias, incidindo, portanto, sobre o prédio alienado (porquanto é este que gera mais-valias) e não sobre o prédio objecto de reinvestimentos».

As despesas com melhoramento do imóvel adquirido cabem manifestamente no conceito de reinvestimento, pois estão expressamente previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, ao referir o valor reinvestido no «melhoramento de outro imóvel».

Por isso, não tem relevo, para este efeito, o artigo 51.º do CIRS, pois a relevância do reinvestimentos é regulada pelo n.º 5 do artigo 10.º.

 Quanto ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão de revogação parcial para não aceitar a relevância das despesas apresentadas pela Requerente, que é o de que esta não fez prova de ter suportado essas despesas, resulta da matéria de facto fixada que se considerou provado que a Requerente suportou despesas no montante global de € 11.766,63 (€ 3.916,70, € 1.699,93 e € 6.150,00).

Por isso, procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da consideração destas despesas no valor de € 11.766,63.

 

3.5. Juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRS, pelo que enferma dos vícios desta.

 

3.6. Conclusão 

 

Conclui-se do exposto o seguinte, em suma:

– a nova liquidação que é objecto do processo enferma de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao não ter considerado o valor do lugar de aparcamento no cálculo do valor reinvestido;

– a nova liquidação emitida na pendência do presente processo enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao não ter considerado no cálculo das mais-valias as despesas de € 20.000,00 relativa a indemnização à arrendatária e as despesas de € 11.766,63 suportadas com facturas;

– os vícios referido justificam a anulação parcial desta nova liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Quantia paga

 

Em 19-03-2021, a Requerente pagou a quantia de € 18.922,20, em execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada.

A Requerente não formula explicitamente pedido de reembolso nem de juros indemnizatórios, nem no requerimento que apresentou em 23-03-2021, na sequência do pagamento, nem nas alegações finais.

Por isso, não se tratando de questões de conhecimento oficioso e não podendo o Tribunal Arbitral «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes» [artigo 608.º, n.º 2, do CC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], não se retiram ilações do pagamento efectuado, sem prejuízo do dever de a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao julgado, nos termos dos artigos 100.º da LGT,  24.º, , n.º 1, do RJAT e 61.º do CPPT.

 

 5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular parcialmente a liquidação n.º 2020 ..., datada de 27-11-2020, com acerto em 09-03-2021, no valor de € 18.145,69, nas partes em que não foi nela considerado o valor do lugar de aparcamento como valor de reinvestimentos e não foram aceites as despesas de € 20.000,00 de indemnização paga à arrendatária e de € 11.766,63 de despesas com melhoramento do imóvel adquirido;

c)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante, quanto à  liquidação n.º 2020 ..., e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos  respectivos pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 100.674,45.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária,

A Requerente decai quanto ao valor de despesas de € 5.210,31 de IMT, € 1.640,00 de Imposto do Selo e € 440,00 de emolumentos de registo predial para registo das fracções e quanto às despesas reclamadas com base no «orçamento», no valor de € 1.713,64, e na «proposta», no valor de € 3.750,00, isto é, quanto a despesas no valor total de € 12.357,95.

A estas despesas corresponde, à taxa de 45% aplicada na liquidação efectuada na pendência deste processo o imposto de € 5.561,08.

Assim, sendo de € 100.674,45 o valor do processo, fixa-se a responsabilidade por custas em 5,52%  cargo da Requerente e 94,48% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 31-05-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)                                                          

(Augusto Vieira)

(Vasco António Branco Guimarães)