Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 472/2020-T
Data da decisão: 2021-10-19  IMT  
Valor do pedido: € 968.540,58
Tema: IMT. Divisão de bens imóveis detidos em compropriedade. Tributação do excesso de quota-parte. Artigos 2.º, n.º 1 e n.º 5, alínea c) do CIMT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral constituído em 17 de dezembro de 2020, Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Marcolino Pisão Pedreiro e Armando Oliveira (co-árbitros), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., doravante “Requerente”, sociedade comercial anónima registada sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.ºs ... e ...,  ..., ...-... ..., Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação do indeferimento do Recurso Hierárquico, referente ao ato de liquidação número ..., de Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas (“IMT”) do ano 2011, no valor de € 968.540,58.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 22 de setembro de 2020, e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 13 de novembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de dezembro de 2020.

 

Em 29 de janeiro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela validade do ato tributário. Juntou subsequentemente o processo administrativo (“PA”). Em relação à prova testemunhal, pronunciou-se no sentido de ser despicienda, quer porque os factos alegados são passíveis de prova documental, quer por ser de direito a matéria controvertida.

 

Notificada da dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e da inquirição da testemunha arrolada, por se afigurar uma diligência dispensável, a Requerente manteve o requerimento de prova testemunhal, que, à face da argumentação apresentada, foi deferido pelo Tribunal. A referida reunião foi agendada, por despacho de 7 de abril de 2021, após o levantamento da suspensão dos prazos processuais (v. Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cujos efeitos cessaram com a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), e remarcada, por despacho de 6 de maio, por impedimento justificado do mandatário da Requerente.

 

Em 23 de junho de 2021, teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foi inquirida a testemunha indicada pela Requerente.

 

O Tribunal notificou Requerente e Requerida para, por esta ordem e sucessivamente, apresentarem alegações escritas facultativas no prazo de 15 dias. Determinou ainda que a decisão seria proferida até ao termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT e advertiu a Requerente da necessidade de, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

Em 8 de julho de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações, mantendo o já por si alegado no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

 

Em 9 de julho de 2021, a Requerida contra-alegou e reiterou o que disse em sede de Resposta, mantendo o pedido de improcedência.

 

Em 23 de agosto de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivada da derivada da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente pretende a anulação da liquidação de IMT, a restituição do imposto pago e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e, bem assim, do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Para tanto, alega erro de direito, sustentando, em síntese, que:

(a)          A divisão de coisa comum, no caso relativa a um empreendimento imobiliário constituído por hipermercado, centro comercial e edifício de escritórios, não consubstancia um facto tributário sujeito a IMT, traduzindo uma mera formalidade da qual não lhe adveio mais do que aquilo a que tinha direito no imóvel, uma alíquota previamente acordada de 72% (i.e., não acedeu a um poder aquisitivo acrescido);

(b)          No sentido de que a divisão de coisa comum não constitui um facto passível de IMT se pronuncia o acórdão do TCAS, de 28 de fevereiro de 2019, no processo n.º 356/10.7BELRS;

(c)          Com efeito, não houve pagamento de tornas pela Requerente, nem qualquer outra forma de compensação por eventuais excessos de valor das frações adjudicadas face ao valor pré-divisão das respetivas alíquotas, tendo cada Parte suportado os custos de construção das frações que lhe coube após a divisão;

(d)          Assim, não se pode ter por verificada qualquer transmissão, muito menos onerosa, ou manifestação de enriquecimento (v. artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, ambos do Código do IMT), pressupostos essenciais de aplicação do artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do referido Código;

(e)          A Requerida fez uso da presunção que permite inferir que existe uma transmissão onerosa, por haver uma diferença entre a quota-parte detida no regime de compropriedade e a percentagem dos prédios adjudicada em operação de divisão de coisa comum (excesso de quota parte), medida pelos correspondentes valores patrimoniais tributários (“VPT”) (artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do Código do IMT);

(f)           A diferença em causa deriva de:

i)             O somatório dos VPT das frações do imóvel à data da divisão ser de € 236.335.622,50, correspondendo 72% a € 170.161.647,90; e

ii)            A Requerente se ter tornado proprietária exclusiva de € 185.062.272,20 (78,3%), apurando-se uma diferença, para mais, de € 14.900.624,30, em relação à sua quota de 72%;

(g)          Porém, não são admitidas presunções inilidíveis em matéria de incidência tributária, nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, em derivação do princípio constitucional de tributação pela capacidade contributiva real, devendo tal presunção ser considerada ilidida, atenta a demonstração de que não ocorreu qualquer pagamento na operação de divisão em causa e de que cada uma das Partes suportou os custos que lhe cabiam no Empreendimento;

(h)          O entendimento preconizado é o que se coaduna com a teleologia constitucional do IMT, conformado como um imposto sobre a riqueza, que tem subjacente a onerosidade da transação;

(i)           A Requerida não logrou demonstrar a transmissão onerosa, ónus que sobre si recaía, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT;

(j)           Ao não considerar ilidida a presunção de excesso sobre a quota parte da Requerente, a Requerida violou o princípio da imparcialidade e da justiça.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

A Requerida começa por assinalar que o ato de liquidação de IMT não assentou em qualquer presunção, antes, no facto tributável de a Requerente ter procedido à divisão de bens, cabendo-lhe aí bens de valor patrimonial além da sua alíquota de 72% (artigos 2.º, n.º 5, alínea c); 4.º, alínea a) e 12.º, n.º 4, § 11, todos do Código do IMT).

 

A incidência de IMT sobre atos de divisão de coisa comum ou partilhas resulta do disposto no artigo 2.º do Código do IMT, segundo o qual estão sujeitos a imposto todos os factos elencados nos seus diversos números e não apenas aqueles a que se refere o seu n.º 1 (reportado às “transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito”).

 

Em concreto, o artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do Código do IMT prevê a tributação do “excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas”. Esse excesso é calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha, conforme estatuído no artigo 12.º, n.º 4, §11 do Código do IMT.

 

Não é pelo facto de inexistir qualquer pagamento de tornas que descaracteriza a existência do facto tributário, pois esse não é o elemento constitutivo do imposto. Por obra da divisão de coisa comum, a Requerente viu o seu património imobiliário acrescido, dado o preenchimento, por excesso, da sua quota-parte, e é esse acréscimo que releva para efeitos de IMT.

Em relação às decisões jurisprudenciais invocadas pela Requerente, a Requerida entende não serem aplicáveis à situação sub iudice, por a divisão não ter aí produzido alteração das quotas-parte, logo, não houve excesso a tributar.

 

Para a Requerida, os factos relativos à história do Empreendimento são irrelevantes relativamente às regras constantes no Código do IMT. Considera também que a circunstância de a coincidência entre valores estimados e apurados ser quase impossível não afasta a tributação, que, em seu entender, é legal e não viola os princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, concluindo pela improcedência da ação.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IMT impugnada (com as legais consequências nos atos de segundo grau que sobre aquela recaiu), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 21 de setembro de 2020, no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento do Recurso Hierárquico, em 23 de junho de 2020, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.

 

Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.          QUESTÕES A APRECIAR

 

Discute-se na presente ação a questão de saber se a divisão de coisa comum constitui um facto sujeito a IMT, nos casos em que se verifique excesso de quota-parte, nos termos do estabelecido no artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do Código do IMT, e se contém uma presunção implícita que permite inferir (do excesso de quota-parte) a existência de uma operação subjacente de transmissão onerosa de bem imóvel.

 

Em caso afirmativo, importa também determinar se tal presunção foi ilidida pela Requerente e se ocorreu uma violação do princípio da imparcialidade e da justiça por a AT não o ter considerado.

 

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            DE FACTO

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.           A sociedade A..., LDA., aqui Requerente, dedica-se à promoção e exploração de imóveis, em especial, de centros comerciais tendo celebrado, em 22 de dezembro 2005:

(a)          Um contrato de compra e venda de dois lotes de terreno para construção sitos na freguesia ..., concelho da Amadora, descritos na Primeira Conservatória do Registo Predial da Amadora sob os números ... e ... e inscritos na matriz sob os artigos provisórios P... e P... (“Lotes 2 e 3”), mediante o qual adquiriu à B..., S.A., adiante “B...”, uma parte alíquota de ambos os terrenos, correspondente a 72% de cada um (i.e., 18/25 avos), pelo preço global de 30 milhões de euros, permanecendo a B... com os remanescentes 28%;

(b)          Um contrato de parceria (o “Contrato de Promoção de Empreendimento”) com a B..., tendo em vista a edificação e a promoção de um novo empreendimento comercial, composto por um centro comercial de grandes dimensões, um hipermercado e um edifício de escritórios a implantar nos ditos Lotes 2 e 3;

– cf. cópia dos contratos juntos pela Requerente como documentos 5 (compra e venda) e 6 Contrato de Promoção de Empreendimento.

B.            O referido Contrato de Promoção de Empreendimento estabeleceu os pressupostos da parceria entre a Requerente e a B..., definindo como objetivo final que, após a construção do Empreendimento, a B... ficasse com a propriedade plena e exclusiva das frações autónomas correspondentes ao hipermercado e aos escritórios, ficando a Requerente proprietária plena e exclusiva das frações autónomas correspondentes à Galeria Comercial, tornando-se cada uma das Partes proprietária exclusiva das frações destinadas ao exercício das respetivas atividades comerciais – cf. documento 6 (cláusula 1.4) e documento 9.

C.            O Contrato de Promoção de Empreendimento estipula ainda a manutenção da situação de indivisão (em compropriedade) até à concretização desse objetivo final, a realizar sob a direção e responsabilidade exclusivas da Requerente – cf. documento 6 (cláusulas 1.4.1, 1.4.2. e 1.4.3).

D.           A Requerente custeou na totalidade os custos de construção do centro comercial e a B... suportou, tendo pago à Requerente, os custos com a construção do hipermercado em “tosco” (no valor de 5 milhões de euros) e das frações de escritórios (no montante de 8,611 milhões de euros – cf. documentos 6 (cláusula 13), 8 e 9.

E.            O Empreendimento foi edificado com base num projeto de arquitetura unitário, sendo as diversas frações unidas fisicamente por vias de acessos comuns entre o hipermercado, o centro comercial e os estacionamentos, sendo as áreas do parque de estacionamento partes comuns – cf. documentos 12, 13 e 14.

F.            Após a conclusão do Empreendimento, o edificado foi submetido ao regime da propriedade horizontal, por escritura notarial de 24 de abril de 2009, originando 284 frações autónomas. Dessas frações, 146 radicam no artigo matricial ..., da freguesia da ..., concelho da Amadora, distrito de Lisboa, estando afetas a fins distintos, comércio e serviços nos seguintes moldes: 143 frações respeitam ao centro comercial (lojas destinadas à Requerente) e 3 frações ao hipermercado e escritórios (destinadas à B...) – cf. documento 13.

G.           O VPT determinado na segunda avaliação deste imóvel/prédio globalmente considerado (artigo matricial ...) foi de € 236.335.622,50, correspondendo a quota-parte de 72% a € 170.161.647,90. Neste âmbito, foi aplicado o coeficiente de localização de 1,88 para comércio e de 1,04 para serviços – cf. documentos 2 e 14.

H.           A Requerente e a B... outorgaram, em 10 de maio de 2011, escritura de divisão, mediante a qual foram adjudicadas à Requerente as 143 frações correspondentes à Galeria Comercial e à B... as 3 frações relativas ao Hipermercado e aos escritórios, declarando ambas as Partes nada haver a pagar entre elas e, bem assim:

                “Que no regime de compropriedade que caracterizou toda a operação, cada uma das suas representadas suportou os custos de construção das frações autónomas objecto desta escritura na proporção da sua quota ideal das mesmas […].

                Que, finda a construção, os comproprietários decidiram efectuar a presente divisão de coisa comum, pelo que cada um entrega ao outro uma parte indivisa dos bens que se encontravam registados no seu activo, ficando, deste modo, cada uma das partes na titularidade das frações indicadas.

                Que a presente operação consiste apenas no reajustamento da repartição de custos anteriormente efectuada, de modo a que cada um dos comproprietários pudesse ficar como único titular de determinadas fracções dos imóveis que foram construídos em regime de compropriedade.”

– cf. documento 11 (cópia da escritura de divisão).

I.             O VPT das frações que passaram a caber em exclusivo à Requerente após a escritura de divisão corresponde a € 185.062.272,20, excedendo em € 14.900.624,30 o valor da quota de 72% que aquela detinha pré-divisão (€ 170.161.647,90) – cf. documentos 2, 5, 6 e 11.

J.             Na sequência da realização da escritura de divisão, a Requerente solicitou e pagou, em 16 de maio de 2011 (data limite de pagamento), a liquidação de IMT, emitida sob o número ..., tendo o imposto sido calculado sobre o referido excesso na importância de € 14.900.624,30, à qual foi aplicada a taxa de 6,5%, cifrando-se o IMT em € 968.540,58 – cf. documento 3 (cópia da liquidação de IMT).

K.            Inconformada com a liquidação de IMT, a Requerente apresentou, em 12 de setembro de 2011, Reclamação Graciosa, a qual veio indeferida – cf. documento 2.

L.            A Requerente interpôs, em 7 de fevereiro de 2013, Recurso Hierárquico dessa decisão de indeferimento, o qual foi objeto de indeferimento expresso notificado à Requerente em 23 de junho de 2020, com os fundamentos que, de seguida, se transcrevem na parte relevante – cf. documento 1:

“1.2 IMT

De acordo com o Código do IMT, este imposto incide sobre as transmissões a título oneroso do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional.

A norma do art.º 2º delimita o âmbito de incidência territorial, procede à delimitação do âmbito de incidência objetiva do imposto, ou seja, à definição das transmissões que na aceção deste diploma estão sujeitas a imposto.

Neste sentido, estarão sujeitos a imposto todos os factos elencados nos seus diversos números, mas ainda todos os outros que se enquadrem no princípio geral da transmissão onerosa sobre bens imóveis.

Em especial, prevê o Código do IMT que é sujeito a imposto «o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas.»

Atente-se o disposto na regra 11ª do n.º 4 do art.º 12º do CIMT - «[n]as partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha».

Refere-se, pois, que fica sujeito a IMT a parte que receber no âmbito de uma partilha de bens imóveis que excedam a sua quota-parte no conjunto de bens imóveis objeto da partilha. 

De referir que, para este efeito, resulta ainda da letra da lei que o excesso é calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha.

A norma do art.º 4º circunscreve o sujeito passivo, isto é a entidade que fica obrigada ao encargo do imposto. Genericamente, ficam sujeitas ao encargo do imposto as pessoas para quem se transmitirem os bens, sem prejuízo de algumas especificidades como no caso das partilhas e de divisão de coisa comum que é sujeito passivo aquele que receber bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens [alínea a)]

 

2. Relativamente ao caso em concreto.

[…]

2.3 dos factos invocados

Os factos relatados, nos pontos 16 a 44, também alegados e apreciados no âmbito da reclamação graciosa, relativos à história do empreendimento realizados pelos comproprietários, podem ter relevância fiscal no âmbito de outros tributos, nomeadamente nos impostos sobre o rendimento, mas são irrelevantes relativamente às regras constantes no Código do IMT

2.4 da reclamação graciosa

[…]

Com todo o respeito pela posição do reclamante, ora recorrente, igualmente, temos de concordar com a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa que, em nosso entender, foi corretamente apreciado e sancionado.

2.5 da inexistência de transmissão onerosa

O Recorrente, nos seus articulados no âmbito da petição de Reclamação Graciosa e na petição de Recurso Hierárquico, explica como o negócio foi configurado, insistindo na ideia de que a divisão constituiu mera formalidade, da qual não lhe adveio mais do que as partes tinham dividido e era já por si explorado de facto enquanto comproprietária, e que o excesso encontrado pela AT é, apenas, consequência da impossibilidade de a soma do valor patrimonial das frações corresponder exatamente ao valor da sua quota-parte. E, por tudo isso, não há nenhum podem aquisitivo acrescido, nenhuma «capacidade contributiva acrescentada à já revelada na aquisição da sua quota nos terrenos».

Não é pelo facto de inexistir qualquer pagamento de tornas que descaracteriza a existência do facto tributário, pois esse não é o elemento constitutivo do imposto [IMT].

E, o despacho invocado pela Recorrente, relativo a anterior entendimento da AT «num caso semelhante» relativo a imposto sobre o rendimento, que, pela diferente natureza dos tributos – rendimento e património, não tem correspondência com a matéria em causa – incidência de IMT sobre o incremento patrimonial equivalente a transmissão de bens imóveis.

A Recorrente comproprietária de um prédio, no valor de 236.335.622,50€, com a quota-parte de 72%, no valor de 170.161.647,90€, por divisão de coisa comum, tornou-se proprietária plena de prédios – frações autónomas no valor de 185.062.272,20€, ou seja, em valor superior ao que antes detinha em compropriedade (+14.900.624,30€), enquadrando-se, por isso, no disposto na alínea c) do n.º 5 do artº 2º do Código do IMT.

Assim,

Salvo melhor opinião, ainda que a divisão de coisa comum exprima a diversa participação dos comproprietários no desenvolvimento da construção, o certo é que por obra da divisão da coisa comum a Recorrente viu o seu património imobiliário acrescido – e é esse acréscimo que releva para efeitos de IMT. E com todo o respeito pela posição da recorrente, temos de concordar com a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa […]”

M.          Por não concordar com a identificada liquidação de IMT e com as decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico que confirmou tal ato, a Requerente apresentou no CAAD, em 21 de setembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

2.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, considerando as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições consensuais assumidas pelas Partes em relação aos factos essenciais, sendo a principal questão decidenda eminentemente de direito. O depoimento da testemunha Nuno Carro Fernandes, apesar de revelar conhecimento dos factos relatados e de se afigurar objetivo, não contribuiu para a fixação da matéria de facto, que foi objeto de prova por documentos. 

 

                 FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

4.            DO MÉRITO

 

4.1.        Tributação em IMT do excesso de quota-parte na divisão de bens imóveis detidos em compropriedade

 

Está em causa a interpretação e aplicação das normas de incidência de IMT relativas a operações de divisão ou partilhas, para o que releva o disposto nos artigos 1.º, n.º 1; 2.º, n.º 1 e n.º 5 alínea c); 4.º, alínea a) e 12.º, n.º 4, 11.ª, que infra se transcrevem:

 

“Artigo 1.º

Incidência geral

1 – O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem.

[…]

Artigo 2.º

Incidência objectiva e territorial

1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

[…]

5 - Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente:

[…]

c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário;

[…]

Artigo 4.º

Incidência subjectiva

O IMT é devido pelos adquirentes dos bens imóveis, sem prejuízo das seguintes regras:

a) Nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens;

[…]

Artigo 12.º

Valor tributável

[…]

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

[…]

11.ª Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha; […]”.

 

A Requerente discorda da liquidação de IMT, que considera não ser devido, apesar do excesso de valor de € 14.900.624,30 (aferido pelo critério do respetivo VPT) que lhe coube, em resultado da divisão de bens imóveis detidos em compropriedade com a B..., quando comparado com a quota-parte originária que detinha nos bens indivisos, i.e., pré-divisão.

 

Na sua perspetiva [da Requerente], a divisão consubstanciou uma mera formalidade da qual não lhe adveio mais do que aquilo a que tinha direito no acervo de imóveis de que era cotitular, correspondente a uma alíquota previamente acordada de 72%, pelo que não acedeu a um poder aquisitivo acrescido. Isto, sem prejuízo de o VPT dos imóveis de que ficou proprietária exclusiva, em virtude da operação de divisão, corresponder a uma quota-parte de 78,3%, verificando-se o excesso de 6,3%.

 

Entende a Requerente não estar preenchido um requisito essencial da previsão da norma de incidência, pois não ocorreu qualquer transmissão de bens imóveis realizada a título oneroso de que tenha sido beneficiária, como exigem os artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, ambos do Código do IMT.

 

Ainda nesta linha de argumentação a Requerente defende que o artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do Código do IMT, ao sujeitar a este imposto “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou de partilhas”, contém uma presunção de onerosidade que, nas circunstâncias do caso, foi ilidida pela demonstração de que os custos incorridos com as frações que lhe couberam e que suportou na íntegra, corresponderam, a final, à percentagem inicial estimada de 72% dos custos totais do Empreendimento.

 

A Requerente suporta-se na posição sufragada no acórdão do TCAS, de 28 de fevereiro de 2019, processo n.º 356/10.7BELRS, que, embora envolva pressupostos factuais sem paralelo no caso em análise, relativos à outorga de procuração com poderes de alienação de bens imóveis, também se reporta a uma operação de divisão de bens imóveis. Preconiza, a este respeito, o TCAS que “o contrato de divisão de coisa comum, não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens (não há comprador, não há vendedor e não há preço), uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas.”

 

Nesta tese, como defende a Requerente, constitui condição indispensável para a tributação em IMT identificar-se uma operação de transmissão onerosa de imóvel, como se extrai do aresto em referência: “[e]m síntese, não existindo “transmissão onerosa de imóvel” não estão preenchidos os pressupostos da tributação, ou, dito de outro modo, não constituindo a divisão de coisa comum uma alienação onerosa de imóveis também não pode ser sujeita ao regime do artigo 2.º do Código do IMT. […] Donde, afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, não pode manter-se a liquidação.”

 

Porém, preconiza-se uma interpretação distinta, em linha com a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual é errado o pressuposto de que a tributação em IMT do “excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou de partilhas”, determinada pelo artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do respetivo Código, dependa de uma transmissão ou do seu “caráter oneroso”. Referimo-nos aos acórdãos de 12 de fevereiro de 2020, processo n.º 0360/12.0BECBR 449/18, e de 8 de setembro de 2021, processo n.º 01391/12.6BESNT que, embora se dirijam a situações de partilhas (por divórcio, num caso, e mortis causa, noutro), no que à questão essencial respeita – o facto tributário de “excesso de quota-parte”, seja por divisão ou por partilhas – revelam identidade de razões.

 

Neste âmbito, interessa começar por salientar que o artigo 2.º do Código do IMT aponta a sua incidência às transmissões onerosas de bens imóveis (n.º 1). No entanto, nos seus diversos números são equiparadas a transmissões realidades distintas destas e, bem assim, prevê-se a sujeição a imposto de fenómenos que prescindem, quer do conceito de transmissão de bens imóveis, quer da sua onerosidade. A título de exemplo, não se enquadra no conceito jurídico de transmissão, a outorga de uma procuração irrevogável para alienar bens imóveis, ou a celebração de arrendamentos de longo prazo; nem se inclui no conceito de transmissão de bens imóveis, a transmissão de partes sociais de uma sociedade (se o sócio ficar com 75% ou mais do capital social); nem se constata onerosidade fáctica numa procuração irrevogável.

 

A incidência de IMT no caso de operações de divisão ou partilhas basta-se, pois, com o facto de o sujeito passivo receber bens imóveis que excedam a sua quota-parte ideal no conjunto de bens imóveis objeto da partilha, não se exigindo uma transmissão, ou que esse excesso seja resultante de um negócio jurídico oneroso.

 

Declara-se, para este efeito, no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de setembro de 2021, processo n.º 01391/12.6BESNT, o seguinte:

“o que resulta da melhor interpretação da norma, como recentemente afirmou este Supremo Tribunal, «é apenas que, havendo excesso de quota-parte para um dos sujeitos da partilha (fenómeno em que o legislador se enquista precisamente para desconsiderar a natureza do acto de partilha) esse excesso também fica sujeito a IMT, abstraindo da questão de saber se a operação em que se insere tem natureza translativa ou onerosa» (Cf. o acórdão de 12 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 360/12.0BECBR (449/18) […].

Apesar de a questão aí dirimida ser outra, nele se ponderou, em ordem a refutar a argumentação aduzida no recurso, se «deriva da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que o acto de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui transmissão a título oneroso para efeitos daquele imposto».) e que «[a] alínea c) do n.º 2 daquele artigo 5.º alberga, por isso, situações em que, por vontade expressa do legislador, se entendeu estender o âmbito de incidência de IMT ao efeito que uma operação de partilha gera na esfera patrimonial de um dos seus sujeitos. Abstraindo da natureza da partilha, em vez de a definir».

[…]

Nesta regra, a nosso ver, o legislador visa tributar a aquisição de bens imóveis (rectius, as transmissões do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional) na parte em que constitui excesso sobre a quota ideal do sujeito passivo nos bens a partilhar, abstraindo da questão de saber se esse fenómeno, em concreto, tem natureza meramente translativa ou aquisitiva e, neste último caso, tem natureza gratuita ou onerosa.”

 

Considerações semelhantes, como realçado, já estavam subjacentes no acórdão do Supremo Tribunal de 12 de Fevereiro de 2020 (processo n.º 360/12.0BECBR (449/18)), que afirma sem tergiversação que “o ingresso de um imóvel no património do adjudicante revela capacidade contributiva em impostos sobre o património independentemente das tornas que tenha a pagar ao outro”, pois a factispecies normativa reporta-se ao excesso de quota-parte e não ao pagamento de tornas.

 

                JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES defende, em sentido similar, que o IMT, na teleologia constitucional, visa enquanto imposto tributar as manifestações de riqueza, tributando todas as enumeradas no Código do IMT, mesmo que não sejam aquisições a título oneroso, no sentido próprio do termo. Nas suas palavras, o que releva não é propriamente o contrato ou ato jurídico que titula a transmissão, mas os efeitos dos atos/contratos, afirmando que “não se trata de um imposto cuja finalidade seja a tributação da aquisição onerosa de imóveis, porque esse é apenas o meio de manifestação da riqueza que a Lei sujeita a imposto. Sendo esse o objeto da sujeição do imposto, não é essa a sua finalidade última, dado que o que se pretende é sujeitar a imposto a riqueza que essa aquisição desvela” – v. Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo, 2.ª ed., Almedina, 2013, p. 215.

 

                Retomando a análise do caso, a Requerente adquiriu inicialmente 72% de um acervo imobiliário (lotes de terreno para construção), ficando comproprietária dos mesmos com B..., entidade que manteve a alíquota de 28%.

 

Ficou contratualmente estabelecido entre a Requerente e a B... que, após a edificação do Empreendimento, procederiam à divisão de coisa comum, tendo ambas suportado os custos do Empreendimento relativo às partes que seriam adjudicadas a cada uma delas. Ao momento da divisão, mantiveram a compropriedade nos termos acima expostos, dos parques de estacionamento, mas dividiram 146 frações resultantes da edificação, ficando a Requerente com a titularidade exclusiva de 143 frações, as lojas do centro comercial, e a B... com 3 frações, correspondentes ao hipermercado, escritórios e creche, divisão que as Partes tinham previamente acordado.

 

O VPT das 146 frações, no momento da divisão, era de € 236.335.622,50, correspondendo a quota-parte de 72% a € 170.161.647,90. Todavia, o valor (medido em VPT) das frações adjudicadas à Requerente no processo de divisão de coisa comum foi superior, ascendendo a € 185.062.272,20, representativo de uma quota de 78,3% do VPT no total do conjunto imobiliário sob divisão, i.e., com uma diferença de 6,3% (€ 14.900.624,30) em relação aos 72% iniciais.

 

Nestes termos, a Requerente, na sequência da divisão dos bens imóveis, beneficiou de uma quota-parte adicional de 6,3% em relação à definida, mesmo que tal fosse o que ambas as partes tinham previamente acordado. Logo, constata-se um excesso de quota-parte no valor de € 14.900.624,30, enquadrável na hipótese de incidência do artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do Código do IMT e, portanto, sujeito a este imposto, independentemente pagamento de quaisquer tornas, por se tratar de condição que o legislador (e a norma de incidência) não erigiu como pressuposto dessa tributação.

 

De harmonia com a posição preconizada, referem J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS: “para que uma partilha, judicial ou extrajudicial, ou uma divisão de coisa comum sejam suscetíveis de gerar a incidência deste tributo é necessário que algum ou alguns dos interessados sejam adjudicados bens imóveis em valor que exceda o da sua quota ideal nesses bens. Nos termos da regra 11ª do nº 4 do art. 12º, a quota ideal é determinada em função da totalidade dos bens imóveis a dividir ou a partilhar, tomando-se como referência o respetivo valor patrimonial” – v. Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto de Selo, Engifisco, 1.ª Ed., 2005, p. 330 .

 

Conforme afirmado pela Requerida e resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo invocada, a norma da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT não contém uma presunção implícita da natureza translativa e/ou da onerosidade do fenómeno sujeito a tributação (recortado pela expressão “excesso de quota-parte” em ato de divisão ou partilhas), configura uma “mera” norma de incidência, resultante da livre opção e conformação legislativa.

 

Logo compulsando a conclusão do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 8 de setembro de 2021 : “[p]ara efeitos da tributação em IMT do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas», não há que indagar do carácter oneroso ou gratuito da aquisição desse excesso […] nem sequer da natureza aquisitiva ou declarativa da partilha, sendo precisamente para afastar a discussão doutrinária sobre a natureza desse fenómeno e da sua subsunção, ou não, às demais regras de incidência objectiva, que o legislador, querendo tributá-lo, consagrou expressamente a sujeição do mesmo ao IMT, na previsão da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º do Código desse imposto.”

 

Nestes termos, como pressuposto da tributação em IMT cabe apenas demonstrar a existência de um excesso da quota-parte na divisão da coisa comum, determinado em face do VPT dos bens , de acordo com as regras do Código do IMT (v. o respetivo artigo 12.º, n.º 4, 11.ª), demonstração que, para este Tribunal se afigura inequívoca, não havendo nenhuma presunção de onerosidade que pudesse ser considerada ilidida pela Requerida, nem se constatando, por essa via, qualquer violação do princípio da imparcialidade e da justiça.

 

No que diz respeito ao Despacho da Direção de Serviços de IRC, de 6 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º..., ao contrário do arguido pela Requerente, as respetivas conclusões não são transponíveis para a situação vertente, porquanto não está em causa, nem é sequer controvertido, o preço efetivo de venda, sendo o quantum da tributação de IMT calculado com base no VPT dos imóveis (expressão do incremento patrimonial) e independentemente do caráter oneroso, como atrás referido.

 

                4.2.        Questões de conhecimento prejudicado

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto no artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                4.3.        Juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade do ato de liquidação de IMT, a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios. Porém, tendo-se concluído pela improcedência do pedido não há lugar à restituição do imposto pago.

 

Acresce, por outro lado, os juros indemnizatórios somente são devidos quando se verifique o pagamento indevido de prestação tributária e se determine que houve erro imputável aos serviços, nos moldes preceituados no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, condições que não se verificam.

 

Inexiste, pois, qualquer lesão da situação jurídica substantiva que possa fundar as pretensões de restituição do imposto pago e de ressarcimento por via de juros indemnizatórios deduzidas pela Requerente.

 

EM SÍNTESE,

 

A liquidação de IMT de 2011, acima melhor identificada, não padece das ilegalidades substantivas alegadas pela Requerente, pelo que se mantém válida.

 

                V.           DECISÃO

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste tribunal arbitral em:

 

a)            Julgar a ação improcedente, com a manutenção do ato tributário de liquidação de IMT do ano 2011, e, bem assim, dos atos de segundo grau que o confirmaram;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida à restituição do imposto e ao pagamento de juros indemnizatórios,

 

tudo com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 968.540,58, correspondente à liquidação de IMT que a Requerente pretende anular e não impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 13.464,00, a cargo da Requerente em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de outubro de 2021

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Marcolino Pisão Pedreiro

Armando Oliveira

 

(vencido, conforme declaração de voto junta)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

 

Voto de vencido por entender que a posição que fez vencimento, em linha com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, ao defender a incidência de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no caso de operações de divisão ou partilha, com o facto de o SP apenas receber bens imóveis que excedam a sua quota-ideal, não se exigindo que esse excesso seja resultante de um negócio jurídico oneroso, desconsidera um dos elementos conformadores da incidência objetiva do Imposto.

O artigo 2º do Código do IMT define o âmbito de incidência territorial e delimita a sua incidência objetiva através da enunciação dos seus elementos conformadores (n.º 1). Os números seguintes acrescentam os factos que, quando verificados os respetivos elementos conformadores, devem encontrar-se no âmbito da incidência do imposto, qualquer se seja a natureza pelo qual operam.

Em face do acima exposto, entendo que o pedido arbitral deveria proceder.

 

Armando Oliveira