Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 45/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30  IRC  
Valor do pedido: € 119.282,86
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos; indispensabilidade do gasto – artigo 23.º.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), Dr. Hélder Faustino e Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (Vogais), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1. No dia 21 de janeiro de 2019, a A..., LDA., sociedade comercial por quotas com sede no ..., ..., ... ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 10 de setembro de 2018, referente ao exercício de 2015, no valor a pagar de EUR 115.328,45, e, bem assim, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018 ..., respetivamente, nos montantes de EUR 338,87 e EUR 9.428,22, ambas refletidas na demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 12 de setembro de 2018, no montante global de EUR 119.282,86, com a consequente anulação.

- Condenação da AT no reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 29 de janeiro de 2019.

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 13 de março de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2 de abril de 2019.

3.3. Por despacho de 1 de março de 2019 da subdiretora-Geral com competências delegadas foi o ato de liquidação parcialmente revogado, no que se refere à correção de EUR 313.890,89, relativo à dedução de gastos financeiros, e, em cumprimento do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, notificado à Requerente em 9 de março.

3.4. Por requerimento de 19 de março veio a Requerente pedir a alteração do valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º1, alínea a), do CPPT, ex vi artigos 10.º, n.º 2, alínea e) e 29.º, n.º1, alínea a) do RJA, uma vez que o valor da causa teria passado de EUR 119.282,86, para EUR 39.048,27, devendo igualmente relevar para efeitos de custas judiciais.  

4. No pedido Arbitral, no essencial, a Requerente alega que:

a)            De acordo com a AT, a ação de inspeção teve somente como finalidade a análise do (in)cumprimento do disposto no artigo 67.º do CIRC, referindo-se a este propósito no relatório final de inspeção tributária que “Atendendo ao motivo que deu origem à ação inspetiva, controlo dos gastos de financiamento declarados pelo sujeito passivo, procedeu-se à análise dos gastos de financiamento tendo em conta as regras estabelecidas no artigo 67.º do CIRC, no que concerne ao regime de limitação à dedutibilidade destes gastos.”.

b)           Não obstante, os serviços de inspeção tributária efetuaram duas correções em sede de IRC com fundamento na violação de outras disposições legais, quais sejam, os artigos 23.º e 44.º do CIRC e 62.º do EBF.

c)            Em concreto, nas palavras dos serviços inspetivos a respeito da correção de EUR 313.890,89, “Embora os gastos de financiamento contabilizados pela A... pudessem ser deduzidos na íntegra, tendo em conta o estipulado no artigo 67.º do CIRC, constatou-se que parte desses gastos não podem ser aceites para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC”.

d)           Por seu turno, no que concerne à correção de EUR 172.845,90, expõem os serviços de inspeção tributária que “(...) a verba de € 172.845,90 considerada como gasto pela A..., em quotizações, não tem enquadramento no disposto no artigo 44.º do CIRC (quotizações a favor de associações empresariais), assim como também não se enquadra no estipulado no artigo 62.o do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)” e, bem assim, que “(...) não estamos perante um gasto que possa ser enquadrável no artigo 23.º do CIRC”.

e)           Não tendo a Requerente sido notificada de um despacho de alteração dos fins da ação de inspeção tributária, verifica-se uma ilegalidade do procedimento inspetivo reportada à falta de competência dos serviços de inspeção para efetivarem as correções espelhadas no ato tributário, por extravasarem os fins da inspeção.

f)            Segundo a Requerente, também o ato tributário padece de ilegalidade, no que respeita à correção referente à dedutibilidade de gastos financeiros, no montante de EUR 313.890,89, por violação dos artigos 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC e, bem assim, nos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP.

g)            Na origem desta correção está o entendimento da AT de que os juros suportados mediante financiamento, por via das contas caucionadas do Banco B... e C... e do empréstimo concedido pelo Banco D..., não são passíveis de dedução nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

h)           Com efeito, o objeto da correção cinge-se, única e exclusivamente, à dedutibilidade dos juros suportados pelo recurso às contas caucionadas junto do Banco B... e C... e ao empréstimo concedido pelo Banco D... .

i)             Não se encontra, pois, em causa nos autos a dedutibilidade, para efeitos de IRC, de juros suportados por adiantamentos por recurso a créditos documentários de exportação ou eventuais encargos financeiros suportados no âmbito de hipotéticos contratos de financiamento celebrados entre a Requerente e os respetivos clientes estrangeiros.

j)             Segundo a Requerente, devem haver-se como dedutíveis, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, os gastos que resultem de ato de gestão enquadrado no âmbito da atividade empresarial concretamente prosseguida pelo sujeito passivo de IRC, independentemente de essa atividade ser a atividade principal ou uma atividade meramente acessória e de o ato de gestão se vir a traduzir, em concreto, na efetiva realização de rendimentos ou sequer refletir uma boa opção de gestão.

k)            Atenta a progressiva precisão jurisprudencial do conceito de gasto fiscalmente dedutível, impõe-se concluir que a relação entre gastos e proveitos, para aferir se se inscrevem na atividade empresarial, afere-se num sentido económico: os gastos fiscalmente dedutíveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata [“obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”]) e no exercício da respetiva atividade, independentemente da bondade dos atos de gestão que lhes estão subjacentes.

l)             Este mesmo entendimento foi, aliás, expressamente reforçado pelo legislador na reforma do IRC de 2014, operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tendo o requisito de indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos tributáveis ou a manutenção da fonte produtora sido substituído pelo atual requisito – menos exigente – de gastos incorridos ou suportados para obtenção ou garantia de rendimentos tributáveis em IRC.

m)          Conclui a Requerente que um gasto será aceite fiscalmente caso seja imediata ou mediatamente adequado à obtenção dos lucros, atenta a estrutura empresarial do sujeito passivo, quer contribua diretamente para o escopo lucrativo, quer contribua indiretamente e, em última linha, para a atividade empresarial, como no caso em apreço.

n)           Por outro lado, os serviços inspetivos propõem, ainda, uma correção traduzida na não dedutibilidade do montante EUR 172.845,90 concernente a quotizações suportadas pela Requerente em benefício da E... no exercício de 2015.

o)           Em suma, entendem os serviços inspetivos que o montante em questão não pode ser aceite como gasto fiscal do exercício de 2015 porquanto não é passível de enquadramento nos artigos 44.º do CIRC e 62.º do EBF.

p)           Com efeito, não coloca a Requerente em crise o entendimento de que o gasto em questão não é passível de subsunção no disposto nos artigos 44.º do CIRC e 62.º do EBF.

q)           Sucede que, em resposta ao invocado em sede de audição prévia, vêm os serviços inspetivos defender que o gasto também não é dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC, porquanto alegadamente não configura um gasto suportado no interesse da sociedade.

r)            Ora, os serviços de inspeção tributária efetuaram a presente correção porquanto consideraram que os gastos promocionais em questão não beneficiam de escopo empresarial uma vez que, alega a AT, daquelas atividades promocionais não resultou, até ao exercício de 2015, a direta angariação de novos clientes para a Requerente.

s)            De referir que o mercado angolano configura o principal mercado de atuação da Requerente, sendo fundamental para a manutenção da sua atividade comercial.

t)            Efetivamente, o gasto com quotizações cuja dedutibilidade se encontra a ser posta em crise pela AT traduz um esforço da Requerente em sedimentar a sua imagem e fiabilidade junto de clientes do mercado angolano – especialmente em áreas como o mercado farmacêutico e escolar – e, bem assim, garantir oportunidades de networking com outras entidades relevantes daquele mercado, tendo em vista dinamizar a sua atividade.

u)           Revela-se evidente a conexão do gasto com a atividade exercida pela Requerente, onde se inclui o desenvolvimento em diversas áreas, abrangendo as áreas de produtos farmacêuticos e escolares.

v)            Não obstante reconhecer que a dedutibilidade de gastos depende somente da aferição da conexão com a atividade empresarial, a AT conclui pela não dedutibilidade dos gastos sem, no entanto, invocar motivos pertinentes que ponham em causa a conexão entre os gastos e a atividade empresarial, enfatizando que aqueles esforços promocionais não permitiram a angariação de novos clientes não relacionados com a Requerente.

w)          Em conclusão, os gastos com quotizações suportados em 2015, assumidos em função das motivações promocionais e reputacionais explanadas, encontram-se relacionados com a atividade comercial da Requerente consubstanciando, a fortiori, gastos dedutíveis para determinação do lucro tributável do exercício de 2015 nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sob pena de a interpretação seguida pela Requerida do artigo 23.º do CIRC padecer de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP, respetivamente, de onde decorre a ilegalidade do ato em apreço.

5. No dia 16 de maio de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com base, em suma, nos seguintes argumentos:

a)            Começa a Requerida por afirmar que, por despacho de 1 de março de 2019 da Subdiretora-Geral com competências delegadas, foi o ato de liquidação parcialmente revogado e, em cumprimento do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, notificado a Requerente.  

b)           A Requerida procedeu à revogação da parte da liquidação correspondente à desconsideração dos gastos financeiros, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, mantendo parte da liquidação relativa à desconsideração da dedutibilidade de quotizações, pelo que apenas se discute nos autos a legalidade da liquidação correspondente à dedutibilidade das quotizações no montante de EUR 172.845,90 pagas pela Requerente à Sociedade E... . 

c)            Inicialmente alega a Requerente que os serviços da AT incumpriram o disposto nos artigos 14.º e 15.º do RCPITA, porquanto a AT estaria limitada ao controlo dos gastos de financiamento líquidos dedutíveis nos termos do artigo 67.º do CIRC.

d)           Entende a AT que a Requerente foi devidamente notificada que iria ser inspecionada quanto ao IRC relativo ao exercício de 2015 e que os atos de inspeção teriam lugar em instalações suas ou de terceiros com quem tivesse relações económicas, pelo que estava, portanto, perfeitamente ciente dos termos em que decorreria o procedimento de inspeção e que efetivamente decorreu sem que se tivesse verificado qualquer extrapolar de competências por parte dos serviços de inspeção, contrariamente ao defendido.

e)           Em sede de inspeção foi dito que as quotizações para a E... foram contabilizadas com base em duas notas de crédito devidamente identificadas e que foram emitidas pela A... ao seu cliente angolano F..., LDA., tendo funcionado como encontro de contas entre a A... e o seu cliente.

f)            À parte o facto da contabilização ter sido efetuada de forma pouco convencional, os dois documentos supostamente emitidos pela E..., referentes às quotas, não identificam devidamente o destinatário, uma vez que a denominação está incompleta e não apresenta número de identificação fiscal.

g)            A fundamentação das correções, necessariamente, prendeu-se com o incumprimento dos requisitos do artigo 23.º do CIRC.

h)           É naquela norma fiscal que se encontram definidas as condições para que os gastos podem ser fiscalmente dedutíveis, os quais só serão aceites se passarem o primeiro teste da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º do CIRC.

i)             Atenta a fundamentação das correções constante do relatório de inspeção, os custos declarados pela Requerente sucumbiram ao crivo da indispensabilidade, pelo que se impunha à Requerente, na presente ação arbitral, o ónus de demonstrar que os montantes desconsiderados podiam subsumir-se no conceito legal de gasto.

j)             São requisitos fundamentais para que o pagamento de quotas seja valorado e aceite como gasto fiscal, por um lado, a comprovação dos gastos e, por outro, a sua indispensabilidade para obtenção dos ganhos sujeitos a imposto.

k)            A indispensabilidade dos gastos para obtenção dos ganhos sujeitos a imposto faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

l)             Indispensabilidade esta que a Requerente não logrou provar quer em sede de procedimento inspetivo quer nos presentes autos, como lhe competia.

m)          Por todo o exposto, a correção efetuada pela inspeção no montante de EUR 172.845,90 referente a quotizações, por não se enquadrar no espírito do artigo 23.º do CIRC, deve ser mantida na ordem jurídica.

6. Por despacho de 21 de maio de 2019, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado o dia 2 de outubro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

7. As Partes apresentaram alegacões escritas.

 

II – SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Quanto ao valor da causa, vem o presente pedido de pronúncia arbitral interposto contra o ato tributário de liquidação adicional de IRC de 10 de setembro de 2018, referente ao ano de 2015, no montante de EUR 115.328, 45 e respetivas liquidações de juros compensatórios, no montante global de EUR 119.282, 86.

Estão em causa correções efetuadas pela Requerida, sendo que EUR 313.890,89 dizem respeito à desconsideração como gasto para efeitos de apuramento do resultado tributável, de gastos financeiros, nos termos do artigo 23.º do CRIC e EUR 172.845,90 correspondem à desconsideração da dedução de quotizações, nos termos do artigo 44.º do CIRC e artigo 62.º do EBF.

Como vimos, por despacho de 1 de março da Subdiretora-Geral foi o ato de liquidação impugnado parcialmente revogado, mantendo-se apenas a correção do montante EUR 172.845,90 correspondente à desconsideração da dedução de quotizações.

Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, como decorre do disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Como flui do estatuído no artigo 259.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, ou seja, no caso do processo arbitral tributário, logo que seja recebida na secretaria do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

Destarte, como afirma Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, revisto e atualizado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 153), “são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos.

Da mesma forma não implicarão alteração ao valor da causa, eventuais ampliações do pedido primitivo que se considerem admissíveis, por serem, desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo 265.º, n.º 2, do CPC), como, por exemplo, aumento derivado de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevida.”

Assim sendo, o valor da causa mantém-se o fixado pela Requerente em EUR 119.282,86, sendo indeferida a pretensão de alteração do mesmo, mantendo-se igualmente a competência do tribunal coletivo.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1. DE FACTO

 

§1. Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial com sede e direção efetiva em território português que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica fundamentalmente ao comércio em geral, incluindo comércio por grosso, importação e exportação, comissões e representações de firmas nacionais e estrangeiras, encontrando-se enquadrada no regime de tributação geral em sede de IRC;

b)           No exercício de 2015 a Requerente procedeu a exportações para diversos clientes sediados em Angola (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

c)            No exercício de 2015 a Requerente integrou o elenco de entidades-membro da Assembleia Geral da Fundação ... (“E...”) (cfr. Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

d)           A E... dedica-se, por injunção estatutária, à promoção da saúde, educação e formação profissional (cfr. Documento n.º 10 junto com a p.i.);

e)           A Assembleia Geral configura um dos órgãos principais da E... e tem a natureza de órgão consultivo do Presidente do Conselho de Curadores, reunindo-se duas vezes por ano com o objetivo de promover a prossecução dos respetivos fins da instituição (cfr. Documento n.º 10);

f)            Na qualidade de membro da Assembleia Geral a Requerente procedeu, no exercício de 2015, ao pagamento das respetivas quotizações no montante total de EUR 172.845,90 (cfr. Documento n.º 11 junto com a p.i.);

g)            Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 2017..., entre maio e agosto de 2017 a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva de natureza externa, de âmbito parcial, com referência ao exercício de 2015, realizada pela Equipa 11 da Divisão I do Departamento C da Equipa ... da Direção de Finanças de Lisboa (cfr. Documento n.º 2 junto com a p.i.), da qual resultaram as seguintes correções:

 

h)           Em 21 de agosto de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, no âmbito do qual concluiu a AT, a respeito da dedutibilidade de gastos de financiamento ao abrigo do artigo 67.º do CIRC, o seguinte: “Atendendo ao motivo que deu origem à ação inspetiva, controlo dos gastos de financiamento declarados pelo sujeito passivo, procedeu-se à análise dos gastos de financiamento tendo em conta as regras estabelecidas no artigo 67.º do CIRC, no que concerne ao regime de limitação à dedutibilidade destes gastos. (...) Face ao exposto, os gastos de financiamento contabilizados pelo sujeito passivo encontram-se dentro do limite estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CIRC, de € 1.000.000,00, mesmo com a junção do imposto de selo inerente às operações de financiamento (€ 39.564,04) (...) Embora os gastos de financiamento contabilizados pela A... pudessem ser deduzidos na íntegra, tendo em conta o estipulado no artigo 67.º do CIRC, constatou-se que parte destes gastos não podem ser aceites para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC” (cfr. Documento n.º 12 junto com a p.i.);

i)             Na sequência daquela notificação – e apesar da apresentação de audição prévia na qual requereu a anulação das correções projetadas – a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção tributária por via do Ofício n.º..., de 31 de agosto de 2018, no qual a AT manteve as correções propostas (cfr. Documento n.º 2 junto com a p.i.);

j)             No que respeita às quotizações pagas pela Requerente à E..., no exercício de 2015, verificou-se que “Na conta de “Outros Gastos e Perdas” (6883 – Quotizações) foram registadas duas verbas de € 86.422,95 (USD 100.000,00) com base nas notas de crédito n.os ... e ..., datadas de 2015-06-30, emitidas pela A... ao seu cliente angolano “F..., Lda.”, com o descritivo “Quotas E...” (de 2014 e 2015). As referidas notas de crédito serviram de base ao registo de gastos, proveniente de quotizações no montante total de € 172.8456,90, e funcionaram como encontro de contas entre a A... e o seu cliente “F..., Lda.”. Em anexo às notas de crédito n.os 3500032 e 3500033 constam dois documentos supostamente emitidos pela “Fundação E...” (...) referentes a quotas anuais dos anos de 2014 e 2015, no valor de UDS 100.000,00 por ano. Nestes documentos o destinatário dos mesmos (“A..., LDA”.) não se encontra devidamente identificado (denominação incompleta e ausência de identificação fiscal) (...)” (cfr. Documento n.º 2 junto com a p.i.);

k)            Em consequência das aludidas correções foi a Requerente notificada do ato tributário em apreço e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., a qual refletiu a compensação de dívida n.º 2018..., datada de 31 de outubro de 2018, mediante a qual a AT aplicou a dívida apurada no ato tributário contestado num crédito a favor ao sujeito passivo (cfr. Documentos n.ºs 1 e 13 juntos com a p.i.);

l)             Em 21 de janeiro 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição e pronúncia arbitral que deu origem ao processo em apreço;

m)          Por despacho de 1 de março de 2019 da Subdiretora-Geral com competências delegadas, foi o ato de liquidação parcialmente revogado e, em cumprimento do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, notificada a Requerente;

n)           Com efeito, a AT revogou parte da liquidação correspondente à desconsideração dos gastos financeiros nos termos do artigo 23.º do CIRC, mantendo parte da liquidação relativa à desconsideração da dedutibilidade de quotizações, no montante de EUR 172.845,90.

 

§2. Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam, factos não provados.

 

§3. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.

 

III- 2. DE DIREITO

 

§1. Delimitação do objeto do processo

 

A Requerente veio pedir a apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 10 de setembro de 2018, referente ao exercício de 2015, no valor a pagar de EUR 115.328,45, e, bem assim, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018 ..., respetivamente, nos montantes de EUR 338,87 e EUR 9.428,22, ambas refletidas na demonstração de acerto de contas n.º 2018 ..., de 12 de setembro de 2018, no montante global de EUR 119.282,86, com a consequente anulação.

Questiona a Requerente as correções efetuadas pela Requerida, sendo que EUR 313.890,89 dizem respeito à desconsideração de gastos financeiros, nos termos do artigo 23.º do CRIC e EUR 172.845,90 à desconsideração da dedução de quotizações, nos termos do artigo 44.º do CIRC e artigo 62.º do EBF.

 

Na contestação veio a Requerida dizer que, por despacho de 1 de março de 2019 da Subdiretora-Geral com competências delegadas, foi o ato de liquidação parcialmente revogado na parte correspondente à desconsideração dos gastos financeiros nos termos do artigo 23.º do CIRC, mantendo parte da liquidação relativa à desconsideração da dedutibilidade de quotizações, no montante de EUR 172.845,90.

Os resultados que a Requerente visava com o presente processo arbitral encontram-se, desta forma, parcialmente atingidos, sendo de julgar, com as devidas adaptações, verificada a inutilidade superveniente da lide nesta parte.

Assim sendo, a questão central que se discute nos presentes autos diz desta forma respeito à legalidade da liquidação adicional de IRC de 10 de setembro de 2018, referente ao exercício de 2015, na parte correspondente à dedutibilidade das quotizações no montante de EUR 172.845,90 pagas pela Requerente à Sociedade E... .

Como vimos, a fundamentar o pedido de declaração de ilegalidade a Requerente invoca, em síntese, os seguintes vícios:

i)             Violação dos fins da inspeção (cfr. artigos 14.º e 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA);

ii)            Suscetibilidade de dedução de gastos financeiros no montante de EUR 313.890,89 (cfr. artigos 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC e 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP), questão entretanto reduzida para EUR 172.845,90, concernente a quotizações suportadas pela Requerente em benefício da E... no exercício de 2015.

 

§2. Da legalidade da liquidação  

 

A)           Analisemos o primeiro vício.

Diz a Requerente, na petição inicial, que a aludida Ordem de Serviço delineou a inspeção em apreço como uma “(…) acção externa de âmbito parcial, em sede de IRC, com vista ao controlo dos gastos de financiamento líquidos dedutíveis, nos termos do artigo 67.º do Código do IRC (CIRC)” (cfr. artigo 42.º da p.i.).

Acrescenta ainda a Requerente, no artigo 43.º da p.i., que, “(…) de acordo com a AT, a ação de inspeção teve somente como finalidade a análise do (in)cumprimento do disposto no artigo 67.º do CIRC” para concluir, no artigo 53.º, que “(…) apesar de a ação inspetiva se ter iniciado com a finalidade de inspecionar a conformidade da atuação da Requerente com o teor do artigo 67.º do CIRC, a AT acabou por promover correções com sustentação nos artigos 23.º e 44.º do CIRC e 62.º do EBF” o que terá determinado que ação inspetiva tenha visto, “(…) na prática, alargados os seus fins para a análise do cumprimento de obrigações para além das previstas no artigo 67.º do CIRC, conforme resulta do teor das correções concretizadas no relatório final de inspeção tributária”.

Neste contexto, conclui a Requerente que “(…) ao realizarem correções à matéria coletável da Requerente extravagantes aos fins da ação inspetiva, os serviços de inspeção extrapolaram o seu mandato inspetivo, inquinando de ilegalidade o ato tributário sub judice por violação dos artigos 12.º e 15. º do RCPITA, impondo-se a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º, n.º do CPA. Aplicável ex-vi artigo 4.º, alínea e), do RCPITA, tudo com as demais consequências legais.”.

Por seu lado, a AT alegou, na resposta, que o “(…) Requerente foi devidamente notificado que iria ser inspecionado quanto ao IRC relativo ao exercício de 2015 e que os atos de inspeção teriam lugar em instalações suas ou de terceiros com quem tivesse relações económicas” (cfr. artigo 22.º da resposta).

A primeira questão a decidir é, portanto, a de saber se, ao realizarem correções à matéria coletável da Requerente, os serviços de inspeção extrapolaram o mandato inspetivo, inquinando de ilegalidade o ato tributário sub judice por violação dos artigos 12.º e 15. º do RCPITA.

Vejamos.

O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias (artigo 2.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA), podendo ser iniciado até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos, é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, prazo que pode ser prorrogado antes do seu termo, nas condições previstas no artigo 36.º do RCPITA.

Quanto aos fins, o procedimento de inspeção classifica-se, de harmonia com o artigo 12.º, n.º 1 do RCPITA, em (a) Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e (b) Procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspeção tributária seja legalmente incumbida.

Quanto ao âmbito, o procedimento de inspeção tributária pode ser geral ou polivalente, se abrange a globalidade da situação tributária ou o conjunto dos deveres tributários do inspecionado (artigo 14.º, n.º 1 alínea a), do RCPITA) e parcial ou univalente, quando visa apenas alguns tributos ou deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA) e ainda quando tenha em vista apenas a consulta e recolha de determinados documentos e elementos e a verificação dos sistemas informáticos usados pelos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 2, do RCPITA).

Por fim, no que respeita à amplitude ou extensão temporal, o procedimento de inspeção tributária pode abranger apenas um ou mais do que um período de tributação (artigo 14.º, n.º 3, do RCPITA).

A classificação inicialmente atribuída pela AT a um procedimento de inspeção tributária pode vir a ser alterada durante a sua execução, no que respeita aos seus fins, âmbito e extensão, mediante despacho fundamentado da entidade que o ordenou, a notificar à entidade inspecionada (artigo 15.º, n.º 1, do RCPITA).

No caso em apreço, e de harmonia com o constante na ordem de serviço OI2017..., a ação inspetiva foi caracterizada como, sendo relativa ao exercício de 2015, uma “ação externa de âmbito parcial, em sede de IRC, com vista ao controlo dos gastos de financiamento líquidos dedutíveis, nos termos do artigo 67.º do CIRC.”.

O procedimento encontrava-se, portanto, delimitado quanto à extensão: englobava o exercício de 2015.

Não obstante, o procedimento delimitava, de forma mais precisa, o controlo visado em causa: “gastos de financiamento líquidos dedutíveis”.

É certo que a ação inspetiva refere-se, na parte final, ao artigo 67.º do CIRC.

Porém não pode considerar-se que a circunstância de, a final, se poder determinar a qualificação (ou a não-qualificação) de certos gastos à luz de outro artigo – v.g., o artigo 23.º do CIRC – implica a ilegalidade consequente do ato tributário sub judice.

Os fins da ação inspetiva foram respeitados: análise ao exercício da Requerente de 2015.

Note-se, aliás, que a Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre os “gastos de financiamento líquidos dedutíveis” em sede de audição prévia – o que fez em 14 de agosto de 2018 – tendo, nesse momento, defendido que os gastos suportados com as quotas da E... se enquadravam no disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

Estando em causa o mero enquadramento jurídico dos gastos objeto de impugnação considera-se que não houve, portanto, qualquer omissão de formalidade essencial, tanto mais que a Requerente teve a possibilidade de intervir, notificada que foi para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório, nos termos do disposto no artigo 60.º, do RCPITA.

 

B)           A Requerente invoca ainda a suscetibilidade de dedução de gastos financeiros no montante de EUR 313.890,89 (cfr. artigos 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC e 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP) valor entretanto corrigido para EUR 172.845,90, correspondente à dedutibilidade das quotizações pagas pela Requerente à sociedade E...:

 

Deve considerar-se, prima facie, que a AT revogou parte da liquidação correspondente à desconsideração dos gastos financeiros nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, mantendo parte da liquidação relativa à desconsideração da dedutibilidade de quotizações (cfr. artigo 4.º da resposta) pelo que apenas se discute, nos presentes autos, a legalidade da liquidação correspondente à dedutibilidade das quotizações no montante de EUR 172.845,90 pagas pela Requerente à sociedade E... (cfr. artigo 5.º da resposta da AT).

Devemo-nos limitar, neste âmbito, ao afirmado pela Requerente nos artigos 192.º a 234.º da p.i. (sem prejuízo da remissão para a densificação dogmática do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC realizada pela Requerente e operada no capítulo anterior da p.i., como indicado na parte inicial do artigo 215.º da p.i.).

Analisemos este vício.

A Requerente não coloca em crise o entendimento, partilhado pela AT, segundo o qual o gasto em questão não é passível de subsunção no disposto nos artigos 44.º do CIRC e 62.º do EBF (cfr. artigo 195.º da p.i.).

Acrescenta a Requerente que, “ao deduzir fiscalmente o gasto pelo seu montante efetivo – e não por um valor majorado nos termos daquelas disposições – é manifestamente evidente que a própria Requerente entende não serem de aplicar aquelas disposições, tendo o gasto sido deduzido, para efeitos fiscais, apenas por força da regra geral inscrita no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC” (cfr. artigo 201.º da p.i.).

É justamente neste ponto que a Requerente e a AT divergem uma vez que esta última entende que o gasto não é dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC, porquanto não configura um gasto suportado no interesse da sociedade.

Cumpre, por isso, proceder a uma breve digressão a propósito do artigo 23.º do CIRC para, depois, o procurar subsumir no caso concreto.

 

i)             Da interpretação do artigo 23.º do CIRC na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho:

 

O artigo 23.º, n.ºs 1 e 3 do CIRC dispunha, ao tempo a que se referem os factos controvertidos, da seguinte forma, na parte que aqui importa considerar:

«Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

(…)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

(…)

A propósito da dedutibilidade de custos prevista no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC a Requerente diz, nos artigos 107.º e 108.º da p.i., o seguinte:

“Decorre da citada norma, no que configura a interpretação unanimemente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, que são dedutíveis os gastos incorridos por uma empresa no âmbito e por força da sua atividade empresarial, a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.

A contrario sensu, o artigo 23.º do CIRC apenas permite a desconsideração fiscal dos gastos extra empresariais, ou seja, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a atividade do sujeito passivo como, por exemplo, os encargos com despesas privadas dos sócios, recusando-se que esta afinidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo por parte da AT.”

Cumpre, por isso, analisar se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

Neste contexto entende-se que deve ser revisitada a jurisprudência passada, proferida a propósito do requisito que se verificava à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, de harmonia com o qual os gastos deviam ser indispensáveis.

É certo que tal requisito não consta, atualmente, de forma expressa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.

Mas é igualmente certo que podemos, a partir da interpretação feita pelos tribunais daquela norma tentar alcançar a interpretação da atual redacção do artigo 23.º do Código do IRC procurando, em particular, perceber se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

A possibilidade de dedutibilidade dos custos, à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC – na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho – foi, no passado, objeto de diversa jurisprudência proferida quer pelo CAAD quer pelos tribunais administrativos que analisaremos de seguida.

Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCA Sul, de 27 de março de 2012, Processo n.º 053120/12).

Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".

Neste sentido, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial.

Ainda de acordo com o acórdão tirado no processo 444/2015-T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:

- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

- os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

“A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

“…da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.”

A noção legal de indispensabilidade recortava-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.

Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproximava, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal (sublinhado nosso).

O gasto imprescindível equivalia a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que representasse um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo dependia, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori.

Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas fosse mal sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais.

Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável.

“Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

De forma semelhante, foi afirmado no processo n.º 648/2017-T do CAAD que a aferição da comprovada indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a que se referia o n.º 1 do artigo 23º do CIRC, começava por só poder fazer-se relativamente à entidade que os contabiliza e suporta, como resulta de reiterada jurisprudência do STA, de que é exemplo o seu Acórdão de 30.05.2012, proc. n.º 171/11, que concluiu: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades», bem como o acórdão do STA de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que decidiu: “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”.

Como afirma o acórdão do TCA Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Em síntese, o conceito de indispensabilidade não consta já da redação atual do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

Não pode, por isso, atualmente proceder-se à avaliação do gasto à luz de um juízo estrito de imperiosa necessidade. No entanto, a jurisprudência anteriormente referida analisava, também, a conveniência da despesa, como ficou exposto.

A partir daqui podemos, por isso, procurar analisar se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

 

 

ii)            A dedutibilidade dos custos no caso sub judice à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC na redacção resultante da lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro:

 

Importa agora subsumir os factos provados ao disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC na redação resultante da lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

Trata-se de saber se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

Para tal, e por outras palavras, podemos considerar que o gasto equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos que represente um decaimento económico para a empresa. A dedutibilidade fiscal do custo depende por isso, e apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.

Como resulta dos factos dados como provados, ficou demonstrado que a Requerente deduziu o montante de EUR 172.845,90 concernente a quotizações suportadas pela Requerente em benefício da E... no exercício de 2015.

Assim, o requisito da comprovação do custo encontra-se preenchido.

Relativamente ao outro requisito que decorre do artigo 23.º do CIRC (ligação dos gastos aos rendimentos sujeitos a imposto) a Requerida considerou, referindo-se ao requisito da indispensabilidade (que, reitere-se, não se encontra expressamente previsto na atual redação do artigo 23.º, n.º 1) que “(…) os custos declarados pela Requerente sucumbiram ao crivo da indispensabilidade, pelo que se impunha à Requerente, na presente ação arbitral, o ónus de demonstrar que os montantes desconsiderados podiam subsumir-se no conceito legal de gasto.” (cfr. artigo 40.º da resposta)

Como vimos o conceito de indispensabilidade não consta já da redação atual do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. Não pode, por isso, atualmente proceder-se à avaliação do gasto à luz de um juízo estrito de imperiosa necessidade.

Em rigor, o que importa averiguar é se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

Tal implica averiguar se as quotizações pagas pela Requerente à E... ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial daquela, a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.

Aqui cumpre recordar ter ficado provado que a E... é uma fundação angolana que, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º dos seus Estatutos (Âmbito e Fins) “é uma instituição particular social de âmbito nacional, constituída para dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça, para fins de apoio a:

a) Crianças e jovens,

b) Família;

c) Integração Social;

d) Proteção na Velhice e na invalidez;

e) Promoção da saúde;

f) Educação;

g) Formação profissional;

h) Educação-física;

i) Desporto;

j) Habitação social;”

Trata-se, consequentemente, de saber se as quotizações pagas pela Requerente à E... têm potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente.

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respetivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

Por conseguinte é necessário averiguar a necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo dos custos em apreciação, i.e., o gasto inscrito pela Requerente decorrente do pagamento de quotizações à E... .

Com efeito, na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere, é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo.

Como resulta da factualidade dada como provada e acima exposta, no caso em apreço, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram ao interesse da Requerente.

Na verdade, não se vê em que medida podem as quotizações para uma Fundação, “constituída para dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça”, revestir interesse empresarial.

A Requerente invoca, a este propósito, ligações ténues e pouco percetíveis entre a E... e o interesse empresarial da Requerente.

Diz, na p.i., que “a relevância central que o mercado angolano assume na atividade comercial da Requerente (…) impeliu o incurso em atividades promocionais e de sedimentação da imagem como as que estão em causa nos autos.” (cfr. artigo 208.º da p.i.), que “pretendendo a Requerente continuar a consolidar o seu negócio no mercado angolano e sendo a E... uma fundação preponderante em Angola, a Requerente estreita os seus laços com aquele mercado através dessa mesma instituição.” (cfr. artigo 210.º da p.i.) e, por fim, que “a Requerente visa manter e expandir a sua base de clientes – quer relacionados, quer não relacionados com o Grupo A... –, sendo a reputação essencial para o efeito e muito contribuindo a instituição em causa para essa imagem positiva.” (cfr. artigo 213.º da p.i.).

Porém, e ao contrário do concluído pela Requerente no artigo 214.º da p.i., não se revela minimamente evidente a conexão do gasto com a atividade exercida pela Requerente.

Em rigor, o pagamento de quotas a uma instituição filantrópica não pode ser entendido como um gasto suportado no interesse da empresa para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

Estão em causa duas realidades – e interesses – distintos.

Num caso, a participação nos órgãos sociais da E..., em realização de uma utilidade social,  – visa-se “dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça”-, constituindo a quota para Requerente um dever de pagamento enquanto associada e participante  na vida associativa comunitária. 

No outro caso – a Requerente – deve realizar gastos no seu interesse empresarial.

Em suma, a intervenção da Requerente na referida Fundação nada tem que ver com a sua atividade empresarial.

É legítima, consequentemente, a correção operada pela AT, objeto dos presentes autos, uma vez que, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa”.

É certo que se podia especular sobre a possibilidade de o gasto em questão ser subsumível no disposto nos artigos 44.º do CIRC e 62.º do EBF.

Sucede que, in casu, como vimos, tanto a Requerente como a AT estão de acordo que tal não se verifica pelo que a questão controvertida diz respeito à eventual subsunção desse custo no artigo 23.º do CIRC sendo, consequentemente, considerado dedutível.

Nestes termos, o escrutínio que a AT efetuou das quotizações para a E... é congruente e suficiente para que se deva concluir que tais custos não são ocorrem no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente.

Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, não tem lugar “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual os custos “equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (ainda que não tenham de ser indispensáveis) (cfr. acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11).

Deste modo, as quotizações pagas pela Requerente à E... não ocorrem no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente, para efeitos fiscais pelo artigo 23.º do CIRC, estando em falta o cumprimento do requisito legal referente à afetação dos custos ao interesse empresarial da Requerente.

Por fim, a Requerente alega que a AT terá violado o princípio constitucional de tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, o qual exige que a tributação dos sujeitos passivos se faça atendendo à totalidade dos seus proveitos e, bem assim, à totalidade dos seus gastos cuja relevância fiscal não deva ser afastada por lei.

Porém, como ficou decidido, os gastos em causa invocados pela Requerente não devem ter, à luz da lei, relevância fiscal pelo que a invocação, pela Requerente, do princípio constitucional de tributação pelo lucro real, ao caso concreto, não procede.

Em consequência, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, não ocorre o vício de violação de lei imputado à liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 10 de setembro de 2018, referente ao exercício de 2015, no valor a pagar de EUR 115.328,45, razão por que o pedido principal terá de improceder falecendo igualmente todos os pedidos consequentes formulados pela Requerente, relativos ao pedido principal.

Improcede igualmente o pedido quanto ao não preenchimento dos pressupostos legais de liquidação de juros compensatórios, por, no caso, ao contrário do alegado pela Requerente, não estarmos perante uma mera e compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte.

Improcedendo os pedidos principal e subsidiário, improcede, consequentemente o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

 

III-3. RESPONSABILIDADE QUANTO A CUSTAS

 

Como vimos, veio a Requerida na Contestação dizer que satisfez parcialmente o pedido de pronúncia arbitral que a Requerente formulou, de tal modo que os resultados que a Requerente visava se encontram parcialmente atingidos.

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão da Requerente foi parcialmente satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado parcialmente o ato tributário impugnado, mas prática do ato impugnado e que deu origem ao presente pedido arbitral não deixa de ser da responsabilidade da Requerida.

Termos em que a Requerida deve ser condenada a pagar as custas no que se refere à correção no montante de EUR 313.890,89 e a Requerente ser condenada a pagar custas na parte do respetivo decaimento, referente à correção no montante de EUR 172.845,90.

 

V - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Declarar parcialmente extinta a instância, na parte respeitante à correção no montante de EUR 313.890,89, por inutilidade superveniente da lide;

b)           Julgar parcialmente improcedente o pedido arbitral, na parte cuja ilegalidade se discute nos autos e referente à correção no montante de EUR 172.845, 90 e, em consequência,

c)            Manter na ordem jurídica o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 10 de setembro de 2018, referente ao exercício de 2015, na parte respeitante à correção acima mencionada;

d)           Julgar improcede igualmente o pedido quanto ao não preenchimento dos pressupostos legais de liquidação de juros compensatórios, bem como o pedido de juros indemnizatórios;

e)           Condenar as partes em custas repartidas em conformidade com o respetivo decaimento. 

 

VI - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em EUR 119.282,86 (cento e dezanove euros, duzentos e oitenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do  artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII - CUSTAS

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 3.060,00 (três mil e sessenta euros), repartidas na proporção do respetivo decaimento na proporção de 67,25% a cargo da Requerida e de 32,75% a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 30 de setembro de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

(Maria Fernanda Maçãs)

(Hélder Faustino)

(Nuno Cunha Rodrigues)