Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 392/2019-T
Data da decisão: 2020-04-24  IRC  
Valor do pedido: € 6.211.919,98
Tema: IRC – Alteração da política contabilística. Fundos de pensões.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

            1. A..., S.A., com sede na Rua .., n.º..., em Lisboa, com o número único de identificação de pessoa coletiva ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2017...,  relativa ao ano de 2014, e, bem assim, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse acto de liquidação, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A A... (A...) é uma instituição de crédito controlada pelo B..., tendo assumido, no decurso da sua atividade, diversas responsabilidades pós-emprego com os seus colaboradores, que ficaram essencialmente a cargo do Fundo de Pensões do C... e do Fundo de Pensões do D... .

 

 De uma perspetiva contabilística, a Requerente preparava as suas demonstrações financeiras de acordo com as Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA), tal como definidas pelo Banco de Portugal, e que foram enquadradas na International Accounting Standard (IAS) 19 – Benefícios dos Empregados, resultando que até meados de 2011 os desvios atuariais eram refletidos na demonstração de resultados de forma faseada segundo o “método do corredor”. 

 

Em resultado da aplicação deste método, a Requerente apresentava, nas suas demonstrações financeiras relativas a 2010, desvios atuariais no montante de € 102.246.356,23, ainda não refletidos em resultados, relativos apenas ao Fundo de Pensões C... (o único que, à data, se encontrava na sua esfera, tendo em conta que o negócio do E... apenas foi adquirido pela A... em Abril de 2011).

 

No entanto, as alterações perspetivadas para aquela norma (consubstanciadas na IAS 19) estabelecia o afastamento daquele método, passando os desvios atuariais subsequentes a ser refletidos diretamente na situação líquida da entidade, o que levou a Requerente, sem prejuízo de a nova redação da IAS 19 apenas ser de aplicação obrigatória em 2013, a optar por alinhar a sua política contabilística com as alterações dali decorrentes já em 2011, tendo deixado de aplicar o “método do corredor” com referência a 1 de janeiro daquele ano.

 

Assim, atendendo a que a A... aplicou o “método do corredor” até 31 de dezembro de 2010 e deixou de o aplicar precisamente a 1 de Janeiro de 2011, a alteração de política ocorreu naquele momento.

 

Neste contexto, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23, com referência a 1 de Janeiro de 2011, devidamente evidenciada no Relatório e Contas daquele exercício, e, na sequência do novo regime legal resultante do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), diferiu, pelo período de 10 anos, a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas, a partir de 2012, no montante anual de € 10.224.635,62.

 

No entanto, a Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo incidente sobre o período de tributação de 2014, promoveu uma correção aritmética ao apuramento de imposto por considerar que o montante cuja relevância fiscal a Requerente deveria ter diferido, não era a variação patrimonial apurada no saldo de abertura do exercício em que era adotada a nova política, mas o saldo de desvios atuariais no balanço a 31 de Dezembro de 2011. E, por outro lado, devia ser tido em conta igualmente o valor acumulado dos desvios atuariais positivos associados ao Fundo de Pensões do D... para efeitos do montante a reportar por aquele período.

 

A Requerente discorda deste entendimento.

 

Com efeito, determina o parágrafo 19 da IAS 8 que “quando uma entidade altera uma política contabilística na aplicação inicial de uma Norma ou Interpretação que não inclua disposições transitórias específicas que se apliquem a essa alteração, ou quando altera uma política contabilística voluntariamente, ela deve aplicar a alteração retrospetivamente.”

 

Esta aplicação retrospetiva não determina que as demonstrações financeiras dos anos anteriores sejam alteradas (razão pela qual as demonstrações de 2010 se mantiveram inalteradas, não tendo sido reaprovadas e republicadas), mas sim que as demonstrações financeiras do ano da alteração incluam o efeito acumulado dessa aplicação nos exercícios seguintes.

 

Como corolário lógico, nos termos da nova política contabilística, a Requerente registou uma variação patrimonial negativa no montante dos desvios atuariais acumulados a 31 de dezembro de 2010 de € 102.246.356,23.

 

Paralelamente, e também em linha com a IAS 8, a Requerente reexpressou as demonstrações financeiras comparativas do exercício prévio à alteração da política, visando apenas dotar as demonstrações financeiras do ano anterior (2010) de comparabilidade face às do exercício da transição (2011).

 

O ajustamento de transição decorrente do afastamento do “método do corredor” foi refletido no balanço de abertura do exercício fiscal de 2011, em aplicação do estabelecido na IAS 8, mas também no decurso do exercício de 2011 a A... apurou desvios atuariais que teve necessidade de enquadrar à luz da nova política contabilística.

 

Em particular, o saldo positivo entre ganhos e perdas atuariais relativo ao Fundo de Pensões C... e respeitantes ao próprio ano de 2011, refletidos diretamente na situação líquida da Requerente, ascenderam ao montante de € 53.647.169,15, do qual € 1.705.609,70 respeitava a desvios atuariais decorrentes de responsabilidades com o subsídio por morte.

 

Por seu turno, no que respeita ao Fundo de Pensões D..., entretanto já na sua esfera, foi apurada uma variação patrimonial positiva no montante de € 8.979.548,56, correspondendo o valor de € 488.143,74 a desvios atuariais decorrentes de responsabilidades com o subsídio por morte.

No seguimento da ação de inspeção realizada ao período de tributação de 2014, os serviços inspetivos concluíram que o montante a deduzir naquele período e em cada um dos nove períodos de tributação seguintes deveria ser apenas de € 2.950.724,62, por considerarem que o regime transitório previsto na Lei n.º 64-B/2011 era inicialmente aplicável ao período de tributação de 2012 e, desse modo, as variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração da política contabilística deveriam corresponder ao valor refletido na contabilidade com referência a 31 de dezembro de 2011 e não a 1 de Janeiro desse mesmo ano.

No que respeita ao Fundo de Pensões D..., entendeu a Autoridade Tributária que as “variações patrimoniais resultantes da alteração da política contabilística registada em contas de capital próprio ascendia em 31 de Dezembro de 2011 a um valor positivo de € 21.285.694,30 (sendo € 12.306.143,74, por via dos desvios atuariais imputáveis a períodos anteriores a 2011 e € 8.979.548,56 por desvios atuariais intrínsecos ao próprio exercício de 2011), sendo que deveria relevar para efeitos do cômputo do ajustamento de transição previsto o montante de € 20.797.550,56.

 

Acrescenta ainda a Autoridade Tributária que da redação do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 para 2012 não se infere que a existência de mais do que um fundo implique, por parte das empresas, uma análise individual destes gastos, pelo que as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões D... deveriam ser analisadas conjuntamente com as variações patrimoniais geradas pelo Fundo de Pensões C... .

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária pretende relevar as variações patrimoniais associadas ao Fundo de Pensões do D..., ignorando que as mesmas são positivas e não negativas e que, à data a que reporta a alteração da política contabilística da A..., ela não tinha qualquer responsabilidade com aquele Fundo de Pensões.

 

Ora, a alteração da política contabilística por parte da A... tem a ver com a revisão da IAS 19 pelo “International Accounnting Standar Board” (IASB) e a eliminação do “método do corredor”, que foi conhecida em junho de 2011, e não havia nenhum motivo para não antecipar o efeito de afastamento daquele método.

 

Com efeito, em 2011 foi aprovado o Decreto-Lei n.º 127/2011, de 31 de dezembro, que estabeleceu um Acordo Tripartido entre o Governo, a Associação Portuguesa de Bancos e os Sindicatos dos trabalhadores bancários sobre a transferência para a esfera da Segurança Social das responsabilidades das pensões em pagamento dos reformados e pensionistas, mediante o qual uma parte significativa das responsabilidades com pensões a cargo dos Fundos de Pensões em apreço transitaram para a Segurança Social.

 

Parte dessas responsabilidades decorriam de desvios atuariais que se encontravam por reconhecer em resultados ao abrigo do “método do corredor”, tornando-se necessário proceder ao enquadramento contabilístico daí resultante.

 

Tendo em consideração que havia uma relação entre a alteração da política contabilística e a transferência de responsabilidades para a Segurança Social, não é de estranhar que o legislador tenha igualmente introduzido um regime aplicável apenas aos efeitos decorrentes daquela alteração de política contabilística e só a estes. 

 

O objetivo do regime transitório estabelecido pelo artigo 183.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 era o de amortizar o impacto potencialmente adverso e de grande magnitude da alteração de uma política contabilística como a que trata dos benefícios aos empregados.

Na ausência de um regime transitório que diferisse a relevância fiscal dos desvios atuariais acumulados por um período mais longo haveria lugar, muito provavelmente, ao registo de prejuízos fiscais no próprio exercício, reportáveis por apenas quatro anos, nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, na redação então vigente.

 

Deste modo, na iminência da eliminação do “método do corredor”, e sendo a alteração de política contabilística indissociável da transferência de responsabilidades para a segurança social, era necessário que fossem tomadas medidas que mitigassem os impactos negativos daquela alteração.

 

O regime do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 referia-se às variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística, e, por conseguinte, não visava todas e quaisquer variações patrimoniais associadas aos planos de pensões e a outros benefícios dos empregados, mas apenas daquelas que decorressem desse ajustamento.

 

As variações patrimoniais decorrentes da alteração de política contabilística são, assim, aquelas que decorrem desse evento, correspondendo à variação patrimonial verificada entre o momento em que se aplicava o anterior regime e o novo, isto é, entre 31 de Dezembro de 2010 e 1 de Janeiro de 2011.

 

Atendendo ao que antecede, não tinha a Requerente outra resposta senão a de relevar fiscalmente a variação patrimonial negativa que registou em 2011, decorrente da alteração da política contabilística nos termos da IAS 19, no ano de 2012 e nos nove anos subsequentes, na proporção de € 10.224.635,62 em cada ano.

 

Resumindo, o ajustamento de transição, no caso da Requerente, deverá decorrer do saldo de abertura de ano, em 1 de janeiro de 2011, momento em que se determina efetivamente o impacto do reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos aos fundos de pensões de benefício definido decorrente da alteração da política contabilística.

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária, para além de considerar que o valor a diferir, nos termos do regime transitório seria o montante acumulado dos desvios atuariais com fundos de pensões a 31 de dezembro de 2011, considera igualmente que os desvios atuariais associados ao fundo de pensões da A... (negativos) devem ser considerados em conjunto com os desvios atuariais (positivos) associados ao Fundo de Pensões do D... .

 

Ora, em primeiro lugar, em 31 de dezembro de 2010, a A... não tinha a seu cargo o Fundo de Pensões do D..., que só foi transferido para a A... em 4 de abril de 2011, pelo que a A... não apurou nenhuma variação patrimonial, relativamente àquele Fundo de Pensões, decorrente da alteração da sua política contabilística.

 

Por outro lado, os desvios atuariais acumulados não refletidos em resultados associados ao Fundo de Pensões do D..., em 31 de dezembro de 2010, eram positivos e ascendiam a € 12.306.143,74, quando o artigo 183.º da LOE para 2012 apenas se refere a “variações patrimoniais negativas”. Inexistindo variações patrimoniais negativas a respeito do Fundo de Pensões em apreço, nunca poderia aquele diferimento ser-lhe aplicável.

 

Acresce que, constituindo as variações patrimoniais positivas associadas a desvios atuariais do Fundo de Pensões ganhos meramente potenciais (não tendo associados qualquer resgate de ativos a seu favor), as mesmas não relevam para efeitos do apuramento do resultado tributável.

 

Considerar que os desvios atuariais positivos associados a um Fundo de Pensões devem compensar com os negativos associados a outro Fundo de Pensões equivale a tributar aquela variação patrimonial positiva, ainda que de forma indireta, na medida em que o resultado da agregação daqueles montantes traduz-se numa menor dedução fiscal.

 

Além de que aqueles fundos são distintos, não só no que respeita às suas características (ex. população beneficiária, tipo de investimentos efetuado) mas também no que respeita às responsabilidades assumidas por cada um e aos ativos que por elas respondem.

 

Assim, é de concluir que, quer os ganhos do período gerados pelos fundos de pensões, quer a variação patrimonial positiva decorrente do hipotético ajustamento de transição do Fundo de Pensões D... não devem entrar no cômputo das variações patrimoniais negativas a que o artigo 183.º da LOE para 2012 se refere.

 

Em conclusão, a Requerente solicita que a correção efetuada pela Autoridade Tributária para período de 2014, no montante de € 6.043.296,43, seja anulada, reconhecendo o tribunal que o ajustamento de transição resultante da alteração da IAS 19 previsto na Lei n.º 64-B/2011 decorre do diferimento da variação patrimonial negativa no valor de € 102.246.356,23, originando desta forma um ajustamento no resultado tributável da Requerente no montante de € 10.224.635,62.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca as exceções de incompetência do Tribunal Arbitral e impossibilidade de impugnação contenciosa direta relativamente ao pedido de reconhecimento de uma dedução ao resultado tributável no montante de € 10.224.635,62, bem como a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral por intempestividade da apresentação do pedido arbitral e relativamente ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária refere que a Requerente deixou de aplicar o método do «corredor» em 2011, por força das IAS 8 e 19, e relevou retrospetivamente as demonstrações financeiras comparativas do exercício de 2010, tendo ajustado o balanço de abertura de 2011, mediante a inscrição, com data de 1 de Janeiro de 2011, de uma variação patrimonial negativa correspondente aos desvios atuariais acumulados até 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 102.246.356,23 pelo que a alteração da política contabilística foi efetivada no início de 2011.

 

Neste contexto, a Requerente pretende extrair consequências fiscais dos procedimentos contabilísticos resultante das normas internacionais, atribuindo relevância ao montante dos desvios atuariais acumulados com referência ao final do exercício de 2010, para efeitos da aplicação do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

 

No entanto, uma vez que a aplicação do novo método só se verificou no exercício de 2011, independentemente dos ajustamentos retrospetivos efetuados nas demonstrações financeiras do exercício de 2010 e no balanço de abertura de 2011, o montante das variações patrimoniais negativas para efeitos do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, só pode ser o valor inscrito em conta dos capitais próprios à data de 31 de Dezembro de 2011.

 

Ademais, seria absurdo que os efeitos do regime transitório se projetassem a partir do período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes e que os valores das variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração da política contabilística se reportassem ao valor dos desvios atuariais acumulados reconhecidos pelo método do «corredor» à data de 31 de Dezembro de 2010.

 

Na verdade, a alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefícios definidos, em 2011, era facultativa, pelo que o objetivo da medida contida no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 foi o incentivar a opção pelo novo método contabilístico com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2012.

 

O legislador foi muito preciso ao determinar que o registo contabilístico das variações patrimoniais negativas seria efetuado no período de tributação de 2011, e respeitariam a contribuições efetuadas nesse período (2011) ou em períodos de tributação anteriores, e seriam dedutíveis no apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.

 

É, assim, possível concluir que o regime transitório previsto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, é aplicável às variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração na política contabilística de reconhecimento dos desvios atuariais ocorrida em 2011 e refletida nas demonstrações financeiras desse período, não sendo atribuída relevância fiscal aos ajustamentos que, em observância da IAS 8, se traduziram no cálculo dos ganhos e perdas atuariais acumulados que poderiam ser diferidos em balanço de acordo com o método do «corredor», ajustando o balanço de abertura de 2011 e os valores comparativos das demonstrações financeiras de 2010.

 

Deste modo, de acordo com os valores constantes do Relatório de Inspeção Tributária, o valor a reter das variações patrimoniais negativas a título de desvios atuariais, para efeitos do cálculo da fração anual a deduzir ao lucro tributável seria € 48.599.187,08, que deveria ser expurgado dos desvios atuariais relativos ao “subsídio por morte”, no montante de € 1.705.608,70, por não ter enquadramento no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

 

Dessa operação resulta que relativamente ao fundo de pensões “próprio” da A..., o valor das variações patrimoniais negativas a imputar ao período de tributação de 2012 e nos nove exercícios seguintes é de € 50.304.796,78 (€ 48,599.187,08 + € 1.705.608,70), ou seja, a fração a deduzir em cada ano seria de € 5.030.4779,57 e não de € 10.224.635,60 (valor deduzido em 2012 e 2013) ou de € 8.994.021,05 (deduzido em 2014).

 

No tocante ao Fundo de Pensões do D..., a Autoridade Tributária refere que a A..., em 31 de dezembro de 2011, era detentora de 100% do capital da F..., SGPS, S.A. e como consequência adquiriu por trespasse, em 4 de Abril seguinte a quase totalidade dos ativos e passivos do E..., S.A, entre os quais figuram as responsabilidades com o Fundo de Pensões D... .

 

Passou assim a assumir os riscos atuariais e de investimento associados aos planos de pensões dos dois Fundos.

 

Relativamente ao Fundo de Pensões do D..., o valor total das variações patrimoniais positivas resultantes da alteração da política contabilística ascendia, em 31 de Dezembro de 2011, a € 21.285.694,30, sendo € 12.306.143,74 atribuídos a desvios atuariais imputáveis a exercícios anteriores a 2011 e € 8.979.548,56 a desvios atuariais respeitantes ao próprio exercício de 2011.

 

Por outro lado, também em relação ao Fundo de Pensões do D..., os movimentos contabilísticos dos desvios atuariais atinentes à alteração da política contabilística foram efetuados com data de Dezembro de 2011, sendo que, diferentemente da prática seguida em 2012, a Requerente, no exercício de 2013, procedeu à agregação dos valores dos desvios atuariais acumulados até à data de 31 de Outubro de 2010, pelo que, para efeitos da aplicação do regime previsto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, utilizou uma base de cálculo dada pela diferença [€ 89.940.210,50] entre as variações patrimoniais negativas [€ 102.246.356,23] do Fundo “próprio” e as variações positivas do Fundo de Pensões do D... [€ 12.306.143,74].

 

Contrapõe agora a Requerente que, em 31 de Dezembro de 2010, não tinha a seu cargo o Fundo de Pensões do D..., porque os ativos e passivos deste banco só foram adquiridos em 4 de Abril de 2011, todavia com a aquisição assumiu as responsabilidades, incluindo ativos e passivos do fundo de pensões e, tanto assim foi que procedeu ao cálculo dos ajustamentos decorrentes da alteração da política contabilística em 31 de Dezembro de 2010 e dos desvios atuariais acumulados reportados em 31 de Dezembro de 2011, no montante de  € 21.285.694,30.

 

E ainda que a Requerente afirme que os dois fundos de pensões revestem características distintas, não resulta demonstrado de forma cabal que não seja possível verificar-se alguma compensação entre os excedentes de um fundo e os défices do outro, em relação às responsabilidades com pensões de reforma, de modo a mitigar o esforço financeiro com contribuições futuras.

 

Pelo que, em suma, a autonomização efetuada pela Requerente entre os dois fundos de pensões para efeitos do cálculo das variação patrimoniais negativas a diferir nos termos do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, na medida em que não entrou em consideração com os desvios atuariais do Fundo de Pensões do D... apurados à data de 31 de Dezembro de 2011, não observa as regras consagradas no artigo 43.º do Código do IRC e no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

 

Conclui no sentido da procedência das exceções dilatórias, e, se assim de não entender, pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo dispensou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinou-se o prosseguimento para alegações escritas facultativas por prazo sucessivo, também destinadas a permitir à Requerente exercer o contraditório quanto à matéria de exceção.

 

Em alegações, a Requerente e a Requerida procuraram fixar os factos que consideram como assentes e mantiveram quanto à matéria de direito as suas anteriores posições. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27 de Agosto de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

Tendo cessado funções no CAAD o Prof. Doutor Gustavo Courinha, teve lugar o procedimento de substituição de árbitro, o que determinou a necessidade de prorrogação do prazo para a prolação da decisão por dois meses nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foram invocadas exceções que serão analisadas adiante.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A A..., S.A., é uma instituição de crédito controlada pelo B... .

 

  1. O objeto social da Requerente é o exercício da atividade própria das instituições de crédito, praticando operações de captação de recursos de terceiros, sob a forma de depósito, que aplica, conjuntamente com recursos próprios, na concessão de créditos, títulos e ativos.

 

  1. A Requerente é supervisionada pelo Banco de Portugal.

 

  1. A Requerente dispõe de contabilidade, tendo como referencial as Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA), tal como definidas pelo Banco de Portugal, que assentam nas Normas Internacionais de Contabilidade da International Accounting Standards (IAS).

 

  1. No decurso da sua atividade, a Requerente assumiu diversas responsabilidades pós-emprego com os seus colaboradores, tendo ficado essencialmente a seu cargo dois fundos de pensões: o Fundo de Pensões do C... e o Fundo de Pensões do E..., este a partir de 4 de Abril de 2011.

 

  1. No tratamento contabilístico do Fundo de Pensões do C..., a Requerente seguia a Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19 – Benefícios dos Empregados.

 

  1. Na redação inicial dessa Norma, os desvios atuariais relativos a Fundos de Pensões eram refletidos nas demonstrações financeiras das entidades de uma forma faseada, de harmonia com o chamado método do corredor.

 

  1. Foi esse o método adotado pela Requerente desde o início da aplicação das Normas de Contabilidade Ajustadas.

 

  1. A Requerente optou por abandonar o método do corredor em 2011, na sequência da alteração da IAS 19 introduzida pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012 da Comissão, de 5 de junho de 2012, que passou a prever o abandono do método do corredor o mais tardar a partir da data do início do primeiro exercício que comece em ou após 1 de janeiro de 2012.

 

  1. Com esse propósito, contabilizou em “Resultados transitados”, com referência a 1 de janeiro de 2011, os desvios atuariais que nessa data estavam suspensos, e que figuravam no balanço em 31 de dezembro de 2010, no montante de € 102 246 356,23.

 

  1. Face à iminência do fim do método do corredor, prevista na nova redação da IAS 19, com o inerente reflexo negativo nas contas das entidades com responsabilidades associadas a fundos de pensões, a Requerente considerou que o ajustamento de transição a considerar para efeitos fiscais deveria corresponder ao lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, no montante dos desvios atuariais pendentes de inclusão até essa data.

 

  1. Assim, considerou que, em relação ao ano de 2012, não concorreria para o respetivo lucro tributável a quantia correspondente a um décimo do ajustamento de transição, ou seja, a € 10 224 635,62.

 

  1. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2016..., a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral abrangendo o período de tributação de 2014.

 

  1. Da referida ação inspetiva resultou uma correção à matéria coletável em IRC no montante total de € 6.043.296,43, resultante de ter deduzido o montante anual imputável à alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de € 8.994.021,05, quando apenas poderia ter deduzido € 2.950.724,62.

 

  1. No âmbito da ação inspetiva, entenderam os serviços inspetivos que a alteração a considerar deveria reportar-se ao fim de 2011 e no cômputo do ajustamento de transição deveriam ter sido incluídas as variações patrimoniais negativas contabilizadas durante o ano de 2011.

 

  1.   Em 4 de abril de 2011, a Requerente, para além do Fundo de Pensões C... que abrangia os seus trabalhadores, assumiu as responsabilidades inerentes ao Fundo de Pensões D..., na sequência da aquisição da totalidade do capital do F..., S.A.

 

  1. Dado que em 1 de janeiro de 2011 abandonou o método do corredor, já não o aplicou na sua contabilidade ao Fundo de Pensões D..., pelo que não houve lugar a qualquer ajustamento de transição.

 

  1. Diferente foi o entendimento dos serviços inspetivos, que entenderam que  às variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração de política contabilísticas de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativas ao Fundos de Pensões da A...,  e que seriam também as respeitantes a correções efetuadas ao longo do exercício de 2011, se deveriam adicionar os quantitativos referentes ao Fundo de Pensões do D... .

 

  1. O Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária fundamenta as correções, na parte mais relevante, nos seguintes termos:

VI.1 – Correções à matéria Tributável – IRC

VI.1.1 – Alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego [art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE 2012)]

€ 6.043.296,43

A A...  deduziu à matéria tributável de IRC o montante de € 8.994.021,05 como sendo a parte, imputável a 2014, do diferimento por dez anos da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" prevista no art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado de 2012)], quando, em resultado da correta aplicação da disciplina vertida no art.º 183.º da citada Lei, apenas poderia ter deduzido € 2.950.724,62.Esta diferença, no montante de € 6.043.296,43, resulta de o Sujeito Passivo ter considerado como alteração da política contabilística nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, imputável a 2014, um décimo do montante que corresponderia ao apuramento da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" a 31 de dezembro de 2010 quando, em resultado da correta aplicação da citada norma, o montante resultante da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" deveria ter por base o valor apurado a 31 de dezembro de 2011.

 

Para efeitos da presente correção dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos:

 

a) Do procedimento adotado pelo Banco no apuramento da matéria tributável de IRC no exercício de 2012(-)

No exercício de 2012, a A... (adiante designada por A... ou A...) deduziu à matéria tributável de IRC, a título de Variações Patrimoniais Negativas, uma verba de € 10.224.635,60 a título de "Alteração política contab. Desvios atuariais do Fundo Pensões - Efeitos anos anteriores A...(diferimento por 10 anos)"

 

Na página 198 do Relatório e Contas da A... reportado a 2012-12-31 refere-se que "em 2011, a A... adaptou a política contabilística do Fundo de Pensões às alterações efetuadas nas Normas Internacionais de Contabilidade. Anteriormente, era utilizada a designada regra do corredor e em dezembro 2011 passou a reconhecer-se a totalidade dos desvios atuariais em reservas113

 

Com efeito, na sequência das alterações à IAS 19114 aprovadas pelo IASB115 em 16 de junho de 2011 [parágrafo 93.A e seguintes], os desvios atuariais e financeiros decorrentes das diferenças observadas entre os pressupostos utilizados na determinação de responsabilidades e do rendimento esperado dos ativos que se lhe encontram afetos e os valores efetivamente verificados, assim como os resultantes de alterações de pressupostos atuariais ocorridos no exercício, passaram a ser integralmente registados por contrapartida de capital próprio, quando até essa data estes eram diferidos numa rubrica de ativo ou passivo (o designado "corredor"), até ao limite de 10% do valor atual das responsabilidades por serviços passados ou do valor do fundo de pensões, dos dois o maior. Na eventualidade de o valor dos desvios atuariais e financeiros exceder o corredor, estes eram reconhecidos por contrapartida de resultados do exercício no decorrer do período de tempo médio até à idade normal de reforma dos colaboradores abrangidos pelo plano.

 

Esta alteração na forma de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais, permite relevar de imediato nas demonstrações financeiras os efeitos da aplicação dos termos constantes no texto revisto da IAS 19, o qual vem eliminar o diferimento do reconhecimento das variações ocorridas nas responsabilidades com planos de benefício definido.

_____________________________

 

O ajustamento ao lucro tributável, no valor de € 10.224.635,60, efetuado pela A... no exercício de 20121 decorreu então da aplicação do art.º 183.º  da Lei n. 0 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE 2012) o qual determina que "as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes".

 

Com efeito, no exercício de 2012, a A... veio alegar que as "variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011" ascenderam a € 102.246.356,23 e, partindo dessa premissa, procedeu à relevação para efeitos fiscais, no exercício de 2012, de um décimo daquele valor.

 

Acerca da contabilização associada ao fundo de pensões, a A..., no exercício de 2012, apresentou, no decurso da ação inspetiva, um ficheiro designado por "2.1 Contabilização Fundo de Pensões.pdf”, que se junta a este documento como Anexo 18 (6 folhas).

 

A partir da leitura do balancete relativo a 2011-12-31 constatou-se a existência dos seguintes saldos em contas de capitais próprios, mais propriamente em subcontas da rubrica de "resultados transitados":

 

Conta

Descritivo da conta

Saldo

612 801 -2

Desvios atuarias ias 19

(€ 48.599.187,08)

612 802 -9

Desvios atuarias ias 19-fnb

€ 21.285.694,30

Total

(€ 27.313.492,78)

 

 

Questionado, no âmbito do procedimento inspetivo ao exercício de 2012, quanto à dedutibilidade fiscal da verba por si considerada nos termos do art.º 183º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE 2012) - um décimo do valor de € 102.246.356,23 ao invés de um décimo do valor de € 27.313.492,78 constante na contabilidade da A... (em contas de capitais próprios, como Desvios Atuariais resultantes da IAS 19) - o Sujeito Passivo, via e-mail, em 2014-11-18, esclareceu:

 

"Até 31 de dezembro de 2010, a A... procedia ao diferimento dos desvios atuariais determinados de acordo com o método do corredor.

 

Nos termos do método do corredor, os ganhos e perdas atuariais não reconhecidos que excedam 10% do maior entre o valor atual das obrigações definidas e o justo valor dos ativos do Fundo são registados por contrapartida de resultados pelo valor correspondente à vida útil remanescente estimada dos colaboradores no ativo.

 

De acordo com uma das opções permitidas pela IAS 19 Benefícios dos Empregados, a A... optou por uma alteração da política contabilística passando a reconhecer os desvios atuariais do exercício por contrapartida de reservas. De acordo com a IAS 8, esta alteração da política contabilística é apresentada, para efeitos comparativos, a partir de 1 de janeiro de 2010, reconhecendo nessa data a totalidade dos desvios atuariais diferidos em capitais próprios."

 

“(...) Nesta base, o ajustamento de transição decorrente da referida alteração da política contabilística na A... foi de Euros 102.246.356,23.

Por outro lado, no âmbito da alteração da política contabilística, foi consagrado um regime especial autónomo de dedutibilidade fiscal dos gastos e outras variações patrimoniais decorrentes desta transferência, como segue:

  • o impacto decorrente da variação patrimonial negativa associada à alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais anteriormente diferidos, será integralmente dedutível, em partes iguais, durante 10 anos (Euros 102.246.356,23 / 10 anos = Euros 10.224.635,60 - Valor deduzido no campo 704 da declaração de rendimentos modelo 22), a partir do exercício que se inicia em 1 de Janeiro de 2012.

 

Saliente-se que em 31 de Dezembro de 2011, o montante de Euros 48.599.187,08, registado na conta 612 801 — 2 Desvios atuariais IAS 19, foi apurado decorrente da evolução do fundo de pensões da A... no exercício de 2011, nomeadamente decorrente de alterações dos pressupostos atuariais (cerca de 96,1 milhões de Euros, nota e)), desvios atuariais financeiros (cerca de 52,2 milhões de Euros, nota k)) e ganhos e perdas atuariais do ano (cerca de 9,7 milhões de Euros, nota d)), conforme é apresentado como segue:

 

Outras reservas - Desvios atuariais

01-01-2011

102.246.356,23

d)

9.893.192,11

d)

1.088.300,43

d)

927.531,95

k)

48.601.739,29

e)

89.859.285, 44

k)

2.869.407,23

e)

4.748.528, 85

k)

714.493,22

e)

1.492.570,97

 

 

 

 

 

48.599.187,08

 

 

 

 

No que concerne ao fundo de pensões do ex-D..., dado que o ajustamento de transição decorrente da alteração da política contabilística teve uma variação patrimonial positiva, no montante de Euros 12.306.143,74, o mesmo não poderá ser ajustado para efeitos fiscais, na medida em que o artigo 183. 0 da Lei n. 0 64-B/2011, de 30 de Dezembro apenas se refere a variações patrimoniais negativas” (-)

_____________________________

 

A A..., no exercício de 2012, considerou assim que seria de diferir por dez anos, nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o valor de € 102.246.356,23.

 

Nestes termos, a A... considerou que seria de deduzir no exercício de 2012, e nos 9 exercícios seguintes, anualmente, o montante de € 10.224.635,62.

b) Da análise efetuada pela AT ao procedimento adotado pelo Banco no exercício de 2012

Em relação à temática em apreço, e à análise efetuada pela Inspeção Tributaria, importa começar por referir que, no exercício de 2012, o Sujeito Passivo refletia na sua contabilidade a existência de dois fundos de pensões (o fundo “próprio" da A... e o fundo do "Ex-D... ").

 

Na medida em que o entendimento da A..., no exercício de 2012, diferiu em função do fundo de pensões considerado - tendo a A... "tratado" cada fundo de pensões de per si - a fundamentação prosseguirá seguindo a estrutura da sua argumentação (aduzida em 2012) (-)

 

b.1) Variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas em 2011 ou em períodos de tributação anteriores

Em 2011, e relativamente ao fundo de pensões "próprio" da A..., o Sujeito Passivo efetuou então, num primeiro momento, a contabilização do impacto da alteração da política contabilística que correspondeu a um débito na conta de capitais próprios "612801-2 — DESVIOS ATUARIAIS IAS 19" no montante de € 102.246.356,23.

 

Posteriormente, mas ainda no período de 2011, foram refletidos contabilisticamente os ganhos e perdas atuariais ocorridos até ao final do exercício originando, em termos líquidos, um crédito na mesma conta de € 53.647.169,15.

 

Da junção destas duas realidades, isto é, destes dois movimentos, ambos realizados em dezembro de 2011, resultou um saldo (dos saldos) final devedor de € 48.599.187,08.

 

Voltando de novo ao preceito legal em discussão sublinhe-se que o mesmo refere "as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais…”

 

Como já se anotou, a alteração da política contabilística traduziu-se, por um lado, na transferência para resultados transitados dos saldos devedor e/ou credor das contas do Ativo e/ou Passivo onde eram anteriormente registados os desvios atuariais decorrentes da adoção (até então) do método do corredor e, por outro, no registo nas mesmas contas de capitais próprios, mais concretamente em resultados transitados, dos desvios apurados no ano de 2011.

_____________________________

 

E a relevação contabilística dos desvios respeitantes ao exercício de 2011 em capitais próprios decorreu da alteração à IAS 19 operada pela IASB, em 16 de junho do mesmo ano, pois se esta alteração não tivesse ocorrido o registo contabilístico dos mesmos obedeceria ao "método do corredor" (como até então sucedia).

 

Logo, a soma destas duas realidades — ganhos e perdas atuariais respeitantes a períodos anteriores a 2011 e ganhos e perdas atuariais relativas ao próprio ano de 2011 — ambas registadas em capitais próprios (resultados transitados) corresponde às "variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteraçãoda política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais…”, acolhidas na redação do artigo 183.º da Lei do OE 2012.

 

Nesta conformidade, a interpretação defendida pela A... no sentido de limitar a aplicação do art.º 183.º às variações patrimoniais relativas aos desvios atuariais respeitantes a períodos anteriores a 2011 não tem sustentabilidade (sequer) na letra do normativo (-) [quanto mais no espírito do legislador quando efetuou, na lei do OE de 2012, tendo presente as alterações ocorridas na IAS 19 (aprovadas pelo IASB em junho de 2011), a alteração acima referida].

 

A aplicação daquele diferimento por um período de 10 anos em exclusivo aos desvios atuariais anteriores a 2011, como pretende o Sujeito Passivo, embora do ponto de vista concetual e face aos objetivos prosseguidos pelo legislador tal não fizesse sentido(-), implicaria, necessariamente, uma outra formulação literal do normativo por forma a conduzir o intérprete, de forma inequívoca, a ganhos e perdas atuariais diferidos anteriormente a 2011.

 

Assim, numa primeira fase, o valor a considerar no exercício de 2012, relativamente ao fundo de pensões da A..., decorrentes da alteração da política contabilística (ocorrida com a aprovação pelo IASB, em junho de 2011, de alterações na IAS 19), nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ascenderia a um décimo do montante de € 48.599.187,08, e não, como fez a A..., a um décimo de € 102.246.356,23.

_____________________________

 

 

Porém, os desvios atuariais relativos ao "subsídio por morte” não têm enquadramento no disposto no art.º 183.º da Lei do OE 2012 (na medida em que o art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, supra transcrito, expressamente remete para os n.ºs 2 e 3 do art.º 43.º do CIRC)  (-)

 

Assim, decorre de imediato deste preceito legal que a parcela da contribuição para o fundo de pensões que garante o pagamento do subsídio por morte não tem aí enquadramento.

 

Deste modo, a norma do OE em discussão tem aplicabilidade, tão-somente, às realidades expressamente contempladas no n.º 2 do art.º 43.º do CIRC que preconiza que "são ... considerados gastos do período de tributação, até ao limite de ... os suportados com contractos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contractos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o beneficio de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa".

 

Deste modo, no apuramento efetuado pela Inspeção Tributária, após numa primeira fase, se ter, seguindo o apuramento efetuado pela A... considerado como alteração da política contabilística (ocorrida com a aprovação pelo IASB, em junho de 2011, de alterações na IAS 19), nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, um décimo do montante de € 48.599.187,08 (e não, como fez a A..., um décimo de € 102.246.356,23), numa segunda fase, e face ao não enquadramento dos desvios atuariais relativos ao "subsídio por morte" no disposto no art.º 183.º da Lei do OE 2012, a Inspeção Tributária desconsiderou adicionalmente (do montante de € 48.599.187,08) os desvios atuariais relativos ao subsídio por morte [constantes da página 1 do Anexo 18 (6 folhas)], os quais atingiram, em termos líquidos, um valor a crédito de € 1.705.609,70:

ganhos e perdas atuariais (do ano 2011)

(927.531 ,95)

ganhos e perdas atuariais alteração de pressupostos (ano 2011)

(1.492.570,97)

desvios Financeiros negativos (ano 2011)

714.493,22

                                        Total

(1.705.609,70)

 

Destarte, relativamente ao fundo de pensões "próprio" da A... seria de considerar, no exercício de 2012, e nos 9 exercícios seguintes, um décimo do valor de € 50.304.796,78 (€ 48.599.187,08 + € 1.705.609,70) a título de variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores.

_____________________________

 

b.2) Variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões do Ex-D... respeitantes a contribuições efetuadas em 2011 ou em períodos de tributação anteriores

Conforme se retira da página 95 do Relatório e Contas da A... relativo o período tributação terminado a 31 de dezembro de 2011:

 

“...em 31 de março 2011, a A... adquiriu, ao B..., 100% do capital da F..., SGPS, SA, na sequência da OPA concretizada em 2010, com vista a consolidar as atividades e operações das subsidiárias da F..., SGPS, SA nas suas respetivas atividades, operações e redes.

Como consequência dessa aquisição, procedeu-se, em 4 de abril de 2011, à transmissão da totalidade dos ativos e passivos (trespasse) do E..., SA para a A..., com exceção dos imóveis propriedade do E..., SA, e adquiridos por este em resultado de aquisições em reembolso de crédito próprio e dos contractos de locação financeira (mobiliária e imobiliária) em que o E..., SA é locador financeiro."

 

Neste contexto, no que tange ao fundo de pensões do ex-D..., apurou-se (na A...) que a totalidade das variações patrimoniais resultantes da alteração da política contabilística (ocorrida com a aprovação pelo IASB, em junho de 2011, de alterações na IAS 19), ascendia em 2011-12-31 a um valor positivo de €21.285.694,30, encontrando-se registada na conta de capitais próprios "612802-9 DESVIOS ATUARIAIS IAS 19-FNB" [sendo € 12.306.143,74, por via dos desvios atuariais imputáveis a períodos anteriores a 2011 e € 8.979.548,56 por desvios atuariais intrínsecos ao próprio exercício de 2011],

 

Tal como sucedeu em b.1) supra - ["Variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas em 2011 ou em períodos de tributação anteriores"] -, também no que respeita ao fundo de pensões do ex-D... os movimentos contabilísticos foram ambos (€ 12.306.143,74 e € 8.979.550,56) efetuados em dezembro de 2011, tendo resultado um saldo (dos saldos) final credor de € 21.285.694,30.

 

O Sujeito Passivo entendeu, no exercício de 2012, que deveria apurar o ajustamento, nos termos do art.º 183.º da Lei do OE 2012, individualmente por fundo de pensões.

 

Assim, apurou (erradamente conforme supra demonstrado) um valor a considerar no exercício de 2012, relativamente ao fundo de pensões dam A..., relativo à alteração da política contabilística (ocorrida com a aprovação pelo IASB, em junho de 2011, de alterações na IAS 19), nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, no montante de um décimo de € 102.246.356,23, por se tratar de uma variação patrimonial negativa, mas, como o fundo de pensões do ex- D... apresentava, de per si, uma variação patrimonial positiva, relativamente a este fundo, nada fez [na medida em que o citado art.º 183.º apenas faz referência às variações patrimoniais negativas].

 

Ora, o tratamento fiscal das responsabilidades pós-emprego assumidas pelas instituições encontra-se vertido no n.º 2 do art.º 43.º do CIRC. Nos termos desta norma são considerados "gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contractos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contractos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa".

 

Significa, por conseguinte, que, sempre que o Sujeito Passivo transfira as suas responsabilidades pós-emprego para um ou mais fundos de pensões, a dedutibilidade fiscal das dotações efetuadas no seu todo tem como limite uma parcela da globalidade das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação.

 

Da redação do artigo, desde logo, não se infere que a existência de mais do que um fundo implique, por parte das respetivas empresas, uma análise individual destes gastos.

 

De facto, nem tal faria sentido, na medida em que estando a dedutibilidade fiscal das contribuições subordinadas à verificação de um conjunto de pressupostos, nomeadamente do facto de os benefícios serem estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa, conforme determina a alínea a) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRC, aquela análise individual perderia todo o sentido.

 

Os trabalhadores da empresa ("a generalidade") devem ser tratados como um todo, o mesmo acontecendo com as responsabilidades assumidas pela empresa. Não obstante serem transferidas para terceiros, no caso, para o fundo de pensões.

 

Não faria aliás sentido que uma empresa, por ter, um ou mais fundos de pensões, fosse beneficiada ou prejudicada, face a outra que tivesse um diferente número de fundos de pensões, se as condições previstas no art.º 43.º do CIRC fossem igualmente cumpridas por ambas as empresas (e relativamente a todos os fundos).

 

Isto é, não deve ser fonte de maximização ou minimização dos impostos pagos, uma empresa que, constitua um fundo de pensões por exemplo por cada "lote" de 50 (dos seus) empregados face a outra que tenha um fundo que englobe a totalidade dos seus empregados [sempre no pressuposto de que as condições previstas no art.º 43.º do CIRC sejam igualmente cumpridas por ambas as empresas (e relativamente a todos os fundos)], desde logo, porque para uma mesma realidade económica e para um mesmo resultado líquido contabilístico se obteria uma tributação diferente [e por isso, injusta e ilegal, porque violadora dos princípios da tributação pelo rendimento real, da igualdade e da equidade (art.ºs 12.º, 13.º, 103.º, 104.º da CRP), bem como do princípio da capacidade contributiva, vertido no art.º 4.º da LGT, em concretização de diversos princípios constitucionais contidos na CRP e ínsitos no próprio conceito de Estado de Direito (art.º 2.º da CRP)].

 

Contemplando o art.º 183.º da Lei do OE de 2012, como anteriormente referido, e as realidades expressas no art.º 43.º do CIRC, a dedutibilidade das perdas atuariais relativas "a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores": terá que respeitar este normativo em tudo o que não estiver expressamente excecionado. E o que se encontra excecionado na Lei do OE são os limites do gasto e o seu diferimento temporal.

 

Assim, a separação efetuada pela A..., no exercício de 2012, entre os dois fundos de pensões (um que já "era seu" e outro que "adquiriu" em abril de 2011 aquando do trespasse do E...) é contrária aos princípios acima referidos e ao disposto no art.º 43.º do CIRC e no art.º 183.º da Lei do OE de 2012.

 

Deste modo, no exercício de 2012 a Inspeção Tributária, considerou ser de englobar (considerar na sua globalidade/integralidade), as "variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento da totalidade/integralidade dos ganhos e perdas atuariais…” registados/refletidos contabilisticamente na A... .

 

Assim, às variações patrimoniais registadas em 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas em 2011 ou em períodos de tributação anteriores, de acordo com o entendimento da AT deveriam ser adicionados os quantitativos referentes ao fundo de pensões(-) do Ex-D... ("adquiridos" pela A... em abril de 2011 aquando do trespasse do E...).

 

Porém, tal como efetuado em b. 1) supra, seria de expurgar das variações patrimoniais registadas em 2011, decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões do Ex-D..., as verbas relativas ao "subsídio por morte", dado que o mesmo não encontra enquadramento no art.º 43.º do CIRC (conforme já supra se referiu).

 

O apuramento efetuado pela Inspeção Tributária, desconsiderando portanto do saldo final a 2011-12-31 da conta de capitais próprios "612802-9 - DESVIOS ATUARIAIS IAS 19-FNB" (valor positivo de € 21.285.694,30), o montante dos desvios atuariais relativos ao subsídio por morte constantes das páginas 4 e 5 do Anexo 18 (6 folhas), no montante a crédito de € 488.143,74, resultou, em termos líquidos, no apuramento do valor (a crédito) de "DESVIOS ATUARIAIS IAS 19-FNB" no montante de € 20.797.550,56:

ganhos e perdas atuariais (do ano 2011)

(160.960,69)

ganhos e perdas atuariais alteração de pressupostos (ano 2011)

(480.405,25)

desvios Financeiros negativos (ano 2011)

153.222,20

                                        Total

(488.143,74)

 

Destarte, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considerou o valor de € 20.797.550,56 [€ 12.306.143,74+€ 8.491.406,82-(-)] a título de variações patrimoniais positivas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões do ex-D... respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores.

 

O valor positivo de € 20.797.550,56 deveria então influenciar o cômputo das variações patrimoniais a apurar nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro.

_____________________________

 

b.3) Da síntese conclusiva relativamente ao exercício de 2012

Destarte, em resultado do aduzido em b.1) e b.2), as variações patrimoniais globais registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores são negativas e ascendem a € 29.507.246,22 [valor negativo de € 50.304.796,78 deduzido do valor positivo de € 20.797.550,56].

 

Assim, relativamente aos fundos de pensões referidos em b.1) e b.2), a A... deveria considerar, no exercício de 2012, e nos 9 exercícios seguintes - incluindo portanto no exercício de 2014 (exercício em causa no presente procedimento inspetivo) -, um décimo do valor de € 29.507.246,22 a título de variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores.

 

Face ao exposto, o Sujeito Passivo teve direito a uma dedução para efeitos fiscais, no exercício de 2012 (e terá nos 9 exercícios seguintes), conforme dispõe o art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, no valor de € 2.950.724,62 (um décimo do valor de € 29.507.246,22)(-).

 

c) Do procedimento adotado pelo Banco no apuramento da matéria tributável de IRC no exercício de 2014

No exercício de 2014, o Sujeito Passivo deduziu à matéria tributável de IRC o montante de € 8.994.021,05, como parte do diferimento por dez anos da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" prevista no art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.

 

Na medida em que, no exercício de 2012, a A... havia considerado como montante a deduzir à matéria tributável de IRC, no exercício de 2012, e nos 9 exercícios seguintes o valor de € 10.224.635,60, facilmente se constata [na medida em que agora apenas deduz € 8.994.021,05] que o Sujeito Passivo alterou o critério (o entendimento) que havia seguido em 2012.

 

Analisando a alteração produzida, constata-se que, relativamente aos 10% do valor da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego ocorrida no exercício de 2011", imputável ao exercício de 2014, a A... passou a partilhar [ainda que apenas] parcialmente o entendimento da AT (-).

_____________________________

 

Assim, quanto à necessidade de, para aplicação da disciplina vertida no art.º 183.º da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de dezembro, se considerar na sua globalidade/integralidade as "variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento da totalidade/integralidade dos ganhos e perdas atuariais" registados/refletidos contabilisticamente na A..., a A... aderiu ao entendimento da AT [adicionando assim às variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativas ao fundo de pensões "próprio" da A... os quantitativos referentes às variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões do Ex-D... ("adquiridos" pela A... em abril de 2011 aquando do trespasse do E...)].

 

A A... contínua, contudo, a não partilhar a posição da AT quanto ao facto da alteração da política contabilística nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, imputável a 2012 e aos 9 exercícios seguintes, dever, no estrito cumprimento da letra e do espírito do citado artigo, corresponder ao valor refletido na contabilidade (como "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego” ) com referência a 31 de dezembro de 2011 [ao invés do montante que corresponderia ao apuramento da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" a 31 de dezembro de 2010 (ou a 1 de janeiro de 2011)].

 

Assim, ascendendo a variação patrimonial decorrente da alteração da politica contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego do fundo de pensões "próprio" da A..., com referência a 31 de dezembro de 2010, a € 102.246.356,23 (variação patrimonial negativa) e a variação patrimonial decorrente da alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego do fundo de pensões do Ex-D..., com referência a 31 de dezembro de 2010 a € 12.306.145,73 (variação patrimonial positiva), da junção dos 2 fundos/montantes, o Sujeito Passivo obteve [saldo dos saldos] uma variação patrimonial negativa acumulada decorrente da alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego, de € 89.940.210,50. [€ 102.246.356,23 - € 12.306.145,73 = € 89.940.210,50].

 

E, considerando como relevante o valor apurado com referência a 31 de dezembro de 2010 (€ 89.940.210,50), o Sujeito Passivo efetuou uma dedução para efeitos fiscais, no exercício de 2014, no montante de € 8.994.021,05 (um décimo do valor de € 89.940.210,50).

 

d) Da síntese conclusiva relativamente ao exercício de 2014

Em resultado do aduzido em b.1) e b.2), as variações patrimoniais globais registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores são negativas e ascendem a € 29.507.246,22 [valor negativo de € 50.304.796,78 deduzido do valor positivo de € 20.797.550,56].

 

Assim, relativamente aos fundos de pensões referidos em b.1) e b.2), a A... deveria considerar, no exercício de 2012, e nos 9 exercícios seguintes - incluindo portanto no exercício de 2014 (exercício em causa no presente procedimento inspetivo) -, um décimo do valor de € 29.507.246,22 a título de variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19), da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos ao fundo de pensões da A... respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores.

 

Face ao exposto na presente fundamentação, fácil se torna de concluir que o Sujeito Passivo tem direito a efetuar, anualmente, uma dedução para efeitos fiscais, no exercício de 2012 e nos 9 exercícios seguintes, conforme dispõe o art.º 183.º da Lei n.º 640/2011, de 30 de dezembro, no valor de € 2.950.724,62 (um décimo do valor de € 29.507.246,22).

 

Uma vez que relativamente à parte, anualmente dedutível (imputável), do diferimento por dez anos da "alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego" prevista no art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, a A..., no exercício de 2014, deduziu à matéria tributável de IRC o montante de € 8.994.021,05 quando, em resultado da correta aplicação da disciplina vertida no art.º 183.º da citada Lei, apenas poderia ter deduzido € 2.950.724,62, é efetuada a presente correção (acréscimo à matéria tributável de IRC) no montante de € 6.043.296,43 (€ 8.994.021,05 - € 2.950.724,62).

 

A presente correção (acréscimo à matéria tributável de IRC) é efetuada nos termos e com os fundamentos acima expostos.

 

O sujeito passivo regularizou voluntariamente o referido valor através da declaração de rendimentos modelo 22 (de substituição) apresentada em 02 de dezembro de 2016.

(VD. Págs. 72 a 84 do relatório).

 

  1. As correções originaram a nota de liquidação adicional n.º 2017..., demonstração da liquidação de juros e demonstração de acerto de contas, relativa ao exercício de 2014, que constitui o documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e que aqui se dá como reproduzida.

 

  1. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional que veio a ser indeferida por despacho do Director do Serviço Central, de 29 de Maio de 2017.

 

  1. Em 1 de Junho de 2017, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que foi indeferido por despacho do Sub-director Geral, de 4 de Março de 2019, notificado por ofício datado de 6 de Março seguinte.

 

 

 

  1. O pedido arbitral foi apresentado em 4 de Junho de 2019.

 

Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e factos não questionados.

 

Saneamento

 

Incompetência do tribunal arbitral

 

5. A Autoridade Tributária invoca a exceção de incompetência do tribunal arbitral por considerar que a Requerente não se limita a impugnar a correção no montante de € 6.043.296,43 que resultou da ação inspetiva, mas pretende ainda que seja reconhecido que o ajustamento a efetuar na declaração de rendimentos do período de 2014 corresponde a uma dedução ao resultado tributável no montante de € 10.224.635,62, deduzindo assim um pedido de reconhecimento de direitos em matéria tributária que não cabe na competência dos tribunais arbitrais.

 

Com efeito, a Requerente formula o pedido nos seguintes termos:

 

“Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser admitido e julgado procedente e, consequentemente:

       a) Anulado parcialmente o ato tributário de liquidação adicional de IRC, identificado com o n.º 2017..., da autoria da AT, revertendo a correção no montante € 6.043.296,43 e reconhecendo que o ajustamento a efetuar na declaração de rendimentos Modelo 22 do período de 2014 corresponde a uma dedução ao resultado tributável no montante de € 10.224.635,62.”

      

A referência ao ajustamento da dedução a efetuar em 2014 relaciona-se com a consideração das variações patrimoniais dos fundos de pensões em conjunto, incluindo o Fundo de Pensões do D..., segundo o entendimento expresso pela Autoridade Tributária no Relatório de Inspeção Tributária. De facto, relativamente ao exercício de 2012, os serviços inspetivos haviam entendido que a dedução para efeitos fiscais das variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística devia englobar, com referência a 31 de Dezembro de 2010, a diferença entre a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões do A..., no montante de € 102.246.356,23 e a variação patrimonial positiva imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 12.306.145.73, de onde resulta que a dedução anual se fixava em € 8.994.021,05 e não em € 10.224.635,62.

 

Relativamente ao período de tributação de 2014, a Requerente veio a adotar este critério efetuando a dedução de € 8.994.021,05.

 

Por sua vez, no que se refere a 2014, por efeito da ação inspetiva incidente sobre este período, a Administração considerou que a variação patrimonial era de € 29.507.246,22, resultante do valor negativo de € 50.304.796,78 imputável ao Fundo Pensões C..., e do valor positivo de € 20.797.550.,56 imputável ao Fundo Pensões D..., implicando uma dedução anual, para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 de € 2.950.724,62. Daí que a correção proposta no relatório de inspeção tributária tenha sido de € 6.043.296,43, montante correspondente à diferença entre o valor efetivamente deduzido de  € 8.994.021,05 e o valor corrigido de € 2.950.724,62.

 

Como resulta do pedido, tal como se encontra formulado, a Requerente impugna o ato de liquidação adicional em IRC resultante da correção aritmética, mas pretende igualmente discutir o valor da dedução anual a considerar, visto que entende que as variações patrimoniais não têm de ser consideradas globalmente mas por referência a cada um dos fundos de pensões. E por isso mesmo propugna que o valor da dedução anual se fixe em € 10.224.635,62, e não em € 8.994.021,05.

 

Assim a Requerente desenvolve a causa de pedir em duas vertentes: uma referente ao Fundo de Pensões C... e outra referente ao Fundo de Pensões D... (artigos 181.º e segs.). E, por outro lado, o valor da dedução anual a considerar é um dos pressupostos da liquidação adicional, visto que - como se deixou esclarecido – a Autoridade Tributária, com referência a 31 de Dezembro de 2010, parte de uma variação patrimonial considerada globalmente, incluindo quer a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões da A... (€ 102.246.356,23) quer a variação patrimonial positiva imputável ao Fundo Pensões do D... (€ 12.306.145.73).

 

Ora, se a Requerente impugna a liquidação adicional em IRC e discute na petição inicial o englobamento das variações patrimoniais de ambos os fundos de pensões, e, portanto, não só a correção no montante de € 6.043.296,43, mas também a inclusão no cálculo da dedução da variação patrimonial imputável ao Fundo Pensões D... (€ 1.230.614,37), é patente que estamos ainda no âmbito da declaração de ilegalidade do ato de liquidação. E não é pelo facto de a Requerente ter formulado o pedido em termos de se reconhecer esse ajustamento na dedução anual que transforma um pedido de declaração de ilegalidade num pedido de reconhecimento de direitos.

 

A exceção é, por conseguinte, improcedente.

 

Impossibilidade de impugnação contenciosa direta

 

            6. Relativamente à correção da dedução por indevido englobamento das variações patrimoniais, a Autoridade Tributária alega ainda a impossibilidade de impugnação contenciosa direta por estar em causa um erro na autoliquidação, cuja impugnação judicial é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa necessária, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do CPPT, visto que não se trata exclusivamente de matéria de direito e não se verifica a ressalva a que se refere o n.º 3 desse artigo.

 

            No entanto, nada permite concluir que estamos aí perante um mero erro na autoliquidação.

 

            Como se deixou exposto, e resulta do relatório de inspeção tributária (cfr. ponto VI.1, alínea c), págs. 82 e segs.), a inclusão na declaração de rendimentos de 2014 do valor de € 8.994.021,05, a título de dedução por alteração da política contabilística, é determinada no seguimento das correções promovidas pela Autoridade Tributária relativamente ao período de tributação de 2012. Dizendo-se, aliás, no relatório que o sujeito passivo passou a partilhar nesse aspeto o entendimento da Autoridade Tributária (pág. 82).

 

Por outro lado, a Requerente, na petição inicial, não deixa de afirmar no artigo 92, por razões que são depois desenvolvidas (artigos 181.º e segs.), que “deveria ter deduzido, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável no exercício fiscal de 2014, o montante de € 10.224.635,60”, acrescentando que “apenas aquele montante reflete o ajustamento de transição decorrente da alteração da política contabilística”.

 

A dedução pelo valor de € 8.994.021,05 não é, por conseguinte, o resultado de um erro na autoliquidação, mas o efeito de uma exigência da Autoridade Tributária, que corrigiu o apuramento da matéria tributável com base na avaliação conjunta das variações patrimoniais do Fundo Pensões da A... e do Fundo Pensões do D... .

 

E, além disso, a Requerente não está impedida de discutir esse pressuposto da liquidação na impugnação judicial que visa a correção efetuada pela Autoridade Tributária relativamente ao ano de 2014.

 

Não ocorre, portanto, um qualquer erro na autoliquidação, pelo que não se tornava necessária a prévia apresentação de reclamação graciosa para efeito de impugnação judicial do ato de liquidação.

A exceção é, assim, improcedente.

 

Intempestividade do pedido arbitral

 

7. Defende a Requerida que o prazo de impugnação judicial de 90 dias, previsto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, contar-se-á da data da apresentação da declaração em que é feita a autoliquidação, momento em que ocorre o conhecimento do facto lesivo. Mas mesmo que se considere o entendimento jurisprudencial segundo o qual, nos casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se seguiram orientações genéricas da administração tributária, o prazo de impugnação judicial é de dois anos, a impugnação teria sido apresentada intempestivamente.

 

Isso porque o prazo se conta a partir do termo da data para apresentação da autoliquidação de IRC, que ocorreu em 31 de maio de 2015, ou maxime da data de apresentação da declaração de substituição, em 2 de Dezembro de 2016, pelo que o pedido arbitral, em cumprimento desse prazo de dois anos, devia ter dado entrada até 4 de Junho de 2019.

 

Ainda no que se refere a este aspeto, a Autoridade Tributária parte do princípio de que estamos perante uma impugnação judicial referente a um erro na autoliquidação, o que - como vimos – não é o caso.

 

E, por outro lado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o pedido arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

 

Tendo a Requerente sido notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por ofício datado de 6 de Março do 2019, o pedido arbitral apresentado em 4 de Junho seguinte é tempestivo.

A exceção invocada pela Requerida é consequentemente improcedente.

             

Incompetência do tribunal arbitral relativamente ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago

 

8. A Autoridade Tributária suscitou ainda a exceção dilatória da incompetência do tribunal arbitral relativamente ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, por considerar que esse pedido, ainda que possa constituir uma consequência da declaração de ilegalidade de atos de liquidação impugnados, no plano executivo, não se enquadra na competência do tribunal arbitral tal como se encontra definida no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT.

 

Na petição inicial a Requerente deixa claro que a sua pretensão tem por objeto o ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 2014, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência dessa impugnação administrativa. No entanto, na formulação do pedido, a impugnante requer não apenas a anulação do ato de liquidação e dos despachos de indeferimento, mas também o reembolso de imposto suportado em excesso, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Deve começar por dizer-se que embora a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreenda as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos das referidas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a Administração Tributária deva praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

 

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de atos administrativos (artigo 179.º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exatos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração ou a requerimento do particular (artigo 172.º do CPA).

 

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos atos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de ato devido ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral (neste sentido, acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 580/2018-T e 38/2019-T). 

 

Nesse sentido aponta ainda o facto de nada obstar a que o tribunal profira condenação, se for o caso, no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Sendo que o pagamento de juros indemnizatórios se torna exigível sempre que a prestação tributária indevida resulte de erro imputável aos serviços verificável quer em impugnação administrativa quer em impugnação judicial.

 

Há assim lugar, casa tal venha a ocorrer, na sequência de eventual declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

E, por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir no dispositivo as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do ato tributário.

 

A exceção é, assim, igualmente improcedente.

 

 

Questão de fundo

           

            9. A Requerente, na sequência da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões pós-emprego de benefício definido, apurou uma variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23, com referência a 1 de Janeiro de 2011, tendo efetuado a dedução para apuramento do lucro tributável de um décimo desse montante, a partir de 2012, em aplicação do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

 

A Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo incidente sobre o período de tributação de 2014, promoveu uma correção aritmética ao apuramento de imposto por considerar que o montante cuja relevância fiscal a Requerente deveria ter diferido, não era a variação patrimonial apurada no saldo de abertura do exercício em que era adotada a nova política, mas o saldo de desvios atuariais no balanço a 31 de Dezembro de 2011. E, por outro lado, havia de considerar-se o valor acumulado dos desvios atuariais positivos associados ao Fundo de Pensões do D... para efeitos do montante a reportar por aquele período.

 

Neste sentido, a Autoridade Tributária contabilizou, além do saldo negativo de € 102.246.356,23, o crédito de ganhos e perdas atuariais ocorridos no decurso do ano de 2011, no montante de € 53.647.169,15, fixando o saldo devedor em € 48.599.187,08. A esse montante aditou um crédito de € 1.705.609,70 relativo  ao subsídio por morte, que se não encontrava enquadrado no artigo 43.º, n.º 2, do CIRC, perfazendo um total de € 50.304.796,78, pelo que o montante dedutível para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 correspondia a um décimo do valor de € 50.304.796,78.

 

Complementarmente, os serviços inspetivos haviam entendido que a dedução para efeitos fiscais das variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística devia englobar, com referência a 31 de Dezembro de 2010, a diferença entre a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões da A..., no montante de € 102.246.356,23, e a variação patrimonial positiva imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 12.306.145.73, de onde resulta que o saldo devedor a essa data se fixava em € 8.994.021,05 e não em € 10.224.635,62.

 

Por outro lado, em relação os desvios aturiais apurados ainda no decurso de 2011, e por efeito do englobamento das variações patrimoniais dos dois fundos de pensões, a Administração considerou que a variação patrimonial era de € 29.507.246,22, resultante da diferença entre o valor negativo de € 50.304.796,78, imputável ao Fundo Pensões da A..., e o valor positivo de € 20.797.550.56, imputável ao Fundo Pensões D..., implicando uma dedução anual, para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de € 2.950.724,62.

 

Nestes termos, a correção proposta no relatório de inspeção tributária, que originou a liquidação adicional, foi fixada em € 6.043.296,43, montante correspondente à diferença entre o valor efetivamente deduzido de € 8.994.021,05 e o valor corrigido de € 2.950.724,62.

 

A primeira questão que vem colocada consiste em saber se a variação patrimonial negativa apurada no termo do período de tributação de 2011 para ser deduzida faseadamente ao abrigo do regime do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, nos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2012, seria a registada no termo do exercício de 2010, no indicado montante de € 102.246.356,23, respeitante exclusivamente ao Fundo de Pensões C..., e não o saldo dos desvios atuariais apurados no balanço no termo do exercício de 2011.

 

A referida disposição do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 dispõe nos seguintes termos:

 

“As variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade nº 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.os 2 e 3 do artigo 43º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.”

 

Nos termos do artigo 215.º da referida Lei (que aprovou o OE para 2012), a norma contida no artigo 183.º entrou em vigor em 1 de janeiro de 2012.

 

            O artigo 43º, do CIRC, a que esta disposição faz referência, sob epígrafe “realizações de utilidade social”, no seu n.º 2, qualifica como gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, os suportados com contractos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contractos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa. 

 

            Nos termos do n.º 3, o limite de 15% aí estabelecido é elevado para 25% se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.

 

            Como se vê, o artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, estabelecendo uma exceção ao regime geral que decorre do artigo 43.º. do CIRC, define um regime transitório de dedução de ganhos e perdas  atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego pelo período de dez anos, com início em 1 de janeiro de 2012, em aplicação da Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19).

 

            O legislador pretende referir-se à norma do IAS 19, na redação resultante do Regulamento (UE) n.º 475/2012, de 5 de Junho, que adotou uma nova regulamentação da contabilização dos desvios atuariais (parágrafos 128º e 129º), que se traduziu na eliminação do procedimento de diferimento dos desvios aturiais, conhecido como o “método do corredor”, passando as perdas atuariais e financeiras  a ser refletidas diretamente em capitais próprios, na rubrica "Outras reservas - desvios atuariais", no período em que ocorressem.

 

Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do mesmo Regulamento, as empresas deviam aplicar essas alterações do regime contabilístico “o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que comece em ou após 1de janeiro de 2013”

 

Sublinhe-se que o Regulamento (CE) n.º 1910/2005, de 8 de Novembro, na sequência de uma alteração à IAS 19 emitida pelo “International Accounnting Standar Board” (IASB), por força da redação dada aos parágrafos 93 e 93-A, já introduzia uma nova opção quanto ao reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais de planos de pensões de prestações definidas. Assim, passou a permitir-se o reconhecimento total de ganhos e perdas atuariais numa “demonstração ganhos e perdas reconhecidos” (Stament of Recognised Income and Expense) distinta da demonstração de resultados, ou seja, os ganhos e perdas atuariais podiam ser reconhecidos diretamente nos capitais próprios (considerando (3)).

 

            Essa era, no entanto, uma medida facultativa que apenas se tornou obrigatória por via da alteração introduzida no IAS 19 pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012 e cuja implementação deveria ocorrer pelo menos a partir de 1 de Janeiro de 2013.

 

            Na situação do caso, a Requerente alterou  a política contabilística de reconhecimento de desvios atuariais relativos aos planos de benefícios definidos de pensões e outros benefícios pós-emprego, no início do exercício de 2011, antecipando  o cumprimento do previsto na nova versão da IAS 19, que apenas se tornaria de aplicação obrigatória a partir do exercício de 2013.

 

            Nessa circunstância, a Requerente entendeu, com base no princípio de aplicação retrospetiva das mudanças contabilísticas definidas na IAS 8, que a variação patrimonial negativa abrangida pelo regime transitório desse artigo 183.º seria a apurada em 31 de Dezembro de 2010, ou seja, na data de encerramento do período de tributação anterior em que seria aplicado integralmente o método do corredor.

 

            E, assim, a variação patrimonial negativa relevante seria de € 102.246.356,23, apurada no termo do exercício de 2010, e que abre o balanço do exercício de 2011, e não o valor indicado pela inspeção tributária, que deduziu a esse valor as variações patrimoniais positivas obtidas de 2011.

 

            Ora, a disposição do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 carece de ser interpretada articuladamente nos seus diversos segmentos normativos.           

 

 A relevância fiscal da norma é a de atribuir a qualificação como custos ou perdas de exercício às variações patrimoniais negativas resultantes dos desvios atuariais decorrentes da mudança de política contabilística dos sujeitos passivos de IRC, que, de outro modo, apenas poderia ocorrer dentro do condicionalismo previsto no artigo 43º do CIRC, que regula, em geral, a dedutibilidade de encargos no âmbito de realizações de caráter social, incluindo as contribuições para fundos de pensões.

 

Acresce que a norma se refere a variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística e são essas variações patrimoniais – como tal ocorridas em 2011 - que são reconhecidas como custos dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável, repartidos pelo período de dez anos com início em 2012.

 

Sendo esse o quadro legal aplicável, o princípio da aplicação retrospetiva de uma alteração da política contabilística, enquanto mero princípio contabilístico, não poderia produzir o efeito jurídico de apurar as variações patrimoniais com base no resultado fiscal de 2010, com a consequente desconsideração na esfera da Requerente das variações patrimoniais ocorridas em 2011. 

 

Com efeito, o parágrafo 19 da IAS 8 determina que “a) uma entidade deve contabilizar uma alteração na política contabilística resultante da aplicação inicial de uma Norma ou Interpretação de acordo com as disposições transitórias específicas, se existirem, nessa Norma ou Interpretação; e b) quando uma entidade altera uma política contabilística na aplicação inicial de uma Norma ou Interpretação que não inclua disposições transitórias específicas que se apliquem a essa alteração, ou quando altera uma política contabilística voluntariamente, ela deve aplicar a alteração retrospetivamente.”

 

O parágrafo 23 acrescenta que, “quando uma alteração na política contabilística é aplicada retrospetivamente de acordo com o parágrafo 19 (a) ou (b), a entidade deve ajustar o saldo de abertura de cada componente do capital próprio afetado para o período anterior mais antigo apresentado e as outras quantias comparativas divulgadas para cada período anterior apresentado como se a nova política contabilística tivesse sempre sido aplicada, exceto até ao ponto em que seja impraticável determinar ou os efeitos específicos de um período ou o efeito cumulativo da alteração”.

 

            No entanto, a aplicação retrospetiva no plano contabilístico não implica a retroação dos efeitos fiscais que resultem diretamente da lei quando esta pretenda regular o regime jurídico decorrente da nova política contabilística. E o artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 apenas reconhece, para efeitos de dedução fiscal pelo período subsequente de dez anos, as variações patrimoniais negativas registadas em 2011.

 

Nestes termos, entende-se como correta a liquidação adicional relativa ao Fundo de Pensões da A... que teve por base o saldo negativo de € 50.304.796,78, resultante da diferença entre a variação patrimonial negativa registada em 1 de Janeiro de 2011 (€ 102.246.356,23) e o crédito de ganhos e perdas atuariais ocorridos no decurso do ano de 2011, no montante de € 53.647.169,15, correspondente ao saldo devedor em € 48.599.187,08 a que acresce o crédito de € 1.705.609,70 relativo ao subsídio por morte, e que assim origina o montante dedutível para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 de um décimo do valor de € 50.304.796,78.

 

A Requerente não deixa de referir que o ajustamento de transição decorrente do afastamento do “método do corredor” foi refletido no balanço de abertura do exercício fiscal de 2011, em linha com o prescrito pela IAS 8, mas também no decurso desse exercício apurou desvios atuariais que teve necessidade de enquadrar à luz da nova política contabilística. Acrescentando que o saldo positivo entre ganhos e perdas atuariais relativos ao Fundo de Pensões C... e respeitantes ao próprio ano de 2011, refletidos diretamente na situação líquida da Requerente, ascenderam ao montante de € 53.647.169,15, do qual € 1.705.609,70 respeitava a desvios atuariais decorrentes de responsabilidades com o subsídio por morte (cfr. artigos 77 a 79 da petição inicial).

 

Embora, nesse contexto, a Requerente não faça qualquer referência ao que deve entender-se por “variação patrimonial negativa” para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, depreende-se do pedido arbitral, tal como se encontra formulado a final, que a variação patrimonial negativa relevante, no seu entender, é a registada no balanço de abertura do exercício fiscal de 2011, com consequente exclusão da variação patrimonial positiva ocorrida no mesmo período de 2011 por efeito da alteração da política contabilística.

 

No entanto, referindo-se a lei a “variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração […] da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões”, parece claro que a lei pretende referir-se à a diferença entre os ganhos e perdas com a mesma origem apuradas em 2011 dentro do mesmo fundo de pensões.

 

            Nesse sentido, o parágrafo 128 da IAS 19 igualmente esclarece que “os ganhos e perdas atuariais resultam de aumentos ou diminuições no valor presente de uma obrigação de benefícios definidos em consequência de alterações nos pressupostos atuariais e de ajustamentos de experiência”.

 

            Os desvios atuariais correspondem assim a variações de valor das obrigações de benefícios definidos, que tanto possam ser negativas como positivas, e é o saldo resultante da diferença entre ganhos e perdas que releva para efeito do regime transitório de dedução do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

 

            Nesse enquadramento, o facto de o saldo credor dos fundos, como menos-valia latente, não ser tributado não tem como necessária consequência que, na determinação dos desvios atuariais, não deva relevar até à concorrência das diminuições de valor que constituam decorrência do ajustamento realizado no quadro da nova política contabilística.

 

10. Uma outra questão que está em análise reporta-se ao englobamento das variações patrimoniais do Fundo Pensões da A... e do Fundo Pensões D... o qual tem repercussão em duas diferentes vertentes.

 

Por um lado, na sequência da ação inspetiva realizada com referência ao exercício de  2012, entendeu-se que a dedução para efeitos fiscais das variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística, com referência a 31 de Dezembro de 2010, seria constituída pelo valor que resultava da diferença entre o saldo negativo imputável ao Fundo Pensões da A..., no montante de € 102.246.356,23, e o saldo positivo imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 12.306.145.73, correspondendo ao total de € 8.994.021,05.

 

Por outro lado, em relação às variações patrimoniais ocorridas no decurso de 2011, havia de subtrair-se ao valor negativo de € 50.304.796,78 imputável ao Fundo Pensões C..., o valor positivo de € 20.797.550,56 imputável ao Fundo Pensões D..., implicando um saldo negativo de € 29.507.246,22.

 

A Requerente impugna este ponto de vista com base em quatro ordens de considerações: (a) em 31 de dezembro de 2010, a Requerente não tinha a seu cargo o Fundo de Pensões do D..., que só foi transferido para a A... em 4 de abril de 2011, pelo que não apurou nenhuma variação patrimonial, relativamente àquele Fundo de Pensões, decorrente da alteração da sua política contabilística; (b) os desvios atuariais acumulados do Fundo de Pensões do D..., em 31 de dezembro de 2010, eram positivos e ascendiam a € 12.306.143,74, não sendo aplicável o regime transitório do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, que apenas se refere a “variações patrimoniais negativas”; (c) constituindo as variações patrimoniais positivas associadas a desvios atuariais do Fundo de Pensões ganhos meramente potenciais (não tendo associados qualquer resgate de ativos a seu favor) não relevam para efeitos do apuramento do resultado tributável; (d) além de que os fundos são distintos, não só no que respeita às suas características como às responsabilidades assumidas em relação aos ativos por que respondem.

 

Independentemente de quaisquer outras considerações, o que importa reter, em atenção ao Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro - que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões -, é que o 'Fundo de pensões' é um património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde (artigo 2.º, alínea c)) e encontra-se sujeito  a um regime de autonomia patrimonial, nos termos do artigo 11.º.

 

Dispõe este preceito, no seu n.º 1, que “sem prejuízo do disposto no artigo 81.º, o património dos fundos de pensões está exclusivamente afeto ao cumprimento dos planos de pensões, ao pagamento das remunerações de gestão e de depósito que envolva, e ao pagamento dos prémios dos seguros referidos no artigo 16.º, não respondendo por quaisquer outras obrigações, designadamente as de associados, participantes, contribuintes, entidades gestoras e depositários”.

 

Por outro lado, o artigo 81.º, aí referenciado, apenas ressalva, em caso de excesso de financiamento durante cinco anos consecutivos e por razões estruturais, que o montante do excesso à percentagem do valor atual das responsabilidades totais, pode ser devolvido ao associado, desde que se mantenha uma percentagem mínima de financiamento.

 

O regime legal aplicável aos fundos de pensões obsta, por conseguinte, a que o excedente resultante da alteração da política contabilística relativamente ao Fundo de Pensões D... possa ser deduzido à variação patrimonial negativa apurada pela Requerente com referência a 1 de Dezembro de 2010 e no decurso de 2011, para efeito do cálculo da dedução mos termos previstos no regime transitório do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

 

E nesse sentido aponta igualmente o parágrafo 131º da IAS 19 que, sob a epígrafe “Compensação”, estabelece o seguinte:

 

Uma entidade deve compensar um activo relativo a um plano com um passivo relativo a outro plano quando, e só quando, a entidade:

  (a) tiver um direito legalmente executável de usar um excedente de um plano para liquidar obrigações do plano; e

   (b) pretender liquidar as obrigações numa base líquida ou realizar o excedente de um plano e liquidar a sua obrigação de acordo com o outro plano em simultâneo.”

 

            Haverá de concluir-se que o saldo positivo decorrente de desvios aturiais imputável ao Fundo de Pensões D... não releva para a determinação da variação patrimonial negativa de um outro fundo de pensões, ainda que se encontre na titularidade da Requerente, e tratando-se de um ganho potencial não materializado através de resgate - tal como se reconhece na ficha doutrinária sancionada por despacho da Subdirectora geral de 2 de Maio de 2016 - não pode ser considerado rendimento ou variação patrimonial para efeitos fiscais.

 

Face a tudo o que foi exposto, a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões da A..., com referência a 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 102.246.356,23, não pode ser influenciada pelo saldo positivo imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 12.306.145.73. E do mesmo modo, a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões C..., obtida no decurso de 2011, no montante de € 50.304.796,78, não pode ser influenciada pelo valor positivo imputável ao Fundo Pensões C..., no montante de € 20.797.550.56.

 

E desse modo, a dedução para efeitos fiscais, em aplicação do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, é a que resulta da diferença entre o saldo negativo de € 102.246.356,23 e o saldo positivo de € 50.304.796,78 apurados no âmbito do Fundo de Pensões da A..., pelo que o montante dedutível corresponde a um décimo do valor de € 51.941.559,45, ou seja, 5.194.155,94.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

11. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação parcial do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2017... na parte em que deduziu à variação patrimonial negativa registada com referência a 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 102.246.356,23 o saldo positivo imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 12.306.145.73, e na parte em que deduziu à variação patrimonial negativa obtida no decurso de 2011, no montante de € 50.304.796,78, o valor positivo imputável ao Fundo Pensões D..., no montante de € 20.797.550,.56;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter a liquidação adicional em IRC na parte em que teve por base o saldo negativo de € 50.304.796,78, resultante da diferença entre a variação patrimonial negativa registada em 1 de Janeiro de 2011 e o crédito de ganhos e perdas atuariais ocorridos no decurso do ano de 2011;
  3. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, na proporção do decaimento.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 6.211.919,98, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de abril de 2020

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

O Árbitro vogal

 

 

 

Pinheiro Pinto

O Árbitro vogal (com declaração de voto de vencido que junta)

 

 

 

Jorge Carita

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Voto vencido, fundamentalmente pelas razões constantes da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 391/2019-T, que trata exatamente da mesma questão, referente à mesma Requerente e a um ano diferente, que subscrevi, e em relação à qual mantenho a mesma posição.

 

Com o devido respeito, não posso acompanhar a interpretação que, na questão de fundo, prevaleceu relativamente ao disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE/2012).

 

Estabelece esta disposição um regime especial para as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da mudança de política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego.

 

No referencial contabilístico em que a Requerente se achava enquadrada, estava sujeita à adoção da Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19, cuja redação sofreu ao longo do tempo duas relevantes alterações:

  1. A mais recente, prevista no Regulamento (UE) n.º 475/2012, que, no essencial, decretou o abandono do chamado método do corredor, o mais tardar até ao início do primeiro exercício iniciado em ou após 1 de janeiro de 2013;

 

  1. Uma outra, anterior, promovida pelo Regulamento (CE) n.º 1910/2005, que, entre outras, veio permitir o abandono do método do corredor, até então obrigatório, podendo esse abandono concretizar-se em períodos anuais terminados em ou após 16 de dezembro de 2004.

 

Ora, a Requerente decidiu – legitimamente, pois – alterar a sua política contabilística nesta matéria a partir de 2011 (inclusive), tendo operado a mudança através de lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, por forma a que, a partir daí, o método do corredor fosse eliminado.

 

O ajustamento de transição correspondeu exatamente ao montante dos gastos atuariais de períodos anteriores que, nos termos do método do corredor, se encontravam em situação de diferimento em 31 de dezembro de 2010.

 

Considerou-se, na presente decisão, que as variações patrimoniais – inclusivamente as positivas – registadas pela Requerente ao longo do ano de 2011 seriam “decorrentes da alteração” e, daí, incorporadas no cômputo da quantia a levar a resultados fiscais nos termos do referido artigo 183.º.

 

Não posso, sempre com o devido respeito, subscrever uma interpretação como esta, quando o facto é que as variações patrimoniais, positivas ou negativas, registadas na contabilidade da Requerente em 2011, com exceção da variação patrimonial negativa relativa à mudança de política, nada tiveram a ver com a alteração da política operada em 2011 e que teriam existido mesmo que essa alteração não tivesse ocorrido.

 

 

O Árbitro vogal

 

Pinheiro Pinto