Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 389/2020-T
Data da decisão: 2021-08-25  IRS  
Valor do pedido: € 1.738,51
Tema: IRS – Rendimentos Categoria F – Taxa de tributação autónoma – Artigo 72º, nº4 do CIRS, versão em vigor em 2019.
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Sumário:

 

I – De acordo com a redação do artigo 72.º, nºs 2 a 5, do CIRS, na versão introduzida pela Lei nº 3/2019de 1-10-2019, a taxa de tributação autónoma (28%) que incide sobre os rendimentos prediais é reduzida em 14 pontos percentuais. (passando para 14%), quando decorrentes de contratos de arrendamento de duração igual ou superior a 10 anos e inferior a 20 anos;

 

II- A Lei 3/2019 produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019 e aplica-se a novos contratos de arrendamento e respetivas renovações contratuais, bem como às renovações dos contratos de arrendamento verificadas a partir de 1 de janeiro, nas condições descritas, sem restrições.

 

III - A lei 3/2019 estabelece, ainda, que o Governo definirá por portaria as rendas máximas a cobrar e restantes requisitos dos programas de construção de habitação para arrendamento acessível, independentemente do custo real da construção, que devam ser considerados como habitação a custos controlados para efeitos de determinação da taxa de IVA aplicável, programas que deverão garantir a afetação dos imóveis a essa finalidade pelo prazo mínimo de 25 anos. Mas daqui não se extrai que todo o diploma legal visasse apenas e só os contratos de arrendamento para habitação.

 

IV – A Lei119/2019 de 1-10-2019, veio alterar a versão até então em vigor, restringindo a partir da sua entrada em vigor, os benefícios de redução da taxa apenas aos contratos de arrendamento para habitação. Trata-se de uma nova versão do artigo 72º, nºs 2 a 5, que criou direito novo, não podendo ser qualificada como norma interpretativa, menos ainda, se daí resultar uma aplicação retroativa a factos pretéritos.

 

IV – Na versão em vigor à data do facto tributário (fevereiro de 2019) o regime jurídico estabelecido no artigo 72º, nºs 2 a 5 do CIRS aplicava-se aos contratos de arrendamento (sem limitações) desde que cumprissem os prazos de duração previstos. No caso dos presentes autos o contrato de arrendamento foi celebrado ao abrigo dessa versão em vigor, e cumpria o pressuposto do prazo superior a 10 anos e inferior a 20, o que lhe atribuía o benefício da redução da taxa para 14%, pelo que a liquidação de imposto impugnada, que teve subjacente a aplicação da taxa de 28%, deve ser parcialmente anulada, e reembolsados os Requerentes do valor de imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à do efetivo reembolso.

 

 DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 30-07-2020, A..., portador do NIF ... e B..., portadora do NIF ..., casados entre si no regime de separação de bens,  (doravante designados por “'Requerentes”), apresentaram no CAAD, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante “RJAT”) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. O pedido arbitral tem por objeto a impugnação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) nº 2020..., referente ao ano de 2019, com origem na declaração de rendimentos modelo 3 entregue pelos Requerentes, na parte em que a mesma tributou o rendimento predial, enquadrado na categoria F do IRS, referente à fração autónoma designada pelas letras AR, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana com o nº..., da União das Freguesias de ..., ... e ..., do concelho de Braga, no montante de € 12.417,90, percecionados no ano de 2019, à taxa de 28%.

Entendem os Requerentes que a taxa de imposto aplicável era a de 14% e não 28%, pelo que, naquela parte a liquidação é parcialmente ilegal, por excesso de tributação, violação do disposto no artigo 72º, nº 4 do CIRS (na versão em vigor em 2019), o que se traduz em violação de lei imputável a erro da AT. Invocam ainda, relativamente à interpretação da AT sobre a aplicação do nº4, do artigo 72º da CIRS, que a mesma ofende o princípio da irretroatividade fiscal, e por isso, está ferida de inconstitucionalidade.

Em consequência peticionam a sua anulação parcial, e reclamam o reembolso do excesso de IRS liquidado e pago, no valor de €1.738,51, acrescido de juros compensatórios à taxa legal, desde 31-08-2020 até efetivo pagamento.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 30-07-2020, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 14-09-2020, como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 15-10-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

4.            A AT apresentou Resposta em 18-11-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com os argumentos constantes da mesma e que se dão por integralmente reproduzidos.

 

5.            Em 11-03-.2020 foi proferido despacho arbitral com o seguinte conteúdo:

 

«Analisados os elementos constantes dos autos, constata-se que a Requerente indicou quatro testemunhas a inquirir, embora a questão essencial a dirimir se afigure ser de direito e de prova documental. Assim, a fim de poder aferir da utilidade da realização da inquirição notifica-se a Requerente para vir aos autos indicar os factos concretos aos quais pretende inquirir cada testemunha.

Por força do disposto da Lei nº 4-B/2021, de 01-02-2021, que procede à nona alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, a tramitação dos processos encontra-se suspensa, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3, do artigo 6º B, desde o dia 22 de janeiro de 2021.o que não impede, se as partes estiverem disponíveis para o efeito, a realização das diligências processuais que se afigurem possíveis.

Nesta conformidade, notificam-se as partes para vir aos autos informar se estão disponíveis para a realização da inquirição das testemunhas.»

 

6.            Os Requerentes pronunciaram-se em requerimento junto aos autos, no qual indicam os factos aos quais pretendiam inquirir as testemunhas, admitindo, contudo, que no essencial a questão a decidir era de Direito, mas face às vicissitudes legislativas ocorridas, fazia algum sentido inquirir os responsáveis pelas ditas alterações legislativas e interpretativas, o que incluía inquirir a presidente e vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista e dois dirigentes dos serviços do IRS.

 

Em 19-04-2021 foi proferido despacho arbitral no qual foi agendada reunião para 12-05-2021, às 14h e 30m. Em 20-04-2021 os Requerentes apresentaram requerimento solicitando que as testemunhas por si indicadas fossem notificadas pelo CAAD. Em 11-05-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

 

«Por Requerimento de 20-04-2021 veio o SP requerer a notificação das testemunhas indicadas para a inquirição, requerimento apresentado via email e do qual o Tribunal se apercebeu na presente data, já em fase de preparação da diligência via Webex. Ora, a regra seguida no âmbito dos processos arbitrais é a da apresentação das testemunhas pela parte que as indica. Esta regra é mesmo a única compatível com as especiais circunstâncias de realização das diligências de inquirição, à distância, no circunstancialismo imposto pelas regras de prevenção da Pandemia COVID 19.

Constatada a impossibilidade de avisar, em tempo, as testemunhas, dá-se sem efeito a diligência agendada para amanhã, dia 12-05-2021, a qual será reagendada se necessário.

Contactado o ilustre mandatário da parte Requerente e avisado da desmarcação, este manifestou a disponibilidade para prescindir da inquirição. e da apresentação de alegações.

Nesta conformidade, em obediência ao princípio do contraditório, fixa-se o prazo de 5 dias para que a Requerida venha aos autos pronunciar-se sobre tal possibilidade e, estando de acordo quanto à mesma, o processo poderá prosseguir para prolação da decisão arbitral (...)»

A AT veio aos autos pronunciar-se favoravelmente à dispensa da reunião, pelo que, em 15-06-2021 foi proferido o seguinte despacho arbitral:

«Considerando o Despacho arbitral antecedente e a resposta apresentada pelas partes, o Tribunal arbitral decide dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dispensar a produção da prova testemunhal bem assim como dispensar a apresentação de alegações, por natureza facultativas, conforme pronúncia em concordância das partes.

O processo prossegue para decisão arbitral.

Considerando que o Tribunal arbitral se constituiu em 15-10-2020 e que o prazo de seis meses para proferir decisão arbitral, previsto no artigo 21º, nº1 do RJAT, se encontrou suspenso entre 22-01-2021 a 06-04-2021, constata-se que o prazo para proferir a decisão arbitral terminaria a 30 de junho de 2021.

Face à tramitação do processo supra descrita e a alguma acumulação de datas-limite para prolação de diversas decisões arbitrais, fruto da paragem processual originada pela pandemia, considera este Tribunal, por prudência, prorrogar o prazo para decisão por mais dois meses, nos termos previstos no nº 2, do artigo 21º do RJAT, sem prejuízo de proferir a decisão arbitral a qualquer momento, antes de decorrido o prazo da prorrogação. (…)»

 

7.            Nos termos do despacho arbitral supratranscrito o prazo para prolação da decisão arbitral passou para 30-08-2021.

 

II – SANEAMENTO

 

8.            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram invocadas exceções que obstem ao conhecimento da questão. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre decidir.

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

 

9.            Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr. artº. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC), e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, nº.2, do CPPT). Nesta conformidade fixa-se a matéria de facto a seguir indicada.

 

A.1. Factos dados como provados

 

a)            Os Requerentes são proprietários da Fração autónoma descrita pelas letras AR do prédio urbano descrito na matriz predial sob o nº..., da União de Freguesias de ..., ... e ..., no Concelho de Braga.

 

b)           Em 01-02-2019 celebraram contrato de arrendamento desta fração autónoma com a sociedade C... Lda, pelo prazo de 125 meses, ou seja, por um prazo superior a 10 anos, desde 01-02-2019 até 31-01-2029;

 

c)            A renda mensal acordada foi de €100,00, a qual foi acordada e paga antecipadamente, na íntegra, no momento da celebração do contrato, no valor global de €12. 417,90, correspondente a todo o período de vigência do contrato;

 

d)           Os Requerentes apresentaram a declaração Modelo 2 de Imposto de Selo, em 25-02-2019, com o nº de declaração ..., com o nº de contrato ... e código de validação ...;

 

e)           Do Contrato celebrado e junto aos autos constam os termos da declaração apresentada junto da AT:

 

 

 

f)            De acordo com o formulário eletrónico disponível no portal das Finanças para proceder à declaração de IRS, no que toca à declaração dos rendimentos da categoria F, não permite a sua declaração no quadro 4.2, pelo que consta apenas a possibilidade de aplicação da taxa autónoma de 28% ao valor da renda recebida em 2019, no montante de €12.417,90;

 

g)            O IRS sobre o valor mencionado foi liquidado à taxa de 28%, o que determinou um valor de IRS pago em excesso no montante de €1.738,51

h)           Em 30-07-2020 os Requerentes apresentaram o presente pedido arbitral, o qual tem por objeto a liquidação de IRS de 2019, liquidação nº 2020..., em que a mesma tributou rendimento predial no montante de € 12.417,90 à taxa de 28%, e reclamam o reembolso do valor pago em excesso no montante de €1.738,51.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

10.          Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

11.          A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e a resposta apresentada pela AT.

Importa referir que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Resulta, por tudo o que vem exposto, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

B. DO DIREITO

-  Questão a decidir

 

12.          Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a única questão de direito a decidir é a de saber se a tributação do rendimento da categoria F, nas circunstâncias concretas do contrato de arrendamento celebrado, à luz da versão do CIRS em vigor à data do facto tributário (01-02-2019) estava sujeito à taxa autónoma de 28% ou, como pretendem os Requerentes, à taxa de 14%.

Para o efeito invocam o nº 2 a 5 do artigo 72º do CIRS, com a redação introduzida pela Lei nº 3/2019, de 09/01. Entendem que a alteração posteriormente introduzida pela Lei nº 119/2019, que introduziu a menção a “contratos de arrendamento para habitação permanente”, entrou em vigor a 01/10/2019, ou seja, já depois da celebração do contrato de arrendamento e do recebimento das respetivas rendas, não sendo, por conseguinte, aplicável ao caso concreto.

Concluem, ainda que a sua aplicação retroativa, como pretende a AT, ancorada no artigo 330º da Lei nº 2/2020 (OE 2020), de 31/03/2020, se afigura ilegal e inconstitucional.

 

 

13.          A AT, por sua vez, alega que a Lei 3/2019, de 9 de janeiro, cria condições de acesso a incentivos fiscais em programas de construção de habitação para renda acessível, alterando o Código do IRS, nomeadamente o artigo 72.º, que passa a prever uma redução na taxa autónoma, variável em função da duração do contrato de arrendamento. A interpretação da alteração ao disposto no artigo 72º do CIRS não pode ignorar o regime que vem estatuído no diploma que introduz essa alteração normativa, e do qual faz parte integrante, no caso a Lei 3/2019, de 9 de janeiro, ainda que, sistematicamente, seja integrado em outro diploma legal, no caso o CIRS. Alega, ainda, que o direito tributário não é alheio aos princípios gerais que regem a interpretação das normas contidos no artigo 9º do Código Civil, e, embora admitindo que a letra da lei não tenha sido a melhor, subentendia-se desde a primeira formulação que a medida se destinava apenas aos contratos de arrendamento para habitação, por ser essa a ratio legis que determinou a consagração do benefício fiscal.

Nestes termos, alega a AT que, pelo ponto V do Oficio-Circulado 20217/2020, de 2020/02/05, veio apenas «esclarecer que as alterações introduzidas por este aquele diploma legal traduzem-se, essencialmente, em especificar que a redução das taxas, constante dos n.ºs 2 a 5 do artigo 72.º, é aplicável aos contratos de arrendamento para habitação permanente, afastando quaisquer dúvidas que, apesar de tudo, pudessem existir em face do facto de a redação constante da Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, se referir apenas a contratos de arrendamento.»

 

Conclui pugnando pela improcedência do pedido e pela manutenção da liquidação impugnada.

Esta é, em síntese, a única questão de Direito em discussão nos presentes autos.

 

14.          Considerando que a pretensão dos Requerentes tem como fundamento o disposto no nº 2 a 5 do artigo 72º do CIRS, com a redação introduzida pela Lei nº 3/2019, de 09/01, há que atender ao disposto nos normativos legais aplicáveis tal como foram definidos neste diploma legal.

 

Esta Lei n.º 3/2019, de 09-01-2019, «altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e cria condições de acesso a incentivos fiscais em programas de construção de habitação para renda acessível.»

 

Dispõe o seu artigo 2.º, o seguinte:

 

«Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

 

Os artigos 9.º e 72.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, adiante designado CIRS, passam a ter a seguinte redação:

                (…)

 

Artigo 72.º

 

[...]

 

1 - ...

 

2 - Aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento com duração igual ou superior a dois anos e inferior a cinco anos, é aplicada uma redução de dois pontos percentuais da respetiva taxa autónoma; e por cada renovação com igual duração, é aplicada uma redução de dois pontos percentuais até ao limite de catorze pontos percentuais.

 

3 - Aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento celebrados com duração igual ou superior a cinco anos e inferior a dez anos, é aplicada uma redução de cinco pontos percentuais da respetiva taxa autónoma; e por cada renovação com igual duração, é aplicada uma redução de cinco pontos percentuais até ao limite de catorze pontos percentuais.

 

4 - Aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento com duração igual ou superior a dez anos e inferior a 20 anos, é aplicada uma redução de catorze pontos percentuais da respetiva taxa autónoma.

 

5 - Aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento com duração superior a 20 anos, é aplicada uma redução de dezoito pontos percentuais da respetiva taxa autónoma.

(…)

Artigo 4.º

 

Regulamentação

 

O Governo regulamenta, no prazo de 60 dias a partir da data de entrada em vigor da presente lei, os termos em que se verificam as reduções de taxa previstas nos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo 72.º CIRS, na redação conferida pela presente lei.

 

Artigo 5.º

 

Entrada em vigor, aplicação no tempo e produção de efeitos

 

1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019 e aplica-se a novos contratos de arrendamento e respetivas renovações contratuais, bem como às renovações dos contratos de arrendamento verificadas a partir de 1 de janeiro.

2. No final de 2019, o Governo procede à reavaliação do regime fiscal estabelecido na presente lei, no sentido de apresentar à Assembleia da República as propostas de alteração que se justifiquem em função dos resultados da sua aplicação.» (Sublinhados nossos)

 

15.          Analisados os normativos que vêm citados concluímos que, no preâmbulo da Lei o legislador esclareceu, desde logo, os dois objetivos pretendidos com a Lei em causa: 1) alterar o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;

 e

2) criar condições de acesso a incentivos fiscais em programas de construção de habitação para renda acessível (sublinhado nosso).

 

Ora tal desiderato não permite concluir que fosse intenção do legislador consagrar o incentivo fiscal previsto nas alterações então introduzidas no CIRS e, em concreto, no artigo 72º, nºs 2 a 5, apenas aos contratos de arrendamento para habitação, pois que, recorrentemente, se refere apenas e só a «contratos de arrendamento».

16.          Ao longo do diploma e em diversos artigos, o legislador manteve sempre a mesma referência e a mesma expressão: «contratos de arrendamento». Em momento algum deixa antever que estas alterações fossem destinadas apenas aos contratos de arrendamento habitacional.

Acresce que, quando entendeu referir-se aos contratos de arrendamento para habitação, o fez expressamente, no artigo 3º do mesmo diploma legal. Apenas neste normativo legal o legislador se referiu expressamente à habitação, ou melhor, aos programas de construção para renda acessível. Na verdade, este é o único normativo em que se refere expressamente à habitação numa perspetiva programática, mencionando os programas de construção para habitação a rendas acessíveis. O que significa que nos restantes artigos do diploma legal se referiu, porque essa era a sua intenção, apenas e só aos incentivos em matéria de contratos de arrendamento em geral, independentemente do seu fim.

 

17.          Resulta evidente que o legislador não restringiu, de todo, os benefícios introduzidos nas alterações ao artigo 72º do CIRS aos contratos de arrendamento para habitação, porque não quis, ou seja, não era essa a sua intenção. Mais ainda, tendo previsto no próprio diploma a necessidade de regulamentação no prazo de 60 dias após a entrada em vigor do diploma legal, se, por mera hipótese, o legislador se tivesse equivocado, certamente, teria retificado o diploma nesse prazo ou logo que se apercebesse do erro ou lapso. Não o fez, nem o Governo tomou qualquer iniciativa nesse sentido, pelo que nos resta concluir que o legislador disse o que quis dizer e expressou a sua vontade com toda a clareza. E, diga-se, acompanhando neste ponto a alegação dos Requerentes, estas medidas foram amplamente noticiadas e anunciadas por meios de comunicação social e por associações representativas de setores ligados ao imobiliário e ao mercado de arrendamento, pelo que, se equívoco houvesse, facilmente o legislador se teria dado conta da necessidade de retificação imediata do diploma legal. Ora, não foi isso que sucedeu, pelo que as soluções consagradas no diploma, foram conscientes e coerentes com a vontade expressa pelo legislador numa redação clara que se refere a contratos de arrendamento (sem restrições) e, quando entendeu adequado, a programas de rendas acessíveis para habitação, não deixando antever qualquer dissonância entre a letra e a ratio subjacente aos diferentes normativos legais que integram este diploma.

Admitir que em todos os dispositivos contidos no diploma em análise se quis referir a contratos de arrendamento para habitação, quando apenas se refere a contratos de arrendamento, sem restrições, seria admitir que o legislador tinha sido absolutamente negligente e incoerente na expressão do seu pensamento. Ora, o intérprete e aplicador da lei deve presumir inverso, ou seja, que o legislador é racional, consciente e legisla com pleno conhecimento e ciência sobre as realidades da vida que pretende regular.

 

18.          Não vislumbramos qualquer equívoco ou dissonância entre a letra e a «ratio legis» da lei. O diploma legal em análise é claro e nele o legislador expressou de forma esclarecida e coerente a sua vontade, quer no que respeita aos benefícios fiscais para contratos de arrendamento de longa duração (sem qualquer distinção quanto ao fim a que se destina o contrato de arrendamento) bem assim no que se refere aos programas de construção para habitação a rendas acessíveis, mencionados no artigo 3º do diploma. Só neste último caso o legislador restringiu o alcance das medidas à habitação.

A posição defendida pela AT não é de sufragar pois seria admitir que o legislador teria cometido um manifesto e grosseiro erro de expressão ao longo de todo o diploma, o que não faz sentido.

 

19.          Um argumento adicional, em reforço deste entendimento, é o que resulta do artigo 5º, nº 2, no qual o legislador, consciente das soluções legislativas então consagradas prevê que: «No final de 2019, o Governo procede à reavaliação do regime fiscal estabelecido na presente lei, no sentido de apresentar à Assembleia da República as propostas de alteração que se justifiquem em função dos resultados da sua aplicação.»

Isso veio, de facto a suceder com a Lei 119/2019 de 1 de outubro, a partir da qual deixou claro que pretendia, para o futuro, aplicar os ditos benefícios apenas aos contratos de arrendamento para habitação. Só que tal alteração da lei, obviamente, só pode vigorar para o futuro. Logo a aplicação retroativa defendida pela AT resultaria em ilegalidade notória por ofensa ao princípio constitucional consagrado no artigo 103º, nº3 da CRP.

 

Alega ainda a AT que a interpretação das normas não se reduz ao seu elemento literal. Sem dúvida tem toda a razão, mas é igualmente certo que o interprete ou aplicador da norma não deve extravasar o seu âmbito literal, interpretando-a com um sentido contrário ou para além do que resulta da letra da lei. Dito de outro modo, não se pode aplicar uma norma jurídica interpretando-a num sentido que não tenha respaldo na letra de lei. Concordando ou não com a solução adotada na Lei nº 3/2019 de 09/01, há que respeitar a vontade expressa do legislador. É a este que cabe o poder de legislar e ao intérprete e aplicador da lei cabe respeitar a sua (do legislador) vontade, expressa de forma racional e objetiva.

 

20.          Não se pode aceitar a alegação da AT quando invoca que «a Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, tenha entrado em vigor em 01-10-2019, ela mais não fez do que esclarecer o sentido da norma desde o seu início. Para que não subsistissem dúvidas quanto à natureza daquele regime, veio o legislador esclarecer através do artigo 330.º da Lei 2/2020 que “considerando que as alterações aos artigos 22.º, 58.º, 72.º, 81.º e 119.º do Código do IRS aprovadas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, se destinaram ao aperfeiçoamento do novo regime introduzido pela Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, e que este diploma visou a criação de condições para o arrendamento habitacional acessível, têm as mesmas natureza interpretativa”.

 

Tal interpretação não encontra suporte na própria Lei 119/2019, que é clara quanto à sua entrada em vigor a partir de 1/10/2019. Na verdade, a própria Lei 3/2019 tinha previsto a sua revisão no final do ano de 2019. Foi tão só isso que sucedeu com o diploma 119/2019, o qual veio alterar e ajustar as medidas consagradas, tendo então optado por delimitar o seu âmbito aos contratos de arrendamento para habitação. Alteração esta que só pode vigorar para o futuro, como resulta da própria lei e, de resto, sempre resultaria do respeito pelo princípio da não retroatividade em matéria de incidência tributária, sob pena de violação do princípio da não retroatividade consagrado no artigo 103º, nº3 da Constituição da República.

 

21.          Por fim, quanto à alegação da AT a propósito do disposto no artigo 330.º da Lei 2/2020, que dispõe: “considerando que as alterações aos artigos 22.º, 58.º, 72.º, 81.º e 119.º do Código do IRS aprovadas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, se destinaram ao aperfeiçoamento do novo regime introduzido pela Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, e que este diploma visou a criação de condições para o arrendamento habitacional acessível, têm, as mesmas, natureza interpretativa”.

 

Pois bem, em primeiro lugar há a registar que o próprio legislador refere que as alterações efetuadas aos normativos do IRS suprarreferidos, introduzidos pela Lei nº 119/2019, de 18 de setembro visaram o aperfeiçoamento do novo regime e entram em vigor a 1-10-2019. Ou seja, é a própria norma que menciona expressamente que as alterações aprovadas pela Lei 119/2019 vieram aperfeiçoar o regime introduzido pela Lei 3/2019 de 9-01-2019.

Ora, aperfeiçoar não significa nem implica aplicar retroativamente as regras resultantes do aperfeiçoamento. No caso que estamos a tratar, diga-se, este aperfeiçoamento estava previsto na própria lei, como vimos. E, veio a suceder pela Lei 119/2019, de 1-10-2019, que alterou o disposto nos nºs 2 a 5 do artigo 72º do CIRS, com entrada em vigor a 1-10-2019. Não pode, por isso, aplicar-se ao caso sub júdice.

 

22.          Quanto à invocada natureza interpretativa atribuída ao artigo 330º da Lei 2/2020, de 31-03-2020 (LOE 2020), também não se acompanha o entendimento da AT. Uma norma interpretativa não pode criar novo direito, ela apenas pode esclarecer, entre dois sentidos possíveis, qual a correta interpretação da norma. Mas pressupõe que a norma não sofreu alterações e que apenas se pretende esclarecer o correto sentido da mesma. Acresce que, pela via de normas alegadamente interpretativas, não se pode subverter os princípios jurídico-constitucionais aplicáveis, no caso, o princípio da irretroatividade fiscal. Uma norma interpretativa não pode resultar numa aplicação retroativa, mas tão só esclarecer que, de futuro, qualquer dúvida quanto à aplicação do regime em causa deve ter em conta a interpretação autêntica fixada. A Lei 119/2019, na medida em que introduziu um regime inovador, ao restringir os benefícios consagrados no artigo 72º, do CIRS aos contratos de arrendamento para habitação, não configura natureza de norma interpretativa nem o artigo 330º da LOE 2020, pode subverter os princípios hermenêuticos e jurídico-constitucionais, que constituem a pedra angular do direito tributário.

Dito de outro modo, não se pode considerar como norma meramente interpretativa, ainda que essa designação lhe seja atribuída por lei, aquela que, aperfeiçoando o regime jurídico até então em vigor para determinada situação, venha restringir o âmbito de aplicação de um benefício fiscal que lhe fora atribuído, na medida em que se trata, na verdade, de uma nova solução diferente da anterior. Estamos, agora, perante a aplicação de um regime diferente, inovador, mais restrito, retroativo e lesivo dos interesses dos contribuintes. Tal seria claramente violador do princípio da não retroatividade em matéria tributária consagrado no artigo 103º, nº2 da CRP.

A Lei 119/2019 introduziu uma nova versão do artigo 72º do CIRS, com nova redação, cujo âmbito de aplicação é, agora, mais restrito. Logo, isto basta para dizer que nunca poderia ser considerada como «lei meramente interpretativa». A Lei 119/2019 veio alterar a redação do artigo 72º do CIRS, restringindo o alcance dos benefícios de redução de taxa nele consagrados em função do prazo do contrato de arrendamento, os quais passaram desde então a aplicar-se apenas aos contratos de arrendamento para habitação. Neste sentido o artigo 330.º da Lei 2/2020, não pode vir atribuir natureza interpretativa a alterações legislativas ocorridas. Na verdade, o que faz é pretender alcançar factos tributários pretéritos e tributá-los, sendo que a versão da norma em vigor ao tempo em que estes ocorreram não contemplava essa incidência, como sucede, precisamente, com o caso em apreciação nestes autos.

 

23.          Em reforço deste entendimento, invoca-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que se pronunciou em Acórdão recente a propósito de uma idêntica alegada «norma interpretativa», com efeitos relevantes na delimitação da incidência de Imposto do Selo. A Jurisprudência deste Acórdão do Tribunal Constitucional, à qual aderimos integralmente, vem de encontro ao que se deixa exposto, e é muito esclarecedora sobre a questão das alegadas normas interpretativas.  Citando, pois, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, publicado na 1ª Série do Diário da República de 25-01-2021, destaca-se os seguintes tópicos:

 

«(…) Nesta perspetiva, e tendo em conta a ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, relevará, então, que a lei verdadeiramente interpretativa é apenas formalmente retroativa, uma vez que se limita a declarar o direito preexistente; ao passo que a lei autoqualificada como interpretativa, mas que em boa verdade seja inovadora se deva considerar como material ou substancialmente retroativa, porquanto, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. (sublinhados nossos).

(…)

Na verdade, pode suceder - e sucede com alguma frequência - que o legislador declare ou qualifique expressamente como "interpretativa" certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Ora, uma lei que modifique o direito preexistente - o mesmo é dizer, que constitua direito novo - sob a capa de "lei interpretativa", porque criadora de efeitos jurídicos novos para os respetivos destinatários, violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas; porém, a lei genuinamente interpretativa, porque se limite a declarar o direito que já vigora e com o qual os respetivos destinatários podem contar, não violará tal proibição, do mesmo modo que toda e qualquer interpretação jurídica, incluindo a feita pelos tribunais, também não pode considerar-se como produtora de efeitos jurídicos novos que frustrem «expectativas seguras e legitimamente fundadas». (sublinhados nossos)

11 - Sucede que, do ponto de vista do direito constitucional, e no que se refere à interpretação da lei, não pode abstrair-se das diferenças orgânicas e funcionais entre legislador e julgador. É a relevância das mesmas, já salientada nos mencionados Acórdãos n.os 267/2017 e 395/2017, que cumpre aqui recordar e reiterar.

A iurisdictio ou função de "dizer o direito" - de o declarar a partir das pertinentes fontes jurídico-formais - compete constitucionalmente aos tribunais (cf. o artigo 202.º, n.º 1, da Constituição). Sendo certo que o tribunal não se identifica com o juiz, há, todavia, decisões e atos que só este último pode praticar (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. I ao art. 202.º, p. 506). É nisto que se traduz a reserva de juiz relativamente ao exercício da função jurisdicional (reserva de jurisdição):

(…)

Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis, designadamente de leis com uma vocação ablativa, não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favorável; não existe, nem sequer nos domínios penal ou fiscal, um qualquer «princípio da interpretação mais favorável» ao cidadão. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica - assim como, na eventualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto. Por outras palavras, os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos - enquanto sujeitos de direito - que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política - constitutivas e não declarativas de direito -, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei.

Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/2000:

"[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos [...] leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica."»

Consequentemente, a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. (Sublinhado nosso)

(…)

Pelo exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos.»

 

24.          Por tudo o que vem exposto, conclui-se que ao tempo em que ocorreu o facto tributário (fevereiro de 2019, e à luz da versão então em vigor nos nºs2 a 5 do artigo 72º do CIRS, o contrato de arrendamento celebrado pelos Requerentes beneficiava da redução de taxa prevista no nº 5, por cumprir todos os pressupostos legalmente previstos para beneficiar da aplicação da taxa de 14% e não da taxa de 28% que efetivamente foi aplicada.

 

Nesta conformidade, a liquidação impugnada afigura-se parcialmente ilegal, por violação de lei, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que terá de ser anulada.

 

Como consequência da anulação parcial da liquidação de IRS de 2019, impugnada nos autos, devem os Requerentes ser reembolsados do valor de imposto pago em excesso, ou seja, do valor de €1.738,51.

 

Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS impugnadas, com o consequente reembolso do valor pago em excesso nos termos expostos.

 

 

Quanto à restituição da quantia paga em excesso acrescida de juros indemnizatórios

 

25.          Por tudo o que vem exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, decorre da anulação parcial da liquidação de imposto as consequências legais de reposição da situação que existiria não fosse a prática do ato ilegal.

Assim, na medida em que os Requerentes efetuaram o pagamento do imposto liquidado pela administração tributária à taxa de 28%, quando tal devia ter sido processado à taxa de 14%, estes devem ser ressarcidos do montante indevidamente pago, em excesso (€1.738,51) acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Acresce que, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário. O n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ficou demonstrado que os Requerentes pagaram o imposto impugnado, em montante superior ao que seria devido.

 

Desta forma, por força do disposto nos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, têm os Requerentes direito aos juros indemnizatórios, a contabilizar à taxa legal, desde a data do pagamento do excesso de imposto pago e indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

Face a todo o exposto e às normas legais supramencionadas, decide-se pela procedência do pedido dos Requerentes, pelo que a Requerida deve proceder ao reembolso da quantia paga em excesso acrescida de juros nos termos sobreditos.

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

 

a)            Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, declarando parcialmente ilegal a liquidação de imposto impugnada;

b)           Condenar a Requerida AT a restituir aos Requerentes o valor de imposto indevidamente pago em excesso, no montante de €1.738,51, dando, assim, cumprimento à decisão ora proferida.

c)            Condenar a Requerida a pagar aos Requerentes juros indemnizatórios à taxa legal, relativamente ao valor de imposto indevidamente pago, desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento, até ao integral e efetivo pagamento do montante a restituir ao Requerente.

d)           Condenar a Requerida AT nas custas do processo.

 

 D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €1.738,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de agosto de 2021

 

O Árbitro

(Maria do Rosário Anjos)