Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2018-T
Data da decisão: 2019-09-13  IRC  
Valor do pedido: € 815.763,96
Tema: IRC – Preços de transferência. Art. 63.º do CIRC. Competência material e tempestividade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                               Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente, designada pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor Gustavo Lopes Courinha (designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira) e Dr. Francisco Carvalho Furtado (designado pelo Sujeito Passivo) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de Novembro de 2018, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., com sede no ..., Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., pessoa coletiva n.º..., doravante designada por «Requerente», veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (adiante «RJAT»), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.º 2018..., de 4 de Abril de 2018, referente ao exercício de 2015, que resultou no valor a pagar de € 815.763,96 (oitocentos e quinze mil, setecentos e sessenta e três euros e noventa e seis cêntimos).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante referida por «AT».

A Requerente opõe-se ao acréscimo de € 2.217.320,86 à sua matéria coletável do exercício de 2015, referente a encargos financeiros incorridos em relação a suprimentos do seu acionista único, a B..., S.À.R.L., doravante «B... », que a AT considerou não dedutíveis por, em seu entender, excederem a taxa de remuneração de empréstimos similares em condições de mercado entre partes independentes, ao abrigo do princípio de plena concorrência e da disciplina de preços de transferência (cf. artigo 63.º do Código do IRC).

 

Segundo a Requerente, a taxa de juro praticada com a sua acionista é de mercado e não carece de correção em matéria fiscal, para além de preconizar que a metodologia de apuramento da remuneração de mercado utilizada pela AT é inadequada.

 

Questiona, de igual modo, a desconsideração de prejuízos fiscais de exercícios anteriores [2014], no valor de € 101.869,23, por, em seu entender, serem passíveis de dedução ao lucro tributável do exercício em causa [2015].

 

Conclui pela anulação do acto tributário, que considera ilegal, pedindo a condenação da Requerida à devolução do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios. Juntou 21 documentos e arrolou 2 testemunhas. 

 

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Francisco Carvalho Furtado, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 17 de Agosto de 2018.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou como Árbitro o Prof. Doutor Gustavo Lopes Courinha.

 

Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos da II parte da alínea b), do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.

 

Todos os árbitros aceitaram o encargo, tendo o Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 25 de Outubro de 2018, para efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, não tendo aquelas manifestado vontade de recusar a designação.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 15 de Novembro de 2018.

 

Em 19 de Dezembro de 2018, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação. Juntou o processo administrativo («PA»).

 

Em matéria de exceção, suscita a incompetência material (parcial) do Tribunal Arbitral na parte do pedido, no montante de € 101.869,23, respeitante aos prejuízos fiscais declarados em 2014 que foram reconhecidos na Decisão Arbitral do processo n.º 378/2017-T. Sustenta a Requerida que o alegado incumprimento dessa decisão arbitral, que postula a reposição do valor correto de prejuízos, se inscreve no quadro da execução de julgado no âmbito do mencionado processo 378/2017-T, cujo meio adequado seria o processo previsto nos artigos 146.º do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT») e 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos («CPTA»). Considera que tal execução não está incluída no âmbito das pretensões passíveis de apreciação pelos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD (cf. artigo 2.º do RJAT e Portaria n.º 112-A, de 22 de Março), e consubstancia uma excepção dilatória, de acordo com o n.º 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil («CPC»), aplicáveis por remissão da alínea e), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

 

A Requerida argui ainda a exceção de intempestividade, à cautela, por a Requerente não ter feito prova da notificação da liquidação, que data de 4 de Abril de 2018 (cf. n.º 1 do artigo 10.º do RJAT conjugado com o n.º 1 do artigo 102.º do CPPT).

 

Por impugnação, a Requerida mantém a fundamentação constante do Relatório de Inspecção Tributária. Afirma que, na ausência do dossier de preços de transferência, cabia em primeira linha à Requerente o ónus da prova, por imperativo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, e que a ulterior apresentação de um estudo realizado por uma consultora não teve em conta a realidade do mercado português, pois as onze observações identificadas como comparáveis localizam-se fora de Portugal, em países com características próprias, e referem-se a sectores de actividade distintos, maioritariamente a serviços financeiros (nove observações), dado que somente em dois casos se reportam ao sector imobiliário.

 

A Requerida acrescenta que o risco de exposição da sociedade-mãe é reduzido, uma vez que esta dispõe de informação privilegiada e controlo total (100%) sobre a actividade e decisões que influenciam a esfera da Requerente, que os empréstimos se destinaram à aquisição de imóveis, consubstanciando uma garantia real, e que o valor da carteira não está acima do valor do mercado.

 

Ainda segundo a Requerida, a taxa média divulgada pelo Banco de Portugal como referência é, face à impossibilidade de obtenção de operações comparáveis, o critério mais ponderado, pois tem em conta o mercado financeiro português. Acresce que o financiamento obtido junto do I... tem características que permitem a sua utilização como comparável e a sua remuneração é substancialmente inferior à da sociedade-mãe. Não foi provado que os suprimentos suscitassem o risco acrescido normalmente associado a instrumentos de dívida subordinada, dadas as garantias constituídas pelos bens e direitos em que foram aplicados os fundos.

 

                Por fim, a Requerida pronuncia-se no sentido de ser inútil a inquirição das testemunhas por entender que os factos com relevo para a decisão se encontram documentalmente comprovados nos autos, indicando, todavia, à cautela, duas testemunhas. Conclui pela procedência das excepções invocadas e, em todo o caso, pela improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos.

 

                Notificada para se pronunciar sobre as exceções, a Requerente apresentou réplica, na qual declara que o pedido de pronúncia arbitral («ppa») tem por objecto exclusivo a apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRC e não implica qualquer pedido de execução de julgado. A referência ao prejuízo fiscal que foi reconhecido no processo n.º 378/2017-T, visa somente a demonstração de que o acto de liquidação padece de erro de cálculo, ao não considerar todos os elementos que deviam concorrer para o seu apuramento. Quanto à intempestividade, a Requerente procede à junção da demonstração de acerto de contas que menciona como data limite de pagamento 16 de Maio de 2018, pelo que quando a açção arbitral deu entrada, em 14 de Agosto de 2018, ainda estava a decorrer o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, informação que era do conhecimento da AT, autora do acto de liquidação.

 

                Por despacho de 14 de Janeiro de 2019 foi determinada a realização da diligência de inquirição de testemunhas, atenta a eventual utilidade para apuramento dos factos, que teve lugar na reunião de 12 de Março de 2019, na qual foram ouvidas as testemunhas indicadas pela Requerente e pela Requerida, tendo sido relegado para final o conhecimento das excepções. Nessa reunião, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixada a data para prolação da decisão arbitral, com prorrogação de prazo, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atentas as vicissitudes processuais.

 

Ambas as partes apresentaram alegações, nas quais mantiveram as posições assumidas.

 

Por despacho de 7 de Julho de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, atenta a complexidade da matéria.

 

II.            QUESTÕES PRÉVIAS. SANEAMENTO

 

1.            DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A competência dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação (cf. artigo 13.º do CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

O âmbito material da jurisdição arbitral é recortado pelo artigo 2.º do RJAT e, bem assim, pela Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, que determinam que a respetiva competência abrange a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. 

 

A Requerente identifica como objeto da acção arbitral o acto de liquidação de IRC, reportado ao exercício de 2015, e deduz como pedido principal a sua anulação, pelo que neste ponto, não subsistem dúvidas do enquadramento na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Relativamente à causa de pedir que constitui o fundamento do pedido anulatório, decorre dos autos que o acto de liquidação em causa foi praticado tendo por pressuposto as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária à matéria colectável do período de tributação anterior, que corresponde ao ano civil de 2014. O que a este respeito a Requerente invoca é o erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, na prática do acto de liquidação controvertido relativo a 2015, i.e., matéria que se afigura enquadrável na competência material deste Tribunal. Erro esse que decorre de não ter sido considerado na quantificação (cálculo) da liquidação impugnada o valor correcto dos prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores e disponíveis para reporte. 

 

Mais se dirá que a modelação da exceção suscitada, nos moldes em que o foi – como estando em causa o incumprimento de uma decisão arbitral (jurisdicional, portanto) que determina a reposição do valor correto de prejuízos – é susceptível de se reconduzir a um vício de nulidade do acto (alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA), invocável a todo o tempo e que pode “ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação” (n.º 2 do artigo 162.º do CPA), norma que não pode deixar de ser aplicável por remissão do RJAT e do CPPT, pois o regime genérico das invalidades dos actos tributários é o que consta do CPA.

 

É verdade que a execução de uma decisão jurisdicional, se não realizada voluntariamente pela AT, pode ser objeto de uma acção de execução de julgado, o que aqui não se contradiz. Só que a perspectiva aqui em causa é distinta e com aquela não se confunde, nem a compromete, que é a da (in)validade do acto tributário, seja por erro nos pressupostos de facto (regime de anulabilidade – artigo 163.º do CPA), seja por ofensa da res iudicata, ou seja, do caso julgado (regime da nulidade).

 

À face do exposto, não pode acompanhar-se a tese da Requerida de que a invalidade do acto de liquidação, na parte respeitante aos prejuízos fiscais não computados, só poderia ser sindicada em processo de execução de julgados. 

 

Improcede, pois, a excepção de incompetência invocada pela Requerida, pelo que o Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo e artigo 5.º do RJAT), que é o da declaração de ilegalidade e anulação de um ato tributário de liquidação de IRC.

 

2.            A EXCEPÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE

 

A Requerida alega à cautela a excepção de intempestividade, com base no facto de a Requerente não ter demonstrado a data em que foi notificada do acto de liquidação de IRC que constitui o objecto do pedido arbitral, ou o termo do prazo para pagamento voluntário deste imposto.

 

Tendo em conta que o prazo de 90 dias para deduzir o pedido de pronúncia arbitral se conta a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT) e que este prazo foi fixado pela própria AT que, portanto, não o podia desconhecer, pois estão em causa documentos emitidos pela Requerida aos quais tem acesso directo e conhecimento integral do respectivo do teor, afigura-se merecedora de censura a conduta processual adoptada.

 

Com efeito, o termo do prazo para pagamento voluntário do IRC e juros compensatórios liquidados foi fixado pela AT no dia 16 de Maio de 2018, pelo que à data de propositura da presente acção arbitral – em 14 de Agosto de 2018 – ainda não tinha expirado o prazo de 90 dias, correspondendo ao último dia do prazo.

 

Esta data podia ser logo inferida do documento n.º 11 junto com o ppa – citação para o processo de execução fiscal – que apontava como termo inicial de contagem dos juros de mora o dia 17 de Maio de 2018. Ora, de acordo com o disposto no artigo 44.º da LGT, os juros de mora contam-se desde o termo do prazo legal para pagamento do imposto. Assim, era impostergável a conclusão de que a data para pagamento voluntário do acto de liquidação em apreço seria o dia 16 de Maio de 2018, o que veio a ser reforçado, com a junção, pela Requerente, em resposta à excepção, da demonstração de acerto de contas que estabelece esse dia como data limite de pagamento.

 

Conclui-se pela manifesta improcedência da exceção arguida pela AT, sendo o pedido de pronúncia arbitral tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3.            DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades, nem se suscitam obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A Requerente foi constituída em 23 de Dezembro de 2013, sob a forma de sociedade por quotas, com início de actividade em 26 de Dezembro de 2013 e registada com o CAE principal 68100 – Compra e Venda de Bens Imobiliários, tendo sido transformada em sociedade anónima em 6 de Fevereiro de 2017 – cf. certidão permanente e Relatório de Inspecção Tributária («RIT») junto com o ppa (documento 16) e com o PA.

B.            A Requerente dedica-se à aquisição, para revenda, de imóveis e créditos junto de instituições financeiras e à aquisição de títulos de dívida para posterior gestão e rentabilização – RIT e depoimentos de C... e F... .

C.            Em sede de IRC é tributada pelo regime geral – cf. RIT.

D.           Em 31 de Dezembro de 2015, o capital social da Requerente era constituído por 1 quota no valor de 1 euro detida pela sociedade B..., S.À.R.L. («B...»), entidade sediada no Luxemburgo, por sua vez detida na totalidade por fundos geridos pela sociedade D...– cf. RIT.

E.            No exercício de 2015, a Requerente não tinha ao seu serviço quaisquer colaboradores nem possuía instalações próprias, sendo as funções de apoio e de logística à Requerente desenvolvidas pela sociedade E..., SA («E...») – cf. RIT e depoimento da testemunha C... .

F.            A Requerente foi constituída com o propósito de adquirir os designados “créditos malparados” detidos pelas instituições financeiras nacionais, fundamentalmente créditos que tivessem associados uma garantia imobiliária (créditos hipotecários) que permitissem, em caso de provável incumprimento, que os imóveis fossem transacionados, recuperando o preço pago pelos créditos adicionado de uma margem. A actividade principal da Requerente é, assim, a compra de créditos hipotecários. Só residualmente foram adquiridos créditos ao consumo, desprovidos de garantia imobiliária – créditos da classe B, que não representavam sequer 10% da carteira de créditos detidos pela Requerente – cf. RIT e depoimento das testemunhas C... e F... .

G.           Quando da revenda de alguns dos imóveis adquiridos a instituições financeiras, a Requerente realizou perdas. No entanto, tratou-se de situações excepcionais, pois a Requerente, em geral, cumpriu os seus objectivos de negócio – cf. documento 3A, junto com o ppa e depoimento da testemunha C... .

H.           Não existem garantias de que a venda dos imóveis pela Requerente seja efetuada a valores superiores aos valores de aquisição, acrescidos dos custos de gestão e manutenção associados à detenção dos mesmos – cf. depoimento da testemunha C... .

I.             Em alguns dos imóveis têm de ser efectuadas reparações para que aqueles fiquem em condições de ser vendidos – cf. depoimento da testemunha C... .

J.             O período de due diligence que precede a compra das carteiras é relativamente curto, não permitindo a análise presencial de todo o acervo imobiliário associado – depoimento da testemunha C... .

K.            Alguns dos imóveis adquiridos ainda não foram revendidos – cf. imóveis listados no documento 5 junto com o ppa e depoimento da testemunha C... .

L.            Em 23 de Dezembro de 2014, entre a Requerente e a G... (G...), foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, denominado de “Receivables and Properties Promissory Sale Agreement”, no valor de € 692.000.000,00, para a aquisição de imóveis e de uma carteira de créditos” – cf. documento 4, junto com o ppa, PA e depoimento da testemunha C... . 

M.          Em 2015 a Requerente efectuou a compra de instrumentos de dívida – obrigações – “Orion Class B Securitisation Notes” emitidas pela H..., SA – cf. RIT.

N.           No decurso do exercício fiscal de 2015, a Requerente contraiu financiamentos, sob a forma de suprimentos, junto do seu acionista único, a B..., por forma a dispor de fundos para o desenvolvimento da sua actividade – cf. RIT e depoimento da testemunha C... .

O.           Os suprimentos acordados pela Requerente foram estabelecidos tendo por referência uma maturidade de 4 anos e foram denominados em Euros em  montantes que variaram entre os € 520.000,00 e os € 10.297.607,00, vencendo juros à taxa fixa contratualizada de 9%, na modalidade de juros simples– cf. RIT.

P.            Os contratos em causa (suprimentos) prevêem que o reembolso de capital e juros ocorra apenas na maturidade, apesar de contemplarem também a possibilidade de se efectuarem reembolsos antecipados de capital e juros, sem qualquer bónus ou penalidade – cf. RIT e PA.

Q.           Os contratos de suprimentos não dispõem de garantias associadas – cf. RIT e depoimento das testemunhas C... e F... .

R.            Para a Requerente ¬¬¬realizar os investimentos previstos no seu plano de negócios, as necessidades de financiamento subjacentes implicaram, para além dos suprimentos, a contratação adicional de créditos junto de entidades bancárias – cf. RIT e depoimento das testemunhas C... e F... .

S.            Em 28 de Maio de 2015, a Requerente celebrou um mútuo com hipoteca imobiliária com o I... («I...»), no valor de € 5.613.072,40, com maturidade a três anos e a vencer juros à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de uma margem de 3,5%. Este financiamento foi garantido por hipoteca constituída sobre 84 imóveis no valor global de € 8.138.954,98 – cf. documento 6A junto com o ppa.

T.            O financiamento contratado junto do I... implicava, para a Requerente, sempre que ocorresse o distrate de imóveis, a obrigação de amortizar capital, no valor mínimo de 50% do preço de venda do imóvel distratado – cf. documento 6A junto com o ppa.

U.           Ainda de acordo com o contrato de mútuo celebrado com o I..., a Requerente obrigava-se a manter um rácio de cobertura igual ou inferior a 0,65 (peso do montante em dívida sobre o valor dos ativos dados em garantia) e o I... podia exigir o reembolso antecipado se a Requerente passasse a ser detida por outra entidade (mudança de sócio)  – cf. documento 6A junto com o ppa.

V.           Em 19 de Novembro de 2015, a Requerente celebrou novo contrato de mútuo com hipoteca imobiliária com o I..., no valor de € 706.870,45, constituindo como garantia uma hipoteca sobre 11 imóveis, no valor global de € 1.024.962,15 – cf. documento 6B junto com o ppa.

W.          Os fundos provenientes dos contratos de mútuo celebrados com o I... destinaram-se e foram aplicados na aquisição de activos – bens imóveis – que constavam do balanço da entidade financeira que concedeu o mútuo – depoimento das testemunhas C... e F... .

X.            Relativamente ao exercício de 2015, a Requerente não submeteu em prazo a declaração modelo 22, nem a Informação Empresarial Simplificada – cf. RIT.

Y.            Na sequência da ordem de serviço n.º OI2016..., datada de 1 de Julho de 2016, foi realizada uma acção inspectiva externa polivalente à Requerente, tendo por objecto o exercício de 2015 – cf. RIT.

Z.            Nesse âmbito, em 31 de Janeiro de 2018, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspecção Tributária que propôs diversas correcções à matéria colectável de IRC do ano 2015, em concreto, e com relevância para os presentes autos, o acréscimo de € 2.217.320,86 respeitantes a encargos financeiros não dedutíveis, relacionados com os suprimentos do seu sócio único, a B..., obtidos no decurso dos exercícios de 2014 e 2015, por ser alegadamente excessiva a taxa de juro praticada à face do preço de mercado, atento o Princípio da Plena Concorrência e o regime de Preços de Transferência, nos termos do artigo 63.º do Código do IRC – cf. RIT. 

AA.        Em 14 de Fevereiro de 2018, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2015, na qual considerou diversos ajustamentos propostos no Projeto de Relatório acima referido, mas não a correcção objeto deste processo – cf. documento 7 junto com o ppa e RIT.

BB.         Nessa Declaração Modelo 22, a Requerente deduziu ao lucro tributável apurado prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, no montante de € 199.296,22, ao abrigo do artigo 52.º do Código do IRC, sendo € 2.000,00 respeitantes ao período de tributação de 2013 e € 197.296,22 relativos a 2014 – cf. documentos 7, 17 e 18 juntos com o ppa.

CC.         Por ofício datado de 14 de Fevereiro de 2018, a Requerente foi notificada pela AT da correcção do valor dos prejuízos fiscais indicados na Declaração Modelo 22 relativa a 2015, de € 199.296,22 (prejuízo fiscal declarado) para € 103.869,23 (prejuízo fiscal corrigido) com indicação de que desta correção podia apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e prazos previstos no artigo 137.º do Código do IRC, quando a liquidação lhe fosse notificada – cf. documento 9 junto com o ppa.

DD.        Em 15 de Fevereiro de 2018, a Requerente exerceu o direito de audição, em reacção contra a correcção à matéria colectável de IRC discutida nos presentes autos, apresentando um estudo que visava demonstrar que as taxas de juro aplicadas nos suprimentos no exercício de 2015 estavam de acordo com o mercado, e procedeu ao pagamento do IRC autoliquidado na declaração Modelo 22 apresentada no dia anterior – cf. documento 8 junto com o ppa, RIT e PA.

EE.          Subsequentemente, em Abril, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária («RIT») relativo ao exercício de 2015, que manteve as correcções propostas, das quais € 2.217.320,86 se prendem com os encargos financeiros que a AT considera não dedutíveis, documento que se dá por reproduzido para os devidos efeitos, e de que se retiram os seguintes excertos ilustrativos:

“[…]

 

III.1.1 – ANÁLISE DOS FINANCIAMENTOS CONTRATADOS EM 2014 E EM 2015 JUNTO DA CASA-MÃE

 

No decurso dos exercícios de 2014 e de 2015, o sujeito passivo contraiu vários financiamentos junto do único sócio (detentor da totalidade do capital social)

 

[…]

No quadro a seguir detalham-se os valores contabilizados, pelo sujeito passivo, em gastos referentes aos juros relativos ao financiamento obtido junto do detentor do seu capital social:

 

 

Data de

assinatura contrato        Montante de

financiamento em

01/01/2015

(a)         

N.º de

dias

(b)         

Juros

contabilizados   Montante de financiamento após amortização de capital             

N.º de dias

                Juros contabilizados referentes ao capital remanescente

20/05/2014         € 764.965,00       302         € 57.582,00         € 0,00                   

26/06/2014         € 981.512,00       365         € 76.670,00         -                             

22/12/2014         € 75.127.791,00                303         € 4.966.317,92   € 26.884.967,00                62           € 354.261,17

31/12/2014         € 1.258.964,00   169         € 44.547,00         € 0,00                   

31/03/2015         € 520.000,00       242         € 27.182,00         € 0,00                   

28/05/2015         € 2.726.381,00   213         € 141.993,00      € 1.826.381,00   1             € 1.234,00

31/12/2015         € 10.297.607,00                1             € 2.245,30           -                             

 

Solicitaram-se os contratos de financiamento celebrados entre a A... e a B... que suportam os gastos financeiros registados (todos os contratos foram unicamente redigidos em língua estrangeira).

 

Da análise aos mencionados contratos constatou-se que as cláusulas contratuais estabelecidas são, genericamente, idênticas entre os contratos, designadamente, no respeita à taxa de juro assumida e ao acordo de o capital e os juros serem reembolsados na maturidade do empréstimo.

 

Com exceção do montante de € 200.000,00 que faz parte integrante do financiamento concedido pelo sócio em 20 de maio de 2014 (no montante de € 764.964,00), do financiamento no montante de € 981.512,00, concedido em 26 de junho de 2014, e do financiamento concedido em 28 de maio de 2015 no montante de € 2.726.381,00, cujos montantes foram creditados na conta de depósitos à ordem detida pelo sujeito passivo junto do J..., os restantes financiamentos foram concedidos pelo sócio para pagamento direto de responsabilidades assumidas pela A... .

 

Os gastos financeiros relativos a juros a pagar ao sócio da sociedade por suprimentos encontram-se registados na conta 6911- Juros de financiamentos obtidos (vd. Anexo 3).

 

A contabilização na conta de gastos (a débito) ocorreu por contrapartida da conta 272202 - Juros a acrescer (a crédito) pois apesar de não ter sido emitida qualquer nota de débito por parte do sócio, atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do CIRC, a A... tem vindo a calcular os juros, registando o respetivo valor em gastos do período por contrapartida desta conta.

 

III. 1.2 - ENQUADRAMENTO LEGAL DOS GASTOS FINANCEIROS RESULTANTES DE JUROS DE SUPRIMENTOS

 

Conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23° do CIRC, consideram-se gastos do período os que comprovadamente sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios.

 

Ora, de acordo com a informação recolhida no decurso da ação inspetiva, os suprimentos realizados em 2014 e 2015 pelo sócio tiveram como propósito dotar a sociedade de meios financeiros para poder adquirir imóveis. A maior parte destas aquisições caraterizou-se por ser em bloco/pacote de imóveis pertencentes a instituições bancárias, essencialmente da G... (neste caso a maior das escrituras de aquisição foi celebrada no decurso do ano de 2015) e do Banco K... SA.

 

Tal como já foi referido neste relatório, o sujeito passivo iniciou a sua atividade em finais do exercício de 2013, não tem uma estrutura empresarial e, de facto, o seu capital social inicial de € 1 não é por si suficiente para a realização da atividade prevista.

 

Assim se conclui que os financiamentos realizados dotaram efetivamente a empresa de meios financeiros por forma a se apresentar mais sólida e abrangente no mercado em que opera e poder adquirir a carteira de imóveis que se propunha.

 

Pelo referido, os juros resultantes dos suprimentos efetuados serão de aceitar, de um modo geral, para efeitos fiscais de acordo com o já mencionado artigo 23.º do CIRC.

 

No entanto, dispõe a alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º- A do CIRC que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos com «juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelo sócio à sociedade, na parte em que excedam a taxa de definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º»

 

Assim importa, então, analisar o enquadramento da situação concreta à luz do Princípio de Plena Concorrência e dos Preços de Transferência, previsto no artigo 63.º do CIRC atendendo a que se trata de financiamentos concedidos pelo único sócio B..., S.à.R.L. (B...) à sociedade A... .

 

III.1.3 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO PRINCÍPIO DA PLENA CONCORRÊNCIA E DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NAS OPERAÇÕES VINCULADAS

 

O Princípio de  Plena  Concorrência,  consagrado  no  ordenamento  jurídico  nacional  no  n.º 1 do artigo 63.º do CIRC define que «nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis» (sublinhado nosso).

 

Para determinar quais os termos e  condições  normalmente  acordados,  aceites  ou  praticados  entre entidades independentes, refere o n.º 2 do mesmo artigo  que «o sujeito passivo  deve adotar (...) o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.»

 

Para tal, deverá o sujeito passivo eleger um dos métodos referidos no n.º 3 do artigo 63.º do CIRC, que se encontram mais detalhados na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, a qual veio regular os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade.

 

Deverá ainda o sujeito passivo, de acordo com o n.º 6 do artigo 63.º do CIRC, «manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação  e informação relativa àquelas entidades  e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.»

 

III.1.4 - SUBORDINAÇÃO DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS (OPERAÇÃO VINCULADA) ÀS REGRAS DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

 

Conforme já referido, para aplicação das regras de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.

 

Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica ao caso em análise, isto é, aos suprimentos realizados pela detentora do capital social da A... em 2014 e em 2015.

 

Define o n.º 4 do artigo 63º do CIRC que «existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

 

a)            Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital (ou dos direitos de voto; (...)

b)           (... )

c)            Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes; (…)»

 

Relativamente ao estipulado, e considerando que o capital social da A... era detido  na totalidade pela B..., S.A.RL (B...), entidade sedeada no Luxemburgo, podemos concluir se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC e consequentemente, no exercício em análise, o sócio tinha o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo relações especiais entre as duas entidades.

 

Pelo exposto, somos de concluir que o caso em apreço - a realização de suprimentos pelo sócio à sociedade - é uma operação vinculada, nos termos do n.º  4 do artigo 63.º do CIRC e da alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estando assim sujeito à observância do Princípio de Plena Concorrência, já referido.

 

Face ao volume de negócios em 2014 o sujeito passivo encontrava-se dispensado de elaborar o dossier de preços de transferência, nos termos do estipulado no n.º 3 do artigo 13.º da mencionada Portaria a que se refere o n.º 6 do artigo 63.º do CIRC.

 

No entanto, no que concerne ao exercício de 2015 tal dispensa deixa de ser aplicável, pelo foi solicitada a apresentação do dossier de preços de transferência, tendo sido fornecida a informação que o mesmo ainda se encontrava em fase de elaboração. Após insistência, foi dada indicação que a expectativa para a apresentação do referido documento seria em 17 de outubro de 2017, facto que não se verificou.

 

Face a estarmos perante um elemento fulcral para a análise da presente temática e face ao incumprimento do que foi assumido pelo sujeito passivo, efetuou-se uma notificação para ser apresentado o dossier dos preços de transferência até ao dia 22 de dezembro de 2017. Até à presente data não foi dado cumprimento à notificação, não tendo o sujeito passivo apresentado qualquer documento ou justificação. No exercício do direito de audição o sujeito passivo veio fundamentar que, face ao valor anual das vendas líquidas e outros proveitos registado no exercício de 2014, se encontra dispensado da obrigatoriedade de preparação do referido dossier.

 

Da análise aos documentos de suporte aos registos contabilísticos, constatou-se que relativamente aos valores assumidos em gastos do exercício não existe qualquer documentação que demonstre a taxa de juro subjacente ao cálculo de tais gastos. Também não foram nomeados os pressupostos inerentes à fórmula de cálculo da taxa de juro (de 9%) assumida nos financiamentos contratados nos exercícios de 2014 e de 2015.

 

No que concerne aos financiamentos contratados no decurso do exercício de 2014 foi, no âmbito de procedimento inspetivo realizado a este exercício o sujeito passivo questionado sobre o apuramento da taxa de juro contratada, tendo sido apresentado, em resposta ao solicitado, um documento redigido em inglês, elaborado pela D..., com a designação L..., o qual se anexa ao presente relatório. (vd. Anexo 4)

 

Sobre o referido documento, no âmbito do procedimento inspetivo OI2015..., retiraram-se as seguintes conclusões:

 

                - o sujeito passivo enquadrou a operação de financiamento como um instrumento de divida subordinada (obrigações subordinadas são títulos de dívida abrangidos por uma cláusula de subordinação, i.e., no caso de falência da entidade emissora, apenas são reembolsados após os demais credores por dívida não subordinada), com um nível de risco elevado;

                - como justificação para a taxa de juro contratada, apresentou uma análise às taxas de juro respeitantes à divida Sénior, a investimentos especulativos e a instrumentos de dívida subordinada. Referiu-se, ainda, que os financiamentos obtidos, provenientes do detentor de capital, devem ter uma remuneração que se deve situar entre a da dívida profundamente subordinada e o cost of equity;

                - foram, ainda, apresentados gráficos comparativos, respeitantes a empréstimos com nível de risco elevado, com o comportamento dos mercados da Europa e dos Estados Unidos e gráficos respeitantes ao comportamento da remuneração da dívida soberana de Portugal e da Alemanha.

 

Sobre o documento apresentado e no âmbito do procedimento inspetivo atrás referido, foram feitas algumas considerações:

 

- Os financiamentos provenientes do detentor do capital social da A... visaram dotar a sociedade de meios financeiros para adquirir património imobiliário. Efetivamente comprovou-se a utilização dos fundos obtidos nesse objetivo.

- Verificou-se que os imóveis foram adquiridos, na sua maior parte, a instituições de bancárias. O valor de transação dos imóveis adquiridos não assume a característica de ter intrínseco um valor especulativo, não existindo por isso aquisições de imóveis com valores acima do valor de mercado dos bens (pelo contrário em alguns casos estão abaixo do valor de mercado).

- Concluiu-se que a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido quer pelo facto de ser aplicado em património imobiliário quer pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado).

- Pelos motivos atrás descritos, a Autoridade Tributária não considerou plausível a comparação/justificação a dívida subordinada efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamentou em créditos que têm um nível de risco elevado e com urna maturidade superior ao da que foi assumida contratualmente pela B... e pela A... . As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.

 

No seguimento das conclusões apresentadas pela AT no âmbito do procedimento inspetivo atrás mencionado, o sujeito passivo, em sede de contestação, foi aprimorando na seleção de operações que considera comparáveis, designadamente na refinação dos critérios de comparabilidade (passando a considerar operações com maturidades idênticas e desconsiderando operações com características subordinação) tendo obtido apenas 6 operações (com um mínimo de 3,43%, uma mediana de 6,50% e um máximo de 12%), todas elas referentes a entidades residentes fora de Portugal, facto que condiciona fortemente a capacidade de considerar as operações como comparáveis às operações de financiamento do sujeito passivo junto da detentora do seu capital social.

 

Neste contexto, reforça- se, ainda, a ideia de que em termos estatísticos as medidas de estatística descritiva permitem sintetizar os dados da população ou da amostra através de um só valor. As medidas da tendência central são indicadores que permitem que se tenha uma primeira ideia ou um resumo, do modo como se distribuem os dados de uma experiência, informando sobre o valor (ou valores) da variável aleatória. A inferência estatística é o processo pelo qual é possível tirar conclusões acerca da população usando informação de uma amostra, constituindo questão central, saber como usar os dados da amostra para obter conclusões acerca da população.

 

Ora, o tamanho da amostra não determina se ela é de boa ou má qualidade, mais importante do que o seu tamanho é a sua representatividade, ou seja, o seu grau de similaridade com a população em estudo. Conforme as recomendações constantes de manuais de estatística, considera-se que a dimensão mínima de uma amostra deve conter 30 unidades estatísticas.

 

Assim, em termos estatísticos, não é fiável considerar um resultado de 6 concretizações para aferir sobre uma população.

No que respeita aos financiamentos obtidos no decurso do exercício de 2015, no decorrer no presente procedimento inspetivo não foram apresentados quaisquer outros elementos. Assim, tendo em consideração que estes financiamentos contratualmente estabelecem condições idênticas às previstas nos financiamentos obtidos em 2014, designadamente no que respeita à taxa de juro de 9% e à maturidade de 4 anos, admite-se que as partes intervenientes tiveram em consideração os mesmos pressupostos considerados nos financiamentos contratados em 2014, não havendo nenhum facto novo a influenciar as condições assumidas contratualmente nos financiamentos obtidos no decurso do exercício de 2015.

 

Assim sendo, relativamente às exposições anteriormente efetuadas pelo sujeito passivo, designadamente quanto às operações identificadas como comparáveis, a AT concluiu que as operações têm características económicas e financeiras distintas, não sendo por isso o método mais apropriado para fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados, numa situação de plena concorrência, ou seja, contratados entre entidades independentes.

 

III.1.5 - SELEÇÃO DO MÉTODO MAIS ADEQUADO DE DETERMINAÇÃO DO PREÇO DE TRANSFERÊNCIA DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA

 

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, bem como no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações.

 

Segundo o n.º 2 do artigo 4.º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

 

O Código do IRC e a referida Portaria enumeram os métodos a utilizar, em linha com as orientações do Relatório da OCDE, que se agrupam numa de duas tipologias, a saber:

 

--             Métodos Tradicionais ou Métodos Baseados nas Operações (Traditional Transactional Methods);

--             Métodos Baseados no Lucro das Operações (Transactional Profit Methods).

 

São identificados no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes métodos baseados nas operações:

 - Método do Preço Comparável de Mercado;

 - Método do Preço de Revenda Minorado;

 - Método do Custo Majorado

 

e, ainda, os seguintes métodos baseados no lucro das operações:

 

 - Método do Fracionamento do Lucro;

 - Método da Margem Líquida da Operação.

 

Em conformidade com as mais recentes Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (vide § 2.1 e seguintes das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para cada caso específico.

 

Neste sentido, e considerando o disposto no § 2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são vistos como os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de plena concorrência.

 

Mais ainda, desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, devendo-lhe ser dada preferência sobre todos os demais.

 

De acordo com o n.º 2 do artigo 6.º da Portaria, este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:

 

«a)         Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares» (comparáveis internos);

«b)         Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares» (comparáveis externos).

 

O Método do Preço Comparável de Mercado

 

O Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) consiste em comparar o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada.

 

Este método pode ser utilizado, designadamente, quando o sujeito passivo em análise ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo, realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objeto um serviço idêntico, com uma entidade independente. Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais.

 

De igual forma o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001 refere que «a adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes», o que significa que, podendo ser aplicado, satisfaz a condição prevista no n.º 2 do artigo 4.º da mesma portaria sendo por isso considerado o método mais apropriado.

 

O Método do Preço Comparável de Mercado assume-se, assim, como o método mais adequado a aplicar, sendo que a sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência.

 

Deste modo, uma vez que, conforme se verá, se encontram reunidas as condições de aplicação deste método à operação financeira em análise, encontra-se perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.

 

Rejeição do Método do Preço de Revenda Minorado

 

O Método do Preço de Revenda Minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo Sujeito Passivo numa operação comparável realizada com uma entidade independente, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável (Cfr. artigo 7.º da Portaria).

 

Este método é especialmente recomendado para atividades de distribuição (Cfr. parágrafo 2.14. a 2.31. do Relatório da OCDE 1995). Assim, uma vez que as operações em análise não se enquadram como atividades de distribuição, rejeitamos a utilização deste método.

 

Rejeição do Método do Custo Majorado

 

O Método do Custo Majorado tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável (cfr. artigo 8.º da Portaria).

 

A utilização deste método é recomendada pela OCDE essencialmente no caso de vendas de produtos semiacabados entre empresas associadas, no quadro de acordos celebrados entre empresas associadas com vista à usufruição em comum de equipamentos ou ao aprovisionamento a longo prazo, ou quando a operação vinculada consiste na prestação de serviços (cfr. parágrafo 2.32. do Relatório da OCDE de 1995). Assim, atendendo à operação controvertida, rejeitamos a utilização deste método.

 

Rejeição dos métodos não tradicionais

 

Os vulgarmente designados métodos não tradicionais (método do fracionamento do lucro e método da margem líquida da operação) apenas serão suscetíveis de utilização quando os métodos tradicionais (método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado e método do custo majorado) não possam ser aplicados (cfr. alínea b) in fine do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria).

 

Face a tudo o que foi exposto, o método do preço comparável de mercado revela-se o mais apropriado em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 4.º da Portaria, pelo que será utilizado na pesquisa de condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares às ora analisadas.

 

III.1.6 – DETERMINAÇÃO DO VALOR QUE SERIA PRATICADO ENTRE ENTIDADES INDEPENDENTES

 

Pesquisa de uma operação comparável

 

A aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado concretiza-se na comparação dos termos e condições ocorridas nestas operações vinculadas (juros de empréstimos obtidos) com os que seriam definidos, contratados e praticados por entidades independentes em operações comparáveis.

 

De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa  situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

 

Ou seja, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado tendo em conta os fatores definidos no artigo 5.º da Portaria.

 

Então as condições que garantem o princípio da plena concorrência definido no n.º1 do artigo 63.º do CIRC, consubstanciam-se na consideração de uma taxa de juro aplicável aos empréstimos obtidos de entidades relacionadas nas condições resultantes dos preços de mercado para as operações comparáveis atendendo, à utilização do método do preço de mercado comparável de mercado.

 

Comparável Interno

A A... relativamente aos financiamentos contratados no decurso do exercício de 2014, não apresentava na sua contabilidade, gastos com juros relativos a financiamentos externos, pelo que não existem, internamente, operações comparáveis com os financiamentos obtidos de entidades relacionadas.

 

No que respeita ao exercício de 2015, verificou-se que a sociedade A... obteve financiamentos contraídos junto do I..., com uma maturidade de 3 anos e a vencer juros à taxa Euribor a 3 meses acrescida de uma margem de 3,5%, na data dos contratos a referida taxa Euribor era de 0,005% e de - 0,054%, o que perfaz, respetivamente, uma taxa de juro de 3,505% e de 3,446%.

 

Conclui-se, então, que no que toca aos financiamentos contratados em 2014 não é possível, ao nível das operações internas da empresa, obter um comparável. No que respeita aos obtidos em 2015, os financiamentos obtidos junto do I... poderão ser utilizados como um comparável ao nível das operações da própria empresa.

 

Comparável Externo

Uma das fontes de informação mais usual na seleção de operações comparáveis externas são as bases de dados. No que respeita a operações financeiras, as bases de dados disponibilizadas pelo Banco de Portugal são reconhecidamente das mais representativas, atendendo à grande abrangência dos dados, fiabilidade e independência, sendo por isso usualmente utilizadas na análise de comparáveis externos.

 

Existindo dúvidas sobre a comparabilidade das operações/entidades, maior será a propensão para que os ajustamentos tomem como referência indicadores de tendência central. Estatisticamente, as medidas de tendência central são indicadores eu permitem que se tenha uma primeira ideia ou resumo, do modo como se distribuem os dados de uma experiência.

 

Ora, para o caso em apreço, efetuaram-se as seguintes análises:

 

Exercício de 2014

 

                - as taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MFI lnterest Rates, evidenciam que, em termos anuais, não é ultrapassada a taxa de 4,5% (vd. Anexo 5);

 

                - a informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal revela que a taxa  acordada anualizada (taa) no decurso do exercício de 2014, para financiamentos com as características dos financiamentos do sujeito passivo, se situa genericamente no intervalo entre os 3% e 5%, tendo a taa reportada a dezembro de 2014, para operações acima de 1 milhão de euros, sido de 3,48% (vd. Anexo 6);

 

                - a nota estatística reportada às taxas de juro relativas a 2014, divulgada pelo Banco  de Portugal, refere que a redução das taxas de juro foi mais expressiva nos novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, cuja taxa média se fixou, em dezembro de 2014, em 4,09 por cento, menos  99 pontos base (p.b.) do que no período homólogo. (vd. Anexo 7)

 

Do exposto, extrai-se que os financiamentos contratados do sujeito passivo no exercício de 2014 estão a ser remunerados a taxas superiores às constantes da informação estatística atrás descrita.

 

Exercício de 2015

 

- relativamente a financiamentos de montantes superiores a 1 milhão de euros a sociedades, as taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MFI lnterest Rates, evidenciam que, em termos anuais, não é ultrapassada a taxa de 3,56% (vd. Anexo 8);

 

- a informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal revela que a taxa acordada anualizada (taa) no decurso do exercício de 2015, para financiamentos com as características dos financiamentos do sujeito passivo, nos meses de março e de maio assume, respetivamente, 4,49% e 3,22%. A taa reportada a dezembro de 2015, para operações acima de 1 milhão de euros, foi de 2,39% (vd. Anexo 9);

 

- a nota estatística reportada às taxas de juro relativas a 2015, divulgada pelo Banco de Portugal, refere que a redução das taxas de juro foi mais expressiva nos novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, cuja taxa média se fixou, em dezembro de 2015, em 2,98 por cento, menos 111 pontos base (p.b.) do que no período homólogo, valor este que representa um mínimo histórico. (vd. Anexo 10)

 

Ora entende-se que por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender a fatores tais como o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.

 

De facto, e segundo as palavras de Maria dos Prazeres Lousa, «para classificarmos as operações certas transações como comparáveis teremos que atender a diversos a diversos fatores ... às funções exercidas pelas partes, quer ao nível da estrutura, quer ao nível da organização do grupo, de modo a comparar as actividades e responsabilidades significativas no plano económico que sejam exercidas pelas empresas associadas e pelas empresas independentes ..».

 

Assim, apesar de o método do preço comparável de mercado ser considerado o método mais fiável e direto quando exista informação suficiente no mercado sobre as operações comparáveis, poderão surgir dificuldades na sua aplicação prática, quando empresas associadas realizem operações que não efetuam com empresas independentes.

 

Ora cabe ao sujeito passivo o ónus de provar que as operações que realizou com entidades relacionadas respeitam a regrado n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, isto é, cabe ao sujeito passivo o ónus de reunir a prova que permita demonstrar que os termos e condições estabelecidos na transação se regem pelo principio da plena concorrência, sendo em tudo idênticos aos que se verificariam num contexto de ausência de relações especiais . A aplicação do princípio da plena concorrência é, no entanto, de difícil implementação prática, porque pressupõe desde logo a verificação de um conjunto de pressupostos, tais como a estrutura de mercado concorrência e área de negócio das entidades tomadas como comparáveis.

 

A comparabilidade da amostra apenas releva se as caraterísticas económicas das situações em causa forem suficientemente similares (nomeadamente no que respeita à atividade operacional, caraterísticas dos bens transacionados, dimensão das entidades).

 

Neste contexto, evoca-se as orientações das Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência (vistas como um elemento técnico-doutrinal importante quando se analisam preços de transferência), designadamente os seguintes parágrafos:

 

§ 3.56 - Estabelece que sempre que seja possível concluir que uma operação tomada como comparável apresenta um menor grau de comparabilidade que as restantes, esta deve ser excluída. Recomendação a ter em consideração no que respeita às fragilidades evidenciadas nos estudos apresentados pelo sujeito passivo relativamente ao exercício de 2014 anteriormente relatadas.

 

As operações apresentadas pelo sujeito passivo com taxas elevadas, com referência ao exercício de 2014, referem-se a empresas com atividade no setor financeiro (sector que nos anos em análise se encontrava sobre forte pressão).

 

§ 3.57 - A interpretação deste parágrafo permite referir que sempre que o estudo de comparabilidade apresente limitações, a utilização de medidas estatísticas, limitando a amplitude do intervalo, poderá fomentar a fiabilidade da análise.

 

§ 3.62 - Refere que quando persistam alguns defeitos de comparabilidade da amostra devem utilizar-se medidas de tendência central como a mediana, a média ou a média ponderada, a fim de minimizar os riscos de erro provocado por defeitos de comparabilidade.

Ou seja, algumas das observações apresentadas pelo sujeito passivo (no âmbito do procedimento inspetivo realizado ao abrigo da OI2015...) apresentam taxas de juro que são outlier, sendo por isso inconsistentes. Estatisticamente, a existência de outliers implica, tipicamente, prejuízos na interpretação dos resultados dos testes estatísticos aplicados às amostras (inclusivamente o § 3.63 das orientações das Guidelines da OCDE refere que os resultados extremos podem afetar os indicadores financeiros que estão a ser analisados)

 

Nestes termos considerando que, relativamente aos financiamentos assumidos pelo sujeito passivo em 2014, o intervalo com as operações que o sujeito passivo considera como comparáveis não é corroborado pela AT uma vez que as situações identificadas têm caraterísticas que influenciam fortemente a comparabilidade das operações. Ou seja, numa primeira abordagem para enquadrar a taxa de juro assumida, o sujeito passivo apresentou um intervalo de taxas que emerge de operações de dívida subordinada, consequentemente operações com um risco elevado e com ausência de garantia, e de entidades com áreas de negócio distintas (designadamente financiamentos concedidos a empresas da área financeira que nestes exercícios encontravam-se fortemente pressionados pela crise no sistema bancário). Numa fase posterior, e em sede de contestação, pese embora o sujeito passivo  tenha melhorado a sua seleção de operações que considera como comparáveis, apura uma amostra de apenas 6 observações em que apesar de as entidades se dedicarem a atividades de investimento (imobiliário, carteiras de crédito e outras tipologias de investimento em geral) todas elas são localizadas foram de Portugal o que afeta a comparabilidade por ter implícita uma realidade distinta da realidade financeira portuguesa.

 

No que respeita aos financiamentos obtidos no exercício de 2015, pese embora não tenha sido prestado qualquer esclarecimento pelo sujeito passivo para demonstrar que as operações de financiamento intra­grupo obedecem ao princípio de Plena de Plena Concorrência, constata-se que existe um potencial comparável interno (as operações de financiamento que a sociedade A... obteve junto do I..., em que foi assumido que o capital vence juros à taxa Euribor a 3 meses acrescida de uma margem de 3,5%, em que na data de celebração dos contratos de financiamento as taxas de juro assumiram respetivamente 3,505% e 3,446%) que poderá constituir um efetivo padrão de comparação desde que se introduzam os ajustamentos necessários para eliminar as diferenças detetadas, apesar de estas não serem assim tão flagrantes pois o prazo de 3 versus 4 anos é praticamente  negligenciável, e tratando-se os financiamentos obtidos junto I... de crédito hipotecário e os financiamentos obtidos junto da casa­mãe destinam-se à aquisição de carteira de imóveis, ou seja, ambos os financiamentos têm implícito a aquisição de imóveis.

 

Perante as dificuldades em encontrar operações comparáveis e, pelo facto de as operações identificadas pelo sujeito passivo apresentarem fragilidades que afetam a comparabilidade com as operações de financiamento obtidas junto do seu detentor de capital, a AT socorreu-se das recomendações da OCDE, recorrendo a medidas estatísticas.

 

Nestes termos, de acordo com o anteriormente exposto, a AT analisou várias divulgações estatísticas referentes a taxas de juro de financiamentos, tendo apurado as seguintes conclusões:

 

                2014      2015

Taxas divulgadas mensalmente pelo BCE, relativas a financiamentos a sociedades de valores superiores a 1 milhão de euros (analisada a divulgação referente aos 12 meses do ano)   < 4,5%  < 3,56%

Taxa Anualizada Acordada em dezembro, para operações acima de 1 milhão de euros, divulgada pelo Banco de Portugal              < 3,48%                < 2,39%

Média, em dezembro, da taxa de juro praticada em novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras                < 4,09%                < 2,98%

a) Considera-se o mês de dezembro por ser o mês em que o sujeito passivo assumiu a maior parte dos seus financiamentos em cada um dos exercícios

 

Pese embora as referências estatísticas apresentadas possam utilizadas como potenciais comparáveis, elas poderão ainda apresentar algumas limitações na comparabilidade e consequentemente no cálculo dos ajustamentos a efetuar. No entanto, claramente evidenciam o desfasamento entre a realidade financeira existente no mercado e as taxas (todos os financiamentos assumiram contratualmente a taxa de 9%) que foram assumidas nos financiamentos intra-grupo.

 

Por este facto e considerando as orientações emanadas pelas Guidelines da OCDE em matéria de Preços de transferência, os serviços da AT consideram que para a situação em apreço, a utilização da taxa média anual divulgada pelo Banco de Portugal como referência é, face à impossibilidade de obtenção de operações exatamente  comparáveis,  o mais ponderado dado que tem em linha de conta as características do mercado  financeiro  português, os montantes e os meses em que foram assumidos os financiamentos, e perante toda a informação estatística disponível, ao nível das taxas de juro dos financiamentos, é aquela que apresenta uma situação menos gravosa para o sujeito passivo.

 

Então, não sendo apresentadas operações comparáveis por parte do contribuinte, optou-se por utilizar como fonte os dados da entidade Banco de Portugal, compilados pela PORDATA, obtendo-se como média anual da taxa de juro sobre operações de empréstimos  a empresas,  durante os exercícios de 2014 e de 2015, a percentagem de 4,89% e de 3,77%, respetivamente (vd. Anexo11), por se considerar que não contraria toda a informação estatística fornecida pelo BCE, tem em linha de conta as características do mercado financeiro português e são aquelas que apresentam um valor mais alto. Salienta-se, ainda, que estas médias anuais referem-se a financiamentos a empresas não financeiras, portuguesas e estrangeiras residentes na zona Euro. Os valores são calculados a partir de uma amostra representativa das instituições financeiras monetárias residentes em Portugal (excluindo o Banco de Portugal e os fundos de mercado monetário) ponderadas pelos respetivos montantes associados.

 

De facto, da análise efetuada a todas informações estatísticas, reportadas aos exercícios de 2014 e 2015, fornecidas por entidades oficiais, onde são retratadas taxas que resultam de médias praticadas no mercado, optou-se para o presente efeito por aquela taxa que apresentava um valor mais elevado, sendo por isso a mais favorável ao sujeito passivo.

 

Face a tudo que já foi referido, somos de concluir que os comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazem o Princípio de Plena Concorrência .

 

Concluiu-se, então, que a taxa de juro assumida contratualmente pelo sujeito passivo manifesta uma forma de remunerar a detentora do seu capital social, uma vez que ultrapassa as taxas de remuneração, dos financiamentos, utilizadas pelas instituições financeiras monetárias.

 

Considerando todos os fundamentos aduzidos nos pontos anteriores, se as operações contratadas entre a A... e a B... tivessem sido celebradas entre entidades independentes, teriam sido contratados, aceites e praticados termos similares aos definidos no mercado financeiro, e a A..., teria suportado uma taxa de financiamento inferior. Assim, o seu lucro tributável encontra-se sub-quantificado, em resultado da contabilização de encargos financeiros excessivos, face aos que seriam exigíveis em condições de plena concorrência, verificando-se assim uma violação do Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC.

 

III.1.6 - IMPACTO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA NA DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL

 

Face ao exposto, dever-se-á proceder ao cálculo do impacto da violação do Principio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável da A..., considerando que tais transações, em condições de plena concorrência, e em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, deveriam envolver termos análogos, aos que seriam definidos entre entidades independentes em operações comparáveis, utilizando para o efeito  uma  taxa de remuneração  similar  às  taxas de mercado atrás indicadas.

 

Não sendo pretensão da AT desconsiderar os negócios que as partes decidiram realizar nem ingerir-se nas decisões de gestão das sociedades intervenientes, mas tão só enquadrar as operações realizadas de forma a aferir do cumprimento do princípio de plena concorrência definido no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, mostra-se devida uma correção ao resultado tributável (gastos financeiros), nos termos do n.º 8 do artigo 63.º do CIRC e do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, para que este não seja diferente do que seria apurado na ausência de relações especiais.

 

Deste modo, verificando-se que as taxas de juro aplicadas pelo sujeito passivo para a remuneração dos empréstimos para os financiamentos atrás mencionados no ponto III.1.1 do presente relatório, desfasam-se das taxas de mercado para o efeito. A AT considerou, tendo em linha de conta as orientações existentes para a análise da presente temática, como referência as taxas de juro médias de financiamentos, praticadas em Portugal nos exercícios de 2014 e 2015.

 

Por conseguinte, considera-se a taxa de juro de 4,89%, como referência para os empréstimos de 2014, e a taxa de 3,77% como referência para os empréstimos de 2015, ambos financiamentos concedidos pelo detentor da totalidade do capital social do sujeito passivo.

 

Face ao descrito, propõe-se um ajustamento ao resultado tributável, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, decorrente de gastos que não são aceites como custos fiscais, ou seja, encargos (juros) correspondentes ao excedente na taxa de juro considerada nos empréstimos obtidos junto do detentor da totalidade do capital social do sujeito passivo.

 

No quadro abaixo estão calculados os juros que são considerados como referência para a AT, cuja dedutibilidade fiscal é admitida:

 

 

Data de

assinatura contrato        Montante de

financiamento em

01/01/2015

(a)         

N.º de

dias

(b)         

Juros

contabilizados

pelo SP Montante de financiamento após amortização de capital             

N.º de dias

cap

restante

                Juros contabilizados referentes ao cap. restante               Taxa de juro de referência para a AT       Juros aceites pela administração fiscal

20/05/2014         € 764.965,00       302         € 57.582,00         € 0,00                                   4,89%    € 30.950,27

26/06/2014         € 981.512,00       365         € 76.670,00         -                                              4,89%    € 47.995,94

22/12/2014         € 75.127.791,00                303         € 4.966.317,92   € 26.884.967,00                62           € 354.261,17       4,89%                € 3.049.714,91 +

€ 223.314,64 =

€ 3.273.029,55

31/12/2014         € 1.258.964,00   169         € 44.547,00         € 0,00                                    4,89%    € 28.504,67

31/03/2015         € 520.000,00       242         € 27.182,00         € 0,00                                   3,77%    € 12.997,72

28/05/2015         € 2.726.381,00   213         € 141.993,00      € 1.826.381,00   1             € 1.234,00           3,77%    € 59.981,13 +

€ 188,64 =

€ 60.169,77

31/12/2015         € 10.297.607,00                1             € 2.245,30           -                                             3,77%    € 1.063,62

 

Em suma do exposto, tem-se:

 

Juros atinentes aos financiamentos obtidos intra-grupo, contabilizados pelo sujeito passivo como gastos do exercício                € 5.672.032,39

Juros considerados pela AT, relativamente aos financiamentos em análise, tendo em consideração as taxas de juro médias praticadas nos exercícios em que foram assumidos contratualmente os financiamentos € 3.454.711,53

Diferença            € 2.217.320,86

 

Nestes termos, considerando o disposto no artigo 3.º da Portaria n.º  1446-C/2001, de 21 de dezembro, que refere que «sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deve aquele efetuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correção positiva correspondente aos efeitos  fiscais  imputáveis  àquele  desvio,  por forma  que o lucro tributável  não  seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais.», no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC e na alínea d) do n.º 3 do artigo 77.º da LGT, deve ser acrescido ao resultado apurado, pelo sujeito passivo, o montante de € 2.217.320,86, correspondente a encargos não dedutíveis. Este valor resulta da diferença entre os gastos financeiros registados contabilisticamente pelo sujeito passivo e os gastos financeiros considerados como correspondentes a operações realizadas entre entidades independentes.

 

[…]

 

Reporte de Prejuízos Fiscais

 

De acordo com a redação do artigo 52.º do CIRC, os prejuízos fiscais apurados após 1 de janeiro de 2014 podem ser reportados por um período de 12 anos. No entanto desde 2014, a dedução de prejuízos fiscais encontra-se limitada a 70% do lucro tributável apurado no exercício em que seja realizada a dedução.

 

Ora no caso do sujeito passivo, constata-se que na sequência de procedimento inspetivo ao exercício de 2014, realizado ao abrigo da OI2015..., foi apurado um prejuízo fiscal de € 101.869,23. De acordo com o preceito fiscal referido, este valor pode ser deduzido ao lucro tributável no exercício de 2015.

 

Em conclusão de toda a exposição efetuada no presente relatório, foi apurado relativamente ao exercício de 2015:

 

Resultado líquido do exercício (a)            € 4.101.738,66

Ajustamentos no quadro 07 da modelo 22: a acrescer (b)             € 6.024.458,17

Valor a acrescer no quadro 07 referente a encargos

financeiros não aceites fiscalmente (c)  € 2.217.320,86

Ajustamentos no quadro 07 da modelo 22: a deduzir (d)              € 1.834.355,04

Lucro tributável (e) = (a) + (b) + (c) – (d) € 10.509.162,65

 

FF.          Em 4 de Abril de 2018, a AT emitiu a liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao período de tributação coincidente com o ano civil de 2015, no qual fixou a matéria colectável da Requerente em € 10.407.293,42, que resultou no valor a pagar de € 815.763,96, já contemplando a dedução do pagamento do IRC autoliquidado (de € 2.041.473,29), e que inclui derrama e juros compensatórios, com data limite de pagamento fixada em 16 de Maio de 2018 – cf. documento 1, junto com o ppa e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., junta com a resposta às excepções.

GG.        O valor da referida liquidação de imposto e juros foi pago em 5 de junho de 2018, após instauração de processo de execução fiscal n.º ...2018... para cobrança daquela quantia exequenda (€ 815.763,96) e acrescido (€ 2.790,54) – cf. documentos 11 e 12, juntos com o ppa.

HH.        Em 14 de Agosto de 2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

                2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se demonstrou que a Decisão proferida no processo arbitral n.º 378/2017-T, relativamente às correcções à matéria colectável de IRC do ano 2014, tivesse transitado em julgado à data da emissão da liquidação de IRC referente às correcções do ano 2015.

 

Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

                3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT, n.º 1 do artigo 596.º e n.º 3 do artigos 607.º do  Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão das alíneas a) e e) do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se no Relatório de Inspecção Tributária, cujo teor foi corroborado pelas testemunhas indicadas pela Requerida, na análise crítica da prova documental junta aos autos, nas posições assumidas pelas partes em relação aos factos e nos depoimentos das testemunhas da Requerente, referidos sobre pontos específicos.

 

Quer as testemunhas da Requerente, quer as da Requerida, revelaram objectividade, consistência e conhecimento dos factos relativamente aos quais depuseram. Não se verifica propriamente divergência de posições no que se refere à matéria de facto, conforme a AT explicitamente refere no artigo 164.º da sua Resposta, colocando-se o dissídio no plano do enquadramento e interpretação jurídicas. 

 

 

                4.            MATÉRIA DE DIREITO

 

                4.1.        ÂMBITO DO PROCESSO

 

A liquidação impugnada prende-se exclusivamente com a correção efectuada pela AT à matéria tributável da Requerente, com base na aplicação do regime de preços de transferência.

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este último, um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e a eliminação dos efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória, ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º daquele diploma].

 

Por isso, sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos .

 

Por outro lado, e em essência, sendo o acto impugnado o objecto do processo, não está em causa apreciar se foi correcta ou não a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apurar se a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem suporte legal. E isto, mesmo na eventualidade de se demonstrar uma incorreta interpretação e aplicação in casu do regime de Preços de Transferência por parte da Requerente.

 

                4.2.        ENQUADRAMENTO LEGAL

 

De harmonia com o preceituado na alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável “os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º”.

 

O artigo 63.º do mencionado Código estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

“Artigo 63.º

Preços de transferência

 

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g) Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

Este regime é complementado pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que regula, nos seus artigos 4.º a 6.º, a determinação do método mais apropriado, os factores de comparabilidade e os requisitos do método do preço comparável de mercado.

 

                4.3.        DETERMINAÇÃO DO “JURO DE PLENA CONCORRÊNCIA”

 

Na situação em apreço não vem controvertido que as operações – de financiamento através de suprimentos – que geraram o ajustamento à matéria tributável da Requerente, por parte da AT, tiveram por intervenientes entidades em situação de relações especiais, de acordo com os critérios definidos no artigo 63.º, n.º 4 do Código do IRC, pois o capital social da Requerente (mutuária) era detido na íntegra pela entidade concedente dos empréstimos, a B... (mutuante), tendo manifestamente esta última a susceptibilidade de exercer “uma influência significativa nas decisões de gestão” daquela.

 

A questão que a Requerente suscita é apenas de quantificação e prende-se com a invocada falta de suporte legal, e consequente ilegalidade, do método empregue pela AT para alcançar a conclusão, que a Requerente reputa de errónea, de que a taxa de juro praticada na remuneração dos suprimentos no exercício de 2015 é excessiva por comparação com as condições praticadas no mercado, à data, entre partes independentes, em situação equivalente, conduzindo à desconsideração oficiosa da dedução, para efeitos de IRC, da parcela da remuneração dos suprimentos [juros] alegadamente excedente ao montante normalmente contratado, aceite e praticado entre entidades independentes em operações comparáveis.

 

Interessa, neste âmbito, atender a que a determinação do preço de plena concorrência, de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo direito interno (cf. artigo 63.º do Código do IRC e Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro), postula a comparabilidade das transações utilizadas como referencial (ou termo) de comparação com as operações efetuadas pelas entidades relacionadas. É fundamental que a realidade comparada e a comparável comunguem de idênticas propriedades ou “fatores de comparabilidade” ou, no caso de essa comparabilidade ser parcial, que seja viável realizar os ajustamentos necessários em ordem a assegurá-la.

 

O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, as condições contratuais acordadas, os activos utilizados e a repartição do risco (artigo 63.º, n.º 2 do Código do IRC e artigos 4.º e 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001). Estes factores de comparabilidade das operações têm assento legal e constam da enunciação exemplificativa do artigo 5.º da citada Portaria.

 

No caso vertente, a opção pelo Método do Preço Comparável de Mercado («MPCM») para sustentar a correcção da matéria colectável da Requerente significa que a AT reputou preenchido o requisito do “grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”, conforme requerido pelo n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001.

 

Porém, resulta do Relatório de Inspecção que a AT não logrou identificar operações comparáveis, optando por analisar várias divulgações estatísticas referentes a taxas de juro de financiamentos e, neste âmbito, utilizou os dados do Banco de Portugal, em concreto o valor da média anual da taxa de juro sobre operações de empréstimos a empresas. 

 

De acordo com o quadro factológico fixado, os suprimentos realizados à Requerente tinham uma maturidade de 4 anos e eram remunerados a uma taxa fixa de 9%. A Requerente enquadrou tais suprimentos como um instrumento de dívida subordinada, com um nível de risco elevado, incluindo o “risco país”, por inexistirem garantias associadas, designadamente de natureza real.

 

A AT rejeita a justificação do sujeito passivo, com base no argumento de que a participação de 100% da sócia lhe garante o controlo total das decisões da Requerente e de que os fundos foram aplicados em património imobiliário de cariz habitacional, pelo que o risco está acautelado e em substância não há equivalência ou paralelismo com dívida subordinada. Afirma em síntese que:

 

– Os financiamentos provenientes do detentor do capital social da A... visaram dotar a sociedade de meios financeiros para adquirir património imobiliário. Efetivamente comprovou-se a utilização dos fundos obtidos nesse objetivo.

– verificou-se que os imóveis foram adquiridos, na sua maior parte, a instituições de bancárias. O valor de transação dos imóveis adquiridos não assume a característica de ter intrínseco um valor especulativo, não existindo por isso aquisições com valores acima do valor de mercado dos bens (pelo contrário em alguns casos estão abaixo do valor de mercado).

– Pelo exposto, retira-se que a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido pelo facto de ser aplicado em património imobiliário e pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado);

– não nos parece plausível a comparação/justificação efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamenta em créditos que tem um nível de risco elevado e com uma maturidade superior ao da que foi assumida contratualmente pela B... e pela A... . As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.

 

Como salientado na Decisão Arbitral n.º 378/2017-T, que a seguir se acompanha e que incidiu sobre idêntica matéria, embora respeitante a outro exercício (2014), para aplicar o MPCM e no que respeita a “comparáveis” externos, a AT atendeu:

 

            às taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MFI interest Rates, tendo verificado que, em termos anuais, não ultrapassavam a taxa de 3,56%;

            à informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal, tendo constatado que a taxa acordada anualizada («taa») no decurso do exercício de 2015, para financiamentos com as características dos financiamentos do sujeito passivo, nos meses de março e de maio assumia, respectivamente, 4,49% e 3,22%, tendo a taa reportada a dezembro de 2015, para operações acima de 1 milhão de euros, sido de 2,39%;

            à nota estatística reportada às taxas de juro relativas a 2015, divulgada pelo Banco de Portugal, onde se refere que a redução das taxas de juro foi mais expressiva nos novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, cuja taxa média se fixou, em dezembro de 2015, em 2,98 por cento, menos 111 pontos base (p.b.) do que no período homólogo.

 

Afigura-se manifesto que a utilização da taxa de juro média sobre operações de empréstimos a empresas não é um método que satisfaça as exigências de comparabilidade de operações formuladas pelo n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, que alude à ponderação das «caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco».

 

Na verdade, e por definição, àquela taxa de juro média estão necessariamente subjacentes operações completamente distintas: de curto, médio e longo prazo; garantidas e não garantidas; dívidas subordinadas e dívidas séniores; financiamento de actividades de risco agravado e de menor risco; empréstimos a devedores com passado exemplar e com passado de incumprimento e a devedores com boa situação financeira e com má situação financeira; empréstimos a empresas que se dedicam apenas a comercialização de imóveis e a empresas que se dedicam a outras actividades; empréstimos entre empresas com relações especiais e entre empresas independentes; empréstimos reembolsados em tranches e empréstimos com reembolso apenas na maturidade; empréstimos a taxa variável e a taxa fixa; empréstimos feitos antes da crise económica iniciada em 2008 e depois desse início.

 

 Esta “taxa média” ignora, desta forma, relevantes factores de comparabilidade com inquestionável influência na determinação da remuneração de mercado de empréstimos concedidos.

 

O argumento de que a AT utilizou uma extensão de amostra substancial, ao contrário das operações comparáveis convocadas pelo sujeito passivo, limitadas a 11 observações, não pode convencer quando a amostra em questão contém múltiplas operações que não são comparáveis com as da Requerente. Com efeito, a base utilizada (PORDATA) permite seleccionar operações por critério de maturidade e moeda da operação (em euros), mas não tem a virtualidade, por falta de parametrização, de aferir o risco de crédito, ou de saber se as operações são garantidas ou não garantidas, de taxa variável ou fixa. Dito de outro modo, é uma média de um conjunto alargado de operações, não estando, todavia, assegurado que tenham a legalmente exigível comparabilidade com as circunstâncias concretas da Requerente.

 

Por outro lado, a AT identificou um “comparável interno”, consubstanciado num financiamento do I... à Requerente, garantido pela hipoteca de diversos imóveis, com maturidade a 3 anos, a vencer juros à taxa Euribor a 3 meses acrescida de uma margem de 3,5% e que se reconduziu a uma taxa de juro significativamente mais reduzida, de 3,505% (2014) e 3,446% (2015).

 

De novo, afigura-se que esta operação não satisfaz as exigências de comparabilidade com os suprimentos da Requerente, pois comporta uma significativa redução do risco para o credor. Com efeito, o financiamento do I... tem uma maturidade diferente (3 anos e não 4), taxa variável, garantia real assente em imóveis, prioridade de reembolso face aos empréstimos dos accionistas, obrigações adicionais de cobertura (rácio de 65) e de reembolso antecipado de 50% do valor de venda de cada imóvel que a Requerente realize, à medida que o faça, ou a possibilidade de reembolso antecipado em caso de mudança de sócio.

 

                Ainda mais relevante do que o que se acabou de referir é, porém, a finalidade do contrato de mútuo com hipoteca celebrado com o I... . Ficou demonstrado no processo que tais fundos se destinaram e foram aplicados na aquisição de activos – bens imóveis – que constavam do balanço da própria entidade financeira que concedeu o mútuo. Ora são do conhecimento público as dificuldades que a referida instituição financeira atravessou durante o ano 2015. Com efeito, em resultado das dificuldades sentidas relativas à sua situação económica e financeira, em 17 de Dezembro de 2015, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) suspendeu a negociação em mercado regulamentado dos valores mobiliários emitidos por aquele Banco (cfr. https://www.cmvm.pt/pt/Comunicados/Comunicados/Pages/20151217a.aspx).

 

Sendo do conhecimento público a pressão existente para que várias instituições financeiras, designadamente o I..., retirassem dos seus balanços créditos em mora e incobráveis, pode demonstrar-se prima facie que esta instituição se encontrava numa situação de especial vulnerabilidade. Atenta a necessidade imperiosa de alienar tais activos de forma a que não influenciassem negativamente o respectivo balanço e forçassem a reforços de capital, verificava-se um incentivo especial para que o Banco concedesse condições especialmente vantajosas para a contraparte no negócio, a Requerente. Em particular, tal torna-se especialmente evidente num enquadramento em que a operação de financiamento visava, precisamente, a alienação desses activos. Ou seja, a troca de crédito “mau” (no sentido de incobrável ou de cobrança duvidosa) por crédito “bom” na justa medida em que a Requerente lhe mereceria a confiança e a expectativa de honrar o compromisso assumido. Parece, pois, curial que se conclua que a operação em causa não serve de comparável (interno) para efeitos de aplicação do artigo 63.º do Código do IRC.

 

Continuando a acompanhar a Decisão Arbitral n.º 378/2017-T:

 

“De qualquer forma, a correcção de preços prevista no artigo 63.º do CIRC tem de ser efectuada através dos métodos previstos na lei.

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira optou por utilizar um dos métodos previstos na lei, que é o método do preço comparável de mercado.

 

No entanto, é manifesto que não foram observados pela Autoridade Tributária e Aduaneira os requisitos legais previstos para utilização desse método, que «requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

 

Na verdade, para duas operações serem consideradas comparáveis é necessário que sejam «substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001), o que afasta manifestamente a possibilidade de ser utilizado para efeito da determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes um valor médio para cujo apuramento foi considerado um conjunto indefinido de operações cujas características não são determinados, como sucede uma média geral dos empréstimos a empresas, mas em que, segura e inevitavelmente, por se tratar de todos os empréstimos em euros concedidos por instituições financeiras em 2014, se incluem operações substancialmente distintas, com características económicas e financeiras relevantes completamente distintas das que têm as operações vinculadas, a nível de garantias e de risco do credor.

 

Assim, tem de se concluir que o método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, viola o os citados n.º 2 do artigo 63.º do CIRC e o n.º 4 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o que justifica a anulação da liquidação efectuada com base na correcção ilegalmente efectuada, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                4.4.        DETERMINAÇÃO DO “JURO DE PLENA CONCORRÊNCIA”

 

A Requerida preconiza que, estando em causa averiguar se o preço da operação foi de mercado, cabia à Requerente, em primeira linha o ónus da prova, à luz do artigo 63.º do Código do IRC. Invoca para este efeito o artigo 74.º, n.º 1 da LGT e conclui que a Requerente não logrou demonstrar que o preço das operações vinculadas respeitava o princípio de plena concorrência.

 

Convém notar que, apesar de a AT referir que, num momento inicial, a Requerente não tinha disponível o estudo de preços de transferência justificativo da taxa de juro praticada nos suprimentos da sociedade-mãe, aquela veio a apresentar o estudo mais tarde.

 

Constitui jurisprudência consolidada que é à AT que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, de que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável – cf. Acórdãos do STA de 14 de maio de 2015, n.º 833/13; de 11 de março de 2015, n.º 145/14; de 1 de junho de 2005, n.º 228/05; de 12 de março de 2003, n.º 1508; e de 21 de janeiro de 2003, n.º 21240.

 

Assim, de acordo com a regra de distribuição do ónus probatório, impendia sobre a Requerida evidenciar (cumprindo o ónus que lhe cabia) que o preço praticado nas operações vinculadas não era de plena concorrência, assim como aquele que o seria; e assim deve suceder mesmo nos casos em que possa ser eventualmente duvidoso o valor de preço de mercado e a respetiva metodologia adotados no caso pela Requerente.

 

 

Ora, e como acima explicitado, a metodologia utilizada pela Requerida padece de erro nos respetivos pressupostos, de facto e de direito, pelo que não conseguiu satisfazer um tal ónus.

 

                4.5.        REPORTE DE PREJUÍZOS FISCAIS

 

                               A Requerente argui que o acto de liquidação de IRC padece ainda de erro de cálculo, em virtude de, no seu cômputo, a AT ter desconsiderado prejuízos fiscais reportados do ano anterior (2014), que foram confirmados pela Decisão Arbitral proferida no processo n.º 378/2017-T.

 

                Interessa relembrar que os prejuízos do ano anterior tinham sido corrigidos na sequência de acção inspectiva da AT ao exercício de 2014, o que naturalmente se repercutiu no apuramento do IRC do ano seguinte, aqui em discussão. A tomada em consideração dos prejuízos declarados pela Requerente, ao invés daqueles que resultaram da correcção levada a efeito pela AT depende da invalidação desta correcção, o que ocorreu com a prolação da Decisão Arbitral no processo n.º 378/2017-T que, segundo a Requerente, já tinha transitado em julgado.

 

                               Porém, não resultou provado que à data da emissão do acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 2015, a mencionada Decisão Arbitral (invalidante da redução dos prejuízos fiscais de 2014) tivesse transitado, tornando-se definitiva.

 

                               Assim, a Requerente não logrou evidenciar os pressupostos que invoca, pelo que improcede a invocada anulabilidade do acto de liquidação de IRC com base neste argumento. 

 

                               4.6.        JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Dispõe o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Na situação vertente, concluiu-se que a correção de preços de transferência impugnada é inválida por vício de violação de lei por erro nos pressupostos gerador de anulabilidade. Assim, não foi retardada a liquidação de imposto (IRC) que fosse devido, pelo que a liquidação de juros compensatórios correspondentes à referida correção deve ser anulada por vício de violação de lei.

 

                               4.7.        JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Por fim, a Requerente pede o reembolso dos valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT. Contra esta pretensão insurge-se a Requerida, pois considera que os actos de liquidação praticados são legais, não sendo imputável qualquer culpa aos serviços.

 

O artigo 43.º da LGT dispõe que o contribuinte terá direito a ser ressarcido, através de juros indemnizatórios, sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços.

 

“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA, SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).

 

Também o STA concretiza o conceito de erro imputável aos serviços (embora por referência ao artigo 78.º, da LGT, mas que aqui tem toda a aplicação) como qualquer ilegalidade independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram. “Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.” (cfr. Acórdão do STA – 2.ª Secção, proferido no Recurso n.º 1009/10, em 22 de Março de 2011, disponível em:

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1e7cc04381b03af802578620046b202?OpenDocument&ExpandSection=1).

 

No caso em apreço, o acto de liquidação de IRC é ilegal, porque foi praticado com erro de facto e de direito e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta da Requerente, pelo que é imputável aos Serviços.

 

Em face do exposto, procede o pedido de condenação da Administração tributária no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, a liquidar em execução de julgado.

 

IV.          DECISÃO

               

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar improcedente a excepção de incompetência (parcial) do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida;

b)           Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Requerida;

c)            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., de 4 de Abril de 2018, incluindo juros compensatórios, referente ao exercício de 2015, respeitante à correcção de preços de transferência, com as legais consequências, designadamente de restituição, pela AT à Requerente, dos montantes indevidamente pagos, acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

V.           VALOR DO PROCESSO E TAXA DE ARBITRAGEM

 

Fixa-se o valor do processo em € 815.763,96 (oitocentos e quinze mil, setecentos e sessenta e três euros e noventa e seis cêntimos), indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

O valor da Taxa de Arbitragem cifra-se em € 48.000,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, tendo sido oportunamente pago pela Requerente, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 3 do RJAT e 3.º e 5.º do citado Regulamento.

 

 

Lisboa, 13 de Setembro de 2019

 

Os Árbitros

 

Alexandra Martins

Gustavo Lopes Courinha

Francisco Carvalho Furtado