Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 364/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 65.363,08
Tema: IRS – Liquidação oficiosa; Ausência de declaração; Tributação conjunta.
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 DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 24 de Maio de 2019, A... e B..., titulares dos NIF, respectivamente, ... e ..., residentes na Rua ..., ...-..., Cascais, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2018... de 2016, e respectivos juros compensatórios, no valor de € 65.363,08.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o rendimento global considerado pela AT não corresponde ao rendimento real e efectivamente obtido sobre o qual incidiram as retenções na fonte, que a liquidação oficiosa não deixou de contemplar.

 

3.            No dia 27-05-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 16-07-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2019.

 

7.            No dia 26-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 14-01-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pelos Requerentes, e onde foram tomadas declarações de parte ao Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Os Requerentes são casados entre si desde 19-08-1995, no regime de comunhão de adquiridos.

2-            Os requerentes tinham, em 2016, dois dependentes a seu cargo, seus filhos menores de 25 anos.

3-            Em 2016, o Requerente recebeu rendimentos brutos de trabalho independente de € 158.000,00, deduzidos de retenções na fonte de IRS de € 39.500,00.

4-            Em 2016, o Requerente recebeu salários no valor total de € 42.000,00, deduzidos de retenções na fonte de IRS de € 11.388,00.

5-            As retenções na fonte sobre os salários foram efectuadas pela entidade empregadora por aplicação das taxas próprias relativas a trabalhadores casados e com dois dependentes.

6-            No âmbito da acção de controlo de contribuintes que não cumpriram a sua obrigação declarativa relativamente ao ano de 2016, e por consulta ao Sistema de Gestão de Divergências, verificou- se que o Requerente, apesar de ter actividade aberta naquele ano, constar na Modelo 10 com rendimentos da categoria B e na Demonstração Mensal de Remunerações, não procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º do CIRS.

7-            Tendo sido detectada a falta de entrega das declarações Modelo 3 relativas àquele ano de 2016, foi o Requerente notificado para cumprir a obrigação em falta, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS.

8-            O documento foi enviado via CTT em 31-07-2018, tendo o Requerente sido considerado notificado em 05-08-2018.

9-            Findo o prazo de 30 dias, sem que tenha sido entregue qualquer declaração, e por se verificar que não foi declarada a cessação de actividade, em 15-12-2018, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS foi elaborada declaração oficiosa, que para efeitos de determinação dos rendimentos auferidos naquele ano se baseou nas alíneas b) e c) do artigo 76.° do CIRS, não atendendo ao mínimo de existência previsto no artigo 70.°, tendo sido efectuadas as deduções relativas às retenções na fonte previstas no n.º 3 do artigo 97.°, no montante total de € 50.888,00.

10-         Assim, foi considerado no Quadro 4A o valor declarado pela entidade 504.193.279 — C..., LDA como rendimentos de trabalho dependente no montante de € 51.945,87, que era a informação que a administração tributária dispunha.

11-         Para efeitos de rendimentos de trabalho independente foi considerada a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontrava determinado, no caso 2015, pelo que foi considerado o montante de €180.000,00.

12-         Desta declaração resultou a liquidação n.º 2018... de 17-12-2018, com o valor a pagar no montante de € 65.363,08.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que, em 2016, o Requerente não obteve nenhum outro rendimento sujeito a englobamento.

2- Que, em 2016, a Requerente e os filhos dos Requerentes não tenham obtido quaisquer rendimentos.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos dados como não provados devem-se à ausência ou insuficiência de prova a seu respeito.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

i.             Questão prévia

Por despacho de 30-09-2019 foi suscitada oficiosamente pelo Tribunal a questão da legitimidade processual da Requerente, uma vez que a mesma não era sujeito passivo do imposto em questão nos presentes autos.

Por Requerimento de 11-10-2019, referiram os Requerentes, para além do mais, serem casados no regime de comunhão de adquiridos.

Como esclarece o Acórdão do TCA-Norte de 26-03-2015, proferido no processo 02025/11.1BEPRT:

“I. Da conjugação do n.º 4 e do n.º 1 do art.º 9.º do CPPT têm legitimidade para intervir no processo judicial tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

II. Recai sobre o interessado o ónus de alegar os factos que integram a sua legitimidade que, no caso da impugnação de actos de liquidação se limitam à sua identificação no acto como sujeitos passivos do tributo liquidado.”.

                Dispõe o art.º 102.º-C/2 do CIRS que “Na tributação separada, a responsabilidade dos cônjuges pelo pagamento do imposto é a que decorre da lei civil, presumindo-se o proveito comum do casal.”.

                No caso, tendo sido separadamente liquidado IRS ao Requerente, sendo a Requerente casada com aquele no regime de comunhão de adquiridos, e não tendo sido infirmada a presunção de proveito comum, verificam-se os pressupostos para que a Requerente seja responsável solidária pelo imposto em discussão nos presentes autos, por força do disposto no art.º 1691.º/1/c) do Código Civil.

                Desse modo, e face ao disposto nos números 1 e 4 do art.º 9.º do CPPT, é a Requerente parte legítima.

 

ii.            Do fundo da causa

 

                As questões que se apresentam a decidir no presente processo arbitral são as seguintes:

                               - Saber se existiu excesso na quantificação da matéria tributável, conforme alegam os Requerentes;

                               - Saber se a AT deveria, ou não, ter aplicados as regras de tributação própria dos cônjuges.

                Vejamos.

 

*

                Relativamente ao excesso na quantificação da matéria tributável, alegam os Requerentes, em suma, que o seu agregado familiar, apenas auferiu, no ano de 2016, os rendimentos constantes dos factos dados como provados.

                Não obstante, e como resulta da matéria de facto não provada, não é possível concluir que assim seja.

                Sendo certo, por estar documentado, terem sido objecto de retenção na fonte, e ser confessado, que o Requerente auferiu, no ano de 2016, os rendimentos constantes dos pontos 3 e 4 dos factos provados, daí não se pode inferir que não tenham sido auferidos, por aquele e/ou por outros elementos do seu agregado familiar, quaisquer outros rendimentos, sendo certo que, ao contrário do que aconteceria se tivesse sido apresentada declaração de imposto nos prazos e condições legais, não gozam as declarações dos Requerentes, na presente sede, de qualquer presunção de veracidade.

                Por outro lado, constata-se que a liquidação ora em crise foi efetuada nos termos do art.º 76.º/1/b) e c) do CIRC aplicável, que dispunha que:

“1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes: (...)

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;

c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade.”

No caso, os Requerentes não questionam nem que os rendimentos considerados pela AT correspondam aos rendimentos do Requerente “no ano mais próximo que se encontre determinado”, nem que estes fossem superiores aos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispunha.

Deste modo, tendo a quantificação efectuada pela AT observados os critérios legais, não se poderá concluir pelo arguido excesso na quantificação da matéria tributável, pelo que deverá, nessa parte improceder o pedido arbitral.

 

*

                Pretendem, ainda, os Requerentes, que a liquidação de imposto operada pela AT, deveria ter observado as regras de tributação própria dos cônjuges, designadamente aplicando o quociente conjugal previsto no artigo 69.º do CIRS, e considerando a dedução à colecta relativa aos dependentes, prevista no artigo 78.º-A do mesmo diploma.

                A este propósito, alega a Requerida que a administração tributária não conhece, nem tem o dever de conhecer a situação pessoal e familiar, devendo a mesma ser declarada pelo próprio aquando da entrega da declaração de rendimentos.

                Mais refere a Requerida que pelo facto de terem sido efectuadas retenções na fonte ao longo do ano pela sua entidade patronal como casado e com dois dependentes, para além de não ser o meio próprio nem suficiente para comprovar a sua situação pessoal perante a administração tributaria, ainda que tenha sido comprovada pela sua entidade patronal, a mesma poderia não corresponder a sua situação pessoal a 31 de Dezembro.

                Por fim, sustenta a Requerida que estamos perante um regime opcional, que tem de ser exercido aquando da entrega da declaração de IRS, não podendo a administração tributária substituir-se à vontade do contribuinte, motivo pelo qual foi aplicado o regime regra, i.e., o regime da tributação separada, conforme artigo 59. ° do CIRS.

Efectivamente, a al. b) do n.º 2 do artigo 59.º do Código do IRS, determina que, na tributação conjunta, “Ambos os cônjuges ou unidos de facto devem exercer a opção na declaração de rendimentos.”

                Conforme se verifica da leitura do preceito transcrito, a tributação conjunta apenas opera por opção expressa dos contribuintes.

                Ora, no caso, essa opção não foi exercida oportunamente, no tempo e modo próprios, pelo que a AT não restava, legalmente, outra possibilidade que não a de aplicar a tributação separada.

                Não está, com a aplicação daquela tributação, em causa a aplicação de qualquer sanção, pela não entrega atempada da declaração de imposto, desde logo porquanto a possibilidade de os sujeitos passivos casados serem tributados separadamente foi introduzida em 2015, tendo em vista, para além do mais, equiparar aqueles aos unidos de facto, que dispunham da faculdade de optar entre a tributação conjunta ou separada, conforme lhes fosse mais vantajoso.

                Não é, também, transponível para o caso a jurisprudência invocada pelos Requerentes, na medida em que em todas as situações ali apreciadas havia sido entregue declaração de imposto, o que no presente caso não ocorreu.

                Deste modo, e pelo exposto, deverá improceder, também nesta parte, o pedido arbitral.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido;

b)           Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 65.363,08, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Junho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Amândio Silva)

 

O Árbitro Vogal

(Olívio Mota Amador)