Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 355/2020-T
Data da decisão: 2021-05-17  Selo  
Valor do pedido: € 8.341,00
Tema: Imposto do Selo – Operações financeiras: concessão de crédito; juros e comissões pagas no âmbito de operações de confirming; territorialidade do imposto. Caducidade do direito à liquidação.
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SUMÁRIO:

I. A determinação do prazo da operação de crédito não deverá aferir-se quanto ao contrato de crédito em si, devendo a análise ser feita quanto ao período de utilização do crédito, considerando-se que o prazo se encontra determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização e o reembolso;

II. Assim, um crédito tem prazo determinado, ou indeterminado, se o período que medeia entre a utilização e o seu reembolso se encontrar, ou não, previamente definido, sendo irrelevante se o contrato em si tem, ou não, um prazo de vigência.

III. Resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do CIS que estão sujeitos a Imposto do Selo quaisquer juros, comissões e outras contrapartidas por serviços financeiros cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes a entidades domiciliadas no território nacional.

IV. O prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto suspende-se com a notificação ao contribuinte do início de ação inspetiva externa, o qual pode ocorrer até ao termo daquele prazo;

V. Neste caso, o termo inicial da suspensão do prazo de caducidade ocorre com o início da ação de inspeção, ou seja, pela notificação da ordem de serviço ou despacho, ao abrigo do qual é realizado o procedimento externo de inspeção, e o respetivo termo final verifica-se aquando da notificação do relatório de inspeção.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 10 de julho de 2020, A…S. A., NIPC ………, com sede na Rua …….., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), tendo em vista a apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2018 ……….., respeitante ao ano de 2014, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ……….., 2018 ……….., 2018 ………., 2018 ………., 2018 …………, 2018 ……….., 2018 ……….. e 2018 …………, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ………… que teve por objeto aqueles atos de liquidação.

A Requerente juntou 2 (dois) documentos e arrolou 3 (três) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

                «- (…), as correções realizadas na esfera da Contestada, no que concerne a imposto do selo, foram-lhe impadas na qualidade de mutuante, e encontram-se sustentadas nas verbas 17.1.4, 17.3.1 e 17.3.4 da  Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS).

                - Com efeito, entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira (…) que a A… concedeu empréstimos a outras entidades e que, além disso, no âmbito de operações de confirming, suportou juros e comissões, também elas sujeitas a imposto, alegadamente.

                - A A… não concedeu crédito, nos termos descritos pela AT.

                - Todos os valores mutuados pela A… foram-no dentro de um contexto contratual e com um claro limite temporal, (…).

                - As comissões pagas pela A… dizem respeito a operações concretizadas no exterior.

                - (…) a questão sobre que deve incidir a decisão dos autos é relativa ao campo da incidência do Imposto do Selo sobre operações financeiras realizadas entre uma entidade residente em território nacional (a A…) e entidades residentes fora de Portugal.

                - (…) a questão convoca-nos para a problemática da aplicação do princípio da territorialidade, acolhido, (…), no n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo, no âmbito de uma operação de financiamento realizada entre entidades com afinidades societárias uma, a mutuante, residente em Portugal, a outra , a mutuária, residente fora do território nacional.     

                - (…), tratando o caso dos autos de operações financeiras, sempre haverá que determinar em que momento se considera constituído o facto tributário a localizar: o facto tributário ocorre no momento em que é celebrado o contrato de mútuo ou no omento da efetiva utilização do crédito? 

- (…) encontra bem patente na letra da lei, designadamente, na Verba 17.1 da Tabela Geral, (…), que, no caso das operações financeiras, o imposto é devido “pela utilização de crédito”.

- Ou seja, atualmente, não parece oferecer qualquer tipo de dúvida que, nas operações financeiras, onde se incluem as de crédito, o ato tributário se considera ocorrido/verificado no momento em que o mutuário recebe/levanta/utiliza os fundos que lhe são colocados á disposições no âmbito do contrato de mútuo por si celebrado.

- (…), da conjugação da Verba 17.1 da Tabela Geral com a regra da territorialidade constante do n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo, resulta, pois, inequivocamente, que (só) há incidência de Imposto sempre que uma utilização de crédito ocorre em território nacional.

- Tudo visto, é definitivo que que apenas estão abrangidas pelo campo de incidência do Imposto do Selo as operações de crédito cuja utilização dos fundos ocorra em território nacional ou, em qualquer caso, sempre que o mutuário aqui esteja domiciliado.

- A contrario, não estão abrangidas pelo campo de incidência do Imposto do Selo as operações de crédito cuja utilização de fundos ocorra fora do território nacional e em que o mutuário não seja aqui residente. 

- (…) não é efetivamente por acaso que o legislador optou por, na norma do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, afastar da sua previsão as situações em que o credor (mutuante) – e apenas este – é residente de um Estado da União Europeia:            

- o legislador simplesmente não precisou de estender esta referência ao devedor (mutuário) residente de um Estado da União europeia uma vez que tinha já por certo que, nestas situações, a utilização do crédito (dando-se por verificada (…) no domicílio do mutuário) estaria sempre fora do campo de incidência do Imposto. 

- (…), na circunstância de assim não se entender – numa tese em que fosse possível incluir no campo de incidência do Imposto do Selo as operações financeiras utilizadas fora do território nacional por um mutuário não residente em Portugal –, o n.º 2 do artigo 7.º constituiria uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais e um tratamento discriminatório dos não residentes.

- Analisados os factos (…), é forçoso concluir que, por um lado, o financiamento em apreço nos autos tinha um prazo determinado – não sendo, portanto, um contrato de concessão de crédito cujo prazo de utilização não era «determinado ou determinável» – e que, pelo outro lado, não se tratava igualmente de um financiamento em regime de conta corrente,

- tornando assim ilegal a aplicação da verba 17.1.4. referida ao contrato de financiamento em apreço.

- A AT fundamenta a sua conclusão de forma claramente inconsistente e com base na forma como os fundos foram disponibilizados entre as empresas.

- O acordo das partes, (…), não foi no sentido de criar uma conta corrente: a primeira concedeu à segunda crédito numa quantia certa, determinada, com um prazo pré-estabelecido, tendo simplesmente aceite que a sua entrega efetiva ocorre em tranches.

- O vínculo criado entre as partes não visava criar uma linha de financiamento, nem foi isso que de facto sucedeu; pelo contrário: o mútuo concedido visou responder a uma necessidade imediata de dinheiro por parte da mutuária, sendo o seu montante determinado logo à partida.

- Contrariamente ao que sucederia num contrato de crédito em conta corrente, o referido montante não era reutilizável – ou seja, se a mutuária restituísse à mutuante fundos de valor equivalente ao crédito concedido por esta, não teria direito de, ao abrigo do mesmo contrato, voltar a utilizá-los; nem, de resto, foi isso que sucedeu!        

- Mesmo que se tratasse de um empréstimo em conta corrente, (…), a circunstância de se tratar de um contrato de crédito com prazo certo sempre impediria a AT de o tributar ao abrigo da verba 17.1.4:

- esta verba não se aplica aos contratos de conta corrente sem mais, mas apenas àqueles cujos prazos não são determinados ou determináveis.

- Deveria a AT, (…), ter aplicado a Verba 17.1.3 (crédito concedido por prazo superior a cinco anos) aos montantes disponibilizados, os quais seriam então tributados à taxa de 0,60%,

- considerando que a dívida tributária nascera no momento da realização da operação do crédito – i.e., aplicando a parte inicial, e não a parte final, da alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo («nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas»).

- Sucede que, se assim houvesse feito, a AT ver-se-ia (legitimamente) impedida de emitir a liquidação de que ora se reclama, por caducidade do direito.

- A liquidação contestada é ilegal, assim, por ter sido emitida e notificada à Contestada num momento em que se mostrava já caducado o direito da AT a liquidar imposto, razão pela qual se requer a sua anulação, com todos os efeitos legais – designadamente, a devolução à Contestada do valor do imposto ilegalmente cobrado e por esta pago.

- (…) a liquidação de juros compensatórios também em crise é ilegal, por violação do disposto no artigo 40.º do Código do Imposto do Selo, pelo que deve ser anulada.»    

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 16 de julho de 2020.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28 de agosto de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28 de setembro de 2020.

 

5. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou Resposta; em 26 de abril de 2021, procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

     

6. Em 22 de abril de 2021, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido fixado o dia 26 de maio de 2021 como data limite para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. 

 

7. Ambas as partes apresentaram alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

***

                II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente tem a sua sede social em ... e desenvolve a sua atividade de indústria têxtil em Mangualde, confecionando vestuário para diversas marcas de roupa nacionais e internacionais, designadamente para o grupo multinacional “X...” que representa cerca de 60% da faturação da Requerente. [cf. PA e depoimentos das testemunhas] 

b) Para o desenvolvimento da sua atividade, a Requerente tem necessidade de recorrer a diversas empresas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços, designadamente para aquisição de tecidos e para a confeção de algumas peças específicas de vestuário. [cf. depoimentos das testemunhas] 

c) Algumas dessas empresas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços são locais, de pequena dimensão e estão muito dependentes economicamente da atividade comercial que mantêm com a Requerente. [cf. PA e depoimentos das testemunhas] 

d) É prática habitual da Requerente adiantar diversos montantes monetários a essas empresas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços, por conta e em função de transações comerciais em curso ou futuras, a fim de garantir que as mesmas reúnem e mantêm as condições económico-financeiras necessárias para laborarem e satisfazerem inteiramente as encomendas da Requerente. [cf. depoimentos das testemunhas]  

e) B…, NIF ………, é diretor-geral da fábrica da Requerente, sita em Mangualde, é irmão do Administrador Único da Requerente e é, ainda, Administrador da empresa “C… SGPS, S.A.” que detém uma participação de 35% no capital social da Requerente. [cf. PA e depoimentos das testemunhas] 

f) No decurso do ano de 2014, a Requerente efetuou os seguintes empréstimos monetários ao B…, para acorrer a necessidades financeiras deste [cf. PA e depoimentos das testemunhas]:

(i) em 6 de janeiro, a quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros); e

(ii) em 7 de fevereiro, a quantia € 80.000,00 (oitenta mil euros). 

g) Os aludidos empréstimos monetários que a Requerente efetuou ao B…. foram acordados verbalmente entre eles, não tendo sido objeto de qualquer contrato escrito. [cf. PA e depoimentos das testemunhas] 

h) Os referidos empréstimos monetários concedidos pela Requerente ao B…. foram contabilisticamente registados na conta 27881055, pela Requerente, como créditos de curto prazo. [cf. depoimento da testemunha D…]

i) O B… devolveu à Requerente o montante total daqueles empréstimos – € 165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros) – em 15 de julho de 2015. [cf. PA]    

j) A empresa “E…, S.A.”, NIPC ………, é fornecedora de tecidos à Requerente. [cf. PA e depoimentos das testemunhas]

k) No âmbito da relação comercial existente entre ambas as empresas, é prática corrente da Requerente adiantar diversas quantias monetárias à “E…, S.A.”, por conta e em função de transações comerciais em curso ou futuras, a fim de garantir que a “E…, S.A.” dispõe sempre dos meios financeiros necessários para adquirir atempadamente e nas melhores condições de qualidade/preço os fios de que necessita para fabricar os tecidos que vende à Requerente, permitindo, dessa forma, à “E…, S.A.” cumprir pontualmente as encomendas da Requerente. [cf. depoimentos das testemunhas]       

l) Nesse concreto âmbito, no decurso do ano de 2014, a Requerente entregou os seguintes montantes monetários à “E…, S.A.”, os quais foram contabilisticamente registados na conta 27881052, pela Requerente [cf. PA]:

(i) em 22 de dezembro, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);

(ii) em 24 de dezembro, a quantia de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros);

(iii) em 30 de dezembro, a quantia de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros).

m) As aludidas entregas monetárias que a Requerente efetuou à “E…, S.A.” foram acordadas verbalmente entre as duas empresas, não tendo sido objeto de qualquer contrato escrito. [cf. PA e depoimentos das testemunhas] 

n) Na contabilidade da Requerente, por referência ao exercício de 2014, encontra-se evidenciada a conta 221110802, respeitante ao fornecedor “E…, S.A.”, tendo sido nela relevados os seguintes movimentos [cf. PA]:

 

o) À medida que vão sendo realizadas as transações comerciais entre a Requerente e a “E…, S.A.”, com a inerente emissão de faturas por esta àquela, vão sendo efetuados encontros de contas entre a conta 22 (fornecedores) e a conta 27 (outras contas a receber e a pagar), para saldar a conta 22 (fornecedores). [cf. depoimentos das testemunhas]         

p) No decurso do ano de 2014 e no âmbito de contratos de confirming celebrados entre clientes da Requerente, com sede em Espanha – designadamente, a empresa “F…, SA” pertencente ao grupo multinacional “X...” – e as instituições bancárias “...”, “...” e “... ...”, todas sediadas em Espanha, a Requerente pagou a estas entidades os seguintes montantes de juros e comissões em virtude da antecipação do pagamento de valores titulados pelas faturas abrangidas por aqueles contratos [cf. PA e depoimentos das testemunhas]:  

 

q) A Requerente não teve qualquer intervenção na definição das taxas quer dos mencionados juros, quer das referidas comissões, tendo as mesmas sido acordadas entre as suas clientes e as aludidas entidades bancárias, no âmbito da negociação e celebração dos ditos contratos de confirming. [cf. depoimentos das testemunhas]   

r) Os valores dos juros e das comissões suportados pela Requerente foram, desde logo, descontados pelas mencionadas instituições bancárias nos valores das faturas cujo pagamento foi antecipado, tendo a Requerente recebido, na sua conta bancária domiciliada em Portugal, apenas os respetivos montantes líquidos. [cf. PA e depoimentos das testemunhas]      

s) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017……, emitida em 11.09.2017, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, incidindo sobre o exercício de 2014, decorrente «da análise interna efetuada ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017….. que se enquadrava nas ações especiais efetuadas a Sujeitos Passivos com irregularidades em três ou mais critérios na aplicação Seleção de Contribuintes – Exercício 2014», o qual foi realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra e culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual importa destacar os seguintes segmentos [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]:   

«I. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Da presente análise externa efetuada ao sujeito passivo (…), ao exercício de 2014, resultaram as seguintes propostas de correção:

 

(…)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IMPOSTO DO SELO (IS)

III.1.1. IS devido pela concessão de crédito

(…)

III.1.1.1. Determinação dos empréstimos concedidos com relevância em sede de IS

Analisada a situação em apreço, existiam movimentos nas seguintes contas que relevam créditos sobre terceiros:

 

Do exposto, constata-se existirem créditos que se caracterizam numa das seguintes situações:

             O saldo inicial é elevado face aos movimentos no período, além de inexistirem movimentos a crédito (diminuições dos mesmos) ou estes ascenderem a reduzidos montantes;

             Embora relevados em contas de outros devedores e credores, as entidades beneficiárias são fornecedoras de bens ou prestadoras de serviços à A…, pelo que tais movimentos poderão se tratar, em simultâneo, de empréstimos concedidos, adiantamentos por conta de fornecimentos futuros ou pagamentos dos fornecimentos já ocorridos.

De seguida, efetua-se a análise conta a conta:

(…)

27881052 – E…, SA, NIF ……….: nesta conta apenas se encontram relevados movimentos em dezembro, relacionados com a concessão de empréstimos ou a sua devolução, isto é, não existe a movimentação contabilística dos valores “emprestados” para efeitos da realização de pagamentos a este fornecedor.

 

Na contabilidade da empresa encontra-se ainda evidenciada a conta do fornecedor 221110802 – E…, SA, evidenciando-se no quadro seguinte os movimentos nela relevados:

 

Desta forma, verifica-se que os movimentos ocorridos na conta desta entidade como fornecedora são completamente independentes dos ocorridos na conta 27881052, pelo que não se comprova, (…), qualquer ligação entre empréstimos evidenciados numa e as aquisições relevadas na outra conta.

Assim, pelas citadas razões, conclui-se que os movimentos relevados na conta 27881052 são relevantes para efeitos de determinação dos empréstimos concedidos, sujeitos a IS. 

(…)

27881055 – B…, NIF ………, é Diretor-Geral da fábrica da A… sita em Mangualde, acompanhando mais de perto o processo produtivo. É irmão do Administrador Único da sociedade e é o Administrador Único da C… SGPS SA, (…), substituindo nesse cargo o seu irmão L…. Os valores registados nesta conta corrente correspondem a empréstimos, dado que não se encontra registado pelo exercício de qualquer atividade nem a contabilidade lhe releva qualquer aquisição. Acresce ainda referir que os valores mutuados foram devolvidos em 2015-07-15 (anexo n.º 8), conforme se passa a evidenciar, pelo que se trata de efetivos empréstimos:

 

(…)

Em conclusão, constata-se que os créditos a seguir indicados traduzem empréstimos concedidos pela A…, sendo relevantes para efeitos das normas de incidência do imposto do selo:

 

III.1.1.2. Enquadramento tributário em IS dos empréstimos concedidos

De seguida vamos efetuar o enquadramento, ainda que genérico, das operações de financiamento, concessão de crédito e operações de tesouraria que são abrangidas pela incidência do Imposto do Selo conforme se passa a explicar.

O artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) refere que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral”. Donde decorre que este normativo remete a incidência objetiva do Imposto do Selo para a tabela anexa ao Código – a Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aí se identificando os atos, contratos, documentos e demais factos sujeitos a imposto, bem como a indicação do seu valor tributável e das respetivas taxas. Entre os diversos factos elencados na TGIS encontram-se as operações financeiras, designadamente, a utilização de crédito, em virtude da concessão de crédito a qualquer título – cfr. verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

O sujeito passivo do imposto é a entidade concedente do crédito – A…, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, a quem incumbe a sua liquidação e entrega nos cofres do Estados, nos termos do artigo 23.º do CIS.

O encargo do imposto recai sobre o titular do interesse económico, ou seja, o utilizador do crédito, tendo em conta o disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, devendo ser estas que, por repercussão, suportam efetivamente o imposto liquidado pelos sujeitos passivos.  

A obrigação tributária considera-se constituída no momento em que as operações de crédito forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS.

(…)

Dispõe ainda o n.º 1 do artigo 9.º do CIS que o valor tributável do Imposto do Selo é o que resulta da respetiva Tabela Geral, donde se infere que a utilização do crédito está sujeita a Imposto do Selo sobre o seu valor, variando as taxas (artigo 22.º do CIS) de acordo com os prazos do empréstimo nos termos das verbas 17.1.1 a 17.1.4. Se o prazo for conhecido será aplicável uma das seguintes verbas: 17.1.1, 17.1.2 ou 17.1.3. No caso em que o prazo que media entre a utilização do crédito e o reembolso não seja determinado ou determinável, aplica-se a regra da verba 17.1.4.

A utilização do crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra forma, de duração de utilização indeterminada ou indeterminável, é sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

E, dada a inexistência de qualquer contrato que estipule as condições de reembolso dos créditos concedidos (anexo n.º 10), tributados e não isentos deste imposto, considera-se que é aplicável o disposto na verba 17.1.4. 

III.1.1.3. Determinação do IS devido pela concessão de crédito

Identificados os créditos que, conforme acima se descreveu, consistem em financiamentos a terceiros e efetuado o enquadramento dessas operações em sede de IS de modo a identificar aquelas que podem beneficiar da isenção ao abrigo da al. g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, passa-se de seguida ao apuramento do imposto.

Para esse efeito, utiliza-se o quadro seguinte, onde se evidencia uma conta-corrente dos mútuos concedidos a E…, SA e a B… (ver anexo n.º 13, fl. 3), bem como o apuramento do IS devido:

 

De seguida, efetua-se a legendagem do quadro, explicando-se a forma como se efetuou o cálculo do IS devido. Assim:

TransactionID: campo que identifica os registos contabilísticos que movimentaram as contas indicadas;

Data: data do documento de suporte ao registo contabilístico, seja a data do cheque, seja a data da transferência bancária. Nos casos em que a linha não se refere a um registo contabilístico, foi inserida uma data relevantes para efeitos do cálculo do saldo médio do mês;

 AccountID: identificação da conta movimentada;

Conta: nome da conta movimentada;

Description: descrição do registo contabilístico, aposta na realização do lançamento;

DebitAmount: valor a débito;

CreditAmount: valor a crédito;

Saldo: saldo após o lançamento contabilístico ou na data relevante;

Dias: n.º de dias em que aquele saldo se manteve em cada mês;

Mês: mês identificado de 1 a 12 (janeiro a dezembro);

Saldo*Dias: produto do saldo pelo n.º de dias em que este se verificou;

Saldo médio mensal: resulta do somatório dos valores determinados na coluna anterior, em cada mês, dividido pelo n.º de dias do mês. A título exemplificativo, pode-se citar o mês de janeiro, onde se apurou um saldo mensal de € 197.290,32 [(€ 630.000,00 + € 5.486.000,00) / 31].

Imposto selo: imposto do selo devido pela verba 17.1.4, resultante do produto da taxa de 0,04% com o saldo médio mensal apurado.

Assim, conforme foi determinado, é devido IS no montante global de € 1.357,50, pela concessão de empréstimos a outras entidades, pela aplicação do n.º 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao CIS.

A não liquidação e entrega destes montantes viola o disposto no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 44.º, ambos do CIS.

III.1.2. IS devido pelas operações de confirming

Nas diversas modalidades de financiamento a que a empresa recorria, encontra-se o confirming.

O confirming corresponde a um serviço de pagamento a fornecedores, através do qual o cliente transmite ao banco ordens de pagamento a prazo que poderão ser por eles antecipadas.

É um contrato, através do qual o cliente transmite ao banco ordens de pagamento a prazo aos seus fornecedores. O banco comunica aos fornecedores a informação relativa aos pagamentos de que são beneficiários e o fornecedor pode optar pela antecipação dos pagamentos.

A principal entidade bancária que presta este serviço de confirming à A… é espanhola e denomina-se de “…Banco”, mais tarde designada de “…, SA”, NIF ES-…, visando essencialmente transações comerciais efetuadas para o cliente F… SA. Além dessa, existe ainda “...” e “... ...” (sociedade anónima espanhola), este último apenas numa operação.

Quando a empresa antecipa o recebimento dos valores devidos pelo cliente, a entidade bancária cobra uma comissão de 0,25% sobre o valor das faturas e os respetivos juros.

  Em sede de IS, as operações de confirming não estão sujeitas à verba 17.1 em virtude de não se tratar de verdadeira utilização de crédito mas, isso sim, de cessão de créditos em que se encontra eliminado o risco de cobrança, uma vez que os valores adiantados não são sujeitos a recurso ao fornecedor em caso de incumprimento do cliente.

Todavia, os encargos cobrados, acima mencionados, estão sujeitos a IS, conforme se passa a referir:

             Incidência real: existe sujeição a IS nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, conjugado com as verbas n.ºs 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, quanto aos juros e comissões, respetivamente;

             Incidência pessoal: a A… é o sujeito passivo do IS, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, por ser a entidade devedora dos juros e das comissões e outras contraprestações no caso das operações referidas na alínea anterior que não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a atividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português;

             O encargo do IS é da A… nos termos do n.º 1, conjugado com a al. g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS;

             Territorialidade: a cobrança de juros e comissões por instituição de crédito espanhola à A… está sujeita a IS nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 4.º do CIS;

             A obrigação tributária de IS nasce no momento da cobrança dos juros e das comissões, conforme define a al. h) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS;

             O valor tributável do imposto de selo incidente sobre os juros e as comissões corresponde ao valor cobrado, conforme preveem as verbas n.ºs 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, conjugadas com o n.º 1 do artigo 9.º do CIS;

             As taxas de imposto são as constantes nas verbas referidas no ponto anterior, conjugadas com o n.º 1 do artigo 22.º do CIS – 4%, aplicável tanto aos juros como às comissões;

             A competência para a liquidação do IS é atribuída à A…, conforme prevê o n.º 1 do artigo 23.º do CIS;

             O IS deve ser pago até ao dia 20 do mês seguinte, conforme prevê o n.º 1 do artigo 44.º do CIS.

As operações de confirming em causa (anexo n.º 11) e os valores dos juros e comissões pagas ao banco espanhol encontram-se identificados na listagem que corresponde ao anexo n.º 12, concluindo-se que é devido IS no montante global de € 5.843,41, que se passa a sintetizar por período no quadro seguinte:

 

A não liquidação e entrega destes montantes viola o disposto no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 44.º, ambos do CIS.

(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção tributária e Aduaneira (RCPITA), o sujeito passivo foi notificado para, no prazo de quinze dias, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste, através do ofício n.º ….., de 2018-06-21, registado nos CTT sob o n.º CO …. …. 0 PT.

IX.1. TEOR DO DIREITO DE AUDIÇÃO

No prazo concedido para esse efeito, o sujeito passivo veio a exercê-lo, tendo invocado o seguinte:

(…)

II. Imposto do Selo em falta

“Nada a apontar, mantendo-se que se faça a devida dedução à matéria coletável do imposto apurado em falta.”

IX.2. ANÁLISE DO DIREITO DE AUDIÇÃO E CONCLUSÕES

Analisados os fundamentos apresentados pelo sujeito passivo, considera-se que em relação às correções em sede de imposto do selo, concorda com as correções propostas, tendo referido que “Nada a apontar…”, pelo que serão as mesmas de manter.

(…)»

t) O referido procedimento externo de inspeção teve início em 15.02.2018 – data em que o Administrador Único da Requerente assinou a notificação da sobredita Ordem de Serviço e foram iniciados os atos inspetivos –, tendo o RIT sido elaborado em 31.07.2018 e notificado à Requerente pelo ofício n.º …., datado de 02.08.2018 e recebido em 06.08.2018, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra. [cf. PA e documento junto pela AT em 14.05.2021]  

u) Sequentemente, foram emitidas a liquidação de Imposto do Selo n.º 2018 ………., respeitante ao ano de 2014, no valor de € 7.200,91 (sete mil e duzentos euros e noventa e um cêntimos), as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 ……….., 2018 …………, 2018 ……….., 2018 …………, 2018 …………, 2018 …………, 2018 ……….. e 2018 ……….., no valor total de € 1.140,30 (mil cento e quarenta euros e trinta cêntimos), perfazendo o respetivo somatório (de imposto e juros compensatórios) o montante global a pagar de € 8.341,21 (oito mil trezentos e quarenta e um euros e vinte e um cêntimos), com data limite de pagamento em 24.09.2018. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]

v) As aludidas liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios foram notificadas à Requerente em 22.08.2018. [cf. PA]

w) Não tendo a Requerente efetuado o pagamento voluntário do aludido montante global de Imposto do Selo e de juros compensatórios – € 8.341,21 (oito mil trezentos e quarenta e um euros e vinte e um cêntimos) –, foi emitida a certidão de dívida n.º 2018 ………. e instaurado o processo de execução fiscal n.º ………….., o qual se encontra suspenso. [cf. PA] 

x) Em 23.01.2019, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios, referenciados no facto provado u), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a qual foi autuada sob o n.º ………….. e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Coimbra. [cf. PA]   

y) Por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, ao abrigo de delegação de competências, datado de 19.12.2019, a reclamação graciosa foi indeferida, com a fundamentação constante da informação, datada de 25.09.2019, que aqui se dá por inteiramente reproduzida e da qual importa respigar o seguinte [cf. PA]:       

«(…) o IS apurado relativamente às operações de confirming não decorre da tributação em sede deste imposto, de comissões e de juros cobrados pela Reclamante, nem de empréstimos concedidos, mas sim da liquidação de IS sobre juros e comissões debitados à Reclamante por entidades bancárias não domiciliadas em território português, em virtude do recebimento antecipado, por parte da Reclamante, de créditos cedidos às referidas entidades bancárias, tributáveis nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIS (Código do Imposto do Selo) conjugado com as verbas 17.3.1 e 17.3.4, respetivamente, da TGIS.

Com efeito, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, nas situações em que as operações com juros, comissões, entre outras, “… não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a actividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português;” é sujeito passivo do imposto a entidade devedora do juro ou da comissão, sendo esta, no caso em apreço, a Reclamante, a qual é também titular do interesse económico e sobre quem recai o encargo do imposto, conforme decorre do n.º 1 e da alínea g) do n.º 3, ambos do artigo 3.º do CIS.

Matéria de facto e de direito oportunamente abordada ao longo do ponto III. 1.2. do relatório de inspeção tributária, (…)

Com efeito, a tributação da utilização do crédito concedido aos terceiros "E…. SA" e "B….", operou-se nos termos da verba 17.1.4 da TGIS (vide pontos III.1.1.2. e III.1.1.3. do relatório de inspeção), ao passo que a tributação dos juros e das comissões cobradas à Reclamante por entidades bancárias não domiciliadas em território nacional, em virtude do recebimento antecipado, por parte desta, de créditos cedidos, operou-se nos termos das verbas 17.3.1 e 17.3.4, respetivamente (vide ponto III.1.2. do relatório de inspeção).

(…)

Com efeito, em momento algum foi pela AT usada a expressão “em obediência ao princípio da substância sobre a forma”, ou sequer foi tal princípio invocado para, sob qualquer vertente, classificar factos tributários em sede de IS, conforme se pode constatar através da leitura ao ponto III.1. do relatório de inspeção tributária.

Consequentemente, refuta-se em absoluto a insinuação constante do ponto 22 do articulado da Reclamante, de que a AT concluiu, o que quer que seja, “em obediência ao princípio da substância sobre a forma”.

Tal argumento não é válido, não foi pela AT usado e pode unicamente ser atribuído à ora Reclamante.

Mais, em local algum do relatório de inspeção tributária se fez constar ou se concluiu que o crédito concedido aos terceiros "E… SA" e "B…” “…foi utilizado sob a forma de conta corrente, …”, conforme infundadamente alega a Reclamante no ponto 24 da sua petição, pelo que se atribui unicamente a esta tal conclusão, bem assim, o raciocínio e/ou justificação que expõe na parte final do mencionado ponto.

Com efeito, cumpre uma vez mais precisar que relevaram para efeitos de tributação em sede de IS, os créditos concedidos aos terceiros “E… SA” e “B…” e por estes utilizados.

Sendo certo que, as importâncias financiadas, bem como as devoluções operadas, têm obrigatoriamente de ser objeto de relevação contabilística.

Ora, no que concerne à “E…., SA”, as importâncias disponibilizadas a este terceiro foram objeto de relevação contabilística na rubrica “27881052 – OUTROS DEVEDORES E CREDORES – E…, SA” (movimento a débito). Do mesmo modo, as devoluções de fundos operadas pela “E… SA” foram objeto de reconhecimento também nesta conta (movimento a crédito). Pelo que, o saldo da conta “27881052 – E…., SA” reflete a posição financeira, o valor em dívida em determinado momento.

Ou seja, no plano contabilístico, os valores a débito e a crédito relevados naquela rubrica de balanço constituem uma “conta corrente”, ilustradora do montante em aberto, mas que mais não é que um sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito, bem diferente da utilização sob a forma de conta corrente, a que a Reclamante faz referência e que em nada coincide com o enquadramento veiculado pelo relatório de inspeção tributária.

Ademais, importa salientar que a simples disponibilização de fundos a terceiro não acarreta, por si só, a verificação das normas de incidência em sede de IS e a aplicação da verba 17 da TGIS.

Com efeito, estando essa disponibilização associada a uma relação comercial, designadamente, a transmissão de bens ou a prestação de serviços, cai fora do campo de incidência de IS, pois tratar-se-ia simplesmente de uma relação comercial com um regime de pagamento antecipado.

No caso em apreço, a “E…., SA” é fornecedora da Reclamante, existindo entre estas duas entidades, além da acima mencionada, uma relação comercial.

 Sendo certo que, os movimentos respeitantes a esta relação comercial, designadamente, aquisições, pagamentos, descontos, abatimentos, entre outros, são objeto de reconhecimento na conta de fornecedores “221110802 – E…, SA”, o que aliás decorre em consonância com as orientações das notas de enquadramento às contas do SNC (Sistema de Normalização Contabilística), as quais preconizam que a conta “22 – Fornecedores” “Regista os movimentos com os vendedores de bens e de serviços, …”, (…).

Tendo sido constatado no âmbito do procedimento de inspeção à Reclamante, e objeto de menção no relatório de inspeção referente ao mesmo, que as importâncias disponibilizadas ao terceiro “E…, SA” objeto de relevação na conta “27881052 – E…, SA", em nada se relacionam com os fornecimentos daquele enquanto fornecedor, sendo os pagamentos relacionados com estes, reconhecidos na conta “221110802 – E…, SA”.

Por seu turno, as importâncias disponibilizadas ao terceiro “B….” foram objeto de relevação contabilística na rubrica “27881055 – OUTROS DEVEDORES E CREDORES – B…” (movimento a débito).

Sendo certo que, “B…” “…não se encontra registado pelo exercício de qualquer atividade nem a contabilidade lhe releva qualquer aquisição”, conforme adequadamente se fez constar no relatório de inspeção tributária, pelo que a disponibilização de fundos a este terceiro não derivam de um qualquer relacionamento comercial.

Por outro lado, bem diverso da conta corrente contabilística é o legalmente denominado “contrato de conta corrente”, contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respetivo saldo final apurado na data do seu encerramento, conforme decorre do artigo 344.º do Código Comercial, e que, refira-se, em momento algum foi invocado pela AT para caraterizar a forma de utilização do crédito concedido aos terceiros “E…, SA” e “B…”.

Ora, a concessão de crédito está sujeita a IS, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efetiva utilização do crédito concedido, sendo certo que, o facto tributário eleito para tributação em IS é, sempre, a concessão de crédito.

No caso em apreciação, ocorreu uma efetiva transferência de fundos para os terceiros “E…, SA” e “B….”, tendo-se verificado um dispêndio financeiro da Reclamante, que teve de recorrer a fundos próprios e alheios (junto da banca).

Nesta linha, a verba 17.1 da TGIS abrange a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e a do utilizador.

(…)

Os referidos empréstimos de fundos, não conexos com qualquer relação comercial, são suscetíveis de preencher os pressupostos do facto gerador da tributação em IS.

Com efeito, o crédito utilizado sob qualquer forma, “…em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, …” é tributado nos termos da verba 17.1.4 da TGIS.

E nesta ótica, dada a inexistência de qualquer contrato que estipule as condições de reembolso dos créditos concedidos, conforme apurado em sede de procedimento inspetivo e objeto de registo em “Auto de Ocorrência” lavrado em 04/05/2018, será de aplicar a aludida verba 17.1.4 da TGIS.

Alega também a Reclamante que a liquidação reclamada encontra-se viciada “Antes de mais, por assentar numa fundamentação obscura, insuficiente e, em certos pontos, até mesmo contraditória: a AT tem dúvidas quanto à determinação dos factos, mas não tem dúvidas quanto à sua alegada sujeição a imposto do selo.”, (…).

(…) o relatório de inspeção tributária é perfeitamente claro e objetivo, constando do ponto III.1. do mesmo, as razões de facto e de direito que levaram a AT a tributar a concessão de crédito e a utilização deste por parte dos terceiros “E…, SA” e “B…”, bem assim, os juros e as comissões debitados pelas entidades bancárias “... – ..., SA”, “...” e “... ...”, em virtude do recebimento antecipado, por parte da Reclamante, de créditos cedidos (operações de confirming), do mesmo não constando qualquer dúvida.

É, pois, evidente, pese embora a Reclamante o não admita, que o relatório elaborado dá a conhecer as razões que levaram a AT a agir nos termos em que o fez, o qual proporciona cabalmente ao destinatário do ato, a “A…, SA”, agora Reclamante, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido.

Nesta linha, defende a AT que os atos notificados cumprem, na íntegra, as exigências legais, designadamente, as determinadas pelo artigo 268.º da CRP (Constituição da República Portuguesa) e pelo artigo 78.º da LGT (Lei Geral Tributária), tendo dado a conhecer à agora Reclamante as razões de facto e de direito que os motivaram, bem assim, tendo permitido contestar de forma direta e incisiva os fundamentos dos mesmos.

Pelo que, entende a AT que a fundamentação notificada esclareceu cabalmente a concreta motivação dos atos em contenda.

Mais alega a Reclamante que admitindo, num plano meramente teórico, a tributação dos financiamentos em sede de IS, “… a circunstância de se tratar de um contrato de crédito com prazo certo sempre impediria a AT de o tributar ao abrigo da verba 17.1.4: esta verba não se aplica aos contratos de conta corrente sem mais, mas apenas àqueles cujo prazo não é determinado ou determinável”, transcrevendo ainda excerto do ponto 26 da Circular n.º 15, de 05/07/2000.

Com efeito, o ponto 26 da referida Circular estabelece que “No caso de aberturas de crédito, simples ou no regime de conta corrente, em que o prazo de reembolso das respetivas utilizações se encontre determinado ou for determinável, nos termos do respetivo contrato, a tributação faz-se nos termos dos pontos 17.1.1 a 17.1.3 da Tabela Geral. Nota-se que o prazo é o que medeia entre cada utilização e o reembolso, nos termos contratados.” (nosso sublinhado).

Ora, por um lado, conforme acima já se deixou dito, importa salientar que a AT nunca fez constar, ou concluiu, que o crédito concedido aos terceiros “E…, SA” e “B…” foi utilizado sob a forma de conta corrente, tendo sido, isso sim, constatada a utilização por parte daqueles terceiros, de dinheiro disponibilizado pela Reclamante, sem qualquer conexão a operações de natureza comercial.

Por outro lado, atendendo a que foi concedido crédito a duas entidades (“E…. SA” e “B…”), a AT, ainda que tivesse conhecimento de algum contrato regulador dos aludidos financiamentos, o que não sucede mas que por mero exercício de raciocínio se equaciona, ignora a que financiamento se refere a Reclamante com o alegado “…contrato de crédito com prazo certo...”.

Sendo certo que, não constava dos elementos de escrituração facultados no âmbito do procedimento inspetivo, nem agora foi facultado pela Reclamante em sede de reclamação graciosa, o contrato que alegadamente “…impediria a AT de o tributar ao abrigo da verba 17.1.4”, tendo a “A…, SA” asseverado no decurso do procedimento inspetivo, conforme “Auto de Ocorrência” lavrado em 04/05/2018, a inexistência de contratos outorgados com os terceiros “E…, SA” e “B…” com referência aos empréstimos concedidos.

Ora, compete à Reclamante fazer prova dos factos alegados, o que de todo não fez.

Sendo que, atenta a constatação em sede de procedimento inspetivo da inexistência de qualquer contrato que estipule as condições de reembolso dos créditos concedidos, não se concebe como pode qualquer um dos prazos de utilização daqueles financiamentos ser considerado determinado ou determinável!

Nesta ótica, inexistindo contrato ou outro instrumento regulador, quer o montante do crédito, quer o prazo de utilização são indetermináveis, o que estabelece, verificados os demais pressupostos de tributação, que a mesma terá de ocorrer nos moldes da verba 17.1.4 da TGIS, ao invés da verba 17.1.3 pela Reclamante alegada.

 (…)

Pelo que, atenta a matéria de facto e de direito explanada, entende a AT que o crédito concedido aos terceiros “E…, SA” e “B…”, deve ser tributado nos moldes da verba 17.1.4 da TGIS, considerando-se a obrigação tributária constituída no último dia de cada mês, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 5.º do CIS.

Dispondo a AT do prazo de quatro anos para notificar a liquidação dos tributos, conforme decorre do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, contando-se o prazo “…nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, …” (cfr. n.º 4 do artigo 45.º da LGT).

Ademais, o n.º 1 do artigo 46.º do mesmo Código determina que “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, …”

Sendo que, a ação inspetiva à Reclamante foi efetuada a coberto da Ordem de Serviço n.º ………., datada de 11/09/2017, tendo o aludido procedimento sido iniciado em 15/02/2018, e objeto de conclusão em 31/07/2018, dentro do prazo preconizado pelo n.º 2 do artigo 36.º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira), operando então o efeito suspensivo do prazo de caducidade, conforme decorre do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

Ora, tendo as liquidações de IS sido notificadas em 22/08/2018, entende a AT que carece igualmente de suporte legal a caducidade invocada pela Reclamante.

(…)»

z) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pelo ofício n.º …, datado de 19.12.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Coimbra. [cf. PA]    

aa) Em 10.07.2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provada a seguinte factualidade:

a) Entre a Requerente e o B… foram determinados prazos concretos para os referenciados empréstimos monetários que aquela concedeu a este ou foram estabelecidas quaisquer circunstâncias a partir das quais tais prazos seriam determináveis.

b) No decurso do ano de 2014, a Requerente efetuou empréstimos monetários à empresa “E…, S.A.”. 

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pela Requerente, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.  

                Relativamente à prova testemunhal produzida, importa dizer que as testemunhas arroladas pela Requerente – M…, responsável pela área financeira da Requerente, desde 2010; D…., contabilista certificado, funcionário da empresa que presta serviços de contabilidade à Requerente, desde data anterior a 2014; e N…, diretor dos serviços administrativos da Requerente, há mais de 20 anos – depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas – particularmente quanto (i) aos empréstimos feitos pela Requerente a B…, (ii) ao relacionamento comercial entre a Requerente e a “E…, S.A.” e aos adiantamentos de quantias monetárias feitos por aquela a esta e (iii) aos mencionados contratos de confirming e aos juros e comissões que, nesse âmbito, foram pagos pela Requerente às referidas instituições bancárias –, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade e, por isso, contribuíram para a prova dos factos relativamente aos quais estão indicados.

No tocante aos factos não provados, estes foram assim considerados em virtude da inexistência de elementos probatórios suscetíveis de os comprovarem.

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

12. O presente processo arbitral tem por objeto as questões jurídico-tributárias emergentes dos seguintes vícios que a Requerente imputa aos atos tributários controvertidos:

- vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, quanto ao enquadramento, em sede de Imposto do Selo, das operações financeiras em causa nos autos;

- vício de falta de fundamentação da liquidação de Imposto do Selo controvertida;

- caducidade do direito à liquidação do Imposto do Selo; e

- vício de violação do disposto no artigo 40.º do Código do Imposto do Selo, quanto às liquidações de juros compensatórios controvertidas.

O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre a pretendida devolução à Requerente «do valor do imposto ilegalmente cobrado e por esta pago».

 

§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO

13. A apreciação do thema decidendum deve principiar pela análise do quadro jurídico da tributação das operações financeiras sub judice em sede de Imposto do Selo, para o que se impõe convocar as seguintes normas do Código do Imposto do Selo (doravante, CIS) e verbas da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), com a redação à data dos factos e nos segmentos aqui aplicáveis:

CIS

“Artigo 1.º

Incidência objetiva

1 – O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, título, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

(…)”

 

“Artigo 2.º

Incidência subjetiva

1 – São sujeitos passivos do imposto:

(…)

b) Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações;

(…)

d) Entidades mutuárias, beneficiárias de garantia ou devedoras dos juros, comissões e outras contraprestações no caso das operações referidas na alínea anterior que não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a atividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português;

(…)”

 

“Artigo 3.º

Encargo do imposto

1 – O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º.

(…)

3 – Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

(…)

f) Na concessão de crédito, o utilizador do crédito;

g) Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas;

(…)”

 

“Artigo 4.º

Territorialidade

1 – Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.

2 – São, ainda, sujeitos a imposto:

(…)

c) Os juros, as comissões e outras contraprestações cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações;

(…)”

 

“Artigo 5.º

Nascimento da obrigação tributária

A obrigação tributária considera-se constituída:

(…)

g) Nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês;

h) Nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efetivamente cobrados, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 51.º, os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito;

(…)”

 

TGIS

“17. Operações financeiras:

17.1 – Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato – sobre o respetivo valor, em função do prazo: 

17.1.1 – Crédito de prazo inferior a um ano – por cada mês ou fração     0,04%

17.1.2 – Crédito de prazo igual ou superior a um ano     0,50%

(…)        

17.1.4 – Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30          

 

 

0,04%

(…)        

17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado:

17.3.1 – Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação     

4%

(…)        

17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros  4%

 

14. A propósito da tributação das operações financeiras em sede de Imposto do Selo, Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo: Operações financeiras e de garantia, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 19, 42 a 53 e 72 a 115) afirmam, além do mais, o seguinte:

                «(…) analisar de que forma ocorre a tributação pela verba n.º 17.1.

                O primeiro passo é o de saber se a operação de crédito tem prazo determinado ou indeterminado, porque a lei prevê diferentes formas de tributação para cada caso. No primeiro, a taxa varia em função do prazo de utilização de crédito, enquanto no segundo a tributação ocorre pela média mensal da dívida, (…).

                (…) Crédito de prazo determinado

                A determinação (ou não) do prazo da operação de crédito não deverá aferir-se quanto ao contrato de crédito em si, porque este tem, em princípio, sempre um prazo estabelecido. A análise deve ser feita quanto ao período de utilização de crédito, considerando-se que o prazo se encontra determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização e o reembolso.

                (…) a tributação encontra-se prevista por três escalões, em função do prazo, reproduzindo os conceitos de operações de crédito a curto, médio e longo prazo.

Como estipula o artigo 5.º, n.º 1, alínea g), nas operações de crédito, a obrigação tributária nasce no momento da sua realização, o que equivale a dizer que, tratando-se de um crédito de prazo determinado, a obrigação de imposto nasce no momento da respetiva utilização.

(…)

O estabelecimento de uma tributação diferenciada em função do prazo de utilização do crédito impeliu o legislador a criar uma regra de equiparação da prorrogação do prazo a uma nova concessão de crédito, com o intuito de evitar que as partes possam reduzir artificialmente a taxa de tributação, por via do estabelecimento de um prazo inicial mais curto e a sua posterior prorrogação para o prazo efetivamente desejado.

(…) o legislador, ao utilizar expressamente o conceito de “prorrogação”, quis abranger apenas os casos em que há um aditamento ao prazo inicial. Por outras palavras, só se considera haver uma nova concessão de crédito, quando há um aditamento ao prazo inicial, com efeito “ex nunc”.

(…) Crédito de prazo indeterminado

(…), um crédito tem prazo determinado, ou indeterminado, se o período que medeia entre a utilização e o seu reembolso se encontrar, ou não, previamente definido, sendo irrelevante se o contrato em si tem, ou não, um prazo de vigência.

(…) nestes casos, o imposto, à taxa de 0,04%, é devido mensalmente, no final de cada mês, conforme estipula o artigo 5.º, n.º 1, alínea g).

(…)

Merece ainda atenção a forma como a média mensal da dívida é apurada, somando-se os saldos diários verificados durante o mês, sendo depois esse saldo dividido sempre por 30, independentemente do número de dias que o mês em causa tiver.

(…)

No escopo das operações financeiras sujeitas a Imposto do Selo encontram-se igualmente os juros e comissões cobradas por, ou com intermediação de, “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer “outras instituições financeiras”, conforme se encontra previsto na atual verba n.º 17.3.

(…), a verba n.º 17.3 estabelece um elemento subjetivo que limita, desde logo, a sujeição a Imposto do Selo dos juros e comissões em função da natureza jurídica da entidade que os cobra.

                De realçar também que se pretendeu abranger na regra de incidência (para além dos juros) não apenas as comissões associadas a operações de crédito, mas sim a generalidade das comissões associadas a “serviços financeiros” em sentido lato, incluindo as comissões por garantias prestadas.

                (…) a sujeição a Imposto do Selo dos juros e comissões prevista naquela verba [verba n.º 17.3] tem como condição essencial que a entidade que os cobra, seja enquanto credora, seja enquanto intermediária, tenha uma daquelas naturezas jurídicas, entenda-se “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”.

                Desta forma, ainda que possam estar preenchidas as condições de incidência objetiva, não haverá sujeição a Imposto do Selo se tais juros e comissões não forem cobrados por, ou com intermediação, daquelas tipologias de entidades. (…)

                Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, regra geral, o sujeito passivo do imposto incidente sobre juros, prémios, comissões e outras contraprestações por serviços financeiros é a entidade que os cobra. Esta regra aplica-se aos montantes cobrados por entidades financeiras residentes em Portugal ou que aqui operem através de um estabelecimento estável.

                Esta regra geral apresenta, porém, exceções, as quais se relacionam, sobretudo, com situações em que a entidade que cobra tais montantes não é residente em Portugal, nem aqui possui estabelecimento estável, (…).

                (…)

                Com base na alínea g) [do n.º 3 do artigo 3.º], o encargo do imposto do Selo é do cliente das entidades financeiras que cobram os juros, prémios, comissões ou outras contraprestações por serviços financeiros (o mesmo é dizer que o encargo do imposto é do devedor daqueles montantes).

(…) o artigo 4.º é onde se encontram determinadas as regras a considerar para efeitos da incidência territorial do Imposto do Selo, ficando estabelecido, desde logo, no seu n.º 1 a regra geral (...). Deste modo, a regra geral é de que o Imposto do Selo incide sobre os factos que ocorram em território nacional.

Por seu turno, a alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo estabelece que são igualmente sujeitos a Imposto do Selo (…). Desta regra, (…), resulta uma ideia simples: estão sujeitos a Imposto do Selo em Portugal quaisquer juros, comissões e outras contrapartidas por serviços financeiros cobrados por “instituições de crédito” ou “sociedades financeiras” não residentes a entidades domiciliadas em Portugal.»            

Concretamente quanto à tributação das operações de concessão de crédito em sede de Imposto do Selo, José Maria Fernandes Pires (Lições sobre o Património e do Selo, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 444 a 454) refere, além do mais, o seguinte:

                «As operações de crédito são tributadas nos termos da verba n.º 17.1 da Tabela Geral.

                A lei enuncia alguns tipos contratuais de concessão de crédito, (…).

Porém, esta enunciação é meramente exemplificativa, dado que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente (“a concessão de crédito a qualquer título”, como determina a referida verba da Tabela Geral). (…), mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efetiva utilização do crédito pelo beneficiário.

(…), a Lei não tributa propriamente os contratos de concessão de crédito, mas sim a utilização efetiva do crédito, independentemente do tipo ou da forma da relação contratual que lhe está subjacente.

(…)

A existência de um ato ou contrato de concessão de crédito, a realização dos direitos dele emergentes pelo creditado através do ato unilateral deste, consumados na utilização, bem como o decurso do tempo, são os elementos constitutivos do facto tributário.

A estrutura temporal do facto gerador é diferente nos contratos de concessão de crédito com prazo determinado e nos de abertura de crédito em conta corrente ou sem prazo determinado ou determinável.

(…) Nos contratos com prazo determinado

(…)

A norma de incidência real do imposto neste tipo de concessões de crédito é a verba n.º 17.1 da Tabela. É aí que se tipificam os elementos materiais e objetivos do facto gerador, sendo as verbas n.º 17.1.1 e 17.1.3 normas de fixação dos tipos de taxa que lhes são aplicáveis.

O tipo de taxa aplicável depende sempre do período temporal por que o crédito é concedido, mas o facto gerador produz-se num único momento – aquele em que o crédito é utilizado.

Como estabelece a al. g) do art. 5.º do Código, a obrigação constitui-se “nas operações de crédito, no momento em que forem realizadas”.

O crédito concedido é utilizado no momento em que efetiva o direito potestativo do creditado, de mobilização dos fundos para o seu património. (…) É esse o sentido do conceito de “realização”.

O facto gerador da relação jurídico-tributária ocorre, pois, de forma instantânea, num momento determinado.

Por isso trata-se de um facto gerador instantâneo e não continuado. Porém, operado o facto gerador, o tipo de taxa aplicável varia em função do prazo de concessão do crédito.

(…)

A determinação da taxa a aplicar dependerá do prazo por que o crédito for contratado, mas esse prazo não tem que ser necessariamente o que consta do contrato. (…)

O prazo não se determinará na data da celebração do contrato, porque não é esse o facto gerador, mas na data em que é efetuado cada saque, cada utilização.

É sobre cada uma das utilizações que o imposto incide, e é em cada um desses momentos que se determinará o prazo por que esse específico crédito é concedido. Esse prazo é medido pelo lapso temporal que decorre entre a data do saque e a data limite constante do contrato.

Porém, antes do final desse prazo, as partes podem acordar em prorroga-lo para data ulterior. Nesse caso, determina a parte final da verba 17.1 da Tabela que se procederá a nova liquidação de imposto.

Ou seja: esta prorrogação do prazo é um novo facto gerador de obrigação de imposto.

(…) Nas aberturas de crédito em conta corrente e outros contratos sem prazo determinado ou determinável

(…)

Nos contratos de concessão de crédito sem prazo determinado ou determinável, não sendo possível, pela sua própria natureza, o funcionamento do mecanismo da prorrogação, não é aplicável, naturalmente, o regime da “nova concessão de crédito” constante da 2.ª parte da verba n.º 17.1 da Tabela.

(…)

Porque a norma de incidência é a que consta da verba n.º 17.1 da Tabela, neste tipo de contratos, também só ocorre tributação a partir do momento em que há utilização do crédito. Mas enquanto as verbas n.º 17.1. e 17.1.3 são apenas normas de definição de taxas, a verba n.º 17.1.4 vem acrescentar à verba 17.1 um conjunto de novos elementos objetivos definidores do facto tributário.

Nestes casos, produzida que seja a utilização do crédito, o imposto incide sobre a média mensal dos saldos utilizados, durante os meses em que vigorar o contrato.

Daqui resulta que o facto tributário não é instantâneo, mas de duração prolongada no tempo. Trata-se de um facto tributário continuado.

Após a utilização do crédito mediante os saques efetuados sobre o creditante, o facto gerador forma-se continuamente, todos os dias em que persista o respetivo saldo devedor, consumando-se no último dia de cada mês, data em que, nos termos da alínea g) do art. 5.º, se constitui a obrigação tributária.

Desta forma, na construção dos elementos objetivos do facto gerador, o legislador introduziu uma dimensão temporal de carácter prolongado como seu elemento essencial. Só o esgotamento desse lapso temporal torna completo o facto gerador, conferindo-lhe o carácter de exigível e fazendo nascer a obrigação tributária. Só nesse momento se objetiva a base factual sobre que a obrigação tributária se forma – a média dos saldos apurados em dívida diariamente, divididos por 30.» 

    

§3. O CASO CONCRETO

15. Feito o respetivo balizamento normativo, enfrentemos agora as questões concretas que nos são colocadas neste processo arbitral, principiando por efetuar o enquadramento jurídico-tributário de cada uma das operações financeiras sub judice, o qual se revela necessário para que possamos, além do mais, apreciar e decidir quer o imputado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, quanto à subsunção normativa feita pela AT, quer a questão da alegada caducidade do direito à liquidação do Imposto do Selo.     

 

§3.1. AS OPERAÇÕES FINANCEIRAS SUB JUDICE

§3.1.1. A CONCESSÃO DE CRÉDITO A B…

16. Atenta a factualidade que resultou provada, a este propósito (cf. factos provados e), f), g), h) e i)), afigura-se evidenciado que entre a Requerente e o B… foram celebrados dois contratos de mútuo, o primeiro em 06.01.2014 e o segundo em 07.02.2014, pelos quais aquela emprestou a este, respetivamente, a quantia de € 85.000,00 e a quantia de € 80.000,00 (cf. artigo 1142.º do CC). Tais contratos de mútuo foram celebrados por mero acordo verbal entre as partes, sendo certo que o deveriam ter sido por escritura pública ou por documento particular autenticado, em virtude dos respetivos valores que foram emprestados (cf. artigo 1143.º do CC); assim, tais contratos de mútuo são nulos, por vício de forma (cf. artigo 220.º do CC), operando essa nulidade ipso jure (cf. artigo 286.º do CC).

A nulidade formal daqueles contratos de mútuo não obsta à tributação, em sede de Imposto do Selo, dos empréstimos que, por via deles, foram efetuados pela Requerente, pois, como acima foi referenciado, o que é objeto de tributação não são propriamente os contratos de concessão de crédito, mas sim a utilização efetiva do crédito, independentemente do tipo ou da forma da relação contratual que lhe está subjacente. Ora, dúvida alguma existe quanto à utilização efetiva pelo B…. dos aludidos montantes monetários que lhe foram emprestados pela Requerente.

Questão diferente é saber quais os prazos pelos quais a Requerente concedeu aqueles créditos ao B…, sendo certo que, como acima foi mencionado, o prazo encontra-se determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização do crédito e o respetivo reembolso. No caso concreto, ficou provado que os ditos empréstimos monetários foram contabilisticamente registados na conta 27881055, pela Requerente, como créditos de curto prazo (cf. facto provado h)), ou seja, de prazo inferior a um ano; contudo, isso, por si só, não nos permite concluir que foi esse o prazo acordado entre a Requerente e o B…. O mesmo se diga quanto ao facto de aqueles empréstimos terem sido integralmente reembolsados em 15 de julho de 2015 (cf. facto provado i)). É certo que as testemunhas inquiridas afirmaram que foi estabelecido o prazo de um ano para os aludidos empréstimos; no entanto, para além de o prazo ter sido efetivamente superior, tais depoimentos não têm a aptidão probatória necessária à comprovação de qualquer prazo, em virtude da limitação de prova decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 364.º do CC aqui aplicável, pois a forma externa prescrita por lei para os contratos de mútuo é um requisito ad substantiam (vd., neste sentido, o acórdão do STJ, de 31.01.2019, proferido no processo n.º 89/16.0T8VGS.P1.S2).

Temos, pois, que não se logrou apurar que tenham sido concretamente determinados prazos, entre a Requerente e o B…, para os referenciados empréstimos monetários; nem, tão pouco, que, aquando da efetivação desses empréstimos, foram estabelecidas quaisquer circunstâncias a partir das quais tais prazos seriam determináveis (cf. facto não provado a)).

Nesta conformidade, por consubstanciarem créditos em que o prazo de utilização é indeterminado e indeterminável, afigura-se que os empréstimos concedidos pela Requerente ao B… são, tal como propugnado pela AT, tributáveis em sede de Imposto do Selo, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS conjugado com a Verba 17.1.4 da TGIS; como decidido no processo arbitral n.º 544/2017-T, a «verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3» o que, manifestamente, acontece no caso sub judice.       

 

§3.1.2. A CONCESSÃO DE CRÉDITO À “E…, S.A.”

17. Neste conspecto, a factualidade que resultou provada (cf. factos provados b), c), d), j), k), l), m), n) e o)) e não provada (cf. facto não provado b)) aponta no sentido da inexistência de qualquer empréstimo concedido pela Requerente à empresa “E…, S.A.”, no decurso do ano de 2014. Com efeito, resultou provado que os montantes monetários que foram disponibilizados e entregues pela Requerente à “E…, S.A.” estão totalmente associados à relação comercial existente entre elas, nos exatos termos que foram contextualizados e explicados pelas testemunhas inquiridas e que ficaram, por isso, comprovados.

Assim, uma vez que estamos apenas perante uma relação comercial entre duas empresas, pautada por um regime de pagamentos antecipados, impõe-se-nos concluir que as aludidas disponibilizações de fundos efetuadas pela Requerente à “E…, S.A.” estão fora do campo de incidência do Imposto do Selo.

Por consequência, o enquadramento jurídico-tributário que a AT efetuou das referidas entregas monetárias, considerando-as concessões de crédito e, enquanto tal, subsumindo-as à norma de incidência resultante da conjugação do artigo 1.º, n.º 1, do CIS com a Verba 17.1.4 da TGIS, enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que não pode subsistir.             

 

§3.1.3. OS JUROS E AS COMISSÕES PAGAS NAS OPERAÇÕES DE CONFIRMING

18. A este propósito, resultou comprovada a factualidade vertida nos factos provados p), q) e r), sendo de realçar que não constitui motivo de disputa entre as partes quer o motivo subjacente à cobrança de tais juros e comissões – a existência dos aludidos contratos de confirming e, nesse âmbito, a antecipação do pagamento de faturas à Requerente –, quer os montantes que a Requerente pagou a título seja de juros – no total de € 114.151,19 –, seja de comissões – no total de € 31.933,11 –, no decurso do ano de 2014; com efeito, o único pomo de discórdia entre as partes reside no enquadramento jurídico-tributário de tais juros e comissões em sede de Imposto do Selo.

A propósito do contrato de confirming, Ana Lúcia da Silva Gonçalves (O Contrato de Confirming ou Contrato de Gestão de Pagamentos a Fornecedores, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 17 a 27 e 44 a 46) afirma o seguinte que importa aqui respigar:

«O contrato de confirming ou contrato de gestão de pagamentos a fornecedores, surgido da praxis negocial, é aquele pelo qual um empresário contrata com uma entidade financeira (a denominada entidade de confirming) o pagamento das suas dívidas aos fornecedores na data do seu vencimento, a não ser que esta acorde com os fornecedores do seu cliente-empresário o pagamento antecipado das mesmas.  

(…)

A actividade de confirming reconduz-se a seis momentos fundamentais: o da celebração do contrato; o da remessa das facturas à entidade financeira; o da comunicação aos fornecedores do pagamento das facturas; o da resposta dos fornecedores; o da informação periódica por parte da entidade financeira; e, finalmente, o do vencimento das facturas. 

(…)

Após receção das denominadas facturas “confirmadas” enviadas pelo cliente-empresário, a entidade financeira comunica aos fornecedores que o seu cliente deu instruções para proceder ao pagamento de um lote de créditos, numa data futura.

Em tal comunicação a entidade financeira poder-se-á oferecer para liquidar os montantes apostos nas facturas em datas anteriores ao seu vencimento em condições previamente acordadas com o cliente-empresário.

(…)

Os fornecedores, ao recepcionarem a comunicação emitida pela entidade financeira, poderão optar pelo pagamento antecipado das facturas ou pela sua liquidação na respectiva data de vencimento.

(…)

A actividade de confirming, assim configurada, poder-se-á reconduzir por parte da entidade financeira, de um ponto de vista económico, a três tipos de serviços: serviço de gestão de pagamentos ao cliente-empresário, serviço de financiamento ao cliente-empresário e serviço de financiamento aos fornecedores (…). 

(…) este contrato é associado frequentemente ao financiamento que a entidade de confirming pode facultar aos fornecedores do seu cliente-empresário no caso dos valores em dívida serem pagos antecipadamente.

(…) é próprio da dinâmica contratual do confirming, que a entidade financeira convide os fornecedores do seu cliente-empresário a aceitar a antecipação do pagamento das quantias que lhes sejam devidas, através da cessão pelo fornecedor à entidade de confirming dos respectivos créditos. Para o efeito, a entidade de confirming emite propostas dirigidas aos fornecedores tendo por base o aviso de pagamento, no qual poderá incluir essa oferta de cessão, a qual, sendo aceite, deverá ser formalizada através de um contrato de cessão de créditos.

(…)

Nesta vertente, o contrato de confirming, sem embargos de continuar a reunir elementos de vários negócios regulados na lei, está na base da eventual celebração de outro negócio jurídico: um contrato de cessão de créditos.

Neste caso, estamos perante dois contratos entre si ligados, todavia sem prejuízo da individualidade própria que subsiste.»

  Volvendo ao caso concreto, temos pois que, no âmbito dos aludidos contratos de confirming, a Requerente optou pelo pagamento antecipado das faturas dos seus clientes – designadamente, da empresa “F…, SA” pertencente ao grupo multinacional “X...” –, nas condições previamente acordadas entre estes e as mencionadas instituições bancárias, tendo, por isso, cedido a estas mesmas entidades os respetivos créditos e pago os ditos juros e as mencionadas comissões.

Tais juros e comissões são, como propugnado pela AT, tributáveis em sede de Imposto do Selo, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS conjugado, respetivamente, com as Verbas 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, uma vez que, in casu, estão preenchidos os respetivos pressupostos de incidência objetiva e subjetiva. Acresce que, contrariamente ao que parece ser o entendimento da Requerente, não se mostram aqui violadas as regras de incidência territorial do Imposto do Selo, estatuídas no artigo 4.º do CIS. Com efeito, dúvidas não existem de que decorre do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do CIS que estão sujeitos a Imposto do Selo quaisquer juros, comissões e outras contraprestações por serviços financeiros cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes a entidades domiciliadas em Portugal; ora, esta é precisamente a situação que se verifica no caso concreto, pois temos instituições bancárias residentes em Espanha a cobrarem juros e comissões à Requerente que é uma entidade domiciliada em território nacional.        

 

§3.2. O VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

19. A Requerente alega que «A AT não logra, ainda, sob nenhuma forma, demonstrar e fundamentar a legítima aplicação das verbas 17.14, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS, o que desde já também se invoca.»

Conforme preceitua o artigo 77.º, n.º 1 da LGT, a decisão do procedimento deve ser sempre fundamentada e, como estatui o artigo 153.º, n.º 2, do CPA, “[e]quivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.

Não pode, porém, este Tribunal aderir à tese da Requerente, tendo em conta a natureza do vício formal de falta de fundamentação.

O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, de dar a conhecer o seu iter cognoscitivo e valorativo, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa. A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. acórdão do STA, de 2 de fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 01114/05).

Considera-se que um ato está suficientemente fundamentado sempre que contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. acórdão do STA, de 14 de março de 2001, proferido no processo n.º 046796) e um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão (cf. acórdão do STA, de 20 de novembro de 2002, proferido no processo n.º 042180).  

Compulsado o PA, constata-se que o RIT contém os fundamentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou a liquidação de Imposto do Selo controvertida. Tais fundamentos foram bem percecionados pela Requerente que contra os mesmos esgrimiu a extensa argumentação vertida no pedido de pronúncia arbitral.

Destarte, a Requerente compreendeu os factos e o enquadramento jurídico-tributário preconizado pela AT, tendo entendido o seu sentido e alcance, pelo que improcede a invocação do vício de falta de fundamentação.

Acresce dizer, ainda, que questão diferente é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação vertida no RIT por não considerar demonstrados, nem verificados os pressupostos de tributação nela plasmados. Porém, já não se trata aí de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário.

 

§3.3. A CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO   

20. A Requerente alega que a liquidação de Imposto do Selo controvertida é ilegal «por ter sido emitida e notificada à Contestada num momento em que se encontrava já caducado o direito da AT a liquidar imposto, razão pela qual se requer a sua anulação, com todos os efeitos legais».

 A este propósito, é referido o seguinte na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cf. facto provado y)):

«Dispondo a AT do prazo de quatro anos para notificar a liquidação dos tributos, conforme decorre do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, contando-se o prazo “…nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, …” (cfr. n.º 4 do artigo 45.º da LGT).

Ademais, o n.º 1 do artigo 46.º do mesmo Código determina que “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, …”

Sendo que, a ação inspetiva à Reclamante foi efetuada a coberto da Ordem de Serviço n.º ………, datada de 11/09/2017, tendo o aludido procedimento sido iniciado em 15/02/2018, e objeto de conclusão em 31/07/2018, dentro do prazo preconizado pelo n.º 2 do artigo 36.º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira), operando então o efeito suspensivo do prazo de caducidade, conforme decorre do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

Ora, tendo as liquidações de IS sido notificadas em 22/08/2018, entende a AT que carece igualmente de suporte legal a caducidade invocada pela Reclamante.»

Cumpre apreciar e decidir.

 

21. O n.º 1 do artigo 39.º do CIS estatui, na parte aqui aplicável, que o Imposto do Selo “[s]ó pode ser liquidado nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT”.

O artigo 45.º da LGT prevê o seguinte (na parte que aqui importa reter):

“Artigo 45.º

Caducidade do direito à liquidação

1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(…)

4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

(…)

6. Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

(…)”

O Imposto do Selo, na medida em que incide sobre “factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral” (cf. artigo 1.º, n.º 1, do CIS), é um imposto de obrigação única, pelo que o prazo de caducidade do respetivo direito à liquidação conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu.  

No caso concreto, a fim de dilucidar quando ocorrem os factos tributários sujeitos a Imposto do Selo, importa convocar as alíneas g) e h) do artigo 5.º do CIS, das quais decorre, respetivamente, o seguinte: nas operações de crédito, a obrigação tributária considera-se constituída no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês; nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, a obrigação tributária considera-se constituída no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações.

Temos, assim, que a obrigação tributária considera-se constituída e é conferida eficácia ao facto tributário, quer para efeitos da exigibilidade do imposto, quer para a contagem do prazo do direito à liquidação do imposto:

a)            Relativamente aos créditos concedidos pela Requerente a B…, uma vez que o imposto incide “sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em divida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”, o facto tributário não é instantâneo, mas sim de duração prolongada no tempo, ou seja, é um facto tributário continuado; «o facto gerador forma-se continuamente, todos os dias em que persista o respetivo saldo devedor, consumando-se no último dia de cada mês, data em que, nos termos da alínea g) do art. 5.º, se constitui a obrigação tributária» (José Maria Fernandes Pires, ob. cit.), pelo que o credor tributário pode exigir o pagamento do imposto no final de cada mês de duração da relação creditícia.

Nesta conformidade, o prazo de caducidade do direito à liquidação do Imposto do Selo teve o seu início no final de cada mês de duração dos aludidos créditos, ou seja – considerando apenas o período temporal que aqui está em causa –, no final de cada um dos 12 meses do ano de 2014 (cf. factos provados f) e i)) e, não levando em conta qualquer efeito suspensivo, terminaria no final de cada um dos 12 meses de 2018 (cf. artigo 279.º, alínea c), do CC).  

b)           Relativamente aos juros e comissões pagos pela Requerente às sobreditas instituições bancárias, o facto tributário ocorre de forma instantânea, no momento em que os juros e comissões são cobrados e efetivamente pagos, pois «o nascimento da obrigação tributária depende do efetivo recebimento dos juros e das comissões (quem cobra, recebe)» (Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, ob. cit.), sendo, pois, nesse momento que o credor tributário pode exigir o pagamento do imposto.

Nesta conformidade, o prazo de caducidade do direito à liquidação do Imposto do Selo teve o seu início nas datas em que foram cobrados e pagos os ditos juros e comissões, pagamentos esses que ocorreram em todos os 12 meses do ano de 2014 (cf. facto provado p)) e, não levando em conta qualquer efeito suspensivo, terminaria em iguais dias de cada um dos 12 meses de 2018 (cf. artigo 279.º, alínea c), do CC). 

 

22. O artigo 46.º da LGT dispõe o seguinte (na parte que aqui importa considerar):

“Artigo 46.º

Suspensão do prazo de caducidade

1. O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho do início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.

(…)”

A propósito da suspensão do prazo de caducidade, prevista nesta norma legal, Rui Marques (A caducidade do direito de liquidação do imposto, 2.ª edição, revista e atualizada, Vida Económica, Porto, 2018, pp. 121 a 126) refere, além do mais, o seguinte:

                «O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto (artigo 36.º, n.º 1, 1.ª parte, do RCPIT), o que se compreende uma vez que, após o decurso desse prazo, já não é possível efetuar correções na matéria tributável do sujeito passivo em ordem a uma liquidação administrativa. (…)

                Por regra, o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT), mas, se tal não suceder, ainda que determinado o fim dos atos externos de inspeção, não fica afetado o direito à liquidação dos tributos (n.º 7). Por outro lado, se um procedimento de inspeção não determinou a prática de quaisquer actos tributários ou em matéria tributária, o mesmo não pode relevar para efeitos de suspensão do prazo para liquidação do imposto, uma vez que nenhum imposto haveria que liquidar em consequência dessa mesma ação inspetiva. (…)

                O legislador estatui que apenas a inspeção externa tem aptidão para suspender o prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto. (…)  

                Contudo, nem toda a inspeção externa servirá como causa suspensiva do prazo de caducidade, mas apenas se tiver como âmbito «a verificação do cumprimento das obrigações tributárias» (artigo 2.º, n.º 1, do Regime), e compreender a prática de atos materiais de inspeção relacionados com «A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários» e/ou «A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários» – n.º 2, alíneas a) e b).  

                No fundo, tem aptidão suspensiva o «Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários» – artigo 12.º, n.º 1, alínea a). Com a sua tramitação segundo tipificado pelo RCPIT: notificação prévia (carta-aviso), notificação de ordem de serviço ou despacho, realização de atos materiais de inspeção, notificação de nota de diligência, notificação de projeto de relatório, direito de audição prévia e notificação de relatório final. (…)

Neste caso, o termo inicial da suspensão do prazo de caducidade ocorre com o início da ação de inspeção. Ou seja, pela notificação da ordem de serviço ou despacho, que acoberta o procedimento externo de inspeção, à entidade inspecionada, que deve assinar e receber uma cópia (artigo 51.º). A notificação prévia para o procedimento de inspeção não inicia o prazo de suspensão do prazo de caducidade, constante do art. 46.º, n.º 1, cujo termo inicial é o início da ação inspetiva.

Por sua vez, o termo final da mesma suspensão verifica-se aquando da notificação do relatório de inspeção (artigo 62.º, n.º 2), conforme o entendimento que tem vindo a ser consolidado pela jurisprudência. Ocorrendo no prazo de seis meses decorridos sobre o início da inspeção, tal notificação tem o efeito de fazer cessar a suspensão do prazo de caducidade, que, assim, retoma a sua contagem. É a partir do relatório de inspeção e das suas correções à matéria tributável que a Administração está em condições de efetuar, posteriormente, a liquidação de imposto. (…)

(…), segundo dispõe o artigo 36.º, n.º 2, do mesmo regime, o procedimento externo de inspeção deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início. Por sinal, o mesmo prazo em que se suspende a caducidade do direito de liquidar o imposto. Ou seja, o legislador entende que, excedido o prazo de duração do procedimento externo de inspeção, não existem razões para que a Administração possa beneficiar do efeito suspensivo do prazo de caducidade.

(…)

Em suma, a consequência de o procedimento externo de inspeção tributária exceder a duração de seis meses é, apenas e tão-somente, uma: a cessação de uma causa suspensiva do prazo de caducidade do direito de liquidação, contando-se o prazo desde o seu início (artigo 46.º, n.º 1, da LGT). Pelo que a recomposição do prazo de caducidade faz-se como se nunca tivesse ocorrido aquela suspensão.

(…)

Não obstante, o prazo para conclusão do procedimento suspende-se em determinadas situações (n.º 5): (…)»      

O STA já apreciou, por diversas vezes, a questão da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, em caso de inspeção tributária para apuramento da matéria coletável, tendo firmado «jurisprudência no sentido de que a suspensão do decurso do prazo de caducidade, que se inicia com a inspecção externa, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LGT, cessa, nos casos em que essa inspecção tem duração inferior a seis meses, na data da notificação do respectivo relatório final» (cf. acórdão de 25.09.2019, proferido no processo n.º 02304/13.3BEPRT; vd. as referências de jurisprudência feitas neste aresto). 

Voltando ao caso concreto e considerando a matéria factual assente nos factos provados s), t), u) e v) – da qual resulta, desde logo, que a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo que teve por escopo a verificação do cumprimento das respetivas obrigações tributárias e do qual resultou a emissão das liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios controvertidas –, temos que:

•             em 15.02.2018, o Administrador Único da Requerente assinou a notificação da Ordem de Serviço, ao abrigo da qual foi realizado o procedimento externo de inspeção, e, nessa mesma data, foram iniciados os atos inspetivos;

•             o prazo de caducidade do direito de liquidação do Imposto do Selo suspendeu-se nessa data;

•             em 06.08.2018, a Requerente foi notificada do RIT;

•             o termo do efeito suspensivo do prazo de caducidade ocorreu nesta última data;

•             em 22.08.2018, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo controvertida.

Assim, a suspensão do prazo de caducidade a considerar ocorreu 15.02.2018 e 06.08.2018, perfazendo um período total de 173 dias.

Nesta conformidade, afigura-se, desde logo, que, quando foi iniciado o procedimento inspetivo externo, já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação de Imposto do Selo, estatuído no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, sobre os factos tributários anteriores a 15.02.2014 e respeitantes quer aos créditos concedidos pela Requerente ao B…, quer aos juros e às comissões pagas pela Requerente, no âmbito das operações de confirming (vd. ponto 21 supra).

Quanto aos factos tributários posteriores a essa data, considerando que desde 07.08.2018 – data em que o prazo de caducidade voltou a correr – até 22.08.2018 – data em que ocorreu a notificação da liquidação do Imposto do Selo – decorreram 16 dias, concluímos que também caducou o direito à liquidação do Imposto do Selo relativamente aos factos tributários ocorridos entre 15.02.2014 e o final do mês de fevereiro de 2014 (vd. ponto 21 supra); no concernente aos factos tributários ocorridos a partir de 01.03.2014 (vd. ponto 21 supra), somando o prazo de caducidade decorrido até ao início do efeito suspensivo com aquele que viria a decorrer após a cessação desse efeito até à data de notificação da liquidação de Imposto do Selo controvertida, impõe-se concluir que esta foi notificada no prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT.

*

23. Em conclusão, resulta do exposto que o ato de liquidação de Imposto do Selo controvertido padece dos seguintes vícios invalidantes, devendo, por isso, ser parcialmente declarado ilegal e anulado (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA):

- vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS e na Verba 17.1.4 da TGIS, quanto ao imposto liquidado sobre os montantes monetários entregues pela Requerente à “E…, S.A.”; e,

- caducidade do direito à liquidação do imposto sobre os factos tributários ocorridos até ao final do mês de fevereiro de 2014 e respeitantes quer aos créditos concedidos pela Requerente ao B…, quer aos juros e às comissões pagas pela Requerente, no âmbito das operações de confirming. 

Na medida em que manteve o ato de liquidação de Imposto do Selo controvertido, a decisão de indeferimento da referenciada reclamação graciosa padece de idêntica invalidade, pelo que deve, nessa exata medida, ser parcialmente declarada ilegal e anulada.

 

§3.4. Os Juros Compensatórios

24. O artigo 40.º do CIS, epigrafado “Juros compensatórios”, estatui o seguinte:

“1 – Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, da harmonia com o artigo 35.º da LGT.

2 – Os juros referidos no número anterior serão contados dia a dia, a partir do dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto ou, tratando-se de retardamento da liquidação, a partir do dia em que o mesmo se iniciou, até á data em que for regularizada ou suprida a falta.”

Por seu turno, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

Na situação sub judice, concluiu-se que o ato de liquidação de Imposto do Selo controvertido é parcialmente inválido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por caducidade do direito à liquidação, nos termos acima enunciados, devendo, por isso, ser parcialmente anulado.

Atento o pressuposto subjacente às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idênticos vícios invalidantes e, por consequência, devem ser anuladas na parte em que incidem sobre os montantes de Imposto do Selo ilegalmente liquidados.

 

25. Importa, ainda, apreciar especificamente a questão suscitada pela Requerente atinente à falta dos pressupostos próprios, previstos no artigo 40.º, n.º 1, do CIS e no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, para a liquidação dos juros compensatórios, tendo em conta que o retardamento da liquidação tem que ser imputável ao contribuinte.

Em face das citadas disposições legais, particularmente do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, tem sido entendido pela jurisprudência que «a responsabilidade por juros compensatórios, tendo a natureza de uma reparação civil, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura a título de dolo ou negligência a essa actuação» (cf. acórdão do STA, de 19.11.2008, proferido no processo n.º 0576/08), pelo que «para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto» (cf. acórdão do STA, de 22.01.2014, proferido no processo n.º 01490/13), pois «se a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento desse tipo de juros depende da existência de culpa por parte do contribuinte, esse juízo só pode ser aferido casuisticamente pelo julgador» (cf. acórdão do STA, de 06.05.2015, proferido no processo n.º 0196/15).

A Requerente sustenta o seguinte: «(…), não deverá ser imputada responsabilidade por juros caso o atraso na liquidação ou a obtenção de reembolso indevido sejam provocados pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, mas ele tenha atuado de boa-fé – que se presume de acordo com o n.º 2 do artigo 59.º da LGT – e o erro seja desculpável»; «E, quanto ao demais, resulta claro que a posição da Impugnante é sustentada em divergências, válidas e fundamentadas, quer de facto, quer de direito, relativamente à análise feita pela AT»; e «Divergências às quais, (…), não pode a Impugnante renunciar e que, fundamentando o seu comportamento, têm como consequência que não possa ser formulado qualquer juízo de censurabilidade a título de dolo ou negligência contra a Impugnante».

Atento o acima exposto, é manifesto que, contrariamente ao alegado pela Requerente, impõe-se reconhecer a legalidade das liquidações dos juros compensatórios – na parte ainda subsistente, ou seja, na parte em que não foram, anteriormente, consideradas ilegais –, uma vez que, em face dos factos dados como provados e não provados, verifica-se in casu o nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação de Imposto do Selo e a atuação da Requerente e a censurabilidade, pelo menos a título de negligência, da atuação perpetrada; com efeito, não se pode, de modo algum, afirmar que estamos simplesmente perante uma divergência de critérios entre a AT e o contribuinte relativamente à qualificação de determinada situação tributária ou que ocorreu um qualquer erro desculpável.

Destarte, na parte em que não incidem sobre os montantes de Imposto do Selo ilegalmente liquidados, as liquidações de juros compensatórios controvertidas afiguram-se legais. 

  

§4. O REEMBOLSO DOS MONTANTES (INDEVIDAMENTE) PAGOS 

26. A Requerente pretende, ainda, o reembolso «do valor do imposto ilegalmente cobrado e por esta pago».

A alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT determina que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”; o que está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT.

Assim, por efeito da reconstituição da situação que existiria em resultado da anulação do ato tributário, há, desde logo, lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

No entanto, o reembolso depende do pagamento indevido e, no caso concreto, como resultou provado, a Requerente não efetuou o pagamento voluntário do montante global de Imposto do Selo e de juros compensatórios que foi liquidado – € 8.341,21 (oito mil trezentos e quarenta e um euros e vinte e um cêntimos) –, pelo que foi emitida a certidão de dívida n.º 2018 …… e instaurado o processo de execução fiscal n.º …………., o qual se encontra suspenso (cf. facto provado w)); não foi, assim, comprovado o pagamento de qualquer quantia de imposto e/ou de juros compensatórios.

Por consequência, inexiste fundamento factual para se decidir neste processo se há ou não direito ao pretendido reembolso, pelo que tem de ser julgado improcedente o respetivo pedido, sem prejuízo do eventual direito poder ser reconhecido à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para o definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (cf. artigo 609.º, n.º 2, do CPC).  

*

27. A finalizar, há que salientar que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2018 …………:

•             por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do CIS e na Verba 17.1.4 da TGIS, quanto ao imposto liquidado sobre os montantes monetários entregues pela Requerente à “E…, S.A.”; e,

•             por caducidade do direito à liquidação do imposto sobre os factos tributários ocorridos até ao final do mês de fevereiro de 2014 e respeitantes quer aos créditos concedidos pela Requerente ao B……, quer aos juros e às comissões pagas pela Requerente, no âmbito das operações de confirming.    

b)           Declarar ilegais e anular as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018 …………, 2018 …………., 2018 …………, 2018 ……….., 2018 ……….., 2018 …………, 2018 ………… e 2018 …………, na parte em que incidem sobre os montantes de Imposto do Selo ilegalmente liquidados;

c)            Declarar ilegal e anular parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ……………, em termos idênticos à declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação do Imposto do Selo;

d)           Julgar improcedente o pedido de reembolso, sem prejuízo de poder vir a ser reconhecido em execução de julgado;

e)           Condenar ambas as partes no pagamento das custas processuais, na proporção dos respetivos decaimentos.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 8.341,21 (oito mil trezentos e quarenta e um euros e vinte e um cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção dos seus decaimentos que se fixam, respetivamente, em 85% e 15%.

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Notifique.

 

Lisboa, 17 de maio de 2021.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)