Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 336/2020-T
Data da decisão: 2021-05-21  IRS  
Valor do pedido: € 6.332,26
Tema: IRS – Falta de entrega da declaração; Liquidação oficiosa; Indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação; Indeferimento tácito do recurso hierárquico; Ónus da Prova.
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DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Vera Figueiredo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24-09-2020, decide nos termos que se seguem:

 

I.             RELATÓRIO

1.            A…, NIF ………., residente em Rua ……., Lisboa, adiante designado como “Requerente”, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), em conjugação com o disposto no artigo 99.º e na alínea d) do número 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”), e que tem por objeto o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico deduzido contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018…………., respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2015, no valor total de € 6.332,26 (seis mil trezentos e trinta e dois euros e vinte e seis cêntimos).

2.            O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado pelo Requerente em 02-07-2020, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e enviada notificação automática à Requerida em 03-07-2020.

3.            Em 13-07-2020, a AT foi notificada da apresentação do pedido.

4.            O Requerente optou por não designar árbitro, tendo o Conselho Deontológico, nos termos do artigo 6.º n.º 1 e do artigo 11.º n.º 1 do RJAT, designado o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

5.            As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 25-08-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

6.            Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 24-09-2020.

7.            Em 25-09-2020, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 1 do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (“PAdm”).

8.            O Requerente apresentou, em 02-10-2020, requerimento para junção aos autos da notificação recebida da AT, ora Requerida, para audição prévia no Recurso Hierárquico sub judice e da resposta apresentada.

9.            A Requerida foi notificada pelo Tribunal Arbitral em 11-10-2020 para exercer o contraditório relativamente ao requerimento de junção de documentos apresentado pela Requerente, no prazo de resposta previsto no artigo 17.º do RJAT.

10.          A Requerida juntou aos autos a sua resposta em 02-11-2020, na qual se defendeu por exceção, alegando a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o ato impugnado bem como a incompetência material para corrigir a liquidação impugnada, e por impugnação, pugnando pela manutenção da liquidação de IRS do ano fiscal de 2015 e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

11.          Tendo junto aos autos o processo administrativo em 03-11-2020.

12.          Em 04-11-2020, o Tribunal Arbitral ordenou a notificação do Requerente para, no prazo de 10 dias, indicar sobre que factos constantes do pedido de pronúncia arbitral deveria incidir a produção de prova testemunhal e as declarações de parte.

13.          Mediante requerimento datado de 09-11-2020, o Requerente deu conhecimento ao Tribunal Arbitral sobre que factos constantes do pedido de pronúncia arbitral recairia a prova testemunhal e o depoimento de parte (artigos 11 a 20, 30, 31 e 33 do pedido de pronúncia arbitral), tendo ainda apresentado defesa relativamente às exceções suscitadas pela Requerida, acima detalhadas.

14.          Mediante despacho de 16-11-2020, o Tribunal Arbitral designou o dia 08-01-2021, pelas 14:30 horas, para a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual iria ser realizada a inquirição da testemunha arrolada e do depoimento de parte, seguida de alegações orais.

15.          Por motivo de força maior imputável ao árbitro, foi a reunião reagendada adiada para o 15-01-2021 pelas 14:30 horas.

16.          No dia 12-01-2021, o Ilustre Mandatário do Requerente solicitou o adiamento da reunião de dia 15-01-2021, por motivo de isolamento profilático voluntário e por não dispor de meios técnicos adequados para realizar a reunião não presencial, o que foi deferido, tendo a reunião sido adiada para o dia 10-02-2021 pelas 10:00 horas.

17.          Ao abrigo do disposto no artigo 6.º-B n.º 1 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foi emitido em 08-02-2021 novo despacho pelo Tribunal Arbitral, adiando a data da reunião presencial e dando ao Requerente e Requerida prazo de 5 dias úteis para optarem pela realização da reunião através de meios não presenciais.

18.          Não tendo sido exercida a opção acima referida, em 06-04-2021 foi designada nova data para a reunião do artigo 18.º do RJAT: dia 19-04-2021, pelas 14:15 horas.

19.          No dia 19-04-2021 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e ouvido o depoimento de parte. Foi, ainda, decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, para as quais foi concedido um prazo de 10 dias sucessivo ao Requerente e à Requerida.

20.          Em 28-04-2020, o Requerente juntou aos autos a as suas alegações escritas, nas quais reiterou os argumentos aduzidos no pedido de pronúncia arbitral.

21.          A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 13-05-2021, nas quais alegou que na ausência de factos novos, na falta de inovação da posição do Requerente nas suas alegacões e considerando já ter analisado a questão em litígio em sede de Resposta, deveria considerar-se todo o aduzido em sede de Resposta e tido por integralmente reproduzido.

II.            SANEAMENTO

22.          O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (artigo 5.º n.º 1 e n.º 2, artigo 6.º n.º 1 e artigo 11.º do RJAT).

23.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT).

24.          Foram alegadas pela Requerida questões prévias – incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o ato impugnado e incompetência material para corrigir a liquidação impugnada –, que serão analisadas na parte decisória, após a fixação da matéria de facto dada como provada.

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

A.           Factos dados como provados

25.          Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos, que não foram contestados pela Requerida:

a)            O Requerente é um sujeito passivo de IRS, que se encontrava registado no ano de 2015 para exercer a atividade de prestação de serviços, com o código 1519 – Outros Prestadores de Serviços;

b)           Em 02-03-2015, foi emitida a Fatura-Recibo n.º 2, no valor de € 18.252,65, à B…, NIF ………, atualmente denominada C….,;

 

c)            O Requerente não entregou a declaração de rendimentos para o período de 01-01-2015 a 31-12-2015, no prazo previsto no artigo 60.º do Código do IRS, em vigor à data dos factos, ou seja, até 16-05-2016.

d)           Em 12-03-2017, foi iniciado pela AT procedimento de divergências, referente ao ano de 2015, por se terem detetado rendimentos da categoria B e rendimentos prediais, comunicados na declaração modelo 10, e não ter sido submetida a declaração modelo 3 de IRS.

e)           O Requerente foi notificado através do ofício GIC6……….. de 13-03-2017, ViaCTT registo n.º 2017………………., para prestar os esclarecimentos necessários.

f)            O requerente não submeteu a declaração modelo 3 de IRS, nem apresentou qualquer justificação para a falta de submissão da mesma.

g)            Considerando a Fatura-recibo n.º 2 e as declarações modelo 10 submetidas pela B… e pelos arrendatários do Requerente, a AT elaborou em 03-05-2018 uma declaração modelo 3 de IRS oficiosa relativa ao ano de 2015.

h)           A declaração foi acompanhada de dois anexos: i) anexo B - rendimentos de prestação de serviços, em que foi declarado o montante de € 18.252,65; e ii) anexo F - rendimentos prediais, no montante de €6.324,04, e retenções na fonte de €535,98

i)             À referida declaração de rendimentos foi atribuído o n.º ….-2015-…..-...

j)             Em 10-05-2018, foi emitida pelos serviços da AT a correspondente liquidação oficiosa n.º 2018 …………, nos termos do artigo 76.º n.º 1 alínea b) do Código do IRS, que apurou IRS a pagar de € 6.332,26, com data-limite para pagamento em 20-06-2018:

 

k)            O Requerente não procedeu ao pagamento do imposto, no prazo de pagamento voluntário.

l)             Em 19-06-2019, o Requerente procedeu à anulação da Fatura-Recibo n.º 2, com data de emissão de 02-03-2015:

 

m)          Em 26-06-2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos de IRS, do ano de 2015, à qual foi atribuído o n.º ….-2015-….-.., acompanhada do anexo F – Rendimentos Prediais, no montante de €2.144,04 e retenções na fonte de €535,95.

n)           Conforme o resumo constante do PAdm, a referida declaração modelo 3 de IRS submetida pelo Requerente encontra-se em estado de “Declaração Não Liquidável”:

 

o)           Em 31-07-2019, o Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa-…. o pedido de revisão do ato tributário/ pedido de correção da liquidação n.º 2018 …………:

 

p)           O Requerente foi notificado, mediante ofício n.º ….. datado de 19-11-2019, do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e para exercício do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, com base nos seguintes fundamentos:

 

q)           O Requerente exerceu direito de audição prévia, no qual alegou que, em obediência ao princípio da tributação pelo rendimento real deveria a AT ter tomado em consideração os elementos inscritos na declaração apresentada, devendo realizar uma inspeção tributária à B…. para comprovação dos elementos apresentados.

r)            O despacho de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado foi notificado ao Requerente pelo ofício n.º ….. datado de 17-12-2019. No referido despacho emitido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências, é determinado o seguinte: “Concordo pelo que nos termos e com os fundamentos expostos convolo em definitivo o projeto de despacho de indeferimento do pedido” [Cf. fundamentos do projeto de despacho de indeferimento no ponto p supra].

s)            Da Informação n.º …./19, anexa ao despacho de indeferimento, consta a seguinte Informação Complementar:

 

t)            O Ofício supra foi recebido pelo Requerente em 19-12-2019, conforme decorre do registo dos CTT.

u)           Em 22-01-2020, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto da Direção de Serviços do IRS.

v)            Em 02-07-2020, foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD.

w)          O Requerente foi notificado, mediante Ofício n.º …. de 18-08-2020, do projeto de indeferimento do Recurso Hierárquico e para exercício de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, com os seguintes fundamentos:

 

x)            O Requerente exerceu o direito de audição prévia em 03-09-2020, pugnando pela apresentação tempestiva do recurso hierárquico.

y)            O Tribunal Arbitral foi constituído em 24-09-2020.

C.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada     

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que é alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e artigo 607.º n.º 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em face das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC e artigo 16.º alínea e) do RJAT).

Apenas quando a força probatória se encontra estabelecida na lei, nomeadamente no caso de força probatória plena dos documentos autênticos, prevista no artigo 371.º do Código Civil, não é aplicado o princípio da livre apreciação da prova produzida.

Assim, no que respeita à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes, e na posição assumida pelas mesmas em relação aos factos.

No que concerne às declarações de parte, o depoimento do Requerente foi vago, impreciso e contraditório relativamente aos factos sobre os quais recaía a prova testemunhal. Com efeito, o Requerente afirmou que “quase de certeza” não recebeu o valor constante da Fatura-recibo n.º 2 e que somente em 2017/2018 tomou conhecimento da existência da mesma através do seu contabilista. O Requerente descreveu a B…. como uma entidade cujos colaboradores não tinham vínculo, à exceção do enólogo, e a quem as despesas e demais pagamentos eram realizados em “envelopes” de dinheiro. Referiu-se, ainda, à B… como um consulado do governo alemão, com regime fiscal “privilegiado”, em que passava muito dinheiro, e que tinha à frente uma pessoa com muita idade, o Barão, com uma maneira própria de gerir o negócio. Para explicar a emissão da fatura-recibo em discussão, o Requerente atribuiu a mesma a uma contabilista alemã que veio em 2015 trabalhar na B….. Esta contabilista teria acesso ao computador da sociedade, onde o Requerente teria uma pasta com informação pessoal, incluindo o acesso ao Portal das Finanças. Em 2015, atravessava uma situação pessoal complexa, de separação, vivendo num quarto de um amigo em Sintra e fazendo toda a sua vida pessoal, incluindo as refeições principais nas instalações da B….. Os montantes que lhe eram dados não eram remuneração, mas sim “dinheiro de mão”, ou seja, dinheiro para pagamento de despesas de combustíveis e de refeições que fazia aquando das deslocações pelo país a fazer entregas de vinho vendidas pela B….. O Requerente alega que ainda hoje não sabe emitir recibos e que quem tem a sua password de acesso ao Portal das Finanças e à sua caixa do correio eletrónico das finanças é o seu contabilista. Considerando o supra exposto, o contributo do depoimento de parte para a motivação da matéria de facto foi relativizado pelo Tribunal.

No que se refere ao depoimento da testemunha inquirida, D…., contabilista, com domicílio profissional em Rua ……….,  Lisboa, o mesmo mostrou-se credível e verosímil. A testemunha é contabilista de uma empresa constituída pelo Requerente, pelo tem uma relação profissional/de prestação de serviços com o mesmo. Segundo a testemunha, tornou-se contabilista de uma empresa do Requerente e estava a ajudá-lo a resolver as suas pendências fiscais (IUC, de IRS, coimas, etc.), quando surgiu a liquidação oficiosa de IRS de 2015 emitida pela AT. Verificou que se tratava de um ato isolado emitido em 2015, que o Requerente alegou não ter recebido e que deveriam ter emitido o recibo em seu nome, porque tinham as suas passwords das finanças. Contudo, as declarações prestadas sobre os factos passados em 2015 são depoimento indireto , dado que são factos dos quais tomou conhecimento não diretamente, mas por intermédio do Requerente. Logo, não serão passíveis de infirmar os factos fixados que resultam dos documentos, nomeadamente a emissão em nome do Requerente da Fatura-recibo n.º 2 de 2015.

B.            Factos não provados

O Requerente não logrou demonstrar, por via documental ou pelo depoimento de parte e testemunhal, os seguintes factos alegados, cujo ónus sobre si recaía e que se julgam como não provados:

(i)           A Fatura-recibo n.º 2, datada de 02-03-2015, não ter sido emitida pelo Requerente ou a seu pedido;

(i)           A B….. não ter realizado o pagamento do montante de €18.252,65 ao Requerente em 2015 ou nos anos seguintes.

Com relevo para a decisão não se verificaram quaisquer outros factos alegados que devam julgar-se não provados.

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

De acordo com o disposto no artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º do RJAT, “(…) sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. (…)”, sendo que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (…)”.

Nestes termos, torna-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, as exceções suscitadas pela Requerida.

1.            Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do ato impugnado

A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto às pretensões em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 29.º do RJAT.

A Requerida invoca a incompetência material do CAAD para conhecer do pedido de anulação da liquidação de IRS de 2015 do Requerente, com base nos seguintes argumentos:

“O ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral sub judice consubstancia-se na decisão de indeferimento tácito do pedido do recurso hierárquico. Assim sendo, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação porquanto a mesma ficou prejudicada na medida em que faltava um pressuposto procedimental necessário à sua efetiva apreciação. O que equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão. Consequentemente, resulta assim inequívoco que estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT. (…) Uma vez que o ato impugnado – decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico - não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação, nem formula qualquer juízo sobre a sua legalidade.

Face às normas que limitam a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação da legalidade de atos de decisão de recurso hierárquico que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, tem de se concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do ato do ato impugnado. E neste pressuposto é, pois, inegável e evidente que o CAAD não é competente para a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico.”

Por seu turno, o Requerente entende não assistir razão à Requerida, alegando que “8. (…), resulta da jurisprudência deste tribunal que nos casos em que o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade de actos de liquidação, como sucede in casu, o indeferimento tácito do recurso hierárquico, que se presume, ter confirmado aquela anterior decisão expressa, também comporta essa apreciação de legalidade. 9. Nesse sentido vide o douto Acórdão do CAAD, proferido no Processo n.º 707/2019-T, com data de 09/03/2020, em que foram Árbitros o Exmos. Senhores Drs. Jorge Lopes de Sousa e Arlindo José Francisco e a Exma. Senhora Dr.a Cristina Coisinha. 10. Sendo certo que, no presente caso, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apreciou a legalidade do acto de liquidação n.º 2018…………. 11. Improcede, por isso, a excepção de incompetência material suscitada pela Requerida. (…)”

Cumpre decidir.

A competência dos tribunais arbitrais está prevista no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e abrange:

“a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;”.

A apreciação de atos de segundo grau – como é o caso das decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa – será ainda de enquadrar no âmbito da competência definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, relativa à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, quando estes tenham por objeto a apreciação da legalidade do ato tributário.

Doutrina, esta, que vem sendo defendida pelos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD. Com efeito, os tribunais arbitrais têm vindo a decidir neste sentido:

“Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».

No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT. (…) Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [artigos. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] (   ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido artigo 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.”  (sublinhado nosso)

No que respeita às situações de indeferimento tácito de um recurso hierárquico, os tribunais arbitrais têm entendido que:

“O indeferimento tácito, que é um conceito que ainda vigora no contencioso tributário (depois de ter sido abandonado no contencioso administrativo, na reforma de 2002/2004), não constitui um acto, mas uma presunção destinada a permitir aos contribuintes a impugnação contenciosa ou administrativa, nos casos em que pretendem utilizar meios processuais que têm um acto como seu objeto, como se infere do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT. Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa através de um meio processual que tem por objecto um acto, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.(…) Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico interposto de decisão expressa de prévia impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), pois, nestes casos, o recurso hierárquico não tem por objecto directo um acto de liquidação, mas sim o anterior acto de indeferimento da impugnação administrativa. Se o acto expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de acto de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta.”  (sublinhado nosso)

No mesmo sentido, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: “Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação. Assim, o meio processual adequado para impugnação do referido indeferimento tácito é a impugnação judicial. Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de acto expresso, é através do acto do subalterno, que se presume confirmado tacitamente no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, que se afere a idoneidade do meio processual, designadamente para efeitos da adequação ou não do processo de impugnação judicial, à face do preceituado noas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.”  (sublinhado nosso)

Desta forma, para concluir sobre a competência do Tribunal Arbitral haverá que averiguar do conteúdo do ato impugnado – despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, objeto do ato tácito de indeferimento do recurso hierárquico –, de modo a verificar se o mesmo comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação – a liquidação oficiosa n.º 2018………...

Ora, no caso sub judice, o pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central ao abrigo de subdelegação de competências, nos seguintes termos:

“25.        Sendo, perante este contexto, que a presunção de veracidade da declaração oficiosa, seria ilidida.

26.          Ora, não só o sujeito passivo não dispõe de contabilidade organizada, como a administração fiscal verificou os elementos relativos aos rendimentos da categoria B, conexos com o impetrante.

27.          Precisamente, os dados disponíveis no sistema e-fatura.

28.          Logo, a administração fiscal limita-se a indagar, ao exponente, as razões que mediaram a anulação da fatura-recibo no 2.

29.          Uma resposta que sempre se imporia, ao requerente, em cumprimento do princípio da colaboração.

30.          Preterido o ónus de prova que impende sobre o contribuinte, é mister reafirmar a presunção de veracidade da declaração oficiosa.

31.          Deste modo, é entendimento dos serviços manter a proposta de indeferimento ínsita na Informação n.º …../19.”

De onde se retira que estamos perante considerações sobre a situação concreta da liquidação, às quais subjaz um juízo de valor.

Logo, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não limita a sua fundamentação à constatação da existência de obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade, pronunciando-se sobre o mérito do ato de liquidação.

De todo o supra exposto resulta que, estamos perante um ato administrativo [pedido de revisão oficiosa da liquidação] em matéria tributária que, por apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, poderá ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT, cabendo no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais.

Assim, este Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22-03-2011, improcedendo a exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, arguida pela Requerida.

Refira-se, por último, que o projeto de indeferimento expresso que foi notificado ao Requerente em 18-08-2020 não tolhe o entendimento acima exposto, na medida em que, nos termos do disposto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT, a AT dispõe de um “prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”.

Tendo a AT tomado conhecimento do pedido de pronúncia arbitral em 13-07-2020, qualquer novo ato tributário relativamente à liquidação sub judice, teria de ser praticado no prazo de 30 dias, exceto com fundamento em factos novos, nos termos do artigo 13.º n.º 3 do RJAT.

Neste sentido, veja-se Carla Costa Trindade , “Após este período, o ato tributário cristaliza-se na ordem jurídica, não sendo alterável por iniciativa da Administração Tributária a menos que ocorram factos novos”.

Considerando que a notificação do projeto de despacho de indeferimento do recurso hierárquico é datada de 18-08-2020, não poderá o referido projeto ter implicações na presunção de indeferimento do recurso hierárquico, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

2.            Da incompetência material do Tribunal Arbitral para corrigir a liquidação impugnada

A Requerida invoca a incompetência material do CAAD para corrigir a liquidação impugnada, com base nos seguintes argumentos:

«A competência do Tribunal Arbitral decorre do disposto no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), que estabelece:

 “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: 

a)            A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; 

b)           A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; 

2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade. “ 

Verifica-se assim que não está no elenco destas competências o apuramento da matéria coletável e a emissão de atos de liquidação.

É pois manifesto e evidente que o pedido formulado pelo Requerente não se insere no âmbito das competências acima elencadas. (…)

À semelhança do que sucede no processo de impugnação, ocorre a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros compensatórios, como é o caso, conducente à absolvição da instância da Requerida, nos termos do n.º 2, do artigo 576° e alínea a), do art. 577°, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29,º do RJAT.» (sublinhado nosso)

Antes de prosseguir com a análise da exceção, refira-se que o Requerente não pede ao Tribunal para conhecer de pedido autónomo do direito aos juros compensatórios. O Requerente pede outrossim ao Tribunal Arbitral que “(…) se digne proceder à correção da liquidação oficiosa n.º 2018…………. (cfr. doc. l), para o período de rendimentos de 01-01-2015 a 31-12-2015, em consonância com a declaração de rendimentos apresentada pelo ora Requerente respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2015;” (sublinhado nosso)

Quanto a este pedido, a Requerida deverá ser absolvida da instância, na medida em que, à semelhança do processo de impugnação judicial, o processo arbitral é um contencioso de anulação e o Tribunal Arbitral apenas tem competência para anular a liquidação caso julgue o pedido procedente.

A correção da liquidação oficiosa será matéria da competência dos serviços da AT, ora Requerida, em sede de execução da decisão arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 24º do RJAT., em caso de procedência do pedido.

3.            Da ilegalidade do ato de liquidação de IRS

a.            Da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa

Admitindo-se a recorribilidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação oficiosa n.º 2018…………. junto deste Tribunal Arbitral, haverá que aferir se o pedido de revisão oficiosa em causa nos presentes autos cumpria os requisitos legais.

Atente-se à redação do artigo 78.º da LGT em vigor à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, que dispunha nos seguintes termos:

“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (…)”.

Existe à data de prolação do presente acórdão vasta jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sobre o alcance do pedido de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STA: “Na verdade, é hoje pacífico que a revisão prevista no art. 78.º da LGT constitui um poder-dever da AT, à qual se impõe, por força dos princípios justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos, que a AT está obrigada a observar na sua actividade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art. 55.º da LGT), que não exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei; e é também jurisprudência consolidada, que, tal como a AT deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.) (…) Por outro lado, é hoje também jurisprudência consolidada que, em face do indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão oficiosa, mesmo que este seja formulado para além do prazo da reclamação administrativa (Seja este prazo o de dois anos, previsto no art. 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, seja o prazo de 15 dias, previsto no art. 162.º do Código do Procedimento Administrativo, na redacção em vigor à data.), mas dentro dos limites temporais em que a AT pode rever o acto, se abre a via contenciosa nos termos do art. 95.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, da LGT (Vide, entre outros, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1950/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015)(…)”  (sublinhado nosso)

Como vem sendo densificado pelos tribunais superiores e seguido pelos tribunais arbitrais com assento no CAAD, “(…)a «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.”

Assim, o pedido de revisão do ato tributário, ao abrigo da parte final do n.º 1 do artigo 78.º, poderá ser submetido no prazo de 4 anos, ainda que por iniciativa do sujeito passivo, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços”.

Sobre o que seja “erro imputável aos serviços”, é jurisprudência assente que o mesmo é um erro nos pressupostos de facto ou de direito e não um mero lapso ou erro material.

Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAS: «No entanto, a revisão do acto tributário ao abrigo do regime previsto no citado artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., deve ter por fundamento erro imputável aos serviços da A. Fiscal, vector que é posto em causa na presente apelação, levando em consideração o regime das liquidações oficiosas objecto do processo e constante do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., conforme mencionado supra.

Embora o conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o preceito não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/3/2012, rec.1007/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2016, rec.407/15; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág.232 e seg.).»  :

Ora, no caso em apreço, não só a AT emitiu a liquidação , o ato tributário por excelência que lhe incumbe em sede de IRS, como o fez com base numa declaração oficiosa preparada pelos serviços da Requerida, ao abrigo da prerrogativa prevista no artigo 76.º n.º 3 do Código do IRS.

Nesta medida, sendo a liquidação datada de 10-05-2018 e tendo o pedido de revisão oficiosa sido submetido em 31-07-2019, o mesmo seria tempestivo.

Fica, assim prejudicada, a análise da verificação dos requisitos do pedido de revisão ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ou seja, com fundamento em injustiça grave ou notória.

b.            Da legalidade da liquidação de IRS de 2015

Sendo o pedido de revisão tempestivo, cumpre aferir da legalidade do indeferimento do mesmo e, consequentemente, da legalidade da liquidação oficiosa de IRS de 2015 emitida pela Requerida.

Antes de mais, cumpre analisar o enquadramento legal da liquidação oficiosa emitida relativamente aos rendimentos auferidos em 2015 pelo Requerente.

Assim, a obrigação de entrega da declaração de IRS decorria do disposto no n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos:

“Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, (…) fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo.”

Estabelecendo-se no artigo 60.º n.º 1 o respetivo prazo: “A declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue: (…) b) De 16 de abril a 16 de maio, nos restantes casos.”

Sendo que o artigo 76.º, também na redação à data dos factos, determinava os procedimentos e formas de liquidação:

“1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes: (…)

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;(…)

2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 1 do artigo 31.º.

3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, (…).

4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.”

Por seu turno, o artigo 59.º do CPPT estabelece as seguintes regras relativamente às declarações dos contribuintes:

“1 - O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente.

2 - O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.

3 - Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respectiva entrega;

b) Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

III) Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correcção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado.

4 - (Revogado)

5 - A declaração de substituição entregue no prazo legal para a reclamação graciosa, quando a administração tributária não proceder à sua liquidação, é convolada em reclamação graciosa, de tal se notificando o sujeito passivo.

6 - Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas.

7 - Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços.”

Ora, no caso sub judice, como resulta da matéria dada como provada nos autos, o Requerente não apresentou declaração de rendimentos para o exercício de 2015 no prazo referido no artigo 60.º do Código do IRS, nem quando notificado para a sua apresentação pelos serviços da AT, ora Requerida.

Assim, a Requerida estava legitimada para proceder à emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos do artigo 76.º n.º 1 alínea b) do Código do IRS e artigo 59.º n.º 7 do CPPT, com base nos elementos que dispunha, a saber: i) Fatura-recibo n.º 2, no montante de €18.252,25, datada de 02-03-2015, constante do E-Fatura; ii) Declaração Modelo 10 da B…….., NIF ……….., relativa à prestação de serviços do Requerente; iii) Declaração Modelo 10 de 5 arrendatários.

Liquidação, essa, que, no que concerne aos rendimentos da categoria B, teria como baliza o disposto no artigo 76.º n.º 3 do Código do IRS. Os referidos rendimentos teriam de ser determinados de acordo com as regras do regime simplificado de tributação, aplicando-se o coeficiente mais elevado previsto no n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS.

Contudo, o Requerente fez uso da faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, apresentando em 2019 (no prazo de caducidade de 4 anos) a sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2015.

Concomitantemente com a entrega da declaração, o Requerente anulou a Fatura-recibo n.º 2 e apresentou um pedido de revisão oficiosa da liquidação emitida pela AT, alegando que não emitiu a referida fatura-recibo, no montante de €18.252,65, nem recebeu o montante declarado.

A questão que se coloca nesta sede é, então, saber qual o enquadramento da declaração apresentada pelo Requerente e anulação da Fatura-recibo n.º 2 perante a liquidação oficiosa emitida pela Requerida.

Haverá, assim, que analisar o princípio de repartição do ónus da prova previsto no artigo 74.º e 75.º da LGT.

O artigo 74.º n.º 1 da LGT determina que o “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” (sublinhado nosso)

Sendo que, o artigo 75.º da LGT estabelece as seguintes regras relativamente às declarações dos contribuintes:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;(…).”

Sobre a presunção que recai sobre a declaração dos contribuintes, o STA já se pronunciou no sentido de tal presunção não ser extensível às situações em que a declaração é entregue fora de prazo (a situação é similar ao caso dos autos, mas refere-se à entrega fora de prazo da declaração de rendimentos de IRC):

«Não se acompanha a sentença recorrida quando julga verificada uma “ilegalidade à posteriori” da liquidação oficiosa da liquidação oficiosa de IRC efectuada ao abrigo do então vigente artigo 83.º n.º 1 alínea b) do Código do IRC mercê da apresentação extemporânea da declaração modelo 22 de IRC até então omitida. É que, o que o n.º 10 do então artigo 83.º do Código do IRC não estabelece em parte alguma haver lugar à correcção oficiosa da liquidação se entretanto – e qualquer que seja o momento em que o faça, desde que dentro do prazo de caducidade – o contribuinte vier apresentar a declaração omitida, antes, que a liquidação podia ser corrigida, se fosse caso disso, dentro do prazo de caducidade, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

Ora, poder ser corrigida, designadamente em virtude da apresentação tardia de declaração que a Administração tributária aceite como ser verdadeira é coisa bem diversa de ter necessariamente de ser corrigida, sob pena de ilegalidade do acto de liquidação oficiosa praticado antes dessa entrega, pois que, contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também - a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.

Assim, e contrariamente ao decidido, não há verdadeiramente uma alternativa entre impugnar ou reclamar graciosamente da liquidação oficiosa ou entregar tardiamente a declaração de rendimentos omitida. Ou melhor, a entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.»

Assim sendo, não beneficiando a declaração apresentada pelo Requerente da presunção atribuída à declaração entregue dentro do prazo legal, haverá que aferir a quem incumbia a demonstração do excesso de quantificação dos rendimentos do Requerente.

Não restam dúvidas que, ao abrigo do disposto no artigo 74.º da LGT, seria ao Requerente que incumbia a prova de tal excesso de quantificação dos rendimentos.

A AT, para emitir a liquidação oficiosa, dispunha de elementos probatórios bastantes, a saber: a Fatura-recibo n.º 2 emitida em nome do/pelo Requerente e da declaração modelo 10 emitida pela B…...

Contudo, haverá que aferir se da anulação da Fatura-recibo n.º 2 e da apresentação da declaração modelo 3 de 2015 pelo Requerente decorria para a Requerida algum dever de realização de diligências probatórias adicionais, designadamente junto da entidade pagadora, B…….

A este propósito, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que:

 «a) Por referência ao exercício de 2009 e perante a omissão declarativa do contribuinte, em sede de IRS, era lícito à AT, depois de efectuar a notificação prevista no artº 76º nº 3 do CIRS, como efectuou, proceder à declaração oficiosa com recurso ao regime simplificado de tributação ainda que o sujeito passivo tenha optado na declaração de início de actividade pelo regime da contabilidade organizada.

b) Mas se após a declaração oficiosa o(a) contribuinte fez uso atempado da possibilidade que lhe conferia o artº 76º nº 4 do CIRS e apresentou a declaração modelo 3 de IRS, esta declaração ainda que não gozasse da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.

c) O princípio da tributação do rendimento real impunha a sua apreciação e aconselhava a realização de inspecção perante os elementos supervenientes que foram apresentados e que por não gozarem já da presunção de veracidade, estavam sujeitos a livre apreciação e confirmação pela AT.

d) Não o tendo feito, resultou a ocorrência de evidente excesso de quantificação de rendimentos que influenciou a liquidação oficiosa agora questionada a qual não se pode manter.»   (sublinhado nosso).

Mais recentemente, pode ler-se no acórdão do STA no processo n.º 416/09.7BECBR, de 03-02-2021:

“Nesta sequência, temos de concluir que a sentença recorrida andou bem ao afirmar que “…nestes casos, não é suficiente que o sujeito passivo entregue a declaração Mod. 22 de IRC após a liquidação oficiosa para que a AT aceite os dados aí inscritos como verdadeiros e anule depois total ou parcialmente a liquidação entretanto realizada. Também não bastará que o contribuinte reclame ou impugne a liquidação oficiosa invocando a violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real ou a violação do princípio do inquisitório. É imprescindível que traga ao conhecimento da Administração Tributária ou do Tribunal, consoante os casos, todos os elementos contabilísticos que permitam verificar que a liquidação oficiosa não se poderá manter, por não se verificar o facto tributário, ou por se verificar um excesso na quantificação” e ainda que “…atento o teor das decisões proferidas no procedimento de reclamação graciosa e no procedimento de recurso hierárquico surge evidente que em momento algum o sujeito passivo ofereceu qualquer meio de prova, nem mesmo quando foi notificado para o exercício do direito de audição no procedimento de reclamação graciosa, nem quando recorreu hierarquicamente, falhando pois no cumprimento do seu ónus de prova e que ora imputa à AT, por invocação da violação do princípio do inquisitório. Para além de que, na presente acção, a ora Impugnante também não juntou nenhum documento para além dos despachos proferidos no procedimento gracioso, não arrolou qualquer testemunha ou requereu a produção de qualquer meio de prova, pelo que sempre se concluiria pela falta de prova da inexistência do facto tributário ou do excesso de quantificação das liquidações impugnadas” (…) Nessa medida, é inequívoco que, ao contrário do que pretende a Recorrente, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº 1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 112º do CIRC.»  (sublinhado nosso)

Vejamos o que diz a jurisprudência dos tribunais superiores sobre o dever que incumbe sobre a AT:

«Mas a verdade é que, em sentido consonante com o decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que tais razões não são de molde a manter a liquidação oficiosa, visto que se os Recorridos apresentaram a documentação que a Administração Tributária havia reputado como idónea e se a mesma atesta os valores declarados, então, existindo dúvidas quanto aos valores das existências e ao apuramento do custo das mercadorias vendidas e consumidas, a mesma não podia, sem mais, eximir-se da sua função fiscalizadora.

Dito de outro modo, em ordem aos princípios da verdade material e do inquisitório competia-lhe aquilatar, com rigor, da adequação e suficiência dos elementos que suportam os balancetes e extratos de conta, desenvolvendo todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária, designadamente, lançado mão da ação de Inspeção Tributária.»

Concluindo-se, neste outro acórdão do STA,

«Nessa medida, é inequívoco que, ao contrário do que pretende a Recorrente, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº 1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 112º do CIRC. (…)

Deste modo, as declarações a que alude a Recorrente apenas poderão ser valoradas pela AT, desde que acompanhadas por outra documentação e meios probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos, esforço probatório que não foi realizado pela Recorrente, como se deixou exarado na sentença recorrida, asserção esta que a Recorrente não põe em causa, pelo que, o recurso não pode proceder nesta sede.

Ora, como se crê ter demonstrado, recaindo sobre o sujeito passivo, neste caso, o ónus da prova do excesso da matéria tributável tida em consideração na liquidação oficiosa, e não tendo carreado para os autos da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico quaisquer elementos probatórios, não era exigível à AT a realização de quaisquer diligências complementares que se mostrassem necessárias à comprovação desses dados.» (sublinhado nosso)

Decorre dos citados arestos que o ónus da prova do excesso de quantificação do rendimento/matéria coletável considerado para efeitos da liquidação oficiosa recai sobre o contribuinte faltoso. No entanto, como bem ensinam os doutos Conselheiros, tal ónus da prova deverá ser “balanceado” com o dever de a AT realizar diligências probatórias complementares.

Com efeito, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, a Requerida tem o “dever (…) de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objetivo provar factos invocados pelos interessados (…)”   . 

Logo, perante a liquidação oficiosa realizada, a qual foi considerada incorreta pelo Requerente, a mera entrega da declaração de rendimentos de 2015 pelo Requerente não beneficia da presunção de veracidade que recai sobre as declarações de rendimentos tempestivas, mas não deixa de ser um indício que deverá ser relevado pela AT.

No entanto, como resulta da jurisprudência citada, apesar de tais indícios não poderem deixar de ser valorados pela AT, mas livremente, ao contribuinte incumbia carrear para o processo os meios de prova dos factos por ele alegados.

A emissão da Fatura-recibo n.º 2 faz presumir o recebimento pelo Requerente do montante da prestação de serviços. Para ilidir esta presunção de recebimento, ao Requerente não bastaria ter anulado a fatura-recibo, mas teria que comprovar que não recebeu aquele valor, por qualquer um dos meios de prova admissíveis, nomeadamente, através da junção de extratos das contas bancárias relativas ao ano de 2015, declarações de rendimentos emitidas pela B……., ao abrigo do disposto no artigo 119.º do Código do IRS, etc.

Contudo, conforme resulta dos autos, nenhuma prova adicional foi carreada em sede de pedido de revisão oficiosa, que seja suscetível de criar a dúvida sobre a existência ou quantificação dos rendimentos que fundamentaram a liquidação oficiosa sub judice. Logo, não tendo sido criada tal dúvida, à AT, ora Requerida, não poderia ser exigida a realização de diligências probatórias complementares, nomeadamente o procedimento de inspeção tributária junto da B…...

Em sede arbitral, o Requerente apenas apresentou a seu favor, para além do seu próprio depoimento, cuja valoração deve ser relativizada pelo tribunal, a prova testemunhal, que, apesar de verosímil, não deixa de ser um depoimento indireto relativamente aos factos ocorridos em 2015.

Logo, não tendo apresentado qualquer outra evidência suscetível de criar a dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, não poderá o ato tributário ser anulado como peticionado pelo Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 100.º n.º 1 do CPPT: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

Termos em que será de julgar improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato de liquidação sub judice.

 

DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

a)            Julgar improcedente a exceção de incompetência material para apreciar o ato de segundo grau – indeferimento tácito do recurso hierárquico deduzido contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação;

b)           Julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral para corrigir a liquidação, absolvendo a Requerida da instância;

c)            Julgar improcedente, por não provado, o pedido de anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS, referente ao ano de 2015;

d)           Consequentemente, julgar improcedente, por não provado, o pedido de anulação da liquidação de IRS de 2015 n.º 2018…………..;

e)           Condenar o Requerente em custas.

 

V.           VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC e do artigo 97. °-A alínea a) do n.º 1 do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 6.332,26 (seis mil trezentos e trinta e dois euros e vinte e seis cêntimos).

 

VI.          CUSTAS

Nos termos do artigo 12.º n.º 2 e 22.º n.º 4 do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 5 e 7, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em €612, nos termos da Tabela I, do RCPTA, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 21 de maio de 2021

 

O Árbitro,

Vera Figueiredo