Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 332/2020-T
Data da decisão: 2021-04-21  IRS  
Valor do pedido: € 21.925,84
Tema: IRS (Mais-valias imobiliárias) – Reinvestimento; Encargos e despesas previstas na alínea a) do artigo 51.º do CIRS; Fundamentação
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)      

 

1 - Relatório

1.1          – A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, casada no regime da comunhão de adquiridos com B..., contribuinte n.º..., doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2          - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 1 de Julho de 2020, tem por objeto a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., relativa ao ano de 2017, efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 3 de janeiro de 2020, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., conforme demonstração de acerto de contas a que se refere a compensação n.º 2020..., de 15 de janeiro de 2020, no montante global de 21 925,84€ (vinte e um mil, novecentos e vinte e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), com data limite de pagamento de 3 de março de 2020. 

 

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerentes juntou doze documentos, além da respetiva procuração forense.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 10 de julho de 2020.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 24 de agosto de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 23 de setembro de 2020.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 25 do mesmo mês, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 28 de outubro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação, com a consequente absolvição do pedido.

1.12 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 29 de outubro de 2020, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, bem como a apresentação de alegações, uma vez que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes 

 

1.13 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

1.14 – Em 17 de fevereiro de 2021 foi proferido despacho, notificado à Requerida, para, no prazo de 10 dias, juntar cópia do despacho da Subdiretora Geral, de 28-09-2020, referido no ponto 6.º da Resposta, que revogou parcialmente o ato de liquidação adicional impugnado, bem como a respetiva informação, e ainda cópia da demonstração da liquidação e do acerto de contas, resultantes da referida revogação parcial, caso a mesma se mostrasse concretizada.

 

1.15 - Em 5 de março de 2021 foi proferido despacho, notificado à Requerente, para, no prazo, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre o processo administrativo previsto no n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, remetido pela AT ao tribunal arbitral, em 29-10-2020, muito especialmente as páginas 4 a 11, bem como sobre o referido no ponto 6.º da Resposta apresentada pela AT, juntando ainda, caso existisssem, cópias do despacho que teria revogado parcialmente a liquidação impugnada e respetiva informação, e ainda da demonstração da liquidação e do consequente acerto de contas, resultantes da referida revogação parcial, caso a mesma se mostrasse concretizada.

 

1.16 – Em 19 de março de 2021 a Requerida veio aos autos juntar cópia do despacho revogatório, em parte, da liquidação impugnada, de 28-09-2020, bem como da respetiva informação da mesma data e ainda do ofício notificativo n.º..., de 30-10-2020.

 

1.17 – Em 15 de abril de 2021 a Requerente vem aos autos pronunciar-se sobre as despesas com o imóvel bem como “(…) sobre o reinvestimento dos valores no imóvel que finalmente se concluiu ser a casa de morada de família, há a salientar a questão do recurso ao crédito bancário para aquisição do imóvel que não foi devidamente considerado, gerando uma conclusão inadequada. De acordo com o documento já junto aos autos e do conhecimento da requerida, que se consubstancia na escritura do imóvel adquirido em Dezembro de 2017, é patente que o mesmo foi adquirido com recurso parcial ao crédito bancário, facto esse aceite pela requerida e por isso excluído de discussão. Contudo, a questão que não está devidamente esclarecida e que despoleta um raciocínio inexato, e que determina um falso cálculo de mais valias, é o facto de a AT não ter tido em conta, como deveria, por ter sido devidamente declarado pela contribuinte, que a mesma também fez obras no imóvel e são exatamente esses os montantes que estão a ser declarados como reinvestidos em 2017 e 2018, valores aos quais necessariamente se somam ao valor investido na aquisição, sem recurso a crédito”.    

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Em dezembro de 2015, adquiriu a fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na ..., freguesia do ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., tendo o mesmo passado a ser a sua habitação própria e permanente, a qual foi comunicada aos serviços competentes em 19 de janeiro de 2016.

Em março de 2017 procedeu à venda do referido imóvel, passando a sua habitação própria e permanente para a fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia do ..., sob o artigo..., comprada pela Requerente e seu cônjuge em 5 de dezembro de 2017.

Também em março de 2017 a Requerente vendeu a fração autónoma designada pela letra  “E”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., que havia adquirido em fevereiro de 2010.

Em 31 de maio de 2018 procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2017, à qual coube o n.º ..., bem como, entre outros, do anexo “G”, respeitante às mais-valias e outros incrementos patrimoniais, no qual preencheu os quadros 4 e 5, o primeiro referente à alienação onerosa dos referidos imóveis (valores e datas de realização e aquisição, despesas e encargos previstos na alínea a) do artigo 51.º do CIRS, e identificação dos imóveis) e o segundo relativo à intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização do imóvel destinado a habitação própria e permanente, ou seja, da fração “H” do prédio inscrito na matriz da freguesia do ..., sob o artigo ... .   

Da referida declaração resultou a liquidação n.º 2018..., no montante de 24.475,39€. Contudo, posteriormente, foi notificada pela AT de uma divergência, à qual foi atribuída a referência n.º..., relacionada com o reinvestimento do valor de realização, por o imóvel alienado não se destinar a habitação própria e permanente, bem como do montante dos encargos com a valorização dos imóveis alienados e as despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação. Mais foi notificada da intenção de a AT procedeu à correção dos valores declarados, podendo a Requerente exercer o direito de audição prévia. De todas as divergências foram apresentados os respetivos elementos de prova.  

Porém, em 3 de janeiro de 2020, foi efetuada liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2017, no montante de 46 401,23€, da qual resultou acerto de contas no montante de 21 925,84€, sem que a Requerente tivesse sido notificada da respetiva fundamentação, o que consubstancia vício de forma com a consequente anulabilidade do ato de liquidação adicional, uma vez que, nos termos dos artigos 268.º da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária, a fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, o que no caso não aconteceu.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS constante do documento de demonstração de acerto de contas a que se refere a compensação n.º 2020... e ID documento n.º 2020, relativa ao ato de liquidação de IRS nº 2020... de 2017, bem como pela declaração da ilegalidade do valor corrigido em virtude das despesas documentalmente apresentadas e fiscalmente aceites, com o consequente reembolso da quantia de 21.925,84€, referente ao pagamento da liquidação e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da Requerida -

Refere que a AT reconheceu, face à prova junta pela Requerente em sede de audiência prévia, que o imóvel era sua residência própria e permanente, pelo que esta argumentação fica inteiramente prejudicada já que foi ultrapassada no âmbito do procedimento de audição prévia, verificando-se a inutilidade originária da análise desta questão.

Refere ainda que, por despacho de 28.09.2020 da Subdiretora Geral do Imposto sobre o Rendimento, foi revogado parcialmente o ato de liquidação adicional, tendo sido considerados os encargos comprovados relativos aos móveis da cozinha feitos à medida, os quais acrescem ao valor de aquisição, nos termos do disposto no artigo 51º do Código do IRS.

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Algumas das despesas e encargos declarados pela Requerente à luz do artigo 51.º do CIRS, não poderão ser aceites por não reunirem os requisitos necessários à sua dedução no apuramento da mais-valia obtida com os incrementos patrimoniais, não logrando a Requerente pronunciar-se sobre a alteração que constava do quadro anexo à notificação para o exercício do direito de audição prévia, pelo que foram mantidas nos seguintes termos: Quadro 04 do anexo G: Campo 4001: 45 880,07€; Campo 4002: 45 880,06€; e Campo 4003: 10 789,00€.

Quanto ao reinvestimento declarado verificou-se que, inicialmente, não poderia ser considerado, uma vez que, face aos dados de que a AT dispunha, o imóvel transmitido não constituía habitação própria e permanente do sujeito passivo. Porém, ultrapassada esta questão, verificou-se pela análise da escritura pública celebrada com a aquisição e mútuo de financiamento do novo imóvel destinado a habitação própria e permanente, localizado na Freguesia do ..., Concelho e Distrito de Lisboa, sob o artigo matricial número ..., fração H, que este imóvel foi adquirido por 365 000,00€, tendo a Requerente solicitado um empréstimo bancário para a sua aquisição no valor de 306 000,00€, donde se conclui que o valor de realização disponível para o reinvestimento em habitação própria e permanente seria apenas de 59 000,00€ (365 000,00€ - 306 000,00€).

Deste modo a Requerente não poderia ter declarado no campo 5006 do quadro 05A do anexo G, o valor de 200 000,00€, dado o recurso ao crédito bancário.

Paralelamente, o valor a indicar no campo 5008 - Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito) do mesmo quadro e anexo, não poderá ser superior ao montante disponível para efeitos de reinvestimento em habitação própria e permanente, ou seja, não poderá ser superior a 59 000,00€.

Assim, considerando que se verifica a transmissão onerosa da habitação própria e permanente, bem como a intenção da Requerente em proceder ao reinvestimento em habitação com o mesmo destino, foi aceite a declaração bancária apresentada para efeitos de amortização do valor em dívida do empréstimo, no montante de 275 629,5€, e como tal o valor declarado no campo 5005 do quadro 05A do anexo G é considerado correto.

Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão em não aceitar a dedução das despesas apresentadas, refere que os documentos anexados pela Requerente no âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências foram devidamente apreciados, sendo que uns foram considerados e outros não.

Assim, relativamente ao imóvel identificado pela letra “E” do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., a fundamentação em não considerar tais despesas e encargos consta do quadro explicativo notificado à Requerente.

Já quanto à consideração ou não das despesas e encargos respeitantes ao outro imóvel, ou seja, o identificado pela letra “H” do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., ainda que tivesse existido falta de notificação da fundamentação, ou se a mesma tivesse sido obscura, a consequência nunca seria a ilegalidade da liquidação em causa, uma vez que a Requerente poderia lançar mão do mecanismo previsto no n.º 1 do artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) para se habilitar com todos os dados de que precisasse para ser esclarecida sobre o ato de liquidação adicional, o que não se verificou.

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de forma e de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

               

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            Em dezembro de 2015 a Requerente e B..., com quem é casada no regime da comunhão de adquiridos, adquiriram, pelo preço de 370 000,00€, a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na ..., n.º..., ..., em Lisboa, e inscrito na matriz predial da freguesia do ..., sob o artigo ..., cfr. artigo 6.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e processo administrativo (PA), cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

b)           A referida fração destinou-se a habitação própria e permanente da Requerente e referido cônjuge, cfr. documento n.º 3 e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

c)            Em fevereiro de 2010 a Requerente adquiriu, pelo preço de 105 000,00€, a fração autónoma designada pela letra “E”, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., cfr. artigo 9.º do ppa e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

d)           Em março de 2017 a Requerente e respetivo cônjuge procederam à venda, pelo preço de 640 000,00€, da fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., e supra identificada, cfr. artigo 8.º do ppa e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

e)           No mesmo mês de março de 2017, a Requerente procedeu à venda, pelo preço de 195 000,00€, da fração autónoma designada pela letra “E”, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ..., e supra identificada, cfr. artigo 9.º do ppa e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

f)            Em 5 de dezembro de 2017 a Requerente e referido cônjuge compraram, pelo preço de 365 000,00€, a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação própria e permanente, do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia do ..., sob o artigo ... . Na mesma data contraíram um mútuo junto do Banco C..., S.A., com sede na Rua..., n.º ..., no Porto, no montante de 306 000,00€, constituindo hipoteca voluntária da referida fração a favor do banco mutuante, cfr. documento n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

g)            Em 31 de maio de 2018, a Requerente e referido cônjuge, procederam à entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017, com a identificação n.º ..., bem como dos anexos “A”, relativo ao trabalho dependente/pensões, e “G”, relativo às mais-valias e outros incrementos patrimoniais, optando pela tributação em conjunto, cfr. documento n.º 4 e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

h)           Nos campos 4001, 4002 e 4003 do Quadro 4 do referido anexo “G”, sob a rubrica «Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS)», declararam os valores e datas de realização e aquisição das frações alienadas, bem como as despesas e encargos suportados pelos declarantes, no montante de 117 180,24€ (58 590,12€ + 58 590,12€) respeitantes à fração “H” do artigo ..., e 13 257,60€ relativo à fração “E” do artigo..., identificando matricialmente as referidas frações nos campos 4001, 4002 e 4003, infra representados, cfr. documento n.º 4 e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos:

 

 

 

i)             Nos campos 5005, 5006 e 5008 do Quadro 5 do referido anexo “G”, sob a rubrica «Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente», declararam a intenção do reinvestimento, nos seguintes termos:

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j)             A declaração modelo 3 de IRS supra referida foi liquidada com o n.º 2018..., no montante de 24 475,39€, cfr. documento n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

k)            Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados no âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências com o código D39 – Alienação de imóveis, a Requerente foi notificada (Entrada Geral n.º 20119...) da intenção de a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuar as seguintes correções nos montantes das despesas e encargos declarados bem como no reinvestimento a efetuar, bem como para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição prévia, cfr. documento n.º 6 e PA, cujos teores de dão por integralmente reproduzidos:

 

 

Estas despesas e encargos referem-se exclusivamente às suportadas com a fração autónoma designada pela letra “E”, do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo... .

Quanto às despesas e encargos respeitantes à fração designada pela letra “H”, do prédio inscrito na matriz predial da freguesia do ..., sob o artigo..., a Requerente, face aos documentos constantes do processo, não foi notificada das correções a efetuar e respetivos montantes.

 

PROJETO DE CORREÇÃO AO REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO

 

 

l)             Em 5 de dezembro de 2019 a Requerente, no exercício do direito de audição prévia, enviou à Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, documentos de prova relativos à alteração do domicílio fiscal para o imóvel transmitido (fração autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na ..., n.º..., ...º, em Lisboa, e inscrito na matriz predial da freguesia do..., sob o artigo ...), solicitando a anulação da proposta de correção, cfr. artigo 15.º do ppa e PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

m)          Relativamente à proposta de alteração do montante das despesas e encargos, a Requerente não se pronunciou em sede de audição prévia, cfr. PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

n)           Por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, de 27 de dezembro de 2019, notificado à Requerente, a declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, foi corrigida oficiosamente, mostrando-se provada a afetação do imóvel a habitação própria e permanente da Requerente e referido cônjuge, e admitindo-se a realização do reinvestimento do valor de realização que se mostrasse devido, cfr. ofício notificativo e respetiva informação juntos ao PA, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos, e artigos 3.º a 5.º da resposta da Requerida bem como pronúncia da Requerente, de 15 de abril de 2021;

o)           Em 3 de janeiro de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação adicional do IRS com o n.º 2020..., relativo ao ano de 2017, no montante 45 156,95€ e à liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no montante de 1 244,28€, no valor global de 46 401,23€, conforme demonstração de acerto de contas a que se refere a compensação n.º 2020..., de 15 de janeiro de 2020, no montante global de 21 925,84€, com data limite de pagamento de 3 de março de 2020, cfr. documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

p)           Em 2 de março de 2020 a Requerente procedeu ao pagamento do IRS e dos juros compensatórios liquidados, cfr. documento n.º 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

q)           Em 1 de julho de 2020 a Requerente apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o qual deu origem ao presente processo, peticionando a anulação da liquidação adicional de IRS e dos respetivos juros compensatórios.

r)            Com o pedido juntou diversos documentos relativos a despesas e encargos relacionados com a fração designada pela letra “H” do prédio inscrito na matriz da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., no montante de 115 641,18€, bem como com a fração designada pela letra “E” do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., no montante de 11 452,70€, cfr. documentos n.ºs 7 e 8, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

s)            Por despacho da Subdiretora Geral do Imposto sobre o Rendimento, de 28 de setembro de 2020, o ato de liquidação adicional impugnado foi revogado parcialmente, tendo sido considerados os encargos comprovados relativos aos móveis de cozinha feitos à medida na fração “H” do artigo ..., no montante de 7 349,02€, cfr. artigo 6.º da Resposta da AT, não contestado pela Requerente, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos.

 

3.2 Factos não provados             

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se as correções efetuadas à declaração modelo 3 de IRS do ano de 2017, no que respeita ao reinvestimento do valor de realização e às despesas e encargos com a valorização dos imóveis alienados, foram precedidas de notificação pela AT dos respetivos fundamentos, omissão essa que poderia ter como consequência a anulabilidade do ato de liquidação, por vício de forma.

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios

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4.1 - Da (i)legalidade da liquidação impugnada –

Refere o n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), que «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

Também o n.º 2 do mesmo preceito legal refere que «A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

  Este dever de fundamentação dos atos administrativos é corolário do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que prescreve: «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Deste modo, fundamentar um ato administrativo, «consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por que se tomou a decisão em determinado sentido» .

Porém, «as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido como seja a participação do interessado no procedimento e a extensão dessa participação – não tendo de reportar, por princípio, todos os factos considerados, todas as reflexões feitas ou todas as vicissitudes ocorridas durante essa deliberação ».

Segundo Diogo Freitas do Amaral , «A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.

Para José Carlos Vieira de Andrade  «(…) o dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória».

Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa  «No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º do CPA) que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3) (…)».

Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.

Para ser atingido tal objectivo, a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, de forma a poder saber-se claramente as razões por que se decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

No mesmo sentido podem ver-se, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA:

Acórdão de 21-06-2017 (Processo n.º 068/17):

«A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos art.s 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

A fundamentação, ainda que feita por remissão, não pode deixar de ser clara e congruente e de enunciar as razões de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto».

 

Acórdão de 07-06-2017 (Processo n.º 0723/15):

«A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos art.s 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

 

Acórdão de 09-09-2015 (Processo n.º 01173/14):

«A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. art. 268.º da CRP, bem como os art.s 21.º do CPT, 125.º do CPA e 77.º da LGT). A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato». 

 

Questão do Reinvestimento do valor de realização

Relativamente à correção dos montantes a reinvestir do valor de realização da fração designada pela letra “H” do artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa, constantes do Quadro 5A, campos 5005, 5006 e 5008, do anexo “G”, a AT concluiu:

 

 

 

As correções antes referidas foram autorizadas por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, de 27 de dezembro de 2019, e notificadas à Requerente por ofício constante do PA, nos seguintes termos:

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Assim, à liquidação adicional impugnada já foi aplicado o regime do reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, uma vez ter-se concluído que a fração alienada (artigo ...-H) se destinou a habitação própria e permanente da Requerente e seu cônjuge, pelo que se mostra satisfeita a pretensão da mesma, donde resulta a inutilidade originária do pedido, sendo o mesmo, por tal motivo, improcedente.

Também não colhe o argumento da Requerente, de 15-04-2021, em resposta à notificação do despacho arbitral de 05-03-2021, de “a AT não ter tido em conta, como deveria, por ter sido devidamente declarado pela contribuinte, que a mesma também fez obras no imóvel e são exatamente esses os montantes que estão a ser declarados como reinvestidos em 2017 e 2018, valores aos quais necessariamente se somam ao valor investido na aquisição, sem recurso a crédito”, uma vez que tal argumento não constitui a causa de pedir, ou parte dela, já que não consta do pedido de pronúncia arbitral nem se mostra, nesta fase processual, suscetível de alteração ou ampliação, face ao disposto no artigo 265.º do Código de processo Civil, aplicável por força do disposto na alínea e), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.     

 

Questão das despesas e encargos respeitantes à fração “E” do artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa

 

No campo 4003, Quadro 4, do Anexo “G” foi declarado o montante de 13 527,60€, respeitante a despesas e encargos com a fração alienada, supra identificada.

No âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências, a Requerente anexou doze documentos relativos a tais despesas e encargos, no montante de 11 445,80€.    

Destas despesas e encargos a AT considerou algumas, no montante de 10 789,00€, e desconsiderou outras, no montante de 656,80€, com a seguinte fundamentação constante do mapa K) do probatório: “O encargo não tem enquadramento na al. a) do n.º 1 do art.º 51.º do CIRS, por se considerar não valorizar o imóvel, nem se tratar de despesa de aquisição e alienação” ou “A despesa não tem associada fatura ou recibo, nem descrição do serviço prestado”.

Da fundamentação foi a Requerente notificada por carta registada (entrada geral n.º 2019...), para exercer, querendo, o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT, conforme página n.º 4 do PA, quedando-se, contudo, pelo silêncio.

Não obstante o alegado pela Requerente quanto à falta de fundamentação do ato, entendemos que a mesma ficou a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a decidir como decidiu, pelo que não se verificam os vícios formais, invocados de falta de fundamentação e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.

Com efeito, de acordo com a jurisprudência do STA, “um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.”(in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 016217 de 28-10-1998).

Porém, considerando que a Requerente juntou aos autos cópias das despesas e encargos, que constituem o documento n.º 8, cabe nesta sede verificar a sua conformação com o direito aplicável.

Com efeito, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem, cfr. alínea a), n.º 1 do artigo 51.º do CIRS (redação ao tempo dos factos): “Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”. 

Os encargos não aceites consistem numa cabine em acrílico, no valor de 290,40€, adquirida em 27-10-2010, e num exaustor e respetiva tubagem, no valor de 258,30€, os quais, no entender do Tribunal Arbitral, valorizaram a fração, constituindo partes integrantes da mesma nos termos do n.º 3 do artigo 204.º do Código Civil, por se encontrarem ligadas materialmente ao prédio com caráter de permanência.

As despesas também não aceites consistem em duas certidões prediais, no montante unitário de 15,00€, emitidas em 03-02-2010 e 05-01-2017, ou seja, em datas próximas da aquisição e alienação da fração; numa certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, em 07-02-2017, no montante de 38,10€; e numa inspeção ao risco do fogo, realizada em 21-06-2010, no montante de 40,00€. Estas despesas, pelas datas em que foram realizadas, mostram-se efetivamente necessárias e inerentes à aquisição e alienação. 

Assim, o pedido de pronúncia arbitral de anulação da correção efetuada no campo 4003, Quadro 4, do Anexo “G” da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, é parcialmente procedente, no sentido de passar a constar o montante de 11 452,70€, relativo a despesas e encargos, previstos na alínea a), n.º 1 do artigo 51.º do CIRS.  

 

 

 

Questão das despesas e encargos respeitantes à fração “H” do artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa

 

Nos campos 4001 e 4002, Quadro 4, do Anexo “G” foi declarado o montante global de 117 180,24€, respeitante a despesas e encargos com a fração alienada, supra identificada.

No âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências, a Requerente anexou diversos documentos tendo a AT considerado algumas despesas e encargos, no montante de 91 760,13€, e desconsiderado outras, no montante de 25 420,11€.

Conforme referido no artigo 6.º da Resposta (alínea s) do probatório), por despacho da Subdiretora Geral do Imposto sobre o Rendimento, de 28 de setembro de 2020, o ato de liquidação adicional, ora impugnado, foi revogado parcialmente em virtude de terem sido considerados os encargos relativos aos móveis de cozinha feitos à medida.

Por consulta aos documentos que integram o doc. n.º 7 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, constata-se que tais encargos respeitam às faturas emitidas por D..., Lda com os n.ºs N Nº FT FANV1/20160124, de 14-06-2016 e N Nº FT FANV1/20160044, de 23-02-2016, nos montantes de 5 749,02€ e 1 600,00€, respetivamente.

Deste modo tal revogação constitui inutilidade superveniente da lide, relativamente àquela parte, com a consequente extinção parcial da instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto na alínea e), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sendo o montante das despesas e encargos em litígio reduzido em 7 349,02€, passando de 117 180,24€ para 109 831,22€. 

A Requerente alega que a correção efetuada ao montante das despesas e encargos declarado, apesar de ter sido informada e notificada (entrada geral n.º 2019...) para o exercício do direito de audição prévia, não foi devidamente fundamentada, constando da mesma, apenas, a menção “Valor corrigido em virtude das despesas documentalmente apresentadas e fiscalmente aceites”.

Deste modo, inexistindo no processo qualquer outra notificação, para além da que se destinou a informar a Requerente que as correções foram autorizadas por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, de 27 de dezembro de 2019, sendo omissa quanto à respetiva motivação, e que só o que consta no processo é relevante, face ao princípio “quod non est in actiis non est in mundo”, forçoso é concluir que a Requerente ignorou em absoluto o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a prática de tal ato.

A violação do dever de fundamentação dos atos administrativos previsto no artigo 77.º da LGT e n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tem como consequência a anulabilidade do ato, por vício de forma, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Assim, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das correções efetuadas nos campos 4001 e 4002, Quadro 4, do Anexo “G” da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, no sentido de passar a constar o montante global de 109 831,22€, relativo a despesas e encargos, previstos na alínea a), n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, considerando a aceitação superveniente pela Requerida dos encargos com móveis de cozinha feitos à medida, no montante de 7 349,02€.  

 

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4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial).

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em qualquer caso considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA , sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T) .

 

Porém se a anulação do ato de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação, tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios. É que o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado de anulação de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Neste sentido podem ver-se, entre muitos outros, os acórdãos do STA proferidos nos processos n.ºs 080/07 de 21.01.2007, 0244/08 de 01.10.2008, 0622/08 de 29.10.2008, 0892/09 de 02.12.2009, 0945/08 de 21.01.2009, 0369/09 de 09.09.2009, 665/09 de 04.11.2009, 0942/09 de 20.01.2010, 01091/09 de 03.02.2010, 0876/09 de 08.06.2011, 0416/11 de 07.09.2011, e 087/18.0BALSB de 28-11-2018.

Também a doutrina vem alinhando no mesmo sentido, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA , «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos atos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício». 

                […]

                Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios».

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do ato: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no ato anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adotado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

…] nos casos em que o vício que leva à anulação do ato é relativo a uma norma que regula a atividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do ato não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”

Este é precisamente o caso da anulação do imposto liquidado relativo às despesas e encargos respeitantes à fração “H” do artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa, dado tratar-se de vício formal de falta de fundamentação.

Pelo exposto, tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma que justifica a anulação parcial da liquidação impugnada, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, mas apenas relativamente ao imposto correspondente às despesas e encargos respeitantes à fração “E” do artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (02-03-2020) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

***

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a)            Julgar parcialmente procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e vício formal de falta de fundamentação, o pedido de anulação adicional da liquidação de IRS n.º 2020..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 3 de janeiro de 2020, com referência ao ano de 2017, na parte correspondente às despesas e encargos dos imóveis alienados, previstas na alínea a), n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, na exata medida do referido em 4.1 supra;

b)           Condenar a Requerida no reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios vencidos e vincendos, incidentes sobre o imposto correspondente às despesas e encargos respeitantes à fração “E” do artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado até à data do processamento da respetiva nota de crédito; e

c)            Condenar as Partes nas custas do processo, na medida dos respetivos decaimentos calculados em função das despesas e encargos considerados e não considerados, fixando em 1 051,91€ (85,94%) a parte a cargo da Requerente e em 172,09€ (14,06%) a parte a cargo da Requerida. 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em 21 925,84€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por ser o valor da liquidação, cuja anulação, à data da constituição do Tribunal Arbitral (23-09-2020), se pretende, cfr. demonstração de acerto de contas (doc. n.º 1).

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00€, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a pagar pelas Partes na proporção dos respetivos decaimentos, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 21 de abril de 2021.

 

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.