Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 274/2016-T
Data da decisão: 2017-02-09  IVA  
Valor do pedido: € 287.237,46
Tema: IVA – Isenção; Distorção da concorrência; Falta de fundamentação
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 274/2016-T

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-07-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, (doravante designada por A… ou “Requerente”) pessoa colectiva n.º…, com sede na…, …, na cidade de …, veio, a abrigo do disposto nos arts. 2º, n.º 1, al. a) e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação das seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:

 

Liquidações adicionais de IVA (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

 

Liquidações de juros compensatórios (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015… (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

 

A Requerente impugnou ainda uma liquidação adicional de IRC, mas, na sequência de o Tribunal Arbitral ter decidido ser ilegal a cumulação optou por impugnar apenas as liquidações de iva e juros compensatórios.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-05-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-07-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 25-07-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 04-01-2017, teve lugar uma reunião em que foram inquiridas as testemunhas e foi acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

Apenas a Requerente apresentou alegação.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente A… é uma cooperativa de interesse público constituída por escritura pública outorgada no dia 22-01-1999, com estatutos publicados no Diário da República N.º … - IEI Série, de …-12-2000.

b)    A Requerente é também uma pessoa colectiva de direito público;

c)    A Requerente foi criada por iniciativa da Câmara Municipal de…, sob a forma de a Régie-Cooperativa (pessoa colectiva de direito público);

d)    A Requerente conta com 65 cooperantes, sendo a Câmara Municipal de … o seu principal cooperante (com 12.000 títulos), os outros são várias associações, outras entidades e várias pessoas a título individual;

e)    A Requerente encontra-se colectada para as seguintes actividades:

– CAE Principal … OUTRAS ACTIVIDADES DESPORTIVAS. NE.

– CAE Secundário … EXPLORAÇÃO DE SALAS DE ESPECTÁCULOS E ACTIVIDADES CONEXAS

– CAE Secundário … FORNECIMENTO DE REFEIÇÓES PARA EVENTOS

– CAE Secundário … OUTRAS ACTVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E

f)     A Requerente tem sede social no … e emprega cerca de uma centena de funcionários, distribuídos pelas diversas infra estruturas que estão sob a sua gestão;

g)   O campo de actuação direcciona-se em dois eixos fundamentais:

– A Gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada, no ano em análise, o Pavilhão…, o Complexo de Piscinas, o…, Piscinas de recreio e diversão ao ar livre, as Piscinas de…, a Pista de Atletismo…, o Pavilhão Municipal de…, o Pavilhão …(…), o Pavilhão Desportivo de…, o Pavilhão do …, o Pavilhão Municipal …- …e os Pavilhões Gimnodesportivos das Escolas EB 2,3 de…, …, …e…;

- Fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de…, privilegiando a igualdade de oportunidades do acesso ao desporto não competitivo, desenvolvendo projectos de animação sócio - desportiva e de ocupação dos tempos livres e de lazer;

h)   A Requerente gere ainda administrativamente o B…, um serviço vocacionado para todos os desportistas, estejam ou não integrados no sistema federado e/ou no escolar;

i)      No âmbito da gestão do parque desportivo municipal e do fomento e incentivo da prática desportiva no Concelho de…, a A… desenvolve vários projectos que visam a concretização dos seus objectivos, como é o caso:

Projecto de Enriquecimento Curricular

É um projecto complementar ao piano educativo, que contempla as Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e que permite a A…, através de professores licenciados em educação física, dar aulas semanais de iniciação físico-desportiva a todos os alunos das escolas do Concelho.

Férias Desportivas

Destinada a crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 14 anos, a A… desenvolve um projecto de ocupação dos tempos livres dos jovens nos períodos de interrupção da actividade escolar - Pascoa, Verão e Natal. Aproveitando as infra estruturas desportivas que gere e os professores de educação física ao seu serviço, procura ser uma ocupação, para os jovens em cada um dos períodos, com actividades desportivas e lúdicas.

j)      Em sede de IVA, trata-se de sujeito passivo de imposto, misto com pro rata, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), enquadrado no regime normal de periodicidade mensal;

k)   Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente ao abrigo da Ordem de Serviço OI2015…, relativa ao ano de 2011;

l)    A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, com base num Projecto de requerido Relatório da Inspecção Tributária, tendo apresentado, nesse exercício, o texto que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, requerido a inquirição de uma testemunha, por a «considerar essencial à descoberta da verdade material, designadamente ao apuramento dos factos alegados».

m)  A Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu à inquirição da testemunha;

n)    Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL

«1. Da análise efetuada à operacionalidade do sujeito passivo e de todas as atividades por si desenvolvidas, dos registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte às operações praticadas, detetámos as seguintes irregularidades:

III -1. IVA

III - 1.1 PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS E IVA LIQUIDADO

2. Pela análise aos rendimentos contabilizados pelo sujeito passivo nas subcontas … - Prestações de Serviços - serviço A - Mercado nacional e … - Prestações de Serviços - serviço B - Mercado nacional, verificamos que a A… tem a seu cargo a gestão do parque desportivo municipal, estando sob a sua alçada, para além do Pavilhão…, o Complexo de Piscinas, o …- Piscinas de recreio e diversão ao ar livre, a Piscina de…, a Pista de Atletismo…, vários pavilhões desportivos (…, …, …, do…, e…) e os Pavilhões Gimnodesportivos de algumas Escolas do concelho.

3. Verificámos, conforme registos contabilísticos que o sujeito passivo liquida IVA, à taxa reduzida (6%), à taxa intermédia (13%) e à taxa normal (23%), nas prestações de serviços e vendas relacionadas com as atividades que desenvolve no Pavilhão … (venda de bilhetes para espetáculos, aluguer das várias componentes do Pavilhão…, serviços de restauração, etc.), com o … (piscinas exteriores/parque aquático) (vendas dos bilhetes/entrada, aluguer de equipamentos relacionados - guarda sol, espreguiçadeira, etc.), e com a piscina exterior de … (bilhete de entrada, etc.).

4. O mesmo não acontece com referência a outras valências, como os serviços prestados no Complexo de Piscinas (espaço que inclui piscinas interiores e ginásio) e na Pista e nos Pavilhões, onde os mesmos serviços prestados são tributados de forma diferente, ou seja, constatamos que é prática normal a emissão de faturas/vendas a dinheiro com IVA à taxa reduzida, quando o cliente é entidade/pessoa coletiva, verificando-se que, quando se trata de prestações de serviços onde o consumidor final é o público em geral (utentes) o sujeito passivo procede à emissão de "Vendas a Dinheiro", com isenção de IVA aplicando-lhes a isenção prevista na alínea 8) do art.º9º do CIVA.

5. Verifica-se assim, que o regime de sujeição e/ou isenção de IVA nas prestações de serviços para a prática desportiva é efetuada pela A… em função da característica do utente, ou seja, é aplicada a isenção de IVA, nestas prestações de serviços, quando efetuadas por pessoas (utente - público em geral) que pratiquem essas atividades.

6. Pois a isenção em causa podendo ser aplicada a entidades, desde que seja para a utilização por pessoas que pratiquem as atividades - Ac. STA de 2010-09-22, processo 0427/10, não foi aplicada pelo sujeito passivo.

7. No ANEXO III do relatório anexamos a descrição das atividades, nomeadamente natação, ginásio, academia de dança e fitness, pavilhões desportivos e pista, conforme consta do site da A…- www.A....pt - atividades estas que o sujeito passivo isentou ao abrigo da alínea 8) do art.º 9 do CIVA

III-1.1.1 COMPLEXO DE PISCINAS

8. Nos documentos emitidos pelo sujeito passivo, pelas prestações de serviços praticadas no Complexo de Piscinas, estando disponíveis para o público várias atividades como aulas de natação, natação livre, ginásio, (ver ANEXO III), o sujeito passivo não liquida IVA caso o cliente seja o utente (público em geral), sendo o motivo justificativo da não aplicação do imposto, cuja obrigação se encontra prevista na alínea e) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, o elencado na alínea 8) do art.º 9º do CIVA, que refere que estão isentas de IVA "as prestações de serviços efetuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas atividades".

9. No entanto, de acordo com as alíneas c) e d) do art.º 10º do CIVA, para efeitos de isenção em sede de IVA, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente: pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não suscetíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto; e não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos de imposto

10. Na alínea d) do art.º 10º do CIVA, estabelece-se, entre as condições a satisfazer para que os organismos sem finalidade lucrativa possam beneficiar das normas de isenção que se reportam a tais entidades, que "não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos de imposto". Esta disposição da legislação interna dá uso à faculdade conferida na alínea d) do 1º parágrafo do art.º 133º da Diretiva do IVA, concedendo aos Estados membros a possibilidade de estabelecerem que as isenções "não podem ser suscetíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA", com vista ao cumprimento do princípio da neutralidade fiscal.

11. Da conciliação do texto da Diretiva do IVA, com a jurisprudência comunitária, todos os estudos apontam no sentido de que o recurso a uma abordagem global de cada setor de atividade parecer o que melhor assegura a neutralidade do imposto e a segurança jurídica das partes envolvidas. Com efeito uma apreciação individualizada e puramente casuística poderia levar a qua a AT determinasse a tributação das operações efetuadas por um dado organismo sem finalidade lucrativa, para impedir que este desvirtuasse a concorrência num setor de atividade, ao mesmo tempo que continuariam a beneficiar da isenção outros organismos, sem finalidade lucrativa, atuantes no mesmo setor.

12. Assim, a ocorrência de distorções de concorrência, em resultado da isenção deve ser avaliada relativamente à atividade em causa, enquanto tal, exploração de uma piscina para a prática de aulas, considerada no conjunto do setor em que a mesma se insere e no contexto de todo o Território Nacional, e não especificamente, em relação a cada organismo sem finalidade lucrativa que opera nesse setor ou cada mercado local em particular

13. Como tal, verificamos que o sujeito passivo não reúne os requisitos necessários para aplicar a isenção prevista na alínea 8) do art.º 9.º do CIVA, uma vez que se encontra em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto. De facto verifica-se que a A… se encontra numa situação de concorrência direta com outras entidades, e até na cidade e concelho de … existem entidades que possuem piscinas cobertas para a prática desportiva e recreativa e prestam o mesmo tipo de serviços, como é o caso de um hotel sito na cidade ou de outro na freguesia de…, ou de ginásios (pelo menos dois, com piscina interior), ou a "piscina dos bombeiros" (explorada pelo …) ambos também localizados na cidade ou as piscinas (também cobertas) na freguesia de … também no concelho (ver ponto 111.1.1.2 n.ºs 19, 20 e 21).

14. Verifica-se igualmente que para além de práticas associadas à natação disponibilizadas no Complexo de Piscinas da A…, esta presta igualmente serviços relacionados com a prática de atividade física no ginásio, escola de dança e expressão rítmica, (ver ANEXO III) constatando-se desta feita a existência de uma situação de concorrência direta com a prática de modalidades disponíveis nos vários ginásios privados localizados não só pelo país, assim como no concelho e na cidade.

15. Em face do exposto, o sujeito passivo está sujeito a tributação pelas operações realizadas no Complexo de Piscinas, na medida em que como se comprovou a realização destas operações conduzem a distorções de concorrência efetivas.

16. Pelo exposto, deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA, pela aplicação da taxa reduzida de IVA (6%), conforme alínea a) do n.º 1 do Art.º 18º do CIVA e verba 2.15 da Lista l Anexa a este diploma, até ao mês de fevereiro inclusive e pela aplicação da taxa normal (23%), a partir de 1 de março (conforme Lei 55-A/2010 de dezembro (OE2011) e os Ofícios Circulados n.º 30 122 de 2011-01-07 e n.º30 124 de 2011-02-14).

17. O apuro dos valores do IVA Liquidado encontra-se discriminado no quadro, que se junta no Anexo IV, cujo resumo consta do quadro seguinte:

III - 1.1.2 PISTA DE ATLETISMO E ALUGUER DE OUTRAS INSTALAÇÕES (PAVILHÕES)

18. Conforme documentos emitidos pelo sujeito passivo, aluga a pista de atletismo e outras instalações, nomeadamente os diversos pavilhões desportivos que explora, a pessoas que queiram praticar desporto (ver ANEXO III), não liquidando IVA, tal como se verificou na situação explana no ponto anterior, nos casos em que o consumidor final/cliente seja um utente (público em geral), justificando a não aplicação do imposto, com o elencado na alínea 8) do art.º 9º do CIVA. Verificámos pelos procedimentos adotados pelo sujeito passivo, tratar-se de uma situação análoga à descrita no ponto anterior (III-1.1), ou seja, o sujeito passivo não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, pelo que a obrigação de liquidar o competente imposto encontra-se prevista na alínea e) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

19. Pois de facto, verifica-se pelas prestações de serviços prestadas (aluguer de instalações para a prática de atividades relacionadas com a prática desportiva, ver ANEXO III) pelo sujeito passivo que não estão reunidos os requisitos necessários para estar isento de IVA, (conforme elencado nas alíneas c) e d) do art.º 10º do CIVA), tal como acontece na situação identificada no ponto III.1.1, pois encontra-se em situação de concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto, nomeadamente com entidades sujeitas a IVA que possuem recintos (pavilhões cobertos e ou campos de futebol ou outros recintos) onde se pratica desporto, estabelecimentos estes que existem, no território nacional e também no mercado local, que permitem a prática das mesmas modalidades desportivas. Como é o caso dos pavilhões desportivos e os pavilhões "Indoor" que existem pelo país e não só na cidade, ou no concelho. Assim, e em conformidade com a lei, o sujeito passivo está sujeito a tributação pelas prestações de serviços em causa, pois de facto a realização destas operações conduzem a distorções de concorrência efetivas (ver n.ºs 18,19 e 20).

20. O sujeito passivo tem concorrentes diretos nestas prestações de serviços, as quais isentou de imposto indevidamente, quando o consumidor final/cliente é público em geral (utente).

21. Pelo exposto, estando em causa prestações de serviços relacionadas com a prática de atividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos, deveria o sujeito passivo ter procedido à liquidação de IVA, (pela aplicação da taxa reduzida (6%) (Verba 2.15, da Lista l), conforme art.º 18º, n.º 1, alínea a) do CIVA), até ao mês de fevereiro inclusive e pela aplicação da taxa normal (23%), a partir de 1 de março (conforme a Lei 55-A/2010 de dezembro (OE2011) e Ofícios Circulados n.º 30 122 de 2011-01-07 e n.º30 124 de 2011-02-14), conforme apuramento discriminado no quadro, que se junta no Anexo IV, cujo resumo consta dos quadros 3 e 4 que de seguida se apresentam:

22. A propósito das correções em causa, tanto no ponto 1111.1.1, como neste ponto, é de referir que a A… no site que dispõe na internet, vww.A….pt, inclui uma página (…DESPORTO - para informação aos cidadãos das várias modalidades existentes e disponíveis - desporto federado, desporto amador ou informal), onde identifica as várias práticas desportivas disponíveis no concelho de … e os locais onde se podem praticar, estando identificados para além dos locais disponibilizados pela  A…, os pavilhões, ginásios, ginásios com piscina coberta, hotéis com piscina coberta, incluindo assim, sujeitos passivos de imposto de IVA, (aos quais fazemos referencia ao longo deste relatório como sendo seus concorrentes). Assumindo publicamente que existem assim várias opções, no concelho, para a prática das diferentes atividades físicas e desportivas, pois independentemente do espaço em si, (pois todas as instalações são diferentes), praticam-se nestes locais as atividades e prestam-se os serviços, que estão aqui em causa no âmbito das presentes correções, pois considera-se que a verificação das distorções de concorrência deve ser feita ao conjunto da atividade em causa, e não especificamente em relação a um mercado particular (n.º1 do artigo 13º da Diretiva Do IVA).

23. Não deixamos assim, de referir que a concorrência encontra-se logo ao nível do considerado mercado local como no concelho e em outros concelhos, …, …, ou…, por exemplo, pois existem nestas cidades, piscinas cobertas, pavilhões, ginásios, etc, para a pratica desportiva, que podem ser utilizados pelos cidadãos, das freguesias periféricas do concelho de…, pois a distância (ou os preços praticados) pode justificar a deslocação para concelhos periféricos.

24. Acresce o facto de que a cada ano que passa aumenta a concorrência, inclusivamente dentro do concelho, a título de exemplo, verifica-se que no ano de 2011 abriu um novo espaço, … Hotel & Spa Club, com recintos para a prática desportiva, como piscina coberta e espaços interiores e exteriores, abertos ao público em geral (não em exclusivo para os hóspedes).

A relação do sujeito passivo com a tributação/isenção em sede de IVA das prestações de serviços em causa nos dois subpontos anteriores, não é de todo clara, pois conforme referimos, liquida IVA aos sujeitos passivos de imposto (quando o consumidor final é o utente/público em geral é aplicada a isenção) verificando-se que a partir do segundo semestre do ano em apreciação, passa a isentar a totalidade destas prestações de serviços, incluindo aquelas em que anteriormente costumava liquidar IVA. De referir que esta alteração de enquadramento coincide com a alteração legislativa que conduziu ao aumento da taxa do IVA de 6% para 23% na prática de atividades físicas e desportivas.

Verifica-se igualmente que na página de internet do sujeito passivo, na parte respeitante a "pavilhões desportivos" mais concretamente nas "taxas de utilização", depois das descrições das taxas, ressalva possibilidade de incidência de IVA, mediante a seguinte inscrição "às taxas definidas quando se justifica acresce o IVA à taxa tegal em vigor.

E é de salientar ainda e relativamente à posição do sujeito passivo face ao enquadramentos dos serviços prestados, objeto das correções infra elencadas, o seguinte:

Verifica-se que o sujeito passivo não faz afetação real, aplicando o pró rata à totalidade do IVA suportado, tanto da atividade sujeita como da atividade isenta.

III-1.2 IVA LIQUIDADO em falta

1. O sujeito passivo tal como referido anteriormente liquidou IVA à taxa reduzida (6%) relativamente, aos serviços prestados relacionados com a prática de atividades físicas e desportivas, conforme art.º 18, n.º1 a) do CIVA e verba 2.15 da Lista l anexa ao código (nas faturas/vendas a dinheiro emitidas quando o consumidor final não era o utente /público em geral).

2. De referir que em conformidade com a Lei 55-A/2010 de dezembro (OE2011) e Ofícios Circulados n.º30 122 de 2011-01-07 e n.º30 124 de 2011-02-14), na verba 2.15 da Lista l anexa ao Código do IVA, foi suprimida a expressão "prática de atividades físicas e desportivas", e assim a partir de 1 de março de 2011, estas prestações de serviços estão sujeitas à taxa normal (de 23%).

Da análise da faturação relativa à prática de atividades físicas e desportivas, respeitante aos meses de março, abril e maio, verifica-se que o sujeito passivo liquidou IVA à  taxa reduzida (de 6%) quando deveria ter liquidado à taxa normal (23%), uma vez que estamos na presença de serviços prestados relacionados com a prática de atividades físicas e desportivas.

O apuro do IVA liquidado em falta encontra-se discriminado no quadro, que se junta no Anexo V, cujo resumo consta do quadro 5 que de seguida se apresenta.

(...)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

 

(...)

7. Analisados todos os pontos expostos no direito de audição verificamos que o sujeito passivo não concorda com as correções propostas no Projeto de Relatório, peio que vamos evidenciar os pontos que carecem de clarificação:

8. Com relevância para a análise em curso, começamos por lembrar que estamos na presença de uma régie cooperativa (e não na presença da Câmara Municipal), o sujeito passivo em análise é uma régie cooperativa, ou seja, uma cooperativa de interesse público de responsabilidade limitada. Na observância do Código Cooperativo, do Decreto- -Lei n.º 31/84, de 21.01, e da legislação subsidiária aplicável (art.º 9.º, do Código Cooperativo), a cooperativa é uma pessoa coletiva de direito privado, autónoma e independente, cuja gestão e controlo cabe aos membros que a integram.

9. Verifica-se que o capital social da "A…" mostra-se subscrito por entidades públicas (ex.: Câmara Municipal de…), mas, também, por cooperantes de natureza privada, sendo estes tanto pessoas singulares como coletivas.

10. E mesmo sendo uma régie cooperativa participada por pessoa coletiva de direito público e de forma maioritária (no caso em apreço é a Camará Municipal de…), pertence ao sector cooperativo e como tal é uma unidade empresarial externa à Administração Pública, regulada pelo Código Cooperativo podem exercer livremente qualquer atividade económica. Sublinha-se o facto conforme citado no art.º7 do referido Código que são aplicáveis às cooperativas, com as adaptações inerentes às especificidades resultantes do disposto neste diploma e legislação complementar, as normas que regulam e garantem o exercício de quaisquer atividades desenvolvidas por empresas privadas ou por outras entidades da mesma natureza, bem como por quaisquer outras pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos.

11. Alega o sujeito passivo, no direito de audição que não assiste razão à Administração Tributária, relativamente ao ponto "l - CONCLUSÕES DO PROJETO DE RELATÓRIO QUANTO AO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO".

12. Assim e tal como alegou aquando da ação inspetiva que decorreu ao ano de 2010, refere que, "não compreende, nem concebe, a presente correção em sede de IVA, pois em seu entender, reúne em si todos os requisitos inerentes à isenção de imposto nos termos do art.º 9º da alínea 8 do CIVA", ora, conforme exposto no presente relatório, o sujeito passivo não reúne os requisitos inerentes à isenção nas operações em causa, por si realizadas, pois a condição de não poder entrar em concorrência direta com nenhum operador de mercado, não se verifica, pois conforme dispõe o art.º 10º do CIVA, para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa, os que não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos de imposto.

13. Alega o sujeito passivo, que "nas operações por si realizadas, não entra em concorrência direta, com nenhum operador de mercado, porquanto no mercado não existe qualquer operador que preste serviços iguais", "desde logo porque inexiste no mercado qualquer outro Complexo de Piscinas e Desportivo", "que disponha de condições físicas semelhantes". Lembramos a propósito, que em sede de IVA, são sujeitas a tributação as prestações de serviços e as prestações de serviços alvo das correções expostas no presente relatório, são serviços que conforme verificamos são prestados por varias entidades, conforme exposto no item III do presente relatório. É evidente que, tal como alega o sujeito passivo, não existe no mercado instalações iguais às suas, mas isso, não conclui por si só, que os serviços prestados sujeitos a correção no presente relatório (aulas de natação, natação livre, ginásio...) não possam ser realizados em espaços diferentes deste "Complexo de Piscinas e Desportivo". As instalações das outras entidades sendo diferentes, permitem realizar o mesmo tipo de serviços, (pois estamos a referir-nos a entidades que possuem piscinas, ginásios, pavilhões...), como acontece no caso em apreciação, estando o sujeito passivo pelos serviços que presta em concorrência com entidades privadas.

14. A propósito, verifica-se que o sujeito passivo liquida IVA nestas prestações de serviços, pois quando o cliente em causa é entidade/pessoa coletiva a emissão da competente fatura ou venda a dinheiro é com IVA à taxa reduzida (6%), situação esta que deu origem à correção em sede de IVA conforme exposto no item III - 1.2, pois a taxa de IVA aplicara estas prestações de serviços alterou e a partir do mês de março do ano 2011 passam a ser tributadas à taxa normal (23%).

15. Ora se realmente as prestações de serviços em apreço nas correções propostas, fizessem parte do quadro descrito pelo sujeito passivo no direito de audição, esta situação não se verificaria pois os requisitos inerentes à isenção do imposto estariam, segundo exposto pelo sujeito passivo reunidos, no entanto a prática, evidencia o elencado nas propostas de correções do presente relatório, ou seja, como o sujeito passivo se encontra numa situação de concorrência direta com sujeitos passivos de imposto, está sujeito a tributação pelas operações em causa, isto quer o cliente em causa seja pessoa coletiva, quer seja publico em geral (utentes), pois estamos na presença de serviços prestados (todos eles relacionados com a prática de atividades físicas e desportivas), prestados por outras entidades de natureza privada sujeitas a imposto.

16. Falta esclarecer que toda a doutrina referida no direito de audição, a propósito da isenção do IVA em causa (ofício circulado, informações vinculativas), sendo o sujeito passivo uma régie cooperativa, não se aplica.

17. Alega ainda o sujeito passivo, tal como alegou aquando da ação inspetiva ao ano de 2010) que, "no que respeita ao aluguer da pista de atletismo e outras instalações, por se tratar de um contrato de locação, sempre tal operação estaria isenta de IVA por força do disposto no n.º29 do art.º9º do CIVA". Conforme verificado no decorrer da ação inspetiva e conforme os documentos emitidos e exibidos pelo sujeito passivo, não estamos na presença de nenhum contrato de locação (nem em algum momento foram apresentados). Estamos sim na presença de um conjunto de serviços em que o sujeito passivo disponibiliza ao utente (individual ou grupo), que se traduz no acesso ao espaço desportivo (que inclui o recinto para a prática desportiva, o balneário, etc.,) ou seja, o serviço em causa é todo um conjunto que permite a prática de atividades físicas e desportivas aos utentes por um determinado tempo (normalmente traduzida a utilização do espaço por hora pela qual é cobrado o valor, denominado por "taxa de utilização").

17. Não estamos deste modo, na presença de locação de imóveis, como referido no direito de audição, mas sim na presença de serviços prestados relacionados com a prática de atividades físicas e desportivas. E tal como verificado no decurso na presente ação inspetiva, o sujeito passivo evidencia nas faturas e vendas a dinheiro que emite com a competente liquidação de imposto, (quando os clientes são sujeitos passivos coletivos – situação que que verifica também nas operações alvo de correção, praticadas no Complexo de Piscinas e exposta neste item, no n.º 11), sujeitas à tributação em sede de IVA nos termos do art.º 9 alínea 8 do CIVA.

18. Como também se verifica que o sujeito passivo liquida IVA nestas prestações de serviços, quando o cliente em causa é entidade/pessoa coletiva, pois a emissão da competente fatura ou venda a dinheiro é com IVA à taxa reduzida (6%), esta situação também deu origem à correção em sede de IVA conforme exposto no item III - 1.2, pois a taxa de IVA aplicar a estas prestações de serviços alterou e a partir do mês de março do ano 2011 passam a ser tributadas à taxa normal (23%)

19. A título conclusivo a ocorrência de distorções de concorrência, em resultado da isenção deve ser avaliada relativamente à atividade em causa, enquanto tal, considerada no conjunto do setor em que a mesma se insere e no contexto de todo o Território Nacional, e não especificamente, em relação a cada organismo sem finalidade lucrativa que opera nesse setor ou cada mercado local em particular. E nas prestações de serviços alvo de correção conforme exposto no item III -1 IVA, deste relatório, o sujeito passivo encontra-se em concorrência logo ao nível do considerado mercado local, como sendo o próprio concelho bem como concelhos periféricos, como…, …, ou…, por exemplo, pois existem nestas cidades, piscinas cobertas, pavilhões, ginásios, etc., para a pratica desportiva, que podem ser utilizados pelos cidadãos. Acresce ainda o facto de que a cada ano que passa aumenta a concorrência, inclusivamente dentro do concelho.

20. Relativamente ao ponto "II - DAS CONCLUSÕES DO PROJETO DE RELATÓRIO QUANTO AO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS", não concorda com as correções propostas, ora, conforme dispõe n.º5 do art.º 7 do EFC os apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza atribuídos pelo Estado, só estão isentos de IRC se forem atribuídos nos termos da lei.

21. Da análise dos contratos em causa verifica-se que as transferências financeiras, como resultado do Acordo de Colaboração bem como do Protocolo de Colaboração celebrados entre o sujeito passivo e o Município de…, com vista ao financiamento dos encargos resultantes da sua aplicação, resultam de um ajuste direto estabelecido entre as partes, ou seja, não são regulados por algum normativo legal que defina as condições da sua atribuição não caindo, assim, na isenção de IRC prevista no EFC, pelo que não poderia o sujeito passivo deduzir os mesmos no apuramento do lucro tributável o valor de 1.100,642,70 €,

22. Tanto do Protocolo de Colaboração como do Acordo de Colaboração, não consta o normativo legal que identifique que os foram mesmos efetuados ao abrigo de um regulamento municipal que confira a aplicação da respetiva Lei de Bases subjacente à atribuição de apoios financeiros, regulamento este que lhe conferiria a qualidade de apoio financeiro concedido nos termos da Lei.

23. Ainda e com o propósito de esclarecer, em nada obsta a que as autarquias, constituam entes instrumentais tendentes ao bom desempenho das suas incumbências, ainda que com recurso à via empresarial e apelo a entidades privadas. Pois lembramos, conforme as disposições legais, não é aceitável que se associem entidades privadas (incluindo assim as régies cooperativas) à satisfação de necessidades públicas sem que sejam implementados procedimentos que salvaguardem a observância dos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade.

24. E conforme referido anteriormente o sujeito passivo deduziu no apuramento do lucro tributável a totalidade do valor do Protocolo de colaboração e do Acordo de colaboração a título de subsídios, considerando que os gastos inerentes eram todos gastos da parte da atividade sujeita.

25. Nota: No documento apresentado pelo sujeito passivo para o exercício de direito de audição o ponto III, não existe, passando do ponto II para o IV.

26. Por fim, alega no ponto "IV - DAS CONSEQUÊNCIAS JURIDICO-FISCAIS DAS CORREÇOES PROJETADAS", "caso a Administração tributária, entenda, a final, que a ora expoente não reúne os requisitos necessários para estar isenta de IVA, e opere as correções vindas de enunciar no seu projeto de inspeção, proceda igualmente à atualização do pró rata".

27. O sujeito passivo deduziu mediante a utilização do pró rata, o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços nas respetivas declarações periódicas, respeitando a regra geral a que se refere o n.º2 do art.º22º do CIVA, corrigindo os valores provisórios de acordo com os valores definitivos do ano em causa, em conformidade com o n.º6 do art.º23º do CIVA.

28. A dedução do imposto (ainda que efetuada parcialmente, com base no art.º23º do CIVA) é concretizada pelo sujeito passivo na sua contabilidade e refletida nas declarações periódicas. Constatando-se que os documentos de suporte de imposto, que agora pretende deduzir estão (e foram atempadamente) registados na contabilidade, entende-se que não resta outra alternativa que não seja a do recurso ao mecanismo previsto no n.º6 do art.º78º do CIVA.

29. Decorre do n.º 6 do art.º 78º do CIVA que, "a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os art.º s 44º a 51º e 65º, nas declarações mencionadas no art.º 41º, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que no caso do direito à dedução é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do art.º 22, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

30. Em face do exposto, somos de parecer que precludiu o pretendido direito à dedução do IVA e consequente atualização do pró rata para o ano em apreciação, uma vez que já decorreu o prazo dos dois anos previsto no n.º 6 do art.º 78º do CIVA.

31. É de referir ainda e a propósito que o sujeito passivo aplicou o pró rata à totalidade do IVA suportado, tanto da atividade sujeita assim como da atividade isenta.

32. Como começamos por referir na análise deste Direito de Audição foram analisados todos os seus pontos, procedendo aos esclarecimentos dos pontos que de tal facto careciam.

33. Em face do exposto são de manter as correções propostas no Projeto de Relatório.

 

o)   Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios;

Liquidações adicionais de IVA (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º …(documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

 

Liquidações de juros compensatórios (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

p)     A Requerente apresentou testemunhas para serem inquiridas no procedimento de inspecção, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu a sua inquirição;

q)   Pelos serviços prestados pela A… à população é cobrada uma taxa, definida na tabela definida pelo Município de…, não cabendo à aqui Requerente definir o preço a cobrar aos utentes pelos serviços prestados;

r)    As taxas a cobrar, pela requerente, na gestão do parque desportivo municipal são discutidas, aprovadas e anualmente fixadas pelo Município em Assembleia Municipal;

s)     Não existe no mercado geográfico local, e do concelho de … em geral, qualquer operador que preste os serviços iguais aos prestados pela ora Requerente globalmente considerados;

t)    Não existe no mercado geográfico local, e do concelho de … qualquer outro parque desportivo tal como o explorado pela Requerente;

u)    A dimensão das instalações exploradas pela Requerente são incomparáveis com quaisquer outras, permitindo prestar serviços a mais de seiscentos mil (600.000),_utentes, números inalcançáveis por qualquer outro equipamento/instalação do mercado onde se insere;

v)    A Requerente explora um moderno complexo piscinas, com dimensões inigualáveis no concelho, constituído por três piscinas interiores aquecidas;

w)  Para além das normais actividades desportivas aquáticas desenvolve actividades que não são praticáveis no mercado concorrencial, pois permite a prática de natação de competição, natação sincronizada e pólo aquático.

x)    No que respeita ao Polo Aquático, o Complexo de Piscinas da Requerente é utilizado pelo … para o treino desta modalidade em virtude de as piscinas por si exploradas (“dos bombeiros” referidas no relatório de inspecção) não terem profundidade suficiente para o efeito;

y)    A requerente, através da exploração das piscinas e prosseguindo as suas atribuições, promove a prática de desporto e alta competição pela população, através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação física, fazendo-o, como se viu, a título de exclusividade, pois graças à estrutura e condições físicas ímpares no concelho de que é dotada, a requerente permite aos seus utentes a prática de modalidades desportivas não praticados por qualquer outro sujeito passivo de imposto no concelho;

z)    Os serviços prestados pelo “... & SPA do Hotel de…” e o “… Hotel & Spa Club“, na freguesia de … direccionam-se no sentido de proporcionar aos seus utentes um bem-estar pleno, num ambiente de grande tranquilidade num espaço composto por apenas uma piscina interior climatizada de pequenas dimensões (15 metros x 6 metros), jacuzzi, saunas e banho turco, salas de hidromassagem e massagem subaquática, duche escocês, duche Vichy e uma zona de relaxamento e tratamentos SPA;

aa)          O serviço prestado pela Requerente, tendo em conta as atribuições e objectivos que persegue se direcciona no fomento pela prática desportiva;

bb)          Relativamente às piscinas dos bombeiros e às piscinas na freguesia de…, de dimensões muito inferiores às exploradas pela aqui Requerente, não permitem a prática de todas as actividades às levadas a cabo pela Requerente;

cc)          Nas piscinas dos Bombeiros não era cobrado IVA em 2011 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

dd)           Nas piscinas de … não era cobrado IVA em 2014 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ee)           No que concerne à pista de atletismo e pavilhões utilizados pela Requerente não existem no mercado do concelho de … outras instalações desportivas de características e condições semelhantes, designadamente não existindo qualquer outra pista de atletismo;

ff)           Em 02-12-2015, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

gg)          Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas nas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, nem que elas tivessem sido cobradas por compensação.

A Requerente não apresentou qualquer prova de que tivessem ocorrido pagamentos por qualquer forma, nem mesmo alegou quando e como ocorreram.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, a aparentaram depor com isenção dos factos sobe que se pronunciaram.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente não liquidou IVA nas prestações de serviços que efectua nas piscinas, na pista de atletismo e nos pavilhões desportivos, com base ado na alínea 8) do artigo 9.º do CIVA, que estabelece isenção para «as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades».

No entanto, a aplicação desta isenção está subordinada às condições referidas no artigo 10.º do CIVA, que estabelece o seguinte;

 

Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:

 

a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

 

Estas regras são corolário do artigo 133.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que estabelece na sua alínea d), que «as isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não se verificar o requisito da alínea d), considerando que a Requerente «se encontra em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto. De facto verifica-se que a A… se encontra numa situação de concorrência direta com outras entidades, e até na cidade e concelho de … existem entidades que possuem piscinas cobertas para a prática desportiva e recreativa e prestam o mesmo tipo de serviços, como é o caso de um hotel sito na cidade ou de outro na freguesia de…, ou de ginásios (pelo menos dois, com piscina interior), ou a "piscina dos bombeiros" (explorada pelo…) ambos também localizados na cidade ou as piscinas (também cobertas) na freguesia de … também no concelho».

O mesmo entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos serviços prestados na pista de atletismo e nos pavilhões, dizendo que «encontra-se em situação de concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto, nomeadamente com entidades sujeitas a IVA que possuem recintos (pavilhões cobertos e ou campos de futebol ou outros recintos) onde se pratica desporto, estabelecimentos estes que existem, no território nacional e também no mercado local, que permitem a prática das mesmas modalidades desportivas. Como é o caso dos pavilhões desportivos e os pavilhões "Indoor" que existem pelo país e não só na cidade, ou no concelho. Assim, e em conformidade com a lei, o sujeito passivo está sujeito a tributação pelas prestações de serviços em causa, pois de facto a realização destas operações conduzem a distorções de concorrência efetivas».

Acrescentou ainda Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária que «a concorrência encontra-se logo ao nível do considerado mercado local como no concelho e em outros concelhos, …, …, ou …, por exemplo, pois existem nestas cidades, piscinas cobertas, pavilhões, ginásios, etc, para a prática desportiva, que podem ser utilizados pelos cidadãos, das freguesias periféricas do concelho de…, pois a distância (ou os preços praticados) pode justificara deslocação para concelhos periféricos» e «que a cada ano que passa aumenta a concorrência, inclusivamente dentro do concelho, a título de exemplo, verifica-se que no ano de 2011 abriu um novo espaço, … Hotel & Spa Club, com recintos para a prática desportiva, como piscina coberta e espaços interiores e exteriores, abertos ao público em geral (não em exclusivo para os hóspedes)».

Depois do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere que «é evidente que, tal como alega o sujeito passivo, não existe no mercado instalações iguais às suas, mas isso, não conclui por si só, que os serviços prestados sujeitos a correção no presente relatório (aulas de natação, natação livre, ginásio...) não possam ser realizados em espaços diferentes deste "Complexo de Piscinas e Desportivo". As instalações das outras entidades sendo diferentes, permitem realizar o mesmo tipo de serviços, (pois estamos a referir-nos a entidades que possuem piscinas, ginásios, pavilhões...), como acontece no caso em apreciação, estando o sujeito passivo pelos serviços que presta em concorrência com entidades privadas».

 

3.1. Ordem de conhecimento de vícios

 

A Requerente imputa às liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas os seguintes vícios

– falta de fundamentação;

– Insuficiência dos factos alegados pela AT suportar as liquidações;

– preterição das diligências de prova tendentes à descoberta da verdade material

- violação das normas sobre o regime da isenção de IVA.

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

O vício de falta de fundamentação é um vício de forma que, em caso de anulação, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

No entanto, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto ou de direito. Na verdade, a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, pelo que o desconhecimento exacto da motivação da decisão pode ser um obstáculo intransponível à apreciação dos vícios de violação de lei. ( [1] )

A questão da falta de fundamentação está conexionada com a da suficiência dos factos alegados para suportar as liquidações, pelo que é conveniente abordá-las concomitantemente.

 

 

3.1.1. Irrelevância de fundamentação a posteriori

 

Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações.

Por outro lado, sendo o conhecimento da fundamentação necessário para assegurar com efectividade o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, assegurado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, para aferir da suficiência da fundamentação tem de se atender apenas ao teor do acto impugnado e às remissões que dele constem expressamente, como impõe o n.º 3 do mesmo artigo, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Assim, como é jurisprudência pacífica, a fundamentação relevante é apenas a contemporânea do acto, que antecede ou acompanha o acto e que dele conste directamente ou por remissão, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, inclusivamente a que é invocada no processo de impugnação contenciosa.

No caso em apreço, a fundamentação das liquidações impugnadas, para além do que delas próprias consta, é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária.

 

3.1.2. Questões da falta de fundamentação e suficiência da fundamentação para suportar as liquidações

 

O direito à fundamentação dos actos administrativos, de que os actos de liquidação são um tipo especial, tem suporte no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

O artigo 77.ºda LGT concretiza o conteúdo da fundamentação dos actos tributários estabelecendo, além do mais, que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

A exigência de fundamentação expressa «tem uma tripla justificação racional: habilitar o interessado a optar conscientemente entre conformar-se com o acto ou impugná-lo, assegurar a devida ponderação das decisões administrativas e permitir um eficaz controlo de actividades administrativas pelos tribunais». ( [2] )

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo, que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [3] )

De harmonia com o disposto no artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, «equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto».

A fundamentação do acto administrativo através de juízo conclusivo, de uma expressão vaga e meramente conclusiva, não é verdadeira fundamentação, pois não esclarece concretamente a sua motivação, como vem sendo jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo. ( [4] )

No caso em apreço, a Requerente defende que

– quer quanto às piscinas, quer quanto à pista de atletismo, quer quanto aos demais pavilhões desportivos, a Administração Tributária, no seu relatório, não fundamenta nem explica por que motivo os serviços pelos outros operadores de mercado entram em concorrência com os serviços prestados pela requerente;

– quer porque não indica que concretos serviços são prestados em concorrência;

– em que condições físicas semelhantes tais serviços são prestados;

– se ou outros operadores de mercado são ou não entidades isentas,

 

É manifesto que a Requerente tem razão quanto a insuficiência do Relatório da Inspecção Tributária, em que assentam as liquidações de IVA impugnadas, quanto aos pontos que refere, sobre esta matéria da possibilidade de distorção da concorrência, que é essencial para sustentar as liquidações.

Desde logo, não são identificados o «hotel sito na cidade» nem o «outro na freguesia de … » nem os «ginásios (pelo menos dois, com piscina interior)», pelo que, embora a Requerente tente formular palpites sobre as entidades a quem se reportarão, não se pode deixar de concluir que se está perante o uso de expressões vagas, que não satisfazem as exigências de fundamentação.

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece quais as características dos serviços prestados por cada uma das entidades que entendeu serem concorrentes nem quais os preços dos serviços prestados, nem porque é que entendeu que havia possibilidade de a isenção praticada pela Requerente poder provocar distorção da concorrência.

Para se poder concluir pela existência de distorção da concorrência seria necessário conhecer os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera concorrentes, pois poderão tratar-se de serviços distintos com preços distintos, destinados a tipos de público diferentes. No caso em apreço, resultou da prova produzida que nenhuma das piscinas do concelho de … tem as características das da Requerente nem existe outra pista de atletismo, pelo que não está explicada a razão por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a prestação dos serviços pela Requerente pode provocar distorção da concorrência.

 Para além disso, para se demonstrar que existe uma distorção da concorrência provocada pela isenção de IVA que a Requerente aplicou seria necessário esclarecer se as outras entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá considerado concorrentes não praticavam isenção para os serviços semelhantes, pois se todas praticassem isenção, nenhuma distorção estará relacionada com a aplicação da isenção pela Requerente.

A isto acresce que, como esclarece a alínea d) do artigo 133.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, as distorções da concorrência que se pretendem evitar se reportam apenas a «empresas comerciais sujeitas ao IVA», pelo que seria necessário esclarecer se todas as entidades consideradas com concorrentes são empresas comerciais.

Ora, pelo menos uma das entidades utilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para afirmar a possibilidade de distorção da concorrência, que é o …, é uma associação desportiva, cultural e recreativa, de utilidade pública reconhecida por despacho ministerial publicado no Diário da República II Série, n.º…, de … de Julho de 1981, página…, e provou-se que não cobrava IVA pelos serviços que prestou nas piscinas dos bombeiros.

Tanto basta para concluir que, por um lado, está insuficientemente fundamentado o Relatório da Inspecção Tributária em que se basearam as liquidações impugnadas e, por outro, que não ficou demonstrado que da isenção de IVA a praticada pela Requerente provocasse distorção da concorrência.

Para além disso, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, da LGT, para se justificar a anulação de actos de liquidação, basta que existam dúvidas fundadas sobre a correspondência à realidade dos factos em que assentou, o que se reconduz a que essas dúvidas sejam processualmente equiparadas a erro sobre os pressupostos de facto.

Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vícios de falta de fundamentação e erro sobre os pressupostos de facto que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de anular as liquidações com fundamento de vício de violação de lei fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões colocadas.

 

4. Pedido de restituição de quantias pagas, anulação de actos de cobrança e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que lhe sejam restituídas «todas e quaisquer quantias que por esta hajam sido entregues para pagamento das liquidações oficiosas ora em crise, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios» e que sejam anulados «todos e quaisquer actos de cobrança, designadamente de compensação».

Para além disso, a Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.

Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas nas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, nem que elas tivessem sido cobradas por compensação.

Na verdade, a Requerente não apresentou qualquer prova de que tivessem ocorrido pagamentos por qualquer forma, nem mesmo alegou quando e como ocorreram.

Assim, não se provando que ocorreram pagamentos por qualquer forma, improcedem os pedidos de restituição de quantias pagas e de anulação de actos de compensação.

Dependendo os juros indemnizatórios da ocorrência de pagamento de imposto indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), a falta de prova do pagamento implica a improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

No entanto, a improcedência destes pedidos que aqui se decide, não prejudica a efectivação dos direitos que a Requerente possa ter que sejam apurados em execução de julgado.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de iva e juros compensatórios:

Liquidações adicionais de IVA (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

 

Liquidações de juros compensatórios (cfr. doc. n.º 2):

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º …);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º … (documento de cobrança n.º…);

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…); e

- n.º 2015 … (compensação n.º 2015…).

 

b)      Anular as liquidações referidas;

c)      Julgar improcedentes os pedidos de restituição de quantias, anulação de actos de compensação e juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos mesmos, sem prejuízo dos direitos que possam se demonstrados em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 287.237,46.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 09-02-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

 

(Nina Aguiar)

(Vencida, conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

Tomei a decisão de não subscrever o acórdão por não estar inteiramente de acordo com a sua fundamentação em aspectos que reputo essenciais e que têm a ver com o tipo e a extensão da fundamentação que seria de exigir para os actos de liquidação em causa.

O art. 10º do CIVA tem como fundamento o princípio da neutralidade do IVA. O que se tem em vista é a impedir que as isenções concedidas a entidades sem fins lucrativas em virtude dessa característica tenham um efeito de impedir ou distorcer a concorrência.

Para isso estabelece-se que as entidades sem fins lucrativos que, devido a essa qualidade, pudessem beneficiar de isenção de IVA, não serão consideradas entidades sem fins lucrativos se entrarem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

O TJUE pronunciou-se já várias vezes sobre a questão de saber quando existe concorrência para efeitos de apreciação das isenções relacionadas com pessoas sem fins lucrativos.

Na sentença sobre o caso Wight Council e Outros [C‑288/07], o Tribunal considerou que a distorção de concorrência, a que o diferente tratamento fiscal pode ou não conduzir, deve ser avaliada por referência à actividade em si, e não por referência a um mercado local em particular; e que a expressão “possa conduzir a distorções de concorrência significativas” deve ser interpretada no sentido de que a norma abrange não apenas situações de concorrência actual mas também de concorrência potencial, desde que a possibilidade de um operador privado entrar no mercado relevante [em questão] seja real e não apenas hipotética.

Na sua decisão sobre o processo The Rank Group plc [casos acumulados C-259/10 e C‑260/10] , o Tribunal chegou a relevantes conclusões sobre a noção de “existência de uma distorção de concorrência”. Diz o Tribunal, que:

-        O princípio da neutralidade fiscal opõe-se em especial a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (par. 32);

-        Resulta desta descrição do referido princípio que a semelhança de duas prestações de serviços tem a consequência de estas se encontrarem em concorrência entre si (par. 33);

-        Consequentemente, a existência de uma situação efectiva de concorrência entre duas prestações de serviços não constitui uma condição autónoma e suplementar da violação do princípio da neutralidade fiscal se as prestações em causa forem idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e satisfizerem as mesmas necessidades deste (par. 34);

-        Esta consideração também é válida no que diz respeito à existência de uma distorção da concorrência. O facto de duas prestações idênticas ou semelhantes e que satisfazem as mesmas necessidades serem tratadas de forma diferente do ponto de vista do IVA implica, regra geral, uma distorção da concorrência.

 

E concluindo o Tribunal:

-        À luz das considerações precedentes, deve responder‑se à primeira questão, alíneas b) e c), no processo C‑259/10 que o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento em termos de IVA de duas prestações de serviços idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste basta para demonstrar uma violação deste princípio. Assim, essa violação não exige que também seja demonstrada a existência efectiva de concorrência entre os serviços em causa ou uma distorção da concorrência causada pela referida diferença de tratamento.

Resumindo – e lembrando que a fixação que o Tribunal de Justiça da União Europeia faz dos termos utilizados nas directivas europeias, como é o caso a Directiva IVA”, impõe-se na interpretação das normas nacionais – para que, do ponto de vista do artigo 10º do CIVA, exista concorrência com sujeitos passivos de imposto, não é necessário que essa concorrência seja actual e efectiva. Basta que existam sujeitos passivos com actividades idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfaçam as mesmas necessidades. E não é necessário que esta situação ocorra por referência a um mesmo mercado local, em cujo âmbito operem as entidades concorrentes.

A razão de ser desta interpretação é óbvia e é a única consentânea com o princípio da neutralidade fiscal: no limite, podem não existir no mercado em que opera a entidade sem fins lucrativos A, sujeitos passivos de IVA a exercer a mesma actividade porque a entidade isenta impede que surja concorrência.

Transpondo a doutrina do Tribunal de Justiça para o caso concreto, muito brevemente, a Administração Tributária estava obrigada apenas a demonstrar que alguns dos serviços oferecidos pela Requerente são oferecidos por entidades de fins lucrativos. Neste sentido, as características dos equipamentos da Requerente são irrelevantes para esta análise. A Requerente pode explorar uma piscina olímpica. Mas se oferece nessa piscina aulas de hidroginástica e se no mercado nacional a hidroginástica é uma actividade disponível por parte de entidades de fins lucrativos, existe concorrência. Não seria necessário provar que essa actividade é oferecida por uma determinada empresa em … nem perto de … . Também não é, em nosso entender, de exigir que, numa situação como a dos autos, a Administração Tributária tenha que especificar as características das actividades em concorrência. As actividades são colocadas no mercado sob designações que as identificam para o público interessado. Por exemplo “natação para bebés” ou “power-combat” são designações suficientemente explícitas quanto às características das actividades oferecidas e que por si só identificam também os públicos alvo. Finalmente, também julgamos não ser de exigir que a Administração Fiscal compare os preços praticados, porque a existência de preços diferenciados ou iguais não significa nem que há nem que não há situação de concorrência.

Posto isto, consideramos que a fundamentação do relatório da inspecção contém expressões vagas e raciocínios ambíguos, não suficientemente concretizados. Pelo que acompanhamos a decisão de considerar o acto violador do dever de fundamentação e nesse sentido ilegal, embora considerando que a fundamentação exigível seria muito diferente daquela que fica expressa no acórdão. 

 

09 de Fevereiro de 2017

O árbitro

 

Nina Aguiar

 



[1]              Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 22-09-1994, processo n.º 32702; de 03-10-1995, processo n.º 35128, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 7245; de 03-11-1999, processo n.º 41885; de 05-06-2000, do Pleno, processo n.º 43085; de 28-03-2001, processo n.º 29685, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-07-2003, página 2455; de 17-11-2010, processo n.º 1051/09.

[2]              Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-03-2004, processo n.º 0110/04.

[3]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 04-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 06-06-1999, processo n.º 42142; de 09-02-2000, processo n.º 44018; de 28-03-2000, processo n.º 29197; de 16-03-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[4]              Neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 05-06-1991, processo n.º 12150, publicado em Apêndice ao Diário da República 30-09-93, página 653; de 26-06-1991, processo n.º 013435, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-93, página 377; de 17-03-1993, processo n.º 013339, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 425, página 403; de 03-11-1999, processo n.º 041885, publicado em Apêndice ao Diário da República de 23-09-2002, página 6248; de 03-03-2004, processo n.º 0110/04; de 07-04-2005, processo n.º 0161/05; de 23-10-2008, processo n.º 0827/07.