Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 251/2020-T
Data da decisão: 2021-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 23.834,72
Tema: IRS – mais-valias mobiliárias – despesas e encargos – artigo 51.º do CIRS.
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SUMÁRIO:

 

I.             O artigo 51.º do Código do IRS estatui que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.

II.            O conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação” está presente quer na alínea a), quer na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, pelo que o sentido da sua interpretação deverá ser o mesmo em ambas as situações ali previstas, designadamente, no sentido de que tais despesas deverão ser indissociáveis da operação em causa, que tenham sido suportadas pelo mesmo para a sua realização, e que se encontrem devidamente comprovadas.

III.          No caso em apreço, constatando-se que as despesas incorridas pela Requerente com os serviços prestados pela sociedade de mediação imobiliária, no que toca à alienação das suas participações sociais se mostram indissociáveis do negócio em causa – cessão de quotas – e devidamente comprovadas, enquadram-se no conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, previsto na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, devendo, para o efeito ser tidas em consideração para efeitos de determinação das mais-valias daí resultantes.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 6 de maio de 2020, A..., contribuinte n.º..., residente no ..., n.º...,  ..., ..., ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:

a)            à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., e de juros compensatórios n.º..., referentes ao ano de 2015, no montante de € 23.834,72, e sua consequente anulação;

b)           à declaração de ilegalidade da decisão no sentido do indeferimento parcial da reclamação graciosa que apresentou contras os mesmos, e sua consequente revogação;

c)            e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Dr.ª..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª ... e Dr.ª ... .

 

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado.

 

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 6 de agosto de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

 

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta e o respetivo processo administrativo, no dia 21 de setembro de 2020.

 

6.            O Tribunal, por despacho de 29 de setembro de 2020, constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

7.            No despacho referido em 6. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            A Requerente fundamenta o seu pedido «em ilegalidade de vício de violação de lei, designadamente do artigo 51.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, em virtude de ter sido desconsiderada a despesa e necessária e efetivamente praticada, inerente à alienação [da participação social que detinha na sociedade «B..., Lda, que adquiriu por óbito de seu Pai], no valor de €  34.593,76 (trinta e quatro mil quinhentos e noventa e três euros e setenta e seis cêntimos).

 

2.            Peticionando, assim, a final, que seja deferido o presente pedido de pronúncia arbitral e anuladas as liquidações de IRS e juros compensatórios e pagos juros indemnizatórios.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

1.            Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, referindo que as despesas realizadas com a sociedade de mediação imobiliária não se compadecem como necessárias à alienação e/ou aquisição, pelo que, não podem ser aceites para efeitos de apuramento da mais-valia resultante de tal operação.

 

2.            Pugna, assim, pela improcedência dos argumentos tecidos pela Requerente, concluindo, no sentido de que «o ato em crise não padece de qualquer ilegalidade pelo que se impugna por infundado todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.»

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

1.            Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

2.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

3.            Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental e ao processo administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

1.            Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.           No dia 28 de agosto de 2015, o Pai da Requerente, C..., contribuinte fiscal n.º ... faleceu, deixando como única herdeira a Requerente – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

B.            No dia 14 de setembro de 2015, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 1 de Imposto do Selo, com referência à transmissão gratuita, originada pelo óbito de seu Pai – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral – ;

C.            Na verba 14 da supra referida Declaração de Imposto do Selo, foi relacionada uma quota, no valor nominal de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) correspondente a 15% do capital social da sociedade por quotas com a denominação social, “B..., LDA”, NIPC...– cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral -

D.           A sociedade identificada em C. supra era a única proprietária do prédio urbano sito na Rua ... a ..., em Lisboa, freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., composto por 23 frações autónomas – cfr. facto não impugnado - ;

E.            No dia 17 de setembro de 2015, a Requerente e os restantes detentores de quotas da sociedade identificada em C. supra, celebraram com a sociedade “D..., LDA”, um contrato de mediação imobiliária, mediante o qual esta se obrigava «a diligenciar no sentido de conseguir interessado na cessão de quotas da sociedade representativas da totalidade do capital social, pelo preço mínimo de 2.250.000,00 (dois milhões e duzentos e cinquenta mil euros) líquido do valor da mediação (…), desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios e característicos pretendidos», - cfr. Cláusula 3.º do contrato junto como Doc. n.º 2 com o pedido de pronúncia arbitral -

F.            Do contrato identificado em E. supra, designadamente, da cláusula 6.ª com a epígrafe “remuneração” constava o seguinte:

«1) - A remuneração será se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio ou promessa de negócio visado no presente contrato.

2) – Os segundos contratantes obrigam-se a pagar à mediadora, na proporção das suas quotas, a título de remuneração a quantia global correspondente a 7,5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3) – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições:

a) – 50% após a celebração do contrato promessa de cessão de quotas e o remanescente de 50% na celebração a escritura ou conclusão do negócio.

(…)» - cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

G.           No dia 27 de novembro de 2015, foi celebrado contrato de cessão e unificação de quotas, renúncia e nomeação de gerente e alteração parcial do contrato social respeitante à sociedade identificada em C. supra, dele constando, por um lado,  «Que, conforme consta da certidão on-line, consultada através do site www.portaldocidadao.pt, com o código ..., de que arquivo print, o primeiro e segundos outorgantes, as terceiras outorgantes identificadas nos números 1) e 3), e os representantes dos terceiros outorgantes identificados em 1) e 2) nas invocadas qualidades, os quartos outorgantes e a representada do quinto outorgante, são os únicos sócios, de “B..., LDA” com sede na Rua ..., n.º ... porta ..., em ..., Lisboa, matriculada no Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de centos e cinquenta mil euros, distribuído em quatro quotas:

- uma do valor nominal de vinte e dois mil e quinhentos euros, dele primeiro outorgante;

 - uma no valor nominal de vinte e sete mil setecentos e cinquenta euros, dele segundo outorgante;

 - uma no valor nominal de vinte e sete mil setecentos e cinquenta euros, em comum e sem determinação de parte ou direito, delas terceiras outorgante identificadas em 1) e 3), e dos representados deles terceiros outorgantes identificados em 1) e 2);

 - uma no valor nominal de quarenta e nove mil e quinhentos euros, em comum e sem determinação de parte ou direito deles quatro outorgantes, e

 - uma do valor nominal de vinte e dois mil e quinhentos euros, da representada dele quinto outorgante.», e, por outro, especificamente quanto à aqui Requerente (quinto outorgante), «pela presente escritura, cede ao sexto outorgante identificado em 3) aquela quota no valor nominal de vinte e dois mil e quinhentos euros, pelo preço de trezentos e setenta e cinco mil euros, que já recebeu» - cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

H.           No dia 16 de setembro de 2015, a sociedade “D..., LDA” emitiu em nome da Requerente a fatura n.º 1/681, no montante de € 17.296,88 (dezassete mil, duzentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos), sendo que € 14.062,50 correspondia a «prestação de serviços – Med. Imobiliária» e € 3.234,38 a IVA – cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral –

I.             No dia 24 de novembro de 2015, a sociedade “D..., LDA” emitiu em nome da Requerente a fatura n.º 1/791, no montante de € 17.296,88 (dezassete mil, duzentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos), sendo que € 14.062,50 correspondia a «prestação de serviços – Med. Imobiliária» e € 3.234,38 a IVA – cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral –

J.             No dia 25 de novembro de 2015, a Requerente, através do cheque com o n.º ..., sacado do E..., balcão do ...., pagou à sociedade “D..., LDA”, a quantia de € 34.593,76 (trinta e quatro mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral –

K.            No dia 27 de novembro de 2015, a sociedade “D..., LDA” emitiu, em nome da Requerente, dois recibos: o recibo n.º REC 1/548 e o recibo REC 1/549, no montante de € 17.296,88 (dezassete mil, duzentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos), cada, com referência à fatura n.º 1/681, de 06.09.2015 e o outro à fatura n.º 1/791, de 24.11.2015, respetivamente – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral –

L.            No dia 31 de maio de 2016, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 IRS, respeitante ao ano de 2015, da qual, entre outros, fazia parte integrante o Anexo G, onde foi inscrita, no campo 9001 do quadro 9,  a alienação da participação social da sociedade identificada em C. supra, datada de 27.11.2015, pelo montante de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), declarando como data de aquisição, o dia 28.08.2015, pelo montante de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), e indicando como despesas inerentes à alienação o montante de € 17.296,88 (dezassete mil, duzentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos). – cfr. acordo das partes - ;

M.          Da Declaração mencionada em L. supra, resultou o ato de liquidação de IRS n.º 2016 ..., no âmbito do qual foi apurado um imposto a pagar no montante de € 46.634,93 (quarenta e seis mil, seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e três cêntimos) – facto não impugnado - ;

N.           Através do Ofício n.º..., de 26 de outubro de 2016, do Serviço de Finanças de Cascais ..., foi a Requerente notificada para, querendo, exercer, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), 100.º e 101.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), «o direito de audição prévia sobre o projeto de avaliação de participação social na Firma: B..., Lda, com o NIPC:..., por óbito de C... . Mais se informa que no caso de não exercer esse direito o valor da quota indicado na informação anexa (projecto de avaliação), no montante de 204.418,25 €, será considerado definitivo.» - cfr. Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

O.           Do ofício referido em N. supra consta, ainda, o seguinte:

ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA FIRMA CUJA

PARTICIPAÇÃO É TRANSMITIDA

 

NIPC: ... Nome: B... Lda

Sede R ... ..., ... -... Lisboa              CAE: 46350

Tipo: Sociedade por quotas

 

ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR DA

TRANSMISSÃO

 

Nome: C...

Data da transmissão: 28-08-2015                         Transmitida por: óbito

N.º do processo do Imposto do Selo: ...

Serviço de Finanças: Cascais ...                                Distrito/Reg. Autónoma: Lisboa

Valor nominal: 22.500,00

 

CÁLCULO DO VALOR DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

 

(…)

 

3 – DETERMINAÇÃO DO VALOR DA PARTICIPAÇÃO PARA EFEITOS DE TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE IMPOSTO DO SELO

Capital próprio corrigido              1.362.788,35     

Capital social     150.000,00         

Quotas próprias               0,00      

Capital social abatido das quotas próprias            150.000,00         

Valor nominal do estabelecimento ou da quota transmitida        22.500,00           

Valor da participação transmitida            204.418,25

 

Observações: O valor da participação acima apurado aplica-se à verba n.º 14.

(…)» - cfr. Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

 

P.              No dia 9 de novembro de 2016, a Requerente procedeu à entrega de declaração de IRS de substituição com referência ao ano de 2015, à qual foi atribuído o n.º de identificação..., tendo corrigido o valor de aquisição da participação social da sociedade identificada em C. supra, para € 204.418,25, mantendo, contudo, todos os demais elementos previamente declarados – facto não impugnado - ;

Q.           No dia 15 de novembro de 2016, através do Ofício n.º ... do Serviço de Finanças de Cascais ..., foi a Requerente notificada da demonstração da liquidação de Imposto do Selo resultante da participação das transmissões gratuitas com o n.º..., decorrente do óbito do seu Pai, na qual é atribuído o valor tributável à verba 14, de € 30.662,74 – cfr. Dc. n.º 7 junto com a petição inicial - ;

R.            Com base na entrega da declaração substitutiva identificada em P. da presente matéria de facto dada como assente, foi efetuada em 30 de novembro de 2016, em nome da Requerente, a liquidação de IRS n.º 2016..., no âmbito da qual resultou um imposto a pagar no montante de € 21.166,38 (vinte e um mil, cento e sessenta e seis euros e trinta e oito cêntimos) – facto não impugnado -;

S.            No dia 4 de julho de 2019, foi a Requerente notificada, através do Ofício n.º..., de 01.07.2019, da Direção de Finanças de Lisboa, de que:

 «Pelos elementos disponíveis e diligências efetuadas, constata-se que o valor inscrito no quadro 9 do Anexo G da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2015, corresponde ao valor de aquisição de partes sociais não corresponde com o valor atribuído no processo de imposto do selo de 2015 (aquisição a título gratuito).

Mais se informa que o valor referente a despesas e encargos inscritas no quadro referido no parágrafo anterior não se refere a despesas com a alienação da quota pelo que não é aceite.

Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, fica V. Exa Por este meio notificada para, no prazo de 15 (quinze) dias, proceder à entrega da declaração modelo 3 de IRS, de substituição com as correções devidas. (…)»  - cfr. Doc. n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

T.            No dia 16 de julho de 2019, a Requerente procedeu à entrega de outra declaração Modelo 3 de IRS de substituição, com referência ao ano de 2015, à qual foi atribuído o n.º de identificação..., da qual fazem parte integrante os Anexos F, G e H. – facto não impugnado -;

U.           Nesta nova declaração, a Requerente alterou o campo 9001 do quadro 9 do Anexo G, indicando a importância de € 2.059,95 como valor de aquisição da participação social que detinha sobre a sociedade identificada em C supra, e não fez constar qualquer montante relativo a despesas suportadas com a alienação e/ou aquisição da referida participação social – cfr. facto não impugnado -;

V.           Na sequência da entrega da declaração referida em T. supra foi a Requerente notificada da demonstração da liquidação de IRS n.º 2019..., de 09.08.2019, da demonstração da liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., de 13.08.2019, com o saldo apurado de € 33.904,96 (trinta e três mil, novecentos e quatro euros e noventa e seis cêntimos) - cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

W.          No dia 20 de setembro de 2019, a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS, com referência ao ano de 2015, indicada em V. supra – cfr. Doc. n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

X.            No dia 12 de novembro de 2019, a Requerente apresentou, junto da Direção de Finanças de Lisboa, Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios do ano de 2015, à qual foi atribuído o n.º de processo ...2019... – cfr. Doc. n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral –

Y.            Em meados de dezembro de 2019, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 12.12.2019, do Serviço de Finanças de Cascais ..., do projeto de decisão no sentido do deferimento parcial da reclamação graciosa identificada em X. supra e, para «exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia previsto no art.º 60º da LGT» - cfr. Doc. n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

Z.            No dia 24 de janeiro de 2020, a mandatária da Requerente foi notificada que «no procedimento supra identificado [reclamação graciosa n.º ...2019...] em 17-01-2020 foi proferido despacho de Deferimento Parcial, pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Delegação de competências.» - cfr. Doc. n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

AA.        Em março de 2020, na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foi oficiosamente elaborada pelos serviços tributários, em nome da Requerente, uma declaração modelo 3 de IRS, da qual faziam parte integrante os anexos F, G e H. – cfr. facto não impugnado -;

BB.           A declaração referida em AA. indicava no campo 9001 do quadro 9 do anexo G, como valor de aquisição da participação social aqui em causa, o montante de € 204.418,25 (duzentos e quatro mil, quatrocentos e dezoito euros e vinte e cinco cêntimos), não sendo indicado qualquer valor a título de despesas suportadas pela aquisição ou alienação daquela. – cfr. facto não impugnado -;

CC.         Em resultado da declaração oficiosa referida em AA, foi a Requerente notificada dos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios do ano de 2015 devidamente corrigidos, no montante global de € 23.834,72 (vinte e três mil, oitocentos e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos) – cfr. documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

DD.        A AT procedeu ao reembolso da quantia de € 31.236,62 (trinta e um mil, duzentos e trinta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), através do cheque n.º ..., datado de 19.03.2020 sobre o F..., em virtude das correções efetuadas ao IRS do ano de 2015 da Requerente – cfr. Doc. n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral - 

EE.          No dia 6 de maio de 2020, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

VI- DO DIREITO

 

- Thema decidendum –

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se, para efeitos da determinação dos rendimentos de mais-valias mobiliárias obtidos pela Requerente, no ano de 2015, as despesas por si incorridas com comissões de mediação imobiliária se enquadram na previsão do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, ou seja, na determinação do sentido e alcance da expressão “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º”.

 

Posição da Requerente

 

1.            Entende a Requerente que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, porquanto, «[c]omo resulta da factualidade acima mencionada no ponto II, e dos Documentos já juntos sob os n.ºs 2, 4 e 5 aquando da alienação da participação social, a Requerente incorreu numa despesa, no montante de € 34.593,76, para pagamento de remuneração da sociedade de mediação imobiliária, tendo tal despesa sido efectivamente liquidada, e sendo a mesma necessária para a concretização da venda.»

 

2.            Com efeito, considera a Requerente que «(…) resulta da cláusula 2. a do contrato já junto como Documento n.º 2 a Sociedade na qual a Requerente alienou a respectiva participação social, tinha no seu activo um prédio urbano sito em Lisboa.» sendo « prática habitual no mercado que o negócio não incida directamente sobre o imóvel, mas muitas vezes sobre as participações sociais de tais sociedades com bens imóveis no activo, tanto que o artigo 2.º n.0 2, alínea d), do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ("IMT") equipara, em determinadas situações, tais transacções a uma transmissão de bens imóveis para efeitos de liquidação de IMT.»

 

3.            Mais refere que «[f]requentemente há lugar à intervenção de sociedades de mediação imobiliária na transmissão de tais sociedades, até pela sua especificidade, sendo essa actividade essencial na identificação de interessados no negócio e na concretização da transacção — conforme sucedeu no caso em análise.»

 

4.            Ora, segundo a Requerente, «[n]o caso em apreço, a AT não coloca em causa a veracidade dos Documentos já juntos sob os  n.ºs 2 4 e 5 designadamente o contrato assinado pela Requerente com a sociedade de mediação imobiliária, as facturas emitidas pela última na sequência da angariação do adquirente e concretização do negócio, e o correspondente comprovativo de pagamento e recibos de quitação. A AT limitou-se apenas a afirmar na decisão da reclamação graciosa não ter existido a transmissão de um imóvel, mas sim, de uma participação social, e que a intervenção da sociedade de mediação imobiliária não constava da escritura pública que concretizou a transmissão da participação social, sem extrair grandes conclusões de tais argumentos.»

 

5.            Posteriormente, e considerando que «[a] AT refere ainda na decisão da reclamação graciosa o Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, parecendo ignorar que tal diploma foi revogado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico da actividade de mediação imobiliária. Alega a AT, a propósito do mencionado regime jurídico, que não foi mencionada na escritura de venda da participação social a intervenção da sociedade de mediação imobiliária, parecendo querer concluir, pela mera omissão dessa referência, a falta de prova da remuneração paga pela Requerente à sociedade de mediação imobiliária.». Ora, quanto a esta matéria responde a Requerente frisando que «[o] artigo 40.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redacção em vigor à data dos factos, determinava ser necessária a referência à intervenção de empresa de mediação imobiliária  na escritura pública, mas tal norma legal faz expressa referência ao documento que titule negócio sobre bem imóvel. Ora, no caso em apreço, não ocorreu um negócio sobre bem imóvel, mas sim sobre participações sociais de uma sociedade imobiliária. Provavelmente, foi por essa razão que a identificação da sociedade de mediação imobiliária, ou, na falta de indicação pelas partes, a advertência da necessidade de referência a tal intervenção de sociedade de mediação imobiliária, e respectiva cominação legal, foram omitidas pelo notário na escritura pública de cessão de quotas.»

 

6.            Defende a Requerente que «(…) o que releva para a aplicação da norma legal em análise — artigo 51.º n.º 1, alínea b), do Código do IRS - é a celebração de um contrato válido entre as partes, nos termos do qual foi acordada uma remuneração que foi paga, na sequência de um serviço prestado, tendo sido devidamente demonstrado pela Requerente pelos Documentos juntos sob os n.ºs 2, 4 e 5 a necessidade dessa despesa com vista à concretização do negócio pretendido, e a conexão da remuneração paga com a venda da participação social.»

 

7.            Reputando, ainda, a Requerente «(…) como manifestamente violador do princípio da boa fé previsto no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), a recusa pela AT da despesa efectivamente incorrida, ignorando para o efeito toda a prova documental produzida em sede de reclamação graciosa que permite atestar tal despesa como necessária, efectivamente praticada, e inerente à alienação.»

 

8.            Concluindo no sentido de que «(…) ao desconsiderar a mencionada despesa no montante de € 34.593,76, a AT não garantiu a tributação do rendimento líquido da Requerente e não evitou uma dupla tributação económica, tendo incorrido em vício de violação de lei, nos termos do artigo 51.9, n.0 1, alínea b), do Código do IRS, ilegalidade essa que inquina as liquidações de IRS e de juros compensatórios sub judice tornando-as anuláveis, nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, anulação que desde já se requer.»

 

9.            Peticiona, a final, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, considerando que:

«(i) Há erros na liquidação de IRS em apreço, no que respeita à desconsideração ilegal da despesa inerente à alienação da participação social, nos termos expostos no ponto III.1 supra;

(ii) Esses erros são imputáveis aos serviços da AT, pois a Requerente limitou-se a entregar Declaração de IRS de Substituição nos termos indicados em ofício da Direcção de Finanças de Lisboa, e fez prova em sede de reclamação graciosa da despesa efectivamente liquidada;

(iii) Tais erros resultaram no pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.»

 

Posição da Requerida

 

10.          Por seu turno, defende a Requerida que «[a] ora Requerente contesta, neste processo, a não consideração, no âmbito da reclamação graciosa supra identificada do montante de € 34.593,76, que afirma haver suportado com a alienação da quota que detinha na sociedade comercial B..., Lda. Reportando-se várias vezes ao longo do articulado do seu requerimento de prolação de decisão arbitral à al. b) do art. 51.º do CIRS. Sendo que, tendo em conta a situação que ora nos ocupa, a alínea do no 1 do art. 10.º que se apresenta como relevante é a al.b).»

 

11.          Continua a Requerida mencionando que: «[a] norma invocada pela Requerente al. b) do art.51.º do CRS) exige que a despesa em causa se  configure como necessária para a aquisição ou alienação (como foi o caso) da participação social.» Ora, «[a]nalisando os documentos juntos ao requerimento de constituição de tribunal arbitral não se descortina qualquer elemento que demonstre a necessidade da intervenção de uma entidade com as características da emitente das faturas que a Requerente anexa - e das quais consta a quantia peticionada- para o fim em vista: A cessão de quotas de uma sociedade comercial de responsabilidade limitada. E essa prova incumbe à Requerente em sede de procedimentos administrativos (de liquidação e de reclamação), por força do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT.»

 

12.          Acrescenta, ainda, a Requerida, quanto a esta matéria que «[n]ão dispondo o RJAT de regras próprias de prova em matéria de tribunais arbitrais tributários que disponham em sentido diverso, nem existindo, no CPPT ou no CIRS, normas - que seriam subsidiariamente aplicáveis ao processo tributário arbitral por força do disposto na al. a) do n.º 1 do DL no 10/2011, de 20/01 - relativas à prova em sede de procedimento de impugnação interposto perante os tribunais tributários que, por seu lado, afastassem o regime geral de prova constante do Código Civil, conclui-se que, também em sede de justiça arbitral, o ónus da prova da necessidade de efetuar aquelas despesas impende sobre a Requerente.»

 

13.          Mais, referindo que «[e]m sede de prova, limita-se a Requerente a alegar no art. 104.º do requerimento de prolação de  decisão arbitral, ter demonstrado essa necessidade com recurso à junção dos documentos que àquele anexou sob os números 2, 4 e 5.(…)  Ora, de forma clara e imediata se extrai a conclusão que da demonstração da celebração de um contrato e do pagamento - e respetiva comprovação - dos serviços naquele pactuados resulta tão só isso mesmo: Que foi celebrado um contrato e prestados (e pagos) os serviços no mesmo acordados.»

 

14.          Continua a sua posição aludindo que: «O que a al. b) do art. 51.º do CIRS exige para que as despesas nela previstas relevem é na verdade que tenham sido efetuadas e mas também que essas despesas sejam, efetivamente, necessárias à alienação e/ou aquisição (in casu, das participações sociais detidas pela Requerente). (…) Ora, do conjunto de documentos anexos ao requerimento de constituição de tribunal arbitral não  consta qualquer elemento demonstrativo da necessidade de recorrer aos serviços da empresa contratada.(…) Não foi anexo qualquer documento comprovativo de tentativa ainda que frustrada — de cessão das quotas da sociedade. Ou sequer da intenção (ou vontade) de as transmitir. Não foi, pois, efetuada a prova da necessidade de realização das despesas cujo valor a ora Requerente vem peticionar junto do CAAD.»

 

15.          Nesta sequência, refere, ainda a Requerida que «ainda que tivesse sido efetuada, ainda assim não poderia tal pretensão ser acolhida. Isto porquanto das faturas das quais consta a importância peticionada (duas no montante —já com IVA incluído - de € 17296,88 cada, o que perfaz o montante global de € 34.593,76, valor das despesas que a Requerente pretende ver consideradas), consta também como designação dos serviços prestados “"Prestação de serviços — Med. Imobiliária". Ora, conforme o seu próprio nome indica, a prestação de serviços de mediação imobiliária surge conexa a operações de transmissão de imóveis. Realidade que, quando geradora de mais-valias, está prevista na al. a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS. E não na al. b), que incide sobre mais-valias oriundas da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.»

 

16.          Concluindo no sentido de que «também nesta parte falece a pretensão da ora Requerente.»

 

17.          No que respeita ao peticionado pagamento juros indemnizatórios, sustenta a Requerida que: «[o]ra, tendo em consideração tudo o que supra se foi expondo, conclui-se, desde logo, que não se  mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou — nos termos constantes da presente informação — ter sido cometida, por aqueles, qualquer ilegalidade.

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito

 

18.          Ora, como supramencionado, a matéria em discussão nos presentes autos prende-se em saber se as despesas em que a Requerente incorreu com a sociedade de mediação imobiliária, no montante de € 34.593,76 (trinta e quatro mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e seis cêntimos) podem ser consideradas, no âmbito da alínea b) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS como “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do artigo 10.º» para efeitos de apuramento da mais-valia obtida com a cessão das participações sociais de que era titular de uma sociedade que detinha um bem imóvel.

 

Vejamos,

19.          Ora, preveem, as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS que:

«1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

b)           Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:»

 

20.          Dispondo o artigo 51.º do mesmo diploma legal que:

«Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a)            Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b)           As despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.»

 

21.          Ora, o conceito que teremos que apreciar sob a égide das mais-valias, é o de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação».

 

22.          Na verdade, este conceito está presente tanto na alínea a) como na b) do artigo 51.º do Código do IRS, o que nos leva a crer que o legislador, atendendo que se exprime de forma adequada e correta, não pretendeu dar uma valoração diferente numa e noutra situação.

 

23.          Com efeito, em ambas as situações (alienação de um bem imóvel ou de participações sociais de uma sociedade) resultam rendimentos provenientes de mais-valias que serão, à partida, tributadas em sede de IRS, e constituirão, naturalmente, receita fiscal.

 

24.          Refere a Ficha doutrinária da AT, no âmbito do processo 12/2008, com despachos concordantes do Substituto Legal do Senhor Diretor-Geral dos Impostos, de 2008-07-14 e 2008-08-12, elaborada no âmbito da alínea a) do já referido artigo 51.º, «a expressão “despesas necessárias” constante da alínea a) do artigo 51.º encerra alguma margem de indeterminação , pelo que cabe à DGCI proceder ao seu preenchimento, para o que terá de fazer apelo a, pelo menos três tipos de considerações fundamentais: (i) o rendimento a tributar como mais-valia deve ser, sempre que possível um rendimento líquido, (ii) dever-se-á evitar a dupla tributação económica; e (iii) ter-se-ão de acautelar eventuais esquemas de fraude fiscal. À luz destas considerações, as despesas indissociáveis da operação de venda de um imóvel que o alienante comprovadamente suportou para a sua realização, deverão, em princípio, ser tidas em conta na determinação das mais-valias. Assim, uma vez preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar de forma inequívoca a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com a transação concreta que originou a mais-valia tributável e estando devidamente documentada a intervenção do respetivo mediador nos termos legais aplicáveis, poderá considerar-se a comissão de intermediação como “despesa necessária” para efeitos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS.»

 

25.            Significa isto que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao abrigo da alínea a) do artigo 51.º do CIRS, a AT aceita como “despesas necessárias” as despesas que o contribuinte incorra na aquisição ou alienação de um imóvel, desde que:

a)            sejam as mesmas indissociáveis da operação em causa,

b)           que tenham sido suportadas pelo mesmo para a sua realização, e

c)            que se encontrem devidamente comprovadas.

 

26.          Refira-se que o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 06824/13, de 14 de abril de 2015, o qual incidindo sobre a alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS, faz uma reflexão muito interessante quanto ao conceito de “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação” – que, como vimos, é igualmente, utilizada na alínea b) do referido preceito legal e que aqui nos ocupa, referindo que:

«1. Artigo 51º nº1 a) do C.IRS - as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias;

2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”; Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis. »

 

27.          Resulta, ainda, com interesse deste aresto que:

«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (Neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, página 182.) No caso em apreço não há elementos que justifiquem que se faça uma interpretação diferente da que resulta imediatamente do texto legal. Ora, do texto legal resulta a expressão despesas “necessárias” e “inerentes” pelo que devem ser interpretadas conforme a necessidade e a inerência da despesa face à alienação do imóvel, pelo que se coloca a questão de saber se tal “assumpção”, com os gastos inerentes, constitui despesa enquadrada naquele normativo, a considerar para efeitos de tributação da mais-valia respectiva. E, aí, a subordinante é, sem dúvida, “a inerência” da despesa à alienação. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.»

 

28.          Em referência à doutrina, menciona o supracitado acórdão o seguinte:

«Segundo a doutrina mais recente são exemplos de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, são os registos e as escrituras-públicas – leia-se Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, 2ª Edição, pág. 141 e Paula Rosado Pereira in Estudos sobre o IRS, Rendimentos de Capitais e Mais-valias, Cadernos IDEFF, nº 2. Poder-se-á também considerar as despesas de mediação mobiliária, mais concretamente a comissão de intermediação, como despesas necessárias e inerente à venda do imóvel para efeitos no nº 1 alínea a) do art. 51º CIRS».

 

29.          A decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 313/2015-T que faz alusão ao supramencionado aresto do TCA Sul e, tal como o presente Tribunal, considera que «[o] entendimento perfilhado pelo Acórdão transcrito faz, segundo cremos, uma interpretação correcta do artigo 51º, conjugado com as restantes normas referentes à tributação das mais valias imobiliárias, de acordo com os critérios consagrados de interpretação jurídica. O artigo 10º do CIRS prevê as situações de sujeição tributária e de exclusão, matérias abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República e em que o intérprete deve ter contenção no recurso à analogia (nº 4 do artigo 11º da LGT)».

 

30.          É verdade que, tanto o Acórdão do TCA Sul, como a decisão arbitral acima indicadas apreciaram factos muito dispares dos que se encontram em apreciação nos presentes autos e com enquadramento no âmbito da alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS,

 

31.          … contudo, indicam o caminho correto na interpretação da expressão “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação “, que aqui nos interessa, e que adotaremos nos presentes autos, por ser também a utilizada na alínea b) do mesmo preceito legal, aqui em discussão.

 

32.          Nada impede que a interpretação de um conceito utilizado numa alínea de uma norma do Código não possa ser utilizado para interpretar a mesma expressão referenciada na alínea seguinte. Não há razões para pensar que o legislador quis dizer coisas diferentes em alíneas consecutivas no mesmo preceito legal.

 

33.          Interpretação esta, aliás, também partilhada pela Requerida nos presentes autos.

 

34.          Pois, ordena o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil que: «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

 

35.          Se, o legislador pretendesse dar uma solução diversa numa e noutra situação, dentro da mesma disposição legal, teria, com certeza, dado redações diferentes em cada uma das alíneas do artigo 51.º do Código do IRS – o que não fez.

 

36.          Posto isto, veremos, então, se no caso em concreto, a Requerente incorreu em “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação” que possam ser tidas em consideração para efeitos de determinação da mais-valia obtida com a alienação da sua participação social.

 

37.          Ora, conforme resulta da matéria dada como provada acima indicada, a Requerente adquiriu, por óbito do seu Pai, uma quota, no valor nominal de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) correspondente a 15% do capital social da sociedade por quotas com a denominação social, “B..., LDA”, NIPC... . – Alíneas A) e C) da matéria dada como provada -

 

38.          A referida sociedade era a única proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., composto por 23 frações autónomas, sito na freguesia de ..., no concelho de Lisboa. – alínea D) da matéria dada como provada - ;

 

39.          A Requerente e os restantes detentores de quotas da sociedade supra identificada, celebraram com a sociedade “D..., LDA”, um contrato de mediação imobiliária, mediante o qual esta se obrigava «a diligenciar no sentido de conseguir interessado na cessão de quotas da sociedade representativas da totalidade do capital social, pelo preço mínimo de 2.250.000,00 (dois milhões e duzentos e cinquenta mil euros) líquido do valor da mediação (…), desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios e característicos pretendidos», - alínea E) da matéria dada como assente –

 

40.          Do contrato celebrado com a sociedade de mediação imobiliária constava na cláusula com a epígrafe “remuneração” o seguinte:

«1) - A remuneração será se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio ou promessa de negócio visado no presente contrato.

2) – Os segundos contratantes obrigam-se a pagar à mediadora, na proporção das suas quotas, a título de remuneração a quantia global correspondente a 7,5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3) – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições:

a) – 50% após a celebração do contrato promessa de cessão de quotas e o remanescente de 50% na celebração a escritura ou conclusão do negócio.

(…)» - alínea F) da matéria dada como assente –

 

41.          No dia 27 de novembro de 2015, foi celebrado contrato de cessão e unificação de quotas, renúncia e nomeação de gerente e alteração parcial do contrato social respeitante à sociedade B..., LDA”, tendo sido alienada a totalidade do seu capital social – alínea G) da matéria dada como provada - ;

 

42.          De referir que, ao abrigo do n.º 1 e n.º 2, alínea d) do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o qual dispunha, à data dos factos, que:

«1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

a)      A aquisição de partes sociais ou quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fiquem a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto.»

… poderia ter sido liquidado este imposto, caso algum dos sócios ficasse proprietário de 75% do capital social da sociedade, o que permite concluir que o legislador fiscal ficciona a transmissão fiscal de um imóvel quando um dos cessionários fica a deter uma maioria muito significativa do capital social da empresa em causa – o que parece não ter acontecido no caso concreto.

 

43.          De referir que, ao abrigo do n.º 1 e n.º 2, alínea d) do artigo 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o qual dispunha, à data dos factos, que:

«1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

d)           A aquisição de partes sociais ou quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fiquem a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto.»

… poderia ter sido liquidado este imposto, caso algum dos sócios ficasse proprietário de 75% do capital social da sociedade.

 

44.          Em virtude da celebração do contrato de mediação imobiliária e do contrato de cessão de quotas, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 34.593,76 (trinta e quatro mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e seis cêntimos), de que a sociedade de mediação imobiliária deu quitação – cfr. alíneas H) a K) da matéria dada como provada - ;

 

45.          Quantia esta que a Requerente pretende ver refletida na determinação das mais valias, em sede de IRS, obtidas no ano de 2015.

 

46.          Ora, a prova de que foi efetivamente incorrida pela Requerente, parece não haver dúvida - veja-se os docs. n.º 2, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

 

47.          … que se encontra comprovada nos autos, é indiscutível, veja-se, a matéria de facto dada como assente, designadamente as alíneas H a K),

 

48.          … mas será que se tratou de uma “despesa necessária e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”? Que se tratou de uma despesa indissociável da operação de cessão de quotas que o alienante comprovadamente suportou para a sua realização, deverão, em princípio, ser tidas em conta na determinação das mais-valias?

 

49.          O presente Tribunal tenderá a dizer que sim, atendendo à convicção de que a intervenção da sociedade de mediação imobiliária foi essencial, necessária e imprescindível para que a transmissão das quotas da sociedade “B..., LDA” ocorresse.

 

50.          Na verdade, o contrato celebrado com esta sociedade de mediação imobiliária é claro a esse propósito, nomeadamente na sua cláusula 6.ª, pelo que se admite que tendo aquela sociedade encontrado interessado que concretizou o negócio visado – cessão de quotas – a sua intervenção foi essencial na alienação da participação social por parte da Requerente, que resultou na mais-valia tributada, em sede de IRS, cuja liquidação se encontra em crise nos presentes autos.

 

51.          Considera, o presente Tribunal, que a despesa incorrida pela Requerente neste conspecto deverá ser enquadrada na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, por ser a mesma indissociável da operação em causa – cessão de quotas - .

 

52.          O argumento da Requerida no sentido de que «não se descortina qualquer elemento que demonstre a necessidade da intervenção de uma entidade com as características da emitente das faturas que a Requerente anexa - e das quais consta a quantia peticionada- para o fim em vista: A cessão de quotas de uma sociedade comercial de responsabilidade limitada,» não colhe, em virtude de ter sido através da sua intervenção – encontrando interessado para a compra das participações sociais - que o negócio em causa foi efetivamente concretizado.

 

53.          Não colhe, igualmente, a tese de que sendo a intervenção deste tipo de sociedade «frequente, tal significa que, tendo muitas vezes lugar, ainda assim nem sempre ocorre. Ou seja, não é indispensável à prossecução do fim em vista: a transmissão das quotas que a Requerente detinha”, porquanto, na alienação de bens imóveis passa-se precisamente o mesmo, nem sempre nos negócios de alienação de bens imóveis, os seus intervenientes recorrem aos serviços de sociedades de mediação imobiliária, no entanto as despesas incorridas nestas circunstâncias são aceites pela AT, no âmbito da alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS.

 

54.          Assim, por que razão tal raciocínio não deverá ser aplicado, igualmente, no caso em apreço, em que parece evidente que a intervenção da sociedade de mediação imobiliária foi fundamental e se encontra indissociável do negócio de cessão de quotas?

 

55.          Ora, não só a sociedade de mediação imobiliária arranjou interessado e efetivo comprador das participações sociais em causa, o negócio foi efetivamente concretizado, e como resultado dessa operação a Requerente procedeu ao pagamento de uma comissão de mediação imobiliária em conformidade com o contrato que havia celebrado com a mesma.

 

56.          Trata-se, de facto, de despesas necessárias e inerente à venda das participações sociais que resultou nas mais-valias tributadas.

 

57.          No que respeita ao facto de o contrato de cessão de quotas não fazer referência às despesas de mediação imobiliária, face ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, o qual, citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 637/09.2BELRS, de 23.02.2017 «(…)  entende-se o mesmo no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado.»,

 

58.          … encontrando-se as mesmas efetivamente comprovadas – veja-se os docs. n.º 2, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral – tender-se-á a menorizar tal falta de indicação.

 

59.          Acresce que, na escritura publica de cessão de quotas ou no documento particular autenticado, não é obrigatório, por lei, fazer referência aos encargos que, quer a(o) cedente, quer a(o) cessionária(o) incorreram com a transmissão da participação social em causa.

 

60.          A Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, é um diploma que abrange exclusivamente a obrigatoriedade de fazer constar das escrituras a intervenção de mediador imobiliário, mas apenas nos casos de transmissão de imóveis. 

 

61.          Por outro lado, embora não seja usual, nada impede que uma sociedade de mediação imobiliária faça intermediação no negócio de cessão de quotas, ainda, para mais de uma sociedade que só possui um imóvel.

 

62.          Mesmo que houvesse alguma contingência legal, tal não invalidaria que a despesas tivesse sido efetivamente suportada e que a intervenção da empresa em causa tivesse sido determinante na concretização do negócio.

 

63.          Aliás, existe no mercado entidades especializadas na transmissão de participações sociais – ações e quotas – cujos encargos com elas suportados não deixam de ser considerados para efeitos de determinação das mais-valias.

 

64.          Parece resultar dos autos que a Requerida suporta a sua posição no facto de ter sido uma sociedade de mediação imobiliária a intervir no processo de alienação das participações sociais em causa, o que o Tribunal entende ser, no caso concreto, irrelevante.

 

65.          Face a tudo quanto acima foi exposto, as despesas incorridas pela Requerente com os serviços prestados pela sociedade de mediação imobiliária, no que toca à alienação das suas participações sociais junto da sociedade “B..., LDA” , mostrando-se indissociável do negócio em causa – cessão de quotas – e devidamente comprovadas, enquadram-se no conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, previsto na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, devendo, para o efeito ser tidas em consideração para efeitos de determinação das mais-valias daí resultantes.

 

66.          Nestes termos, é o pedido de pronúncia arbitral da Requerente é totalmente procedente, devendo o ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2015 ser anulado, por ilegal.

 

Dos juros indemnizatórios

 

67.          A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

68.          Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

69.          Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

70.          Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

71.          No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

72.          Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

 

73.          Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

74.          Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

VII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

a)            julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular-se o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao exercício de 2015, nos seus precisos termos;

b)           condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 23.834,72, (vinte e três mil, oitocentos e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2021

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O Árbitro

(Jorge Carita)