Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 225/2020-T
Data da decisão: 2021-04-20  IRS  
Valor do pedido: € 34.284,39
Tema: IRS – Mais-valias na transmissão onerosa de bem imóvel; Artigo 10.º, n.º 5 do CIRS; Não residente; Agregado familiar; Habitação própria e permanente; Intenção de reinvestimento; Reinvestimento parcial e anulação integral.
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SUMÁRIO:

 

1) Habitação própria e permanente para efeitos do art.º 10.º, n.º 5 do CIRS abrange a habitação permanente do cônjuge do sujeito passivo não residente, preenchendo-se a previsão da norma no segmento “ou do seu agregado familiar”. 2) Numa tal situação, o facto de a mulher do Requerente manter registada como domicílio fiscal uma outra sua anterior morada não afasta o preenchimento da previsão da norma, desde que se prove essa sua habitação permanente, afastando assim a presunção do art.º 13.º, n.º 10 do CIRS. 3) A liquidação na qual foi aplicado o regime geral de tributação de mais-valias imobiliárias, quando deveria também ter sido aplicado o regime do reinvestimento, não permite anulação parcial.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º ..., residente em ...,  ...,  ..., ..., ..., Andaluzia ..., Espanha, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral. Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2017.

À Liquidação de IRS em crise (doravante “a Liquidação”), com o n.º 2018..., data de 05.07.2018, e limite de pagamento de 31.08.2018, corresponde um valor total a pagar (imposto) de € 34.284,39 (cfr. Demonstração de Liquidação de IRS junta pelo SP com o PPA).

 

Na origem da Liquidação está a Declaração Modelo 3 apresentada pelo Requerente, em Maio de 2018, reportada aos rendimentos de 2017. Na qual declarou, enquanto Não Residente, o rendimento de mais-valias obtido em 2017 com a venda de bem imóvel sito em Portugal e, ainda, a respectiva intenção de reinvestimento.

 

Na Liquidação em crise não foi aplicado o regime do reinvestimento de mais-valias imobiliárias constante do Código do IRS (“CIRS”). A Autoridade Tributária e Aduaneira, refere, considerou não ter resultado provada a qualidade de habitação própria e permanente do imóvel alienado em 2017. Com o que o Requerente não se conforma.

 

Expõe que o imóvel em causa, de que era proprietário, estava, no momento da venda, em 2017, afecto à habitação própria e permanente do seu agregado familiar. Não podendo a Autoridade Tributária e Aduaneira ignorar que se encontravam reunidos os pressupostos do regime do reinvestimento.

 

Apresentou, a 11.07.2018, Reclamação Graciosa (doravante também “RG”) tendo por objecto a Liquidação. Fundamentou a invocada ilegalidade da Liquidação em dever ser aplicado (contrariamente ao sucedido) o regime de isenção de mais-valias na venda de habitação própria e permanente, por na sua Declaração ter feito constar a intenção de reinvestimento.

 

Após processo de divergências, a Autoridade Tributária e Aduaneira projectou o indeferimento da Reclamação Graciosa, do que notificou o Requerente. O Requerente exerceu o Direito de Audição e, após, a RG foi indeferida. A decisão fundou-se em o Requerente estar registado desde Janeiro de 2015 como residente em Espanha e, assim, o Imóvel não constituir a sua habitação própria e permanente à data da respectiva alienação, em 2017. E, mais, não resultar da prova documental que juntou que a sua mulher fizesse uso do Imóvel.

 

O Imóvel, localizado no concelho de Mafra (doravante “o Imóvel”), foi por si adquirido no estado civil de solteiro, em 2003, e então destinado à sua habitação própria e permanente. Em 2009 contraiu casamento e o Imóvel passou a constituir a habitação própria e permanente do casal.

 

Em 2015 passou a residir em Espanha. A sua mulher, porém, continuou a residir no Imóvel, que assim se manteve como a habitação própria e permanente do agregado familiar. O que só viria a cessar com a respectiva venda, em 2017.

 

E não será pelo facto de, à data da venda, a sua mulher ter domicílio fiscal registado em outra morada que o que antecede falece. Com efeito, o domicílio fiscal em causa, em Albergaria-a-Velha, não correspondia à efectiva habitação própria e permanente de sua mulher.

 

Não só as despesas correntes no Imóvel o provam, como também a vida profissional da sua mulher não permite senão essa conclusão. Esta pertenceu ao quadro permanente da Força Aérea Portuguesa até Fevereiro de 2018 e frequentava no Instituto Universitário Militar, em Lisboa, entre Outubro de 2016 e Julho de 2017, curso de promoção a Oficial Superior, estando então colocada na Academia da Força Aérea, sita em ... . Era a partir do Imóvel que a sua mulher se deslocava para o desempenho diário das suas funções profissionais, e para o mesmo que depois regressava.

 

A venda do Imóvel deu-se em Julho de 2017, com o Requerente no estado civil de casado.

Na sua Modelo 3 referente a 2017 o Requerente declarou a venda, pelo preço de € 277.000,00, despesas no valor de € 15.405,00, e a intenção de reinvestimento. A título de amortização de empréstimo com a aquisição do Imóvel declarou um valor de € 141.150,08, quando, refere, deveria ter declarado o valor de € 70.440,07.

Na Liquidação foi apurado um valor de imposto a pagar de € 34.284,39. O que revela, refere,  a aceitação pela Requerida dos valores de aquisição, realização e despesas declarados, mas também “a rejeição da intenção de reinvestimento declarada”. Revela a “negação do benefício de exclusão de tributação da mais-valia imobiliária em virtude da intenção de reinvestimento” .

 

Não obstante não se conformar, procedeu ao pagamento da Liquidação.

 

Defende ter provado que estavam reunidos os requisitos do regime do reinvestimento cfr. CIRS. Provou-se a afectação do Imóvel à habitação própria e permanente do seu agregado familiar. E, assim, ocorreu vício de violação de lei por desconsideração da exclusão parcial de tributação da Mais-Valia imobiliária.

 

O estado civil e a composição do agregado familiar do Requerente eram do conhecimento da AT, que ignorou a habitação própria e permanente do agregado familiar à data da venda. Não foi respeitado o Princípio do Inquisitório, nem extraídas dos documentos juntos as devidas consequências.

 

O apuramento do quantum do ganho de mais-valia, na Liquidação, não suscitou questões, foram aceites os valores declarados e apurado um ganho no total de € 122.444,25 (€ 277.000 - [€ 139.150 + € 15.405]). A questão que vem colocar-se é assim, esclarece, apenas a de saber se esse ganho de mais-valias deverá ou não, numa parte, ficar excluído de tributação em IRS por ele Requerente poder beneficiar do regime do reinvestimento parcial.

 

Em Setembro de 2018 adquiriu, no estado civil de casado, pelo preço de € 150.000,00, outro imóvel (doravante “Imóvel II” ou “Imóvel de chegada”), destinado à habitação própria e permanente do seu agregado familiar. O que reflectiu, como concretização de reinvestimento, na Modelo 3 que apresentou em 2019.

Em Julho de 2019 apresentou Declaração Modelo 3, reportada ao ano de 2018. Na qual declarou a concretização do intencionado reinvestimento. Adianta que o reinvestimento que realizou em 2018 foi parcial, e que não poderá vir pretender-se limitá-lo a metade alegando-se o Imóvel II ser bem comum do casal (e não seu bem próprio, como o Imóvel I). Em abono deste entendimento invoca Jurisprudência Arbitral.

 

Por fim invoca vício de violação de lei por tributação discriminatória e, assim, violação do Princípio do Primado do Direito da União Europeia (“Direito da UE”), pois, explica, haverá uma parte do ganho de mais-valias que não estará excluída de tributação - uma vez que o reinvestimento foi parcial - e, sendo Não Residente (residente em EM da UE), a tributação da Mais-Valia nos termos pugnados pela AT viola o Direito da UE. Era Não Residente (“NR”) no ano da realização do ganho de mais-valias e na Liquidação foi aplicada a taxa do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS sobre o montante total do ganho. A não aplicação do regime previsto no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, que faz incidir a tributação apenas sobre metade do ganho, é discriminatória e viola a liberdade de circulação de capitais. Invoca neste sentido Jurisprudência do TJUE, do STA, e dos Tribunais Arbitrais.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto a ter, ou não, ficado provada a efectiva afectação do Imóvel à habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente. E, consequentemente, quanto a ser devida (como defende o Requerente), ou não (como entende a Requerida), a aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias imobiliárias em IRS. Divergem também quanto à alegada (pelo Requerente) desconformidade com o Direito da UE do regime de tributação de Mais-Valias imobiliárias em IRS na esfera dos Não Residentes.

 

O Requerente peticiona a anulação da Liquidação por vício de violação de lei, com fundamento em:

(i) não ter sido aplicado o regime do reinvestimento parcial de mais-valias, previsto no art.º 10.º, n.ºs 5, 6 e 9 do CIRS (e, assim, não ter sido aplicada a exclusão de tributação relativamente à parte proporcional do ganho correspondente ao valor reinvestido), e

(ii) (já que o reinvestimento que veio a realizar é apenas parcial e sempre haverá uma parte do ganho que virá a ser tributada) incompatibilidade do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS com o Artigo 63.º do TFUE e com o Princípio do Primado do Direito da UE.

Mais peticiona juros indemnizatórios.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 15.04.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 07.07.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 06.08.2020.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

Refere que o Requerente reconhece que à data dos factos era residente no estrangeiro e que a sua mulher tinha domicílio fiscal em Albergaria-a-Velha (que não, pois, no Imóvel). Os pedidos do Requerente não podem proceder e a argumentação do mesmo quanto à aplicabilidade do regime do reinvestimento já foi apresentada em sede de RG, e aí já foi analisada. Remete, assim, na íntegra, para as conclusões daí constantes.

 

Entre o mais que das mesmas a Requerida transcreve lê-se: “(…) é na data da alienação – Julho de 2017 – que se têm de verificar os pressupostos legais da exclusão da tributação (…).”; “(…) o reclamante é residente em Espanha desde 19-01-2015, o que significa que no momento da alienação, o imóvel já não se tinha pela sua habitação permanente, mas sim pela sua habitação secundária.”; “(…) Os documentos comprovativos dos consumos domésticos estão todos emitidos em nome do reclamante e não da esposa. Os documentos das portagens (…) permitem ver deslocações à Ericeira, Loures, Pinhal Novo e Albergaria.”; “(…) o reclamante não logrou provar documentalmente que o imóvel é o centro da organização da vida doméstica da sua esposa, na medida em que não existe nenhum documento que permita concluir que esta faz uso do mesmo.”

 

Fazendo notar, quanto à alegada aplicabilidade do regime do reinvestimento, que na Jurisprudência Arbitral invocada pelo Requerente, diferentemente do que aqui sucede, o conjuge residente tinha domicílio fiscal registado no imóvel em causa, expõe que o art.º 10.º, n.º 5 do CIRS não tem aqui aplicação. O significado, na norma, de habitação própria e permanente tem que ser aquele que é fiscalmente relevante, a saber, o domicílio fiscal, como previsto no art.º 19.º da LGT. E não tendo a mulher do Requerente (como também não este) domicílio fiscal no Imóvel, soçobra toda a argumentação do Requerente.

 

Mais o Requerente não provou que a residência habitual da sua esposa não era em Albergaria-a-Velha. Antes resulta dos autos que a ocupação do imóvel em 2017 foi fugaz e secundária, apenas motivada pela frequência, alegada, de um curso.

 

Nem o Requerente nem a sua mulher tinham estabelecida habitação própria e permanente no Imóvel. Não pode, assim, o ganho de mais-valias obtido pelo Requerente ficar excluído de tributação. Não estão reunidos os requisitos previstos no art.º 10.º, n.º 5 do CIRS e a situação recai na regra geral da tributação dos ganhos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, cfr. CIRS.

 

Não está correcto - refere ainda sem conceder - o valor inscrito pelo Requerente na Declaração quanto à amortização do empréstimo. Mais, não foi por si Requerida violado o Princípio do Inquisitório, foi cumprido o art.º 69.º, al. e) do CPPT.

 

Quanto à alegada aplicabilidade do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, e em suma, a Requerida refere que, não obstante a Jurisprudência invocada pelo Requerente no PPA, o certo é que o nosso legislador já alterou o quadro legal que existia à data da mesma. A dita alteração legislativa veio a ser reflectida nas Declarações de rendimentos respectivas e o Requerente, que demonstra nos autos tal conhecer, podia ter assinalado na sua Declaração pretender a tributação de acordo com a tabela geral do art.º 68.º do CIRS. Sucede que, ao invés, assinalou os Campos 4, 6 e 7 – ou seja, “não residente”, “residência em país da UE” e “pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes”. Ao ter assim procedido, e ao assim não ter assinalado os Campos 9 e 11 - “opção pelas taxas do art.º 68.º” e “total dos rendimentos obtidos no estrangeiro” - , não pode vir agora imputar tal responsabilidade à Requerida.

 

Mais nem o art.º 43.º, n.º 2, em qualquer caso, poderia ter aplicação na situação, pois que se insere sistematicamente no CIRS no Capítulo da “Determinação do rendimento colectável”. Não trata da determinação da incidência – para o que são competentes os art.s 9.º e 10.º do CIRS.

 

O quadro legislativo actual não pode ser tido por violador do Artigo 63.º do TFUE, e a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes não contraria as liberdades de circulação, nem traduz discriminação contrária aos Tratados Europeus, cfr. Jurisprudência do STA que invoca. Entender-se em contrário seria violador do Princípio da Igualdade.

 

Pugna, assim, pela improcedência de todos os fundamentos apresentados pelo Requerente, incluindo quanto ao pedido de juros indemnizatórios e, em conformidade, pela improcedência do Pedido e manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

Por despacho de 24.09.2020 as Partes foram notificadas para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento do Requerente de produção de prova testemunhal. A reunião teve lugar a 23.10.2020, ficando as Partes então notificadas para apresentar alegações facultativas por escrito, no prazo sucessivo de dez dias, iniciando-se a contagem pelo lado do Requerente.

 

O Requerente veio, nas suas alegações, reiterar o já exposto no PPA, que entende manter-se válido e não ter resultado rebatido pela Requerida. A prova testemunhal produzida demonstrou a habitação própria e permanente, e de forma prolongada, da sua mulher no Imóvel. Em dois momentos distintos no tempo, um primeiro desde o casamento em 2009 com o Requerente e até à alteração de residência deste para Espanha em 2015, e um segundo desde então e até à venda do Imóvel em Julho de 2017. Acresce que a prova documental junta complementa aquela prova testemunhal. Resultou provado o cumprimento de todos os pressupostos do regime do reinvestimento, pelo que era devida a exclusão parcial de tributação. Neste ponto e nesta sede - alegações - peticionando a anulação - parcial - da Liquidação. Por outro lado, na parte do ganho de mais-valias que será tributável (pois que o reinvestimento foi apenas parcial), e ainda que sendo o Requerente NR, há que considerar aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS.

 

De seu lado, a  Requerida veio, em sede de alegações, dar por reproduzida a fundamentação que desenvolvera na Resposta. Apresenta conclusões, nas quais, entre o mais, reitera a sua atuação não merecer censura, a prova testemunhal produzida não sustentar posição diversa da por si assumida, não tendo ficado demonstrado, com a certeza necessária, o Imóvel ter sido em 2017 a residência habitual da mulher do Requerente. No mais, e por fim, o Artigo 63.º do TFUE não pode, no actual quadro normativo, ter-se por violado.

 

*

 

Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro – cfr. respectivos art.ºs 2.º e 4.º – ficou suspenso, com efeitos a 22.01.2021, o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT em curso. Pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril - cfr. respectivos art.ºs 6.º e 7.º -, o mesmo prazo retomou a contagem a 6 de Abril.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s bb) e ii) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, e suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio).

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente, contribuinte fiscal português n.º..., é residente em Espanha, e está registado com Não Residente no sistema informático da AT desde Janeiro de 2015;

 

b) Por Escritura Pública de 12 de Junho de 2003 o Requerente adquiriu, no estado civil de solteiro, o prédio urbano, que então destinou à sua habitação própria e permanente, sito na Rua ..., n.º..., ..., freguesia de ..., concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na CRP de Mafra sob o número ... da dita freguesia, doravante “o Imóvel” ou “o Imóvel de partida”;

 

c) Mafra pertence ao distrito e área metropolitana de Lisboa, e o respectivo concelho é limitado a Sueste por Loures, e a Sul por Sintra;

 

d) A 13 de Fevereiro de 2009 o Requerente e B..., contribuinte fiscal  n.º..., contraíram casamento civil, sem celebração de convenção antenupcial;

 

e) A residência habitual declarada por ambos os nubentes na celebração do casamento é a da morada do Imóvel, e pelo menos desde então a mulher do Requerente passou a com ele residir no Imóvel;

 

f) Em 2014 o Requerente, por motivos profissionais, deixou de ter residência permanente em Portugal e passou a residir em ..., ..., ..., ..., ..., Andaluzia ..., Espanha;

 

g) Após a mudança do Requerente para Espanha, e até fins de Julho de 2017, a sua mulher continuou a viver de forma habitual e com carácter de permanência no Imóvel, neste se centrando a sua vida doméstica com estabilidade e de forma duradoura;

 

h) A mulher do Requerente foi militar da Força Aérea Portuguesa desde 2011 e até Fevereiro de 2018, pertenceu aos respectivos Quadros Permanentes, desempenhava funções habitualmente na Academia da Força Aérea, sita em ..., e entre Novembro de 2016 e Julho de 2017 frequentava curso de promoção a Oficial Superior, no Instituto Universitário Militar, sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa;

i) ... dista c. 25 km da Ericeira e pertence ao concelho de Sintra, distrito e área metropolitana de Lisboa;

 

j) Por documento particular autenticado “Compra e Venda e Mútuo com hipoteca”, de 24.07.2017, o Requerente alienou o Imóvel;

 

k) À data da venda do Imóvel em Julho de 2017, e até então, a mulher do Requerente tinha domicílio fiscal registado na Rua ..., ... ..., ...-... Albergaria-a-Velha, que corresponde à morada da sua residência em solteira;

 

l) Albergaria-a-Velha pertence à Região de Aveiro, zona Centro do país;

 

m) O Imóvel (v. c) supra), foi adquirido pelo Requerente pelo preço de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros), vendido pelo preço de € 277.000,00 (duzentos e setenta e sete mil euros), e, com vista à venda, o Requerente incorreu em despesas de mediação imobiliária no valor de € 15.190,50;

 

n) Na sua Declaração Modelo 3, apresentada a 19.05.2018 e referente ao ano de 2017, o Requerente declarou o ganho de mais-valias que obteve com a venda do Imóvel, bem como o seu estado civil de casado e, no Campo 6, “Agregado Familiar”, o nif da sua mulher;

 

o) No Anexo G da mesma Modelo 3 supra, o Requerente declarou o valor de realização de € 277.000,00, o valor de aquisição de € 115.000,00, e ter incorrido em despesas e encargos com a alienação no valor total de € 15.405,75;

 

p) Na mesma Modelo 3 supra o Requerente declarou a sua intenção de reinvestimento em outra habitação própria e permanente, assim: no Campo 5 – “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” - “Intenção de reinvestimento”, inscreveu, no sub-campo 5005, “Valor em dívida de empréstimo à data da alienação do bem”, € 141.150,08, e, no sub-campo 5006, “Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)”, € 150.000,00;

 

q) O valor de capital em dívida no empréstimo contraído pelo Requerente em 2009 para liquidação do empréstimo que contraíra para a aquisição do Imóvel era, à data da alienação, de € 70.806,36, montante então amortizado;

 

r) Na mesma Modelo 3 supra, o Requerente declarou a sua condição de Não Residente, assinalando no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, o Campo 6 – “Residência em país da UE”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral”;

 

s) Da Liquidação que veio a ser emitida e notificada ao Requerente - que é reportada a 2017 e teve por base a Declaração Modelo 3 supra - com o n.º 2018..., data de 05.07.2018, e prazo de pagamento de 31.08.2018, consta um “Rendimento coletável” de € 122.444,25, “Imposto relativo a tributações autónomas” de € 34.248,39, e um valor a pagar de € 34.248,39 (cfr. Demonstração de Liquidação, junta pelo SP com o PPA);

 

t) Na Liquidação a Requerida considerou o valor de realização de € 277.000,00, e o valor de aquisição de € 115,000,00 - que actualizou pela aplicação dos coeficientes de correcção monetária, para € 139,150,00, e acresceu de despesas no montante total de € 15.405,75 (€ 15.190,00 + € 215,00), e assim apurou um ganho de mais-valias de € 122.444,25 (€ 277.000,00 - [€ 139,150,00 + € 15.405,75]);

 

u) Na Liquidação a Requerida não aplicou o regime do reinvestimento, a saber, não aplicou o art.º 10.º, n.º 5 do CIRS, e, ao invés, aplicou o art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS e assim apurou o imposto por aplicação de uma taxa de 28% sobre o total do ganho de mais-valias, como segue: € 122.444,25 x 28% = € 34.248,39;

 

v) Em 11.07.2018 o Requerente interpôs Reclamação Graciosa com o seguinte teor (transcrição integral): “A mais-valia na venda de habitação própria e permanente está isenta de pagamento de IRS se o valor da venda for reinvestido na aquisição, construção ou obras de nova habitação própria permanente, nos 36 meses seguintes à venda. Esta intenção está plasmada na declaração submetida. Solicita-se portanto a isenção do dito pagamento.”;

 

w) A Reclamação Graciosa (v. v) supra) tramitou sob o número ...2018...;

 

x) A 24.09.2018 o Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação;

 

y) Por despacho de 18.06.2019 o Requerente foi notificado do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (RG) e para o exercício do direito de audição;

 

z) Do projecto de indeferimento da RG consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):

(...)

 

 

 

 

aa) O Requerente exerceu o direito de audição a 08.07.2019, e aí pugnou por que cumpria, à data da alienação do Imóvel, os pressupostos para poder beneficiar do regime do reinvestimento, com a especificidade de quanto ao pressuposto do reinvestimento no prazo de 36 meses estar então o mesmo ainda a decorrer, e, em consequência, pedia a anulação da Liquidação com fundamento em estarem preenchidos os pressupostos do regime do reinvestimento;

 

bb) A 06.01.2020, por Ofício da Requerida de 03.01.2020, o Requerente foi notificado do despacho da mesma, de 30.12.2019, de indeferimento da Reclamação Graciosa;

 

cc) No despacho de indeferimento, que se dá por reproduzido, pode ler-se, entre o mais:

 

  

 

 

IV. Enquadramento de direito e conclusões:

 

 

 

 

(...)

 

 

 

(…)

 

 

(…)

VI – Análise do invocado no direito de audição

 

 

 

 

(…)

 

 

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

(…)

 

 

 

dd) Por documento particular autenticado “Compra e Venda e Mútuo com hipoteca” de 27.09.2018, com mútuo no montante de € 125.000,00, o Requerente e sua mulher, B..., adquiriram, destinando-a a sua habitação própria permanente, a fracção autónoma “A” do prédio urbano sito na ..., n.º..., freguesia ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ... e descrito na CRP de Lisboa sob o número ...,  ..., doravante “o Imóvel II” ou “Imóvel de chegada”;

 

ee) O Imóvel II foi adquirido pelo preço de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) e efectivamente afecto à habitação permanente da mulher do Requerente, que tem domicílio fiscal registado na respectiva morada;

 

ff) Na sua Declaração de rendimentos referente ao ano de 2018, que apresentou em Portugal a 17.07.2019 na condição de Não Residente, o Requerente confirmou a concretização da intenção de reinvestimento reportada ao ganho de mais-valias obtido em 2017 conforme a mencionara e declarara na respectiva Modelo 3 (v. n) a p) supra);

 

gg) À data do indeferimento da RG, a 30.12.2019, a confirmação da concretização do reinvestimento declarada entretanto pelo Requerente em 2019 na Declaração referente ao ano de 2018 não estava documentada nos autos de RG, nem era do conhecimento da Requerida o documento (v. dd) supra) que titula a transmissão da propriedade do Imóvel II a favor do Requerente e, bem assim, não constava dos mesmos autos o documento comprovativo da amortização de empréstimo aquando da venda em 2017;

 

hh) No ano de 2018 o Requerente reinvestiu apenas uma parte do valor de realização;

 

ii) A 14.04.2020 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”), todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, bem como na prova testemunhal produzida, tudo criticamente analisado.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

Relativamente aos depoimentos das testemunhas, arroladas pelo Requerente, e não obstante a relação de cada uma com o mesmo e com a sua mulher, o Tribunal considera que prestaram  depoimento com isenção, revelando ao Tribunal o conhecimento de que dispunham quanto aos factos sobre que foram inquiridas, não havendo motivo para questionar da sua veracidade.

A primeira testemunha a depor, C..., reformada e mãe de B..., mulher do Requerente, descreveu a vivência da sua filha desde o casamento com o Requerente na casa deste, seja quando para lá foi viver ao casar-se, seja quando depois ficou ali a viver sozinha após a ida do Requerente para Espanha. Passavam, a testemunha e seu marido, pais de B..., temporadas “na casa da filha”, as quais se tornaram mais prolongadas quando a mesma passou a ali viver sozinha. Foi credível e objectiva a forma como respondeu ao que lhe foi questionado quanto ao dia-a-dia da filha, incluindo, entre o mais, o que presenciava das rotinas diárias relacionadas com a vida profissional da mesma aquando daquelas temporadas/estadias. À parte essas estadias mantinha o contacto com a filha diariamente por telefone, uma ou duas vezes ao dia. De notar também que, conforme dados de identificação fornecidos ao Tribunal pela testemunha no início da inquirição, a sua morada de residência coincide com a do domicílio fiscal da filha registado à data da venda do Imóvel.

A segunda testemunha a depor, D..., Oficial da Força Aérea, Colega de trabalho da mulher do Requerente desde que esta entrou para a Força Aérea (2011) até que saiu (Fevereiro de 2018), descreveu, entre o mais, e de forma objectiva e credível, o dia-a-dia profissional de ambas na Academia da Força Aérea, incluindo a frequência do curso de promoção a Oficial Superior em Algés, de Novembro de 2016 a finais de Julho de 2017, as rotinas diárias profissionais de ambas (estavam juntas diariamente) e de B... em particular, incluindo relacionadas com a presença frequente dos pais em casa desta após o marido ir viver para Espanha, idas a casa de B... para jantarem ou para se encontrarem e irem a outros sítios, oferecer-se para ajudar B... a retirar o mobiliário e as coisas da casa quando fosse da venda, e de como a Colega ali morou até à venda.

Quanto ao facto constante da al. g) do probatório, refira-se que o mesmo resulta da documentação junta dos autos, criticamente analisada e contextualizada, e complementada pela prova testemunhal produzida. Refira-se que constam dos autos, com referência ao Imóvel, facturas de consumos de água e de electricidade, com valores que se consideram dentro no normal para uma residência permanente; facturas de serviços de TV, internet e telecomunicações, aqui se identificando, no campo “detalhe das comunicações” chamadas telefónicas regulares seja para número de telefone fixo com os indicativos 0034 956, o que corresponde a ..., Andaluzia, em Espanha, que, por sua vez, corresponde à área da morada do Requerente, seja, também, para o número de telefone ..., cujo indicativo corresponde à zona de Aveiro, onde se inclui Albergaria-a-Velha, e sendo que, tendo o Tribunal solicitado à primeira testemunha o seu número de telefone de residência, a mesma indicou aquele número. O que leva também a concluir que estas últimas eram chamadas a partir do Imóvel para a morada então registada como domicílio fiscal de B... . O que é igualmente coerente com o depoimento da primeira testemunha quando referiu que - nas alturas em que não estava, mais o seu marido, na casa da filha - falava com esta por telefone diariamente.

Refira-se ainda que o facto de nas facturas em causa figurar o nome do Requerente, e não o da sua mulher, é coerente com a casa ser bem próprio do Requerente por si adquirida anos antes de se casar.

Constam também dos autos extractos “via verde” de onde se retira a utilização pelos veículos  com as matrículas ... e ... (o primeiro em nome do Requerente e o segundo de B...) de portagens em vários locais com regularidade, sendo os mais frequentes Ericeira-Loures, Loures-Ericeira, Mafra Oeste-Ericeira, Ericeira-Mafra Oeste.

A documentação em causa abrange um período compreendido entre finais de 2016 e Julho de 2017 (inclusive).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são de facto e de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

 

                Reunia ou não o Requerente os requisitos de que depende a aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias imobiliárias consagrado no CIRS, art.º 10.º, n.º 5 e, assim, deveria ou não ter sido aplicado o regime?

                Ou, por outras palavras,

Estavam ou não verificadas, no caso, as condições de que depende a aplicação do  regime do reinvestimento e, nessa medida, era ou não devido aplicar o regime?

 

 

Dependendo da resposta à questão fundamental (supra), haverá - ou não (como veremos) - que responder ainda à questão que segue:

Sendo o Requerente Não Residente em Portugal no ano da realização do ganho de mais-valias imobiliárias, deveria ser-lhe aplicado o regime de tributação consagrado no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS? (seja para o caso de não ser aplicável o regime do reinvestimento, seja no caso de este ser aplicável e uma vez que sempre haverá - nesta última situação - uma parte do ganho que não ficará abrangida pela exclusão de tributação, por o reinvestimento ter sido parcial);

 

Por fim, haverá que decidir quanto ao pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

Como segue.

*

 

Começando por recapitular brevemente.

 

Entende o Requerente que o ganho de mais-valias imobiliárias que auferiu em 2017 deve beneficiar do regime do reinvestimento consagrado no CIRS, art.º 10.º, n.º 5. De acordo também com o n.º 7  do mesmo art.º 10.º, pois, refere, procedeu a um reinvestimento parcial.

 

Defende, pois, que, numa parte, o ganho de mais-valias deve ficar excluído de tributação. Assim, que a Requerida andou mal ao não aplicar na Liquidação esse mesmo regime. O que fere de ilegalidade a Liquidação. 

 

Para assim concluir invoca ter ficado provado que reunia os pressupostos de que depende a aplicação do regime. Além do mais – no que a Requerida o não acompanha – o requisito de o imóvel cuja venda originou o ganho de mais-valias constituir habitação própria e permanente do seu agregado familiar (inclusive) à data da venda.

 

A Liquidação encontra-se assim, entende, ferida de vício de violação de lei. Devia ter sido aplicado o regime do reinvestimento, que exclui de tributação os ganhos provenientes de transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e uma vez que manifestou a intenção de reinvestimento na Modelo 3 em que declarou o ganho de mais-valias.

 

Daí ter interposto RG e, agora, PPA.

 

Nesta sede de processo arbitral acrescenta também (e neste ponto se reportando à concretização da aplicação do regime do reinvestimento por que pugna) que a Requerida não poderá depois vir pretender reduzir o montante do reinvestimento a uma parte que corresponderia à sua quota-parte na comunhão conjugal. O facto de o Imóvel que adquiriu depois, em 2018, ser (diferentemente do Imóvel que gerou o ganho e que era bem próprio seu) bem comum do casal não invalida que o reinvestimento que fez deva ser considerado na íntegra (para efeitos de aplicação do regime do reinvestimento).

 

Acrescenta também, por fim, nesta sede de processo tributário arbitral, que, tendo o reinvestimento a que entretanto procedeu sido parcial, deverá a parte do ganho que vier a resultar não abrangida pela exclusão de tributação beneficiar, por sua vez, do regime de consideração do ganho  de mais-valias em apenas 50% do seu valor, cfr. art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Não obstante ser Não Residente.

 

A Requerida, em síntese, entende que a Liquidação não se encontra ferida de ilegalidade pois que o Requerente é Não Residente desde momento (Janeiro de 2015) anterior à venda do Imóvel (Julho de 2017), pelo que este só poderia ser sua habitação secundária. E mais não demonstrou, nem resulta dos autos com a necessária certeza, que a sua mulher residisse no Imóvel de forma permanente. Ao que acresce que esta tinha domicílio fiscal registado em outra morada que não a do Imóvel.

 

Vejamos.

 

Em súmula, com referência ao ano de 2017, e tendo por assente (não se questiona nos autos) que o Requerente realizou nesse ano um ganho de mais-valias imobiliárias, na venda de bem imóvel sito em Portugal, no valor de € 122.444,25. E sendo que na sua Declaração de rendimentos respectiva não só declarou esse ganho como, ainda, manifestou a intenção de proceder a reinvestimento,

- O Requerente entende ter provado que o Imóvel constituía habitação própria e permanente do seu agregado familiar.

Assim, podia beneficiar do regime do reinvestimento.

- A Requerida entende não ter resultado provado que o Imóvel constituía habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente à data da venda.

Assim, não podia o Requerente beneficiar do regime do reinvestimento.

 

Começando por deixar percorridas - sistematicamente contextualizadas em alguma medida - as normas potencialmente aplicáveis .

*

No CIRS

Capítulo I – Incidência

Secção I -  Incidência real

Art.º 9.º – Rendimentos da categoria G

1 – Constituem incrementos patrimoniais, desde que (…):

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;

(…)

 

Art.º 10.º – Mais-valias

1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

(…)

4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, (…), nos casos previstos nas alíneas a), (…) do n.º 1;

(…)

5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, (…) exclusivamente com o mesmo destino (…);

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriorescontados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respectivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

(…)

7 – No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.

(…)

 

Secção II -  Incidência pessoal

Art.º 13.º – Sujeito Passivo

1 – Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

(…)

4 – O agregado familiar é constituído por:

a) Os conjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, (…);

(…)

8 – A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.

(…)

10 – O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

11 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto designadamente quando o sujeito passivo:

a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; (…)

12 – A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 – Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.

 

Art.º 15.º – Âmbito da sujeição

(...)

2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

Art.º 18.º – Rendimentos obtidos em território português

1 – Consideram-se obtidos em território português:

(…)

h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão;

 

Capítulo II – Determinação do rendimento colectável

Secção VI – Incrementos patrimoniais

Art.º 43.º – Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), (…) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

Art.º 44.º – Valor de realização

1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

(…)

 

Art.º 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)

 

Art.º 50.º – Correcção monetária

1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)

 

Art.º 51.º – Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

(…)

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).

 

Na LGT:

Art.º 19.º – Domicílio fiscal

1. O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

(…)

3. É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4. É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

(…)

 

Art.º 43.º – Pagamento indevido da prestação tributária

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, (…) ou em impugnação judicial, que houve um erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(…)

 

Artigo 74.º – Ónus da prova

1. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

(…)

 

*

 

Apreciando.

 

O Requerente vem pedir a anulação da Liquidação por ilegal. Na origem da imputada ilegalidade está, como expõe, a rejeição, por parte da Requerida, da intenção de reinvestimento declarada. A negação do benefício de exclusão de tributação de mais-valia imobiliária em virtude da intenção de reinvestimento, como também se expressa .

 

Sempre se refira, a título prévio, que a certo passo o Requerente alega ter havido por parte da Requerida violação do Princípio do Inquisitório, e que a mesma não terá retirado da documentação que o Requerente juntou no procedimento de RG as devidas consequências . Sem que porém daí retire consequências. Desde logo, nada constando do pedido que formula a final quanto a eventuais consequências que pretendesse daí extrair para o acto de Liquidação. E, assim, para apreciação pelo Tribunal.

 

Em qualquer caso, não deixará de se referir, mesmo que se pretendesse entender (o que não acompanhamos) estarmos, ainda assim, perante uma questão invocada, cujo conhecimento, então, se imporia ao Tribunal, sempre o conhecimento da mesma, como se verá, ficaria prejudicado pela solução que se virá a alcançar quanto à questão fundamental/ao litígio. E, neste contexto, v. também a ordem do conhecimento dos vícios que o Tribunal deverá seguir – cfr. art.º 124.º, n.º 2, al. a) do CPPT. Que sempre nos levaria a iniciar a apreciação, em qualquer caso, pelo vício de violação de lei invocado pelo Requerente.

 

Adiante.

 

Não se questiona a incidência seja pessoal, seja real do imposto. O Requerente é Não Residente (“NR”) e obteve um ganho de mais-valias imobiliárias na venda de bem imóvel sito em Portugal. Cfr. art.s 13.º, n.º 1, segunda parte, e 18.º, n.º 1, al. h), são sujeitas a IRS, além das pessoas residentes em território português, as que, não o sendo, neste obtenham rendimentos. E consideram-se obtidos em território português os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo mais-valias resultantes da sua transmissão.

 

Não se questiona, igualmente, o montante do ganho de mais-valias em causa, o rendimento que - cfr. art.ºs 9.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 4 (e v. também art.º 44.º e ss. - transcrições supra) - fica, por força dos art.ºs 1.º, 9.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a), sujeito a IRS.

 

Aquilo que se questiona é se esse ganho deve ou não ficar abrangido pela norma do art.º 10.º, nº 5, que exclui de tributação esses mesmos ganhos quando estejam reunidos determinados requisitos (ou condições), cumulativos.

 

De entre estes requisitos, estabelece-se, no corpo do n.º 5, e desde logo, o de que se trate de ganhos “provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” (cfr. supra).

 

No mais, a norma (art.º 10.º, n.º 5) determina ainda a necessidade de verificação cumulativa de três condições. A primeira e a segunda (als. a) e b), v. supra) referentes aos termos da concretização do reinvestimento, que se exige, do ganho obtido e, a terceira, referente à obrigação declarativa de manifestação de intenção do reinvestimento aquando da declaração do rendimento (ganho de mais-valias) obtido (cfr. al. c) supra).

 

A questão a decidir nos autos nasce do primeiro dos referidos requisitos/condições, o constante do corpo do n.º 5: o imóvel cuja transmissão gerou os ganhos tratar-se de imóvel “destinado(s) à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

 

Quanto àqueles outros demais requisitos (bem como também ao requisito por sua vez contido no n.º 6, al. a) do mesmo art.º 10.º, também ele referente à concretização do reinvestimento – v. supra) – e tendo em vista a Liquidação em crise, o acto que ao Tribunal cabe apreciar – refira-se ter relevo, à partida, tão só (e não se questionar cumprido pelo SP, como exigido pelo legislador), o da manifestação da intenção de reinvestimento do ganho (v. supra – p), factos provados), constante da al. c).

Foi por não considerar verificado aquele requisito contido no corpo do n.º 5 que, na Liquidação, a Requerida não aplicou o regime do art.º 10.º, n.º 5. O regime do reinvestimento. Como se retira, desde logo, do projecto de indeferimento da RG e, depois, do despacho de indeferimento e respectiva fundamentação (v. supra – z) e cc), factos provados). E como aliás, em coerência, a Requerida apresenta a sua defesa nos presentes autos.

 

*

Num parêntesis que entendemos oportuno, façamos presente estarmos no âmbito de um contencioso de legalidade, em que teremos por objecto a apreciação da legalidade de um acto, o acto impugnado, tal como o mesmo ocorreu. Ou seja, com a respectiva fundamentação, contemporânea por isso.

O acto de indeferimento da RG confirmou a Liquidação, apreciando-a e decidindo pela legalidade da mesma, o que fez com a fundamentação constante dos respectivos projecto de decisão e despacho de indeferimento. Fundamentação esta que, adere, afinal, assim terá que entender-se, à fundamentação subjacente ao acto de liquidação, que o Requerente vem colocar em crise.

Fechado o parêntesis.

*

E foi por entender que o requisito em causa se encontrava preenchido – no que, adiantamos, lhe assiste razão – que o Requerente veio a colocar em crise a Liquidação - cfr. RG que apresentou (v. supra –  v), factos provados) e, depois, cfr. direito de audição que exerceu nessa sede (v. supra –  aa), factos provados).

 

Aqui chegados.

 

A Requerida, no seu projecto de decisão em sede de RG, sustenta a Liquidação não ter feito aplicação do art.º 10.º, n.º 5 por o Requerente - sendo NR desde 2015, tendo vendido o Imóvel em 2017, e sendo este um bem próprio seu - não poder beneficiar do regime do reinvestmento por o Imóvel não ser a sua habitação própria e permanente. Nestas circunstâncias, conclui, o Imóvel só poderia entender-se ser sua habitação secundária.

 

Em sede de direito de audição, por sua vez, o Requerente veio defender em contrário, com base em que era casado aquando da venda do Imóvel e que este consituía a habitação permanente do seu agregado familiar. Pois que era aí que a sua mulher residia de forma permanente desde que se haviam casado, em momento posterior ao da aquisição do Imóvel por si, e até ao momento em que vendeu o Imóvel. Sendo casados entre si, e tendo declarado tal estado civil, bem como o nif da sua mulher, na sua Declaração de rendimentos e, ainda, não obstante o domicílio fiscal registado da mesma ser em outra morada, o regime do reinvestimento devia ser-lhe reconhecido, e aplicado. Devia em consequência, ao invés do sucedido na Liquidação, ter-se considerado em suspenso a tributação, pois que o prazo de 36 meses constante do n.º 5, al. b) do CIRS ainda estava a decorrer, e uma vez que manifestara na Declaração a intenção de reinvestimento. Assim solicitando a devolução das quantias pagas e juros indemnizatórios.

 

A Requerida, ao entretanto decidir, indeferindo, fundamentou-se, mais uma vez, no não preenchimento do requisito constante do corpo do n.º 5 - “destinado(s) à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Por entender que a não verificação do requisito se mantinha, uma vez que o Requerente também não provara a residência com carácter de permanência, no Imóvel, por parte de sua mulher, ao tempo da venda. E tendo esta domicílio fiscal registado noutra morada, presumia-se ser nessa outra morada a sua habitação permanente, cfr. art.º 13.º, n.º 10 do CIRS. Concluindo, assim, o Requerente não poder fazer valer a sua pretendida exclusão de tributação por intenção de reinvestimento do valor de realização.

 

Não obstante se fazer referência a certo ponto, aí, a ter o Requerente entretanto vindo apresentar Declaração de rendimentos referente ao ano de 2018, em 2019, e ali declarado a concretização da intenção de reinvestimento, refere-se que nada consta, nem é do conhecimento da Requerida, quanto à suposta concretização, e nem também quanto à inicialmente declarada amortização de empréstimo. E termina-se concluindo como antecede (v. último sublinhado). Com, pois, aquela fundamentação para o indeferimento. E, assim, para a manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica. Sendo assim essa, mais uma vez, a fundamentação do acto aqui em crise.

 

Vejamos então, antecipado que deixámos já qual a Parte a quem devemos entender assistir razão.

 

A lei não nos faculta directamente um conceito de habitação própria e permanente para efeitos do art.º 10.º, n.º 5. A razão de ser da consagração do regime do reinvestimento pelo legislador há-de necessariamente ser convocada para a respectiva interpretação. O legislador visou, através do regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar e/ou diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias, e em conformidade com a protecção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS. Na qual se tem em consideração a situação pessoal e familiar do SP.

 

O que seja habitação própria decorre sem dificuldade da lei, por força do regime do direito de propriedade, diremos. Os ganhos de mais-valias na transmissão onerosa de bens imóveis hão-de decorrer desde logo da transmissão do direito real de propriedade sobre os mesmos. Será então, o bem imóvel em causa, propriedade do SP. Que é o que sucede nos autos.

 

Já o que seja habitação permanente do SP e/ou do seu agregado familiar passará por identificar o local - habitação - onde se vive habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade, permanência, onde, se se quiser, seja possível afirmar que se centra a vida pessoal/doméstica dos indivíduos e/ou seus agregados familiares. Para o que haverá que recorrer à verificação de circunstâncias de facto, caso a caso. Que é o que nos autos se nos apresenta, precisamente. A necessidade de apreciar as circunstâncias de facto relevantes para o efeito. Sendo que da matéria de facto considerada assente (v. factos provados supra), vimo-lo, resulta que era precisamente o que sucedia na pessoa de B..., conjuge do Requerente.

 

No mais, e quanto ao momento relevante para aferir da efectiva habitação permanente, também ele não directamente estabelecido pelo legislador para efeitos do art.º 10.º, n.º 5,  sempre se refira que, como quer que seja, nos autos, resulta da matéria de facto consolidada que a mulher do Requerente residia com carácter de habitualidade/permanência/estabilidade no Imóvel quer à data da venda quer, igualmente, ao longo de período prolongado durante anos até essa mesma data.

 

Acrescente-se, por fim, que quanto ao conceito de agregado familiar dispõe o legislador, no art.º 13.º, n.º 4 (v. supra), que o mesmo é constituído, desde logo, pelos conjuges não separados judicialmente de pessoas e bens. Como também é facto assente (e que não se discute nos autos) ser o caso, entre o Requerente e B... .

 

E de tudo quanto antecede, haverá que concluir-se, estava reunido o requisito/condição de o Imóvel se destinar à habitação permanente do agregado familiar do Requerente. Sendo que, na norma, a conjunção “ou” não deixa dúvidas de que se trata de uma alternativa. Bastando pois que esteja reunida em relação àquele que se considera ser o agregado familiar do SP, mesmo que não ao SP individualmente.

 

Assim, por um lado não seria pelo facto de o Requerente ser NR que o requisito se não verificava. E, por outro, sendo o seu conjuge ali residente com carácter de habitualidade/permanência/estabilidade, como resultou provado nestes autos, não poderá entender-se essa materialidade (substância) ser de postergar perante a constatação do registo do domicílio fiscal em outra morada (forma). A qual (morada), ademais, resultou também provado corresponder à morada qua até ao casamento com o Requerente a sua mulher habitava, e deixou de habitar com o casamento. O Requerente logrou, em qualquer caso, afastar a presunção constante do n.º 10 do art.º 13.º do CIRS, com relação ao seu conjuge, que integra o seu agregado familiar (e v. n.º 11, al. a) do mesmo art.º 13.º, aqui se devendo entender subsumida a situação, entendemos, com as devidas adaptações).

 

E o que antecede não deixa de ser coerente com o que constitui no nosso Direito “domicílio fiscal”. Com efeito, como decorre também do art.º 19.º da LGT (v. supra), devidamente interpretado e contextualizado, sem prejuízo de o domicílio fiscal do sujeito passivo ser ali referido ser - “salvo disposição em contrário” - para as pessoas singulares, o local da sua residência habitual, o conceito é reconhecidamente um conceito de cariz sobretudo formal. Reportado a comunicações, notificações e formalidades procedimentais e/ou processuais , bem como a determinação de competências territoriais de entidades, organismos e Tribunais com referência à relação jurídico-tributária. Servindo desde logo o propósito de se darem com facilidade, e organização, as comunicações entre AT e contribuintes. Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, o conceito de domicílio fiscal não pode ser entendido como sinónimo, sem mais, de residência habitual. Quanto a nós. Se é certo que as mais das vezes coincidirá com a residência habitual, não poderá deixar de se contextualizar e, em suma, não se deverá permitir o mesmo constituir um obstáculo à aderência no caso à verdade material.

 

A concluir neste ponto, não é legítimo retirar como consequência do registo cadastral do conjuge do SP - e em face dos factos assentes (v. supra) - a não qualificação do Imóvel como habitação própria e permanente, do agregado familiar do Requerente, para efeitos do regime do reinvestimento.

 

Posto isto. Concluindo-se como se vem de concluir, estamos praticamente em condições de responder à questão fundamental (cfr. supra), a saber:

 

                Reunia ou não o Requerente os requisitos de que depende a aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias imobiliárias consagrado no CIRS, art.º 10.º, n.º 5 e, assim, deveria ou não ter sido aplicado o regime?

                Ou, por outras palavras,

                Estavam ou não verificadas, no caso, as condições de que depende a aplicação do  regime do reinvestimento e, nessa medida, era ou não devido aplicar o regime?

 

A Liquidação foi emitida em 2018, apurando um montante de imposto a pagar de € 34.248,39, por aplicação do art.º 72.º, n.º 1, al. a), com fundamento em - e não obstante o Requerente na sua Declaração de rendimentos (referente a 2017) ter declarado, a par do rendimento de mais-valias, a intenção de reinvestimento do valor de realização (v. supra, p) factos provados) – não ser aplicável o regime de exclusão de tributação (o regime do reinvestimento) por o Imóvel de  partida não constituir habitação própria e permanente do Requerente. Inicialmente por este ser NR, e consequentemente ser impossível a verificação de tal condição (o Imóvel só poderia, assim, ser sua habitação secundária). E, após exercício do direito de audição pelo Requerente, pela mesma razão da não verificação da referida condição, por o Imóvel igualmente não corresponder à efectiva habitação permanente da mulher do Requerente. E, assim, não ser de extrair consequências da manifestada intenção de reinvestimento. Por aquela primeira condição, repita-se - cfr. corpo do n.º 5 - se não verificar.

 

Resulta porém dos presentes autos que a condição em causa se verificava. Que a mulher do SP, integrante do seu agregado familiar, portanto, residia com carácter de permanência, habitualidade e estabilidade no Imóvel. Que aquela era a sua habitação permanente. Que estava pois preenchida aquela condição. Tudo como supra percorrido. Ao que acresce que estava preenchida também a condição constante da al. c) do n.º 5 (manifestação da intenção em tempo). E pendentes de “preenchimento” estavam, ao tempo, as condições constantes das al.s a) e b). A factualidade então existente, devidamente subsumida à norma, haveria que conduzir, pois, à suspensão da tributação. Aguardando-se a concretização, ou não, da intenção de reinvestimento, e, a vir a haver reinvestimento, o conhecimento dos respectivos termos. Para só então se emitir, ou não, um acto de liquidação, conforme se viesse a apurar ser devido. Contrariamente ao sucedido.

 

Pelo que, há que responder à questão fundamental supra, assim:

 

Sim, verificavam-se as condições de que depende a aplicação do regime do reinvestimento e, nessa medida - e com a extensão acabada de ver -, era devido aplicar o regime.

 

A Liquidação está, assim, ferida de ilegalidade por conter em si a recusa da aplicação, no caso, do regime do reinvestimento nos termos do art.º 10.º, n.º 5 - corpo do n.º 5 e sua al. c), como era legalmente devido (e ao, ao invés, aplicar o regime geral de tributação). A manifestada intenção de reinvestimento era de molde a surtir a consequência de suspender a tributação do ganho de mais-valias do Requerente. Consequência que, ao não se ter retirado e ao liquidar, inquinou a Liquidação de vício de violação de lei.

 

Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação padece de vício de violação de lei, por erro de Direito acerca dos factos, determinante da respectiva anulabilidade.

 

Sem prejuízo de possível emissão de novo acto de liquidação no respeito pelo aqui Decidido e no prazo de execução espontânea de julgado. Com efeito, o exercício do direito de liquidação não tem por consequência necessária a preclusão do direito de praticar novo acto de liquidação. E não o tem no caso presente. Cfr. art.º 13.º, n.º 3 e art.º 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJAT e v., em qualquer caso, entre o mais na presente Decisão, gg) - factos provados.

 

*

Por fim e ainda.

No mais a que o Requerente faz apelo, aflorámos já, está, bem vistas as coisas, a reportar-se àquela que será a aplicação do regime do reinvestimento num momento posterior ao acto de liquidação de que aqui se cuida e cuja legalidade nos é devido apreciar (“a Liquidação”, ao longo da Decisão). I.e., está já aí a reportar-se à aplicação do regime a ter lugar aquando da liquidação (havendo imposto a liquidar) consequente ao efectivo reinvestimento. Reinvestimento que o legislador determinou poder ser concretizado, quando após a realização, nos 36 meses seguintes. Após concretização da intenção de reinvestimento manifestada, pois. Naquela que será a concretização, também ela, da aplicação do regime do reinvestimento por que pugna, como acima nos referimos. E que, afinal, ainda não teve lugar.

 

Ou seja, o Requerente invoca ainda argumentos de Direito cuja eventual procedência se reflectirá não já ao nível da (legalidade da) Liquidação objecto dos presentes autos, mas sim num possível, posterior, novo, acto de liquidação. Extravasando assim, em bom rigor, a causa de pedir, e o pedido, que aqui nos ocupam. 

 

Ainda assim, e certo que é que à Requerida assiste o poder-dever de vir a emitir, no prazo legal aplicável, um novo acto de liquidação, sempre se dirá o que segue.

 

No que se refere ao argumento de que não poderá a Requerida pretender considerar o reinvestimento apenas na medida da sua metade por ser de 50% a quota-parte conjugal do Requerente no imóvel de chegada. Da lei decorre, expressamente, cfr. al. a) do n.º 5, que o reinvestimento relevante será feito na aquisição (no caso de aquisição) de outro imóvel “com o mesmo destino”. O destino será então o expresso no corpo do n.º 5 - “destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Mais uma vez, os destinos admitidos são expressamente colocados pelo legislador em alternativa. Assim, não vemos como interpretar na lei uma qualquer exclusão de situações em que o reinvestimento se faça na aquisição de outro imóvel destinado à habitação própria e permanente do agregado familiar do sujeito passivo (agora casado). Que é precisamente uma das situações que o legislador pretendeu incluir. Sem aí ter excepcionado e/ou diferenciado quaisquer possíveis situações. O ganho de mais-valias, é um facto, em situações como a dos autos, foi realizado pelo SP (era ele quem havia investido e é ele quem realiza o ganho), que utiliza esse ganho, se for o caso, para o aplicar na compra de habitação própria para a sua família, para o seu agregado familiar. Parece-nos que é esta uma situação precisamente visada, também, pelo legislador. Que não será por o SP ser casado (ao comprar o imóvel de chegada), quando antes era solteiro (ao comprar o imóvel de partida), que deverá ser fiscalmente menos beneficiado, menos incentivado fiscalmente a reinvestir na compra de habitação própria, naquilo que quase seria um desincentivo ao casamento, e à constituição de família por essa via. A interpretação permitiria assim, também, ir em contrário daquela que é a lógica subjacente em especial ao IRS, de consideração do indivíduo no seu agregado familiar e, mais alargadamente também, seja na CRP desde logo em matéria fiscal, seja na LGT, de protecção da família.

 

No que se refere, por sua vez, ao argumento de que - apesar de NR - o Requerente deverá, na parte do ganho que não fique excluída de tributação (via regime do reinvestimento), beneficiar do regime do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Estamos, afinal, naquela que se indicou acima poder vir a concluir-se ser ou não uma segunda questão a decidir. Vejamos.

O Requerente desenvolve argumentação a este respeito e mais arvora em pedido o de que seja declarada, pelo Tribunal, a ilegalidade da Liquidação na medida também em que na parte do ganho que sempre virá a ser tributada (aquela que for a parte proprocionalmente correspondente ao valor reinvestido) a liquidação como pugnada pela Requerida seria violadora do Direito da UE. Sem maiores desenvolvimentos, diremos como segue.

A Liquidação em crise nos presentes autos não permite anulação parcial. Como a terminar veremos. Pelo que, logo por aí, não estamos perante uma questão cujo conhecimento se imponha a este Tribunal. O acto de liquidação em crise terá necessariamente que ser anulado na sua integralidade, em coerência aliás também com a fundamentação que lhe subjaz, e assim não restará do mesmo uma sua “parte” de cuja legalidade coubesse depois e ainda ao Tribunal apreciar. A vir a colocar-se essa questão será, mais uma vez, já por referência a um possível, posterior, novo, acto de liquidação.

Mas sempre se diga. Ainda que o art.º 43.º, n.º 2 (o qual, como se sabe, não opera isoladamente, mas sim em conjugação seja com o art.º 22.º, seja com o art.º 68.º do CIRS, entre o mais) fosse de entender aplicável ao NR (ao que parece pretendendo-se essa aplicação em conjugação com a taxa do art.º 72.º, n.º 1) mesmo nas situações em que o SP por tal não opte ao abrigo dos n.ºs 8 e 9  (como seria o pretendido pelo Requerente, se bem interpretamos) - no que este Tribunal, ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, não concede - sempre se diga que (i) a determinação da parte do ganho proporcionalmente correspondente ao reinvestimento é ainda elemento por apurar - pela Requerida, que não pelo Tribunal, como bem se compreende; (ii) a ser o reinvestimento no montante que o Requerente declarou intencionar reinvestir, sempre restará apurar se a parte do ganho de mais-valias proporcional ao montante do reinvestimento realizado é inferior ou, ao invés, superior a 50% do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente. Assim, e caso viesse a verificar-se o montante efectivamente reinvestido ser conforme intenção de reinvestimento que declarou (€ 150.000,00, v. supra p) - factos provados), recairíamos, parece-nos, na segunda hipótese. E, assim, por essa via, da aplicação do regime do reinvestimento, mesmo que parcial, ficaria já garantido, afinal, o resultado que se pretende obter com a invocada aplicação do art.º 43º, n.º 2. A saber, a tributação vir a fazer-se apenas sobre 50% do ganho de mais-valias. (Restaria por tributar, é o que pretendemos significar, após aplicado o regime do reinvestimento, parcial, menos de metade do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente).

 

 

4. Reembolso de quantias pagas, juros indemnizatórios e medida da anulação

 

Não obstante o Requerente não o referir expressamente, há-de entender-se implícito o pedido de reembolso de quantias pagas, pois que o mesmo será condição de uma condenação no pagamento de juros indemnizatórios, coisa que vem peticionar-se.

 

A Liquidação encontra-se ferida de ilegalidade, vimos, por erro de direito acerca dos factos e, assim, erro na aplicação do Direito. Deve em consequência ser anulada, o que pela presente se decide, e as respectivas quantias, indevidamente pagas, restituídas ao Requerente.

 

Peticiona o Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5 do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. E vimos já que houve erro, erro de direito acerca dos factos (qualificação do Imóvel como imóvel que não “habitação própria e permanente”, tendo-se entendido os factos como não materializando esse conceito legal), do que resultou pagamento indevido. Era devido suspender a liquidação, como vimos supra. Há-de entender-se, assim, que houve pagamento em quantia superior à devida. Desde logo à  devida então. E de que o Requerente ficou então desapossado.

 

O erro é imputável aos Serviços, que praticaram o acto de Liquidação em violação da lei, ao não aplicarem a norma de exclusão (suspensão, no caso) de tributação a uma situação fáctica enquadrável no regime de exclusão em causa. Não pode deixar de considerar-se o erro em que a Requerida incorreu como sendo a si imputável. O Requerente havia declarado, vimos, o ganho e, simultaneamente, seja a intenção de reinvestimento, seja o seu estado civil, de casado, e o nif da sua mulher. E o domicílio fiscal registado não pode, como vimos supra, ser tido por correspondente efectivamente e sempre sem excepção, sem mais, à residência/habitação permanente.

 

Pelo que se defere o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como infra.

 

Tudo sempre sem prejuízo dos deveres para a Requerida decorrentes do disposto no art.º 24.º do RJAT.

 

Quanto à medida da anulação, por fim

 

Sempre se refira também, a terminar e a acrescer ao que já se aflorou a respeito, que se não desconhece que os actos de liquidação são passíveis de anulação parcial. Sucede que, nos autos, estamos perante Liquidação em que se aplicou um regime jurídico-tributário distinto daquele outro que deveria afinal ter sido aplicado. Há, pois, um conjunto de normas legais que não foram aplicadas e que, em decorrência da presente, terão que ser aplicadas.

 

Não pode o Tribunal substituir-se à Requerida, aplicar um distinto regime jurídico-tributário aos factos e apurar o montante de imposto devido (liquidar, portanto).

 

Numa anulação parcial mantém-se, a subsistir, uma parte dessa liquidação. Ora, no caso dos autos, e em coerência com o que antecede, não seria sequer fazível manter, a subsistir, uma parte da Liquidação, pois que se desconhece, enquanto não for aplicado o regime do reinvestimento, qual a matéria colectável que persistirá para tributação. Aquela parte do ganho proporcionalmente correspondente ao montante não reinvestido. Não estamos, pois, perante uma situação que se possa dizer de uma ilegalidade apenas parcial, que permitisse ao Julgador, recorrendo a uma simples operação aritmética, decidir pela manutenção de uma parte da Liquidação.

 

*

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:

 

a) Declarar ilegal e consequentemente anular a liquidação de IRS melhor identificada nos autos;

b)           Condenar a Requerida na devolução das quantias pagas;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento (24.09.2018) até emissão da respectiva nota de crédito (cfr. art.º 61.º, n.º 5 do CPPT e art.º 43.º da LGT, sendo a taxa cfr. art.ºs 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e art.º 559.º, n.º 1 do Código Civil).

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 34.284,39.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 20 de Abril de 2021

 

O Árbitro,

(Sofia Ricardo Borges)