Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 22/2019-T
Data da decisão: 2019-09-09  IRS  
Valor do pedido: € 38.900,81
Tema: IRS – Falta de fundamentação – artigo 51.º - Mais-Valias - Despesas e encargos dedutíveis.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 25 de março de 2019, decide nos termos que seguem:

I. RELATÓRIO:

1. A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º..., residentes na Rua ..., ..., ..., ..., em Cascais (doravante designados por Requerentes), tendo sido notificados da liquidação de IRS n.º 2017... e de juros compensatórios n.º 2017..., referentes ao período de tributação de 2016, no montante total de € 38.900,81, apresentaram, em 11 de janeiro de 2019, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida AT).

2. Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.º 2017..., referentes ao período de tributação de 2016, no montante total de € 38.900,81 (trinta e oito mil e novecentos euros e oitenta e um cêntimos).

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 14 de janeiro de 2019 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5. Em 4 de março de 2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 16-04-2019.

7. Por despacho arbitral de 22 de maio de 2019 foi marcada para o dia 4 de junho de 2019 a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à inquirição da testemunha indicada pelos Requerentes.

8. Foi fixado o dia 24 de setembro de 2019 para a prolação de decisão final.

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

II. DO PEDIDO DA REQUERENTE:

Os Requerentes solicitam a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2017... e de juros compensatórios n.º 2017..., referente ao período de tributação de 2016, no montante total de € 38.900,81 (trinta e oito mil e novecentos euros e oitenta e um cêntimos) por considerarem que só em sede de procedimento administrativo e após leitura da Resposta da AT é que tiveram conhecimento da real fundamentação que subjaz ao ato impugnado e que, por outro lado, nos presentes autos arbitrais ficaram comprovados todos os encargos declarados pelos Requerentes, não existindo qualquer fundamento para a sua desconsideração para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS.

III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:

Em resposta, a Requerida AT considerou que o ato de liquidação sub judice não enferma de qualquer vício de lei que ponha em causa a sua legalidade e validade.

Em sede de alegações, a Requerida AT veio ainda invocar a inadmissibilidade da junção tardia de documentos pelos Requerentes bem como a falta de prova idónea dos encargos e despesas realizados pelos Requerentes.

IV. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            No dia 13.11.2014, os Requerentes adquiriram o imóvel sito na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa (“Imóvel RP”), pelo valor de € 100.000.

2.            Após aquisição do Imóvel RP, os Requerentes começaram uma empreitada de reabilitação do mesmo.

3.            A empreitada de reabilitação esteve inicialmente a cargo da C..., Lda, (cfr. faturas FT/68 e FT/75).

4.            Os Requerentes pagaram as duas faturas, nos valores de € 23.055,00 e € 12.296,00, através de 3 transferências bancárias: uma primeira no valor de € 3.055,00, a segunda no valor de € 20.000,00 e a última no valor de € 12.296,00.

5.            As obras de reabilitação no imóvel RP passaram, mais tarde, a estar a cargo da D..., Lda. (“D...”).

6.            A D... emitiu as seguintes faturas:

(i)           Fatura FT M/366, no valor de € 13.250,00, emitida em 29.04.2016;

(ii)          Fatura FT M/429, no valor de € 21.219,06, emitida em 07.10.2016;

(iii)         Fatura FT M/460, no valor de € 8.437,35, emitida em 03.11.2016;

(iv)         Fatura FT M/461, no valor de € 24.492,15, emitida em 04.11.2016;

(v)          Fatura FT M/463, no valor de € 16.365,92, emitida em 10.11.2016;

(vi)         Fatura FT M/487, no valor de € 14.912,81, emitida em 29.12.2016;

(vii)        Fatura FT M/489, no valor de € 17.317,22, emitida em 31.12.2016;

(viii)       Fatura FT M/499, no valor de € 17.496,33, emitida em 18.01.2017;

(ix)         Fatura FT M/500, no valor de € 14.901,82, emitida em 18.01.2017;

(x)          Fatura FT M/501, no valor de € 16.506,39, emitida em 18.01.2017;

(xi)         Fatura FT M/502, no valor de € 5.735,09, emitida em 18.01.2017.

7.            A D... emitiu, no dia 18.01.2017, nota de crédito relativa ao fecho de conta da empreitada de reabilitação do Imóvel RP pelo valor de € 15.412,05.

8.            Os Requerentes pagaram todas as faturas da D... .

9.            No dia 12.05.2016 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, onde ficou prometida a venda do Imóvel RP em 01.09.2016, pelo valor de € 315.000,00, no qual ficou estipulado que os Requerentes estavam a realizar obras de reabilitação e que estas estariam previsivelmente concluídas até ao final do mês de julho.

10.          No dia 01.09.2016 os Requerentes venderam o Imóvel RP por escritura de compra e venda pelo valor de € 315.000,00.

11.          No dia 01.09.2016 foi paga a comissão pela mediação na venda do Imóvel RP, no valor de € 19.372,50.

12.          Na data da escritura, a obra não estava ainda concluída devido a atrasos na sua execução.

13.          No dia 25.10.2016, foi assinado o auto de receção provisória do imóvel RP.

14.          As obras no imóvel RP foram concluídas no início de 2017.

15.          Foram emitidas faturas pela D... já depois de assinado o auto de receção provisória do imóvel.

16.          Em virtude do atraso na execução das obras, os novos proprietários só tomaram a posse do Imóvel RP no início de 2017.

17.          Os Requerentes tiveram encargos com o imóvel RP num total de €200.146,22 assim discriminado:

(i)           € 178.132,79: custos com a empreitada;

(ii)          € 1.075,93: pagamento de IMT na aquisição;

(iii)         € 800,00: pagamento de imposto do selo na aquisição;

(iv)         € 700: pagamento de escritura na Casa Pronta;

(v)          € 19.372,50: pagamento de comissão a imobiliária;

(vi)         € 65,00: custo com certidões para escritura.

18.          Cada um dos Requerentes declarou, no campo 4002 do anexo G da declaração de rendimentos referente a 2016 o valor de € 106.292,81, referente a 50% dos encargos incorridos com esse imóvel RP (cfr. documento n.º 8 junto à p.i.).

19.          Em 2016 os Requerentes alienaram outro imóvel sito na Rua ... em Lisboa (“Imóvel RA”), pelo valor de € 110.000,00.

20.          Em virtude dessa alienação, cada um dos Requerentes declarou, no anexo G da declaração de rendimentos referente a 2016 a mais valia realizada.

21.          No que respeita à mais valia realizada com a alienação do Imóvel RA, os Requerentes declararam despesas, no campo 4001 do anexo G, no total de € 10.998,75.

22.          Com o Imóvel RA, os Requerentes tiveram os seguintes encargos:

(i)           € 135,00: emolumentos (esta despesa foi, entretanto, aceite pela AT, no despacho de 22.02.2019 da Subdiretora-Geral da área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento, como expressamente refere a Requerida AT nos artigos 20.º, 21.º e 22.º da Resposta);

(ii)          € 135,00: emolumentos (idem);

(iii)         € 1395,16: cartório (idem);

(iv)         € 354,59: cartório (idem);

(v)          € 8.610,00: comissão imobiliária.

23.          Na sequência da apresentação da declaração de rendimentos referente a 2016, os Requerentes receberam uma notificação que referia:

“A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2016, com a identificação (…) foi selecionada para análise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões):

Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional”.

24.          Os Requerentes exerceram, junto do Serviço de Finanças de Cascais-..., o seu direito de audição prévia tendo, nesse momento, apresentado documentos.

25.          Os Requerentes receberam uma notificação através do ofício n.º ... remetido por carta registada (RH...PT), que foi recebida pelos Requerentes, do qual constava o seguinte texto:

“Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação... /..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

“Não foram comprovadas as despesas e encargos declarados no quadro 4 do anexo G referentes à alienação dos imóveis, nos termos do art. 51.º do CIRS pelo que serão retiradas. Deverá também comprovar os valores do reinvestimento declarados no quadro 5, nos termos do n.º 5 do art.º 10 do CIRS. (AMS)

Deste modo, fica V. Ex.ª notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:

26.          Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.º 2017..., referentes ao período de tributação de 2016, no montante total de € 38.900,81.

27.          Os Requerentes apresentaram, no dia 07.06.2018, reclamação graciosa do referido ato de liquidação.

28.          No dia 12.10.2018, os Requerentes foram notificados da decisão final da reclamação graciosa apresentada.

 

B. Factos não provados

Com relevância para a decisão arbitral não foi provado:

i)             Que o valor de 12.439,40€, constante do recibo M/319 e factura M/429 (d.d. 25 de agosto de 2016), emitida pela empresa D..., no valor total de 21.219,06€, tivesse resultado de obras realizadas na fração F sita na Rua ..., n.º..., –...;

 

C. Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do Código do Processo Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário, ex vi artigo 29º, do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelos Requerentes, o processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT e no depoimento prestado perante o Tribunal, de forma presencial, pela testemunha E... os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

Assinala-se, em particular, o depoimento credível apresentado pela testemunha que, entre outros aspectos, explicou que as obras realizadas na fracção RP terminaram muito depois do prazo previsto, motivando a emissão tardia de facturas por parte da empresa D... .

Relativamente aos factos não provados - que o valor de 12.439,40€, constante do recibo M/319 e factura M/429 (d.d. 25 de agosto de 2016), emitida pela empresa D..., no valor total de 21.219,06€, tivesse resultado de obras realizadas na fração F sita na Rua ..., n.º..., –...- constatou-se que o valor total desta encontra-se desagregado em três parcelas distintas, com valores diversos, imputados a andares diferentes (....º Esq; ...º Drt. e ... Drt.), sem que seja indicada qualquer morada para os andares em causa.

Sabendo-se que se discute, nos presentes autos, os encargos com as obras realizadas na fracção situada na Rua ..., n.º... e que em todas as facturas / recibos refere-se como local da obra a Rua ... ou a Rua ..., ..., não foi dado como provado que, no recibo M/319 e factura M/429 todos os valores se refiram a essa mesma obra uma vez que não só não aparece a morada em causa – Ru a...– como o valor total é desagregado por três andares distintos – não se sabendo a localização exacta deles – tendo o Tribunal entendido dar como provado que o valor referente ao .... refere-se a um dos imóveis sub judice, i.e. àquele que se situa na Rua da ..., n.º..., ... .

 

V. DO DIREITO:

A. Questões decidendas:

Nos presentes autos colocam-se duas questões que cumpre apreciar.

Primo, da falta de fundamentação que subjaz ao ato impugnado e

Secundo, da comprovação dos encargos declarados pelos Requerentes, para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS.

Analisemos, por esta ordem, cada uma das questões em apreço.

 

B. Da falta de fundamentação que subjaz ao ato impugnado:

Entendem os Requerentes que foram notificados, em termos muito vagos, relativamente à declaração de rendimentos relativa ao ano de 2016 uma vez que essa notificação referia que a “declaração de rendimentos relativa ao ano de 2016, com a identificação (…) foi selecionada para análise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões): Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional” (cfr. artigo 50.º da p.i.).

Afirmam ainda os Requerentes que a “formulação utilizada pela AR era meramente genérica, não se referindo (i) qual o imóvel ou imóveis em causa, (ii) quais as despesas que estão a ser em concreto questionadas, (iii) por que motivo estão a ser questionadas, (iv) por que razão o valor de alienação está a ser questionado, (v) por que razão a data de aquisição está a ser questionada e (vi) por que motivo é referida a afetação a atividade profissional” “nada referindo porque é uma mera carta-tipo, sem qualquer referência ao caso concreto.”

Em sentido diverso a Requerida AT sustenta, em síntese, que “consta da decisão do procedimento de divergências que a não aceitação das despesas se deve ao facto das mesmas não terem sido comprovadas, especificando-as logo de seguida, pelo que é indubitável que a fundamentação empregue pela AT preenche todos os requisitos legais supra identificados relativos ao dever de fundamentação” (cfr. artigo 35.º da resposta).”

Cumpre apreciar e decidir.

Para o efeito socorremo-nos de abundante jurisprudência – nomeadamente resultante dos processos n.ºs 336/2016-T; 588/2017-T; 239/2017-T; 184/2017-T; 659/2017-T e 10/2018-T do CAAD – e doutrina existente.

É sabido que a fundamentação dos actos tributários em geral constitui uma exigência constitucional (cfr. artigo 268.º da CRP) e legal (cfr. artigo 77.º da LGT) sendo aceite de forma pacífica na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

1)            Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

2)            Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;

3)            Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

4)            Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta.

Dito de outra forma, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.

Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.

No caso sub judice verifica-se que o acto de liquidação em questão ocorreu na sequência do entendimento da Requerida AT de que não teriam sido demonstrados os encargos com as obras realizadas nos dois imóveis in casu.

Para tal a AT notificou os Requerentes, através do ofício n.º ... remetido por carta registada (RH...PT), que foi recebida pelos Requerentes, do qual constava o seguinte texto:

“Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação ..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

“Não foram comprovadas as despesas e encargos declarados no quadro 4 do anexo G referentes à alienação dos imóveis, nos termos do art. 51.º do CIRS pelo que serão retiradas. Deverá também comprovar os valores do reinvestimento declarados no quadro 5, nos termos do n.º 5 do art.º 10 do CIRS. (AMS)

Deste modo, fica V. Ex.ª notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:

Invocam os Requerentes, no artigo 40.º da p.i. que foram notificados nos seguintes termos: “da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 2 do ano de 2016 com a identificação ..., não foram comprovados os elementos declarados” (cfr. documento n.º 14 que se junta)” para concluir, no artigo 41.º da mesma p.i. que “Com este fundamento – e apenas este fundamento – a AT corrigiu na totalidade (ou seja, reduziu a zero) os valores dos encargos declarados nos campos 4001, 4002 e 4003 do anexo G da declaração de rendimentos referente a 2016.”

Ora ficou provado que os Requerentes receberam a notificação da AT onde constava o ofício n.º..., tendo sido aquela remetida por carta registada (RH...PT) devidamente recebida, conforme comprovativo dos CTT junto pela Requerida AT (cfr. página 8 do processo administrativo junto pela Requerida AT).

No entanto os Requerentes não referem esta notificação na p.i. nem nas alegações sabendo-se que nela consta, expressamente, o seguinte fundamento (para além daquele que indicam no artigo 40.º da p.i. e no artigo 57.º das alegações):

Não foram comprovadas as despesas e encargos declarados no quadro 4 do anexo G referentes à alienação dos imóveis, nos termos do art. 51.º do CIRS pelo que serão retiradas. Deverá também comprovar os valores do reinvestimento declarados no quadro 5, nos termos do n.º 5 do art.º 10 do CIRS. (AMS)

É certo que, a propósito do fundamento invocado pela Requerida AT, pode discutir-se se podia ser mais detalhado ou preciso.

Mas é igualmente certo que o fundamento referido no parágrafo anterior surge como consequência da apreciação, feita pela AT, dos elementos trazidos pelos Requerentes em sede de audição prévia.

Neste ponto convirá recordar a distinção entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, já assinalada pelo STA, no acórdão de 14 de Maio de 2015, no processo n.º 833/13.

Nesse arresto aquele alto Tribunal entendeu o seguinte: “(…) sendo certo que deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão – cfr., entre muitos outros, os acs. do STA, de 4/3/2015, proc. 01939/13, de 7/1/2009, proc. nº 800/08 e de 10/5/73, BMJ 228, 259; e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131».

Consequentemente, se a fundamentação da AT in casu pode ser, em abstracto, qualificada como deficiente, medíocre ou errada não pode, porém, deixar de se considerar que era clara, porquanto compreensível para um destinatário médio, e plena, porquanto eram perceptíveis os motivos em que assentava e que foram comunicados aos Requerentes.

Pode aqui, com propriedade, ser convocada ainda a jurisprudência do STA constante do acórdão de 18-06-2011, proferido no processo 068/11 considerando que “(…) apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário”.

Em rigor, como se firma no mesmo acórdão, “a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”.

Observe-se que os Requerentes compreenderam os motivos subjacentes à liquidação o que se reflectiu, entre outros aspectos, no exercício do direito de audição prévia; na prestação de esclarecimentos de forma presencial e na reclamação graciosa apresentada.

Em rigor, os Requerentes compreenderam perfeitamente o itinerário cognoscitivo que os levou a decidir da forma que decidiram, pelo que, ainda que existissem deficiências no discurso fundamentador do ato tributário, as mesmas degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais.

Deste modo, pode concluir-se que os fundamentos que motivaram a selecção da declaração de rendimentos dos Requerentes relativa ao ano de 2016 – de harmonia com os quais “Não foram comprovadas as despesas e encargos declarados no quadro 4 do anexo G referentes à alienação dos imóveis, nos termos do art. 51.º do CIRS pelo que serão retiradas. Deverá também comprovar os valores do reinvestimento declarados no quadro 5, nos termos do n.º 5 do art.º 10 do CIRS - eram claros e percetíveis para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real.

A esta luz conclui-se que a liquidação notificada aos Requerentes continha todos os elementos obrigatórios por lei, incluindo a respectiva fundamentação, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.

 

C. Da comprovação dos encargos declarados pelos Requerentes, para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS:

Os Requerentes entendem que o montante de encargos declarados com o Imóvel RP correspondeu ao total de € 212.585,62, o qual corresponde ao somatório das seguintes parcelas:

(i)           € 190.572,19 – custos com a empreitada;

(ii)          € 1.075,93 – pagamento de IMT na aquisição;

(iii)         € 800,00 – pagamento de Imposto do Selo na aquisição;

(iv)         € 700,00 – pagamento de escritura na Casa Pronta;

(v)          € 19.372,50 – pagamento de comissão a imobiliária;

(vi)         € 65,00 – custo com certidões para escritura.

Mais tarde, em sede de reclamação graciosa foram consideradas, pela Requerida AT, as despesas a título de pagamento de IMT na aquisição (€ 1.075,93), pagamento de Imposto do Selo na aquisição (€800,00) e pagamento de escritura na Casa Pronta (€700,00), perfazendo o total de €2.575,93.

Assim discute-se, nos presentes autos se, para efeitos do disposto no artigo 51.º do Código do IRS, os Requerentes apresentaram documentos justificativos das seguintes despesas:

i)             € 190.572,19 – custos com a empreitada;

ii)            € 19.372,50 – pagamento de comissão a imobiliária;

iii)           € 65,00 – custo com certidões para escritura.

Vejamos.

Ficou provado que os Requerentes tiveram encargos com as obras tidas no imóvel RP, suportados nas seguintes facturas:

a.            Faturas FT/68 e FT/75, emitidas pela empresa C..., Lda, , nos valores de € 23.055,00 e € 12.296,00;

b.            As seguintes faturas emitidas pela empresa D..., Lda. (“D...”).

i.             Fatura FT M/366, no valor de € 13.250,00, emitida em 29.04.2016;

ii.            Fatura FT M/460, no valor de € 8.437,35, emitida em 03.11.2016;

iii.           Fatura FT M/461, no valor de € 24.492,15, emitida em 04.11.2016;

iv.           Fatura FT M/463, no valor de € 16.365,92, emitida em 10.11.2016;

v.            Fatura FT M/487, no valor de € 14.912,81, emitida em 29.12.2016;

vi.           Fatura FT M/489, no valor de € 17.317,22, emitida em 31.12.2016;

vii.          Fatura FT M/499, no valor de € 17.496,33, emitida em 18.01.2017;

viii.         Fatura FT M/500, no valor de € 14.901,82, emitida em 18.01.2017;

ix.           Fatura FT M/501, no valor de € 16.506,39, emitida em 18.01.2017;

x.            Fatura FT M/502, no valor de € 5.735,09, emitida em 18.01.2017.

Por outro lado, ficou provado que, em 01.09.2016, foi paga a comissão pela mediação na venda do Imóvel RP no valor de € 19.372,50. Esta comissão paga à imobiliária deve ser aceite como encargo aliás, de harmonia com aquele que tem sido o entendimento da AT que, na sequência de despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, proferido no processo 12/2008, em 14.07.2008, tem aceite a dedução deste encargo para efeitos do disposto no artigo 51.º do Código do IRS.

Foram ainda provados os custos com a certidão de escritura, no valor de €65,00, de harmonia com o documento junto em 15 de janeiro de 2019.

Relativamente às faturas descritas nos pontos ii) a x) supra ficou provado que a emissão destas ocorreu mais tarde em virtude do atraso na conclusão das obras, imputável à empresa responsável, que terminaram no início de 2017.

Ora, de harmonia com o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, acrescem ao valor de aquisição “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (…)”.

Tendo sido dado como provado que houve um atraso na conclusão das obras no imóvel RP e que estas foram encerradas no inicio de 2017, é perfeitamente compreensível que a emissão de faturas tenha ocorrido no momento da conclusão destas – depois da celebração da escritura de compra e venda mas referentes a encargos assumidos antes desta pelos Requerentes - como foi reconhecido pela testemunha e consta da documentação junta pelos Requerentes, devendo, consequentemente, estas faturas ser consideradas como encargos para efeitos do artigo 51.º do Código do IRS.

Não ficou provado que o valor de 12.439,40€, constante da factura M/319 e M/429 (d.d. 25 de agosto de 2016), emitida pela empresa D..., no valor total de 21.219,06€, tivesse resultado de obras realizadas na fração F sita na Rua ..., n.º..., – ... .

Em rigor, considera-se que, face ao factura FT M/429, no valor de € 21.219,06, emitida em 07.10.2016; apenas ficou provado o encargo de 8.779,66€ como estando relacionado com encargos tidos no imóvel RP.

Face ao exposto, entende-se que o montante total de encargos com o Imóvel RP devidamente provados correspondeu ao total de € 200.146,22, o qual corresponde ao somatório das seguintes parcelas:

i)             € 178.132,79 – custos com a empreitada;

ii)            € 1.075,93 – pagamento de IMT na aquisição (já aceite pela Requerida AT);

iii)           € 800,00 – pagamento de Imposto do Selo na aquisição (já aceite pela Requerida AT);

iv)           € 700,00 – pagamento de escritura na Casa Pronta (já aceite pela Requerida AT);

v)            € 19.372,50 – pagamento de comissão a imobiliária;

vi)           € 65,00 – custo com certidões para escritura.

Por outro lado, consideram-se provadas todas as seguintes despesas relacionadas com o imóvel RA:

(i)           € 135,00: emolumentos (já aceite pela Requerida AT);

(ii)          € 135,00: emolumentos (já aceite pela Requerida AT);

(iii)         € 1395,16: cartório (já aceite pela Requerida AT);

(iv)         € 354,59: cartório (já aceite pela Requerida AT);

(v)          € 8.610,00: comissão imobiliária

Note-se que as quatro primeiras despesas já tinham sido aceites pela Requerida AT.

O encargo com a comissão paga à imobiliária, referido na alínea v) deve ser aceite como encargo aliás, de harmonia com aquele que tem sido o entendimento da AT na sequência de despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, proferido no processo 12/2008, em 14.07.2008.

Em síntese, e estando em causa o valor controvertido, invocado pelos Requerentes, de (Imóvel RP - € 190.572,19 + € 19.372,50 + € 65,00) + (Imóvel RA € 8.610,00) correspondente ao total de € 218.619,69, considera-se que deve ser aceite como dedutível a quantia de € 206.180,29 (Imóvel RP € 178.132,79 + € 19.372,50 + € 65,00) + (Imóvel RA € 8.610,00), para além das despesas já aceites pela Requerida AT relativas a cada um dos dois imóveis, e acima explicitadas.

 

D. Da indemnização por prestação de garantia indevida:

Os Requerentes formulam ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, pelo custo suportado com a prestação de garantia através de constituição de hipoteca voluntária.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

Acrescenta o n.º 2 deste mesmo artigo que o prazo referido no n.º 1 não se aplica caso se conclua que houve erro imputável aos serviços.

Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada prevista no referido preceito será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, devendo no mesmo ser solicitada, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, se o fundamento for superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

Em aplicação do disposto do citado artigo 53.º, n.º 1 da LGT, em caso de procedência parcial do pedido arbitral, a indemnização será devida na proporção do vencimento.

Por outro lado, não sendo imediatamente quantificáveis os prejuízos decorrentes de prestação de garantia, por falta de alegação e prova dos encargos suportados, apenas poderão ser ressarcidos em incidente de liquidação a deduzir autonomamente (neste sentido, o acórdão do CAAD de 12 de fevereiro de 2018, processo n.º 369/2017-T).

Procedendo parcialmente o pedido de anulação do ato tributário impugnado, ao qual respeita a dívida garantida, e verificando-se que a mesma foi prestada em resultado de erro imputável aos serviços, deverá assim proceder o pedido de indemnização pela prestação da respetiva garantia, fixando-se o quantum da mesma na percentagem do decaimento.

 

VI. DECISÃO:

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se:

i.             Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte referente à dedução de despesas no valor total de € 206.180,29 (Imóvel RP € 178.132,79 + € 19.372,50 + € 65,00) + (Imóvel RA € 8.610,00), para além das despesas já aceites pela Requerida AT, determinando a anulação da liquidação de IRS referente ao ano de 2016, que deve ser reformulada de forma consequente.

ii.            Não consideração, para efeitos do disposto no artigo 51.º do CIRS em vigor em 2016, da quantia de 12.439,40€ referente a despesas com o imóvel RP, por não ter sido provada.

iii.           Condenar a Requerida AT a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre o IRS indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º da LGT, na proporção do imposto anulado e desde a data em que esse imposto foi indevidamente pago, até à data em que o sujeito passivo for ressarcido desse imposto, à taxa legalmente devida.

iv.           Condenar a Requerida AT a indemnizar os Requerentes pela garantia prestada, fixando-se o quantum da indemnização na percentagem do decaimento.

v.            Condenar os Requerentes e Requerida AT nas custas do processo, na proporção abaixo fixada.

 

VII. VALOR DO PROCESSO:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 38.900,81 (trinta e oito mil e novecentos euros e oitenta e um cêntimos).

 

VIII. CUSTAS:

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.836 (mil oitocentos e trinta e seis euros), na proporção dos respetivos decaimentos, sendo de 5,73% (105.20€) a cargo dos Requerentes e de 94,27% (1.730.80€) a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 9 de setembro de 2019

O Árbitro

 

(Nuno Cunha Rodrigues)