Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 184/2020-T
Data da decisão: 2021-06-15  IVA  
Valor do pedido: € 8.619,59
Tema: IVA – Renúncia à isenção – Erro na declaração periódica – Falta de fundamentação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

   1. A..., Lda. Pessoa Coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Alcabideche, apresentou, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerimento de constituição de Tribunal Arbitral da decisão de indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IVA, no valor de 8 619,59 €, pedindo a anulação do indeferimento da reclamação em consequência da anulação das liquidações de IVA e a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

1.1.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18 de março de 2020.

1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como o signatário como árbitro, nomeação aceite dentro do prazo legal.

1.3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 5 de agosto de 2020.

1.5. Prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, juntando o Processo Administrativo.

1.6. De seguida, procedeu-se à reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se inquirido a testemunha arrolada pela Requerente, fixado prazo para alegações e a data de prolação da decisão.

1.7. No presente processo, foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, determinando-se a prorrogação do prazo para decisão por um período de 2 meses.

 

2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

 

 

II. Fundamentação

 

 

4. Matéria de facto

 

4.1. Factos Provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

4.1.1. A Requerente desenvolve a sua atividade principal no setor da comercialização de produtos óticos.

4.1.2. A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.

4.1.3. A Requerente entregou, em 25 de janeiro de 2018, declaração periódica de IVA referente ao período 2017-12-T, na qual foi inscrito o valor de 52 447,39 € no campo “100 – Aquisições de imóveis com renúncia à isenção”.

4.1.4. Na sequência, a Requerente foi notificada para exercer audição prévia sobre o “projeto da liquidação adicional do Imposto sobre o Valor Acrescentado”, referente ao período 201712T, dele constando tratar-se de “[l]iquidação adicional a emitir nos termos do artigo 87.º do CIVA por se verificar que o valor do IVA liquidado nas faturas é superior ao valor de IVA declarado na Declaração Periódica do período e efetuada com base nos seguintes indicadores de cálculo: Valor do IVA liquidado declarado na Declaração Periódica – 0,0 €; Valor do IVA liquidado nas faturas comunicadas – 8.654,18 (...)”.

4.1.4. Posteriormente, foi emitida a liquidação n.º 2018..., datada de 8 de maio de 2018, no valor de 8 619,59 €, com data-limite de pagamento a 18 de junho, assinada pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

4.1.5. No campo designado de “Fundamentação”, constam da liquidação de IVA as seguintes referências: “Liquidação Adicional emitida nos termos do art. 87.º do Código do IVA (CIVA), por se verificar que o valor do IVA liquidado nas faturas é superior ao valor do IVA apresentado na declaração periódica do período indicado. [§] A liquidação foi efetuada com base nos indicadores de cálculo constantes da notificação para a Audição Prévia, tendo sido eventualmente modificada com base em correções posteriormente efetuadas. [§] Sobre o montante do imposto em falta incidem juros compensatórios, de acordo com os artigos 96.º do CIVA e 35.º da Lei Geral Tributária”.

4.1.6. No dia 8 de maio de 2018, foi emitida a liquidação de juros compensatórios, n.º 2018..., no valor de 73,67 €, com base na seguinte fundamentação “juros calculados nos termos do art. 96.º do CIVA e dos art. 35.º e 44.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. [§] A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data de disponibilização de outros créditos”.

4.1.7. Na IES de 2017, não foi inscrito qualquer valor no quadro 05081-A “Quantia escriturada e movimentos do período em ativos fixos tangíveis”, com referência à aquisição de edifícios e outras construções, constando da IES de 2018, um valor inscrito de 95 278,45 € no referido campo.

4.1.8. O software utilizado pela Requerente para submissão das declarações periódicas encontrava-se mal parametrizado, levando ao preenchimento da declaração com erros e carecia de correção manual.

4.1.9. Esses erros ocorreram igualmente com declarações entregues relativamente a outras sociedades, dando origem à apresentação de declarações de substituição.

4.1.10. No ano de 2017, a Requerente não adquiriu quaisquer imóveis.

4.1.11. dia 8 de junho de 2018, a Requerente apresentou uma declaração periódica de substituição, sem qualquer valor inscrito no campo 100.

4.1.12. A Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto após a instauração de processo de execução fiscal.

4.1.13. No dia 15 de outubro de 2018, foi apresentada reclamação graciosa com vista à anulação da liquidação supra referida.

4.1.14. Por ofício datado de 22 de outubro de 2019 e acompanhado do projeto de decisão, a Requerente foi notificada para exercer direito de audição.

4.1.15. A Requerente exerceu direito de audição onde invocou, entre o mais, que a AT se encontrava na posse de todas as declarações fiscais que permitiam verificar a inexistência de operações imobiliárias com as características declaradas e que a contabilista da empresa havia profusamente explicado os motivos pelos quais a declaração fora entregue com a inscrição indevida no campo 100, ou seja, a existência de erro informático.

4.1.16. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho datado de 17 de dezembro de 2019.

 

 

4.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

 

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida.

Relativamente aos pontos 4.1.8. e 4.1.9., a convicção do Tribunal estribou-se no depoimento da testemunha indicada pela Requerente, cuja inquirição se afigurou necessária para o esclarecimento do alegado erro informático e na valoração conjugada dessa realidade, à luz dos critérios de experiência comum, face à demais factualidade.

Esses critérios permitiram também dar como provado que a Requerente não adquirira qualquer imóvel em 2017, tendo o Tribunal igualmente valorado esse facto levando em conta a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos sujeitos passivos, com referência ao elementos constantes da Informação Empresarial Simplificada, os quais, apesar de equacionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não o foram em termos que permitissem destruir o referido efeito ou que conduzissem a afirmação diversa da vertida nessas declarações.

A decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, ainda na alegação de factos cuja verificação não foi controvertida, questionada ou minimamente posta em causa.

 

5. Matéria de direito

5.1. Enquadramento das posições das partes e delimitação das questões a decidir

A Requerente considera que o ato de liquidação adicional de IVA padece de ilegalidade por falta de fundamentação por do mesmo não constarem as razões justificativas da regularização no valor de 8 654,18 € a favor da AT, omitindo elementos de facto e de direito que afetam as suas possibilidades de defesa.

Em segundo lugar, invoca a preterição de formalidade legal, consubstanciada em violação do princípio da participação, por não ter sido notificada para se pronunciar em momento prévio à liquidação adicional.

Em terceiro lugar, a Requerente contesta a competência da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a prática do ato de liquidação, por violação do disposto no artigo 87.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), norma que considera inconstitucional na redação introduzida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho.

Invoca também a Requerente que a liquidação padece de erro sobre os pressupostos de facto uma vez que não existiu, no período referente ao último trimestre de 2017, qualquer aquisição de bens imóveis sob o regime de renúncia à isenção ou sob o regime geral, devendo-se a inscrição no campo 100 da declaração periódica a um erro no programa informático. Sustenta ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira estava na posse de todos os indícios de que resulta a inexistência de aquisição de qualquer imóvel e que violou o princípio do inquisitório.

Em quinto lugar, a Requerente contesta a legalidade da liquidação de juros compensatórios, por erro nos pressupostos de facto e de direito, ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais.

Considera igualmente que a decisão da reclamação graciosa não se encontra devidamente fundamentada porque assente em meros juízos conclusivos desprovidos de suporte fático, em violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7, 77.º da LGT e 268.º da CRP.

Por fim, peticiona a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerida defende que o ato de liquidação está suficientemente fundamentado, tendo a Requerente compreendido o sentido, alcance e o iter cognoscitivo e valorativo subjacente à liquidação em causa, pugnando, de forma subsidiária, pela aplicação do regime previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outro lado, sustenta que a Requerente foi notificada para exercer direito de audição em momento anterior à liquidação, não procedendo, nessa medida, o vício de preterição de formalidades legais.

A Requerida contesta também a incompetência relativa da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a prática do ato com base no disposto no Decreto-Lei n.º 118/2011.

Em quarto lugar, refere que a liquidação de juros compensatórios continha a devida fundamentação e que não se verifica preterição de audição prévia, sendo da responsabilidade da Requerente os factos que determinaram a liquidação adicional.

Relativamente ao erro nos pressupostos de facto da liquidação, a Requerida considera que não foi produzida prova que demonstrasse a inexistência de aquisição de qualquer imóvel no período em causa e que não se verificou qualquer violação do princípio do inquisitório porquanto caberia à Requerente apresentar prova dos factos alegados.

No caso sub judicio, está em causa a questão de saber se a liquidação adicional de IVA padece de ilegalidade por erro nos seus pressupostos de facto, por violação do dever de fundamentação, por preterição de formalidades legais e por incompetência. Adicionalmente, coloca-se a questão da legalidade da liquidação de juros compensatórios, da legalidade da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, por fim, se assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

5.2. Fundamentos de direito

Como referido no ponto anterior, a Requerente sustenta o pedido de anulação da liquidação e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa num conjunto de diferentes vícios.

Quando tal ocorra, o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e não exista uma relação de subsidiariedade entre os vícios invocados.

Sobre a ordem de conhecimento dos vícios refere-se no Acórdão de , tirado no processo n.º :

“(...)

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.

Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

No caso concreto, em que é invocado o vício de forma consubstanciado na insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação controvertidos, importa, contudo, ter presente alguns contributos que, nesta matéria, nos são dados pela jurisprudência, sendo disso exemplo, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17.11.2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt:

«…a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do ato com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação) – cfr., entre outros, o acórdão da 1.ª Secção do STA, proferido em 23.04.97, no processo n.º 35.367 –, tal regra não é, porém, absoluta, pois que pode acontecer que só a fundamentação possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o ato impugnado. Isto é, pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância. Razão por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do ato possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o ato e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pela 1.ª Secção do STA de 08.07.1993, no processo n.º 31.138, em 22.09.1994, no processo n.º 32.702, e em 20.05.1997, no processo n.º 40.433.

Como se deixou referido no acórdão proferido pela 1.ª Secção deste Tribunal em 4/06/98, no proc. n.º 41.223, «o conhecimento prioritário do vício de forma apenas se imporá ao julgador quando o não conhecimento prévio desse vício inviabilize decisivamente o conhecimento dos alegados vícios de fundo, atinentes à legalidade intrínseca do ato, e que a regra do art. 57.º, n.º 2, al. a), da LPTA manda apreciar prioritariamente. Ou, dizendo de modo inverso, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, devendo respeitar-se a regra de apreciação do art. 57.º, n.º 2, al. a), sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo igualmente alegados.»

(...)”.

Destarte, não obstante o conhecimento dos vícios traduzidos na errada fixação dos factos materiais da causa ou na errada interpretação e aplicação do direito pertinente a esses factos (erro nos pressupostos de facto e de direito), em abstrato, pareça ser adequado para poder determinar uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, por isso, por eles se devesse aparentemente começar, tendo em conta o disposto no mesmo art.º 124.º, n.º 2, alínea a), do CPPT, o certo é que, na situação concreta dos autos, só uma vez decidido se são conhecidos – e quais - os fundamentos factuais e jurídicos em que se estribou a liquidação se poderá aferir se tais pressupostos de facto e de direito tidos por errados sofrem ou não da ilegalidade imputada.

 

5.2.1. Da falta de fundamentação

O conteúdo do dever de fundamentação dos atos administrativos e tributários é, hoje, no plano da sua definição normativa, uma questão que não suscita grande controvérsia doutrinal e jurisprudencial.

A necessidade de uma fundamentação expressa dos atos administrativos constitui, como é consabido, uma das garantias dos administrados reconhecidas constitucionalmente, de forma explícita a partir da revisão de 1982. As necessidades de converter o direito de recurso contencioso − assumido pelo constituinte originário como uma garantia fundamental dos administrados − num instrumento jurídico funcionalmente adequado, sob o ponto de vista substancial, para reagir contra quaisquer atos administrativos apodados de ilegais e de conferir transparência e visibilidade à atividade administrativa à efetiva realização substancial do princípio da legalidade, conduziu o legislador a que, logo na primeira alteração à Constituição de 76, estabelecesse a exigência de fundamentação expressa dos atos administrativos quando estes afetassem direitos e interesses legalmente protegidos[1].

  E o nosso legislador fundamental, em revisão constitucional, aprimorou ainda mais as suas exigências quanto à densidade significante da fundamentação ao ter passado a impor que esta, além de expressa, tenha de ser também acessível, não tendo a lei procedimental tributária, publicada posteriormente à Constituição de 1976, deixado de dar cumprimento à injunção constitucional.

  A jurisprudência do STA cedo abandonou a sua inicial − e equívoca − postura de não ter por incluídos no tipo dos atos constitucionalmente sujeitos ao dever de fundamentação os atos tributários, sob a argumentatio de que estes não seriam, em sentido estrito, atos administrativos e de que sempre seria possível ver cumpridas essas exigências de fundamentação expressa nos diversos atos de procedimento prévio à prática do ato de liquidação, que, então, estavam contemplados nos diferentes códigos fiscais vigentes, tendo passado a entender serem-lhes aplicáveis as regras constantes do art.º 1º do DL. n.º 256-A/77, de 17 de Junho. O CPT regulou a matéria em cinco dos seus preceitos - artigos 19.º alínea b), 21.º, 80.º, 81.º e 82.º-, evidenciando, desse modo, uma peculiar intenção de dar cumprimento ao sentido prescritivo do comando constitucional. E o mesmo veio a fazer a LGT, que constitui, hoje, a sede em que a matéria se encontra essencialmente regulada.

   O sentido que emerge do art.º 77.º da LGT corresponde a uma densificação normativa da injunção constitucional proclamada no art.º 268.º, n.º 3 da CRP, sendo de acentuar que a fundamentação, na sua expressão nuclear, tem de ser “expressa e acessível quando afete(m) direitos e interesses legalmente protegidos”.

É pela função que cumpre, ou pelos objetivos que deve satisfazer, que se afere, em cada tipo de situação jurídico-factual, a exigência e grau de densidade da “enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto ato administrativo nos precisos termos em que o fez” e a sua apreensibilidade cognitiva por parte do titular dos direitos afetados (Cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, disponível no respetivo website).

Abordando esta matéria diz-nos este aresto o seguinte: “[a] doutrina aponta, em geral, como sendo os seguintes os objetivos da fundamentação: uma função de pacificação traduzida na idoneidade para convencer o administrado da "justeza" do ato; uma função de defesa do administrado, ao possibilitar-lhe o recurso aos meios contenciosos e graciosos; uma função de autocontrole, por facilitar "a autofiscalização da Administração pelos próprios órgãos intervenientes no processo ou pelos seus superiores hierárquicos"; uma função de clarificação e de prova, porquanto "fixa em termos claros qual o significado que os órgãos administrativos atribuíram às provas e argumentação jurídica desenvolvida, qual a marcha do raciocínio e opções que se precipitaram no ato"; uma função democrática, por dar a conhecer aos administrados as razões da sua atuação concreta; uma função de incentivo à boa administração, pois que a "obrigação de motivar obriga as autoridades administrativas a examinar atentamente o bem fundado das decisões que pensam vir a tomar"; uma função de um bom controle da Administração, na medida em que "o conhecimento dos motivos das decisões habilitam os terceiros a melhor ajuizar da necessidade de interpor recurso administrativo ou contencioso dos atos que os afetam" (cf., entre muitos, Rui Machete, «Processo Administrativo Gracioso perante a Constituição Portuguesa de 1976», in Estudos de Direito Público e Ciência Política; José Osvaldo Gomes, Fundamentação do Acto Administrativo, 1979; José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, pp. 65 e segs.). Sintetizando, pode dizer-se que o dever de fundamentação cumpre, essencialmente, três funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e contenciosa do ato e a de permitir aos órgãos hierarquicamente superiores ou tutelares controlar, mais eficazmente, a atividade dos órgãos subalternos ou sujeitos a tutela.”

  A fundamentação é, deste modo, consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspetiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas todas aquelas que, ainda que porventura, com um propósito integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente.            

Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do ato as razões “justificantes” e “justificativas” - sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa.

  Deste modo, quanto a este importante nódulo problemático, é forçoso reconhecer que, em todo o caso, para estarmos em face de um discurso normativo-racionalmente justificativo, este não poderá deixar de expressar, no mínimo exigível, os factos apreendidos, o modo como foi efetuada essa prognose, os critérios adotados e as valorações efetuadas, devendo ser apenas tido como suficiente naqueles casos onde se revele uma sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade para revelar inteiramente o juízo do autor do ato administrativo, de modo que possa permitir ao seu destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial, aceitando-o, reclamando, recorrendo hierarquicamente ou sindicando-o contenciosamente[2].

  Nessa linha, cremos que discurso fundamentador administrativo não pode deixar, assim, de ter em conta o contexto jurídico-histórico-factual em que acontece o ato tributário. Porém, não podemos deixar igualmente de relevar que, quanto às particulares exigências de fundamentação do ato tributário, esta pode assumir uma certa “geometria variável”.

Para a determinação daquele contexto factual importará considerar, desde logo, considerar se o ato tributário foi, ou não, praticado na sequência e de acordo com elementos que tenham sido declarados pelos contribuintes. Em caso afirmativo, compreender-se-á que as exigências de fundamentação sejam reduzidas, bastando-se com um grau de densificação que permita ao destinatário do ato a apreensão das razões subjacentes à liquidação.

No caso dos autos, estamos perante uma dessas situações em que se deve considerar suficiente o discurso fundamentador.

Com efeito, a liquidação refere tratar-se de uma liquidação adicional emitida nos termos do artigo 87.º, do CIVA, por se verificar que o valor de IVA liquidado nas faturas é superior ao valor do IVA apresentado na declaração periódica relativa ao último trimestre de 2017, remetendo para os fundamentos invocados no ofício pelo qual a Requerente fora notificada para exercer direito de audição. Ainda que a fundamentação possa apodar-se de parca, a mesma foi suficiente para a Requerente identificar a causa subjacente ao juízo administrativo, qual fosse a de ter inscrito na declaração periódica de IVA um valor referente à aquisição de um imóvel em regime de renúncia à isenção do imposto.

Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que, como bem alega a Requerida, as razões determinantes da liquidação foram apreendidas pela Requerente a partir do confronto do excurso fundamentador com a sua declaração periódica à qual aquele faz referência, o que nos leva a concluir, acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de janeiro de 2013, tirado no processo n.º 0105/12 “não ocorre[r] o vicio formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido”, atenta, claro está, a específica natureza funcional deste dever de fundamentação. Na verdade, a Requerente compreendeu os motivos pelos quais se procedeu a uma liquidação adicional do imposto em termos que permitiram a sua “impugnação” graciosa, primeiro, e posteriormente a presente “impugnação” arbitral.

Mutatis mutandis, também a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não padece do apodado vício. Não devendo confundir-se a fundamentação formal da validade ou bondade substancial dos fundamentos invocados, são claras as razões pelas quais se indeferiu a reclamação e que, na parte contendente com a ilegalidade substancial da liquidação repousa num juízo de ausência de prova, por parte da Requerente, de não ter adquirido qualquer imóvel no último trimestre de 2017.

Pelo exposto, improcede a invocada falta de fundamentação.

 

 

5.2.2. Da legalidade da liquidação por erro nos pressupostos de facto

O presente pedido de pronúncia arbitral decorre de uma liquidação adicional de IVA que tem na sua origem a inscrição, pela Requerente, do valor de 52 447,39 € no campo 100 da declaração periódica do período 2017-12-T, referente a aquisições de imóveis com renúncia à isenção.

A Requerente invoca que tal inscrição decorreu de um erro decorrente do programa informático, tendo procedido à entrega de declaração de substituição, não tendo adquirido qualquer imóvel “em regime de renúncia de isenção ou outro”, ao passo que a Requerida pugna pela legalidade da liquidação considerando não ter sido efetuada prova de não ter sido adquirido qualquer imóvel.

A legalidade de liquidação de IVA nas transmissões onerosas de imóveis pressupõe dois pressupostos cumulativos: que haja lugar à transmissão de um imóvel e que tenha existido renúncia à isenção prevista na alínea 30) do artigo 9.º do CIVA, nos termos previstos nos n.os 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA, uma vez que sem essa renúncia a aquisição de um bem imóvel não está sujeita a imposto.

Nessa ótica, cumpre começar por balizar os referentes normativos que enquadram a questão decidenda.

O CIVA remete para legislação especial “os termos e as condições para a renúncia à isenção”. Esse regime especial consta do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, que aprovou e publicou em anexo o “Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis” – doravante, abreviadamente, “Regime da renúncia”.

            Tal diploma estabelece um conjunto de condições substanciais – de natureza objetiva e subjetiva – e formais para que tal renúncia possa operar.

Entre as primeiras, estabelece-se, no artigo 2.º, n.º 1, do citado regime, que a renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando, entre outras: a) se trate de prédio urbano ou de  ou de uma fração autónoma deste, ou ainda, no caso de transmissão, de um terreno para construção; b) o imóvel esteja inscrito na matriz em nome do seu proprietário, ou tenha sido pedida a respetiva inscrição, e não se destine a habitação; c) o contrato tenha por objeto a transmissão do direito de propriedade do imóvel ou a sua locação e diga respeito à totalidade do bem imóvel; d) o imóvel seja afeto a atividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições; sendo que, verificadas essas condições, a renúncia só será admissível quando o imóvel se encontre numa das seguintes circunstâncias: “a) esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção, quando tenha sido deduzido ou ainda seja possível deduzir, no todo ou em parte, o IVA nela suportado; b) esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel após ter sido objeto de grandes obras de transformação ou renovação, de que tenha resultado uma alteração superior a 50% do valor patrimonial tributável para efeito do imposto municipal sobre imóveis, quando ainda seja possível proceder à dedução, no todo ou em parte, do IVA suportado nessas obras; e c) na transmissão ou locação do imóvel subsequente a uma operação efetuada com renúncia à isenção, quando esteja a decorrer o prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Código do IVA relativamente ao imposto suportado nas despesas de construção ou aquisição do imóvel” – cf. artigo 2.º, n.º 2, do Regime da renúncia. 

            No que se refere às condições subjetivas, o artigo 3.º dispõe que a renúncia só é permitida quando o adquirente dos bens pratique operações que conferem direito à dedução, não esteja abrangido pelo regime especial dos pequenos retalhistas e disponha de contabilidade organizada – cf. alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 3.º, do Regime de renúncia.

Em todo o caso, o regime de renúncia à isenção tem também condicionantes de natureza formal, sendo necessária a emissão de um certificado de renúncia na sequência de um pedido para o efeito, do qual deve ser dado conhecimento do mesmo ao adquirente do imóvel, para confirmação dos elementos que lhe dizem respeito – como decorre do artigo 4.º do Regime da renúncia – sendo que a “renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção” (artigo 5.º, n.º 1, do Regime de renúncia), sem o que o exercício da renúncia à isenção não produz efeitos (artigo 5.º, n.º 3, do mesmo regime).

Verificadas as condições referidas anteriormente, o artigo 6.º, n.º 2, do Regime de renúncia considera sujeito passivo do imposto “os adquirentes de bens imóveis em relação aos quais tenha havido renúncia à isenção na respetiva transmissão”.

Decorre, assim, deste regime que a renúncia à isenção de IVA na transmissão de bens imóveis não opera ope legis, sendo necessário o desenvolvimento de uma atividade administrativa de controlo da verificação dos seus pressupostos, no decurso de um procedimento em que os adquirentes dos imóveis são notificados antes da emissão do certificado da renúncia, sem a qual aquela não produz efeitos.

Nessa ótica, a mera declaração – seja ela intencional ou fruto de um erro – por parte de um sujeito passivo relativa a este regime não é condição suficiente para determinar a sua aplicabilidade, não podendo a administração, validamente, retirar consequências fiscais de tais declarações à margem de  regime mencionado.

A liquidação em crise tem a sua origem na declaração da Requerente de que teria procedido à aquisição de bens imóveis ao abrigo do regime de renúncia à isenção. No entanto, em sede de reclamação graciosa, sustentou que tal aquisição não ocorrera, sendo essa inscrição resultado de um erro informático que pretendeu corrigir através da apresentação de declaração de substituição, a qual não teve efeitos relativamente à liquidação adicional de IVA, aqui impugnada.

Para além das declarações fiscais exigidas para a liquidação de impostos que incidam sobre a transmissão onerosa de bens imóveis, a Autoridade Tributária e Aduaneira toma conhecimento da existência ou inexistência de operações relativas à aquisição de imóveis através da Informação Fiscal Simplificada (IES) que lhe é remetida pelos sujeitos passivo, de onde constam diversos elementos de informação contabilística e fiscal, entre os quais a aquisição de bens imóveis no período a que a mesma se refere.

Na IES referente a 2017, tal como a AT colocou em evidência, não foram declaradas quaisquer aquisições de bens imóveis. Esse facto não foi, porém, relevado pela administração por entender que na IES de 2018 constam aquisições de edifícios e por tomar em consideração que a declaração de IVA referente ao último trimestre de 2017 foi entregue já em 2018, o que, no juízo administrativo, implicaria a demonstração suplementar de que essas aquisições não teriam relação com o valor inscrito na declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2017.

Trata-se, porém, de um argumento desprovido de lógica e racionalidade porque olvida que o momento em que são apresentadas as declarações não tem interferência com o conteúdo a inscrever nas mesmas, e, não menos, a inexistência de qualquer correlação ou sobreposição de períodos entre a IES de 2018 e a declaração periódica de IVA de último trimestre, indo em sentido contrário à consideração vertida no Acórdão do STA de 17 de outubro de 2012, tirado no processo n.º 0414/12,  no sentido de que a prova de facto negativo – não aquisição de imóveis – implica uma acrescida dificuldade que “deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»”.

 Ademais, pretendendo a AT infirmar a presunção de veracidade dos dados inscritos na IES, devia ter demonstrado, para além da alegação de uma virtual existência de um erro, que tinham sido efetivamente adquiridos imóveis, sendo a prova de facto positivo facilitada pelos elementos ao seu dispor. Efetivamente, tal como a Requerente invocou em sede de exercício de direito de audição, a AT sempre teria “acesso às declarações fiscais e IES (...) de cuja análise é possível verificar a inexistência de operações imobiliárias com as características declaradas”, sendo possível à administração, não só por aquela, mas também pelos elementos que lhe são impreterivelmente declarados aquando da transmissão de imóveis, aferir se ocorreu, ou não, aquisição de qualquer prédio no último trimestre de 2017.

Ao remeter para elementos com relevo probatório que estão na esfera de disponibilidade da administração, o sujeito passivo oferece à AT uma base de sustentação factual com aptidão bastante para suportar as suas alegações e que o princípio do inquisitório, para lá do disposto no artigo 74.º, n.º 2, da LGT, sempre imporia considerar.

Em todo o caso, resultando dos factos dados como provados que a Requerente não adquiriu em 2017 qualquer imóvel, conclui-se pela existência de um erro no preenchimento da Declaração Periódica de IVA, padecendo a liquidação adicional de IVA de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto.

Em consequência, atenta a procedência da peticionada de ilegalidade determinante da anulação do ato tributário sindicado e do indeferimento da reclamação graciosa por procedência de vício que impede a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Requerente, ex vi de o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC e artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5.2.4. Juros indemnizatórios

A requerente peticiona a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 43.º, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso concreto, a liquidação adicional surge na sequência de uma declaração periódica de IVA e teve como suporte os elementos aí erradamente declarados pela Requerente, situação em que, para estes efeitos, se verifica uma certa analogia com os impostos autoliquidados.

Porém, tal como decorre do Acórdão do CAAD de 10 de abril de 2018, tirado no processo n.º 333/2017-T, o indeferimento da reclamação graciosa e o não acolhimento das pretensões da Requerente é imputável à Requerida. Nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, p. 537 – também citado no aresto supra mencionado –, sustenta que: “[n]as situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…)) (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um ato da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou”.

Esta doutrina, a que aqui se adere, determina a existência de erro imputável aos serviços porquanto estamos perante um caso em que a Autoridade Tributária e Aduaneira decide não repor a legalidade, mantendo uma liquidação adicional na ordem jurídica, o que se enquadra “por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação” – v. o citado Acórdão de 10 de abril de 2018, sendo assim devidos juros indemnizatórios a partir do momento em que terminou o prazo para prolação da decisão da reclamação graciosa.

 

 

6. Decisão

 

Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa:

b)      Anular da liquidação de IVA, no valor de 8 619,59 € e a liquidação dos respetivos juros compensatórios, no valor de 73,67 €;

c)      julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios; e,

d)      condenar a Requerida nas custas processuais infra determinadas.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 8 619,59 €.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€ , nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 15 de junho de 2021,

O árbitro

 

João Pedro Rodrigues

 

Notifique-se.



[1] Já antes desta alteração o legislador ordinário tinha intervindo no sentido de consagrar a exigência desse dever, através do DL. n.º 256-A/77, de 17 de Junho. Este diploma não fez, aliás, nada de mais do que conferir todo o sentido que, nesse âmbito, era já possível extrair do artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa (versão originária) quando previa o direito à informação sobre o andamento dos processos e do conhecimento das resoluções tomadas já que estes momentos envolvem necessariamente a externação das razões de facto e de direito que acabam por suportar a marcha do procedimento administrativo e a sua conclusão num certo sentido.

[2] Sobre estas exigências, ainda que com concretização posterior relativamente à avaliação da matéria tributável, cfr. o nosso texto “Breves considerações sobre a natureza do acto de determinação indirecta da matéria tributável e o dever da sua fundamentação expressa”, in Aa. Vv., Estudos em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida”, 2007.