Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 146/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30   Outros 
Valor do pedido: € 3.514.813,97
Tema: Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético – CESE – Isenção. Concurso público – Incompetência relativa – Princípio da participação. Princípio do inquisitório.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor Rui Medeiros e Dr. João Menezes Leitão (árbitros vogais, designados pela Requerente e Requerida, respectivamente), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-05-2019, acordam no seguinte:

 

                1. Relatório

 

                A..., S. A. (doravante «A... » ou «Requerente»), NIPC..., com sede na ..., ... ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (CESE)n.º 2018..., relativa ao ano de 2014, e da correspondente liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2018... .

                É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 04-03-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 06-05-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27-05-2019.

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 03-07-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

Nesse despacho referiu-se, além do mais, o seguinte:

– «embora a Autoridade Tributária e Aduaneira não suscite qualquer excepção na sua Resposta, poderá vir a colocar-se a questão de saber se cabe na jurisdição e competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de litígios que tenham por objecto liquidações de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, por, eventualmente, se poder entender que a vinculação prevista no artigo 4.º do RJAT, que foi operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, fazer referência a «impostos» não abrange tributos com a designação de «contribuições» ou que, independentemente da designação, se possa entender que não têm a natureza de impostos»;

– «ainda sobre esta questão de eventual falta de jurisdição ou falta de competência que poderá resultar de falta de vinculação, uma vez que não foi suscitada a questão, poderá vir a ser apreciada a questão prévia de saber se o seu conhecimento pode ser feito oficiosamente, de acordo com o regime da incompetência absoluta, previsto para a incompetência em razão da matéria no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou a possibilidade da sua apreciação depende de arguição no prazo da defesa, com aplicação do artigo 103.º do Código de Processo Civil (CPC), previsto para aplicação aos casos de incompetência relativa, ou no artigo 18.º, n.º 4, da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que se poderá entender aplicável por remissão do artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) para a incompetência de tribunais arbitrais, diplomas estes que, eventualmente, poderão ser considerados de aplicação subsidiária aos processos arbitrais tributários, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT».

 

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar prioritariamente as questões que se aventaram no despacho que determinou o prosseguimento com alegações.

 

2. Questão da possibilidade de apreciação da eventual incompetência por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição arbitral

 

Como foi referido no despacho que determinou o prosseguimento do processo com alegações, pode «colocar-se a questão de saber se cabe na jurisdição e competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de litígios que tenham por objecto liquidações de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, por, eventualmente, se poder entender que a vinculação prevista no artigo 4.º do RJAT, que foi operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, fazer referência a «impostos» não abrange tributos com a designação de «contribuições» ou que, independentemente da designação, se possa entender que não têm a natureza de impostos».

No entanto, a AT não suscitou qualquer excepção na sua Resposta, pelo que, antes de mais, importa apreciar se a eventual falta de jurisdição ou falta de competência que poderá resultar de falta de vinculação pode ser apreciada oficiosamente.

A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes e à competência dos tribunais, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

O referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixando como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O RJAT, emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminando a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio fazer depender o acesso dos contribuintes à arbitragem tributária da existência de vinculação, decidida por membros do Governo, por acto de natureza regulamentar.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

                Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

                Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

 

                1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

                2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

                3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

                Desta legislação e regulamentação pode concluir-se, embora a questão seja controversa, que a vinculação efectuada pela Portaria n.º 112-A/2011 restringe as possibilidades de acesso dos contribuintes à arbitragem tributária, pois a alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 e a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT prevêem a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da generalidade dos litígios relativos a actos de liquidação de tributos e a Portaria n.º 112-A/2011 limita a vinculação « à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» ( com várias excepções).

Na verdade, os «impostos» são um dos tipos de «tributos», como decorre da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP e do n.º 2 do artigo 3.º da LGT, que esclarece que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».

Seja como for, mesmo que assim se entenda, é inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, sem qualquer restrição derivada da sua natureza, designadamente não limitando essa competência a «impostos».

Se o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT for interpretado como permitindo ao Governo, através de portaria limitar a competência material dos tribunais arbitrais tributários definida no artigo 2.º do RJAT, a norma será materialmente inconstitucional, desde logo por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Para além disso, o referido artigo 4.º, n.º 1, interpretado como permitindo que através de acto de natureza regulamentar fossem emitidas normas sobre garantias dos contribuintes e competências de tribunais será também inconstitucional por incompatibilidade com os artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, que impõem que essas matérias sejam reguladas por acto de natureza legislativa.

Assim, numa leitura conforme à Constituição, a vinculação efectuada através da Portaria n.º 112-A/2011, representará, à semelhança do que sucede com a convenção de arbitragem no âmbito da arbitragem voluntária, a manifestação de vontade da AT de aceitação da pretensão do contribuinte de submeter o litígio a arbitragem, formulada de forma genérica, que é necessária, como é a do contribuinte que formula o pedido de constituição do tribunal arbitral, para este se constituir.

Poderá entender-se que a falta do acordo necessário para a constituição do tribunal arbitral implica incompetência deste, sendo essa a consequência que resulta do regime previsto no artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), que será subsidiariamente aplicável por remissão do artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Mas, pelo que se referiu, a falta de vinculação da AT a determinado litígio que tenha por objecto um acto de liquidação de um tributo não pode implicar incompetência material do tribunal, pois esta apenas pode ser definida validamente por acto de natureza legislativa e a que foi definida no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT atribui aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para apreciação da pretensão do contribuinte.

Não implicando a falta de vinculação incompetência em razão da matéria, fica afastada, desde logo, a possibilidade de conhecimento oficioso, pois no contencioso tributário apenas incompetência em razão da matéria e a incompetência em razão da hierarquia (que nã0 está aqui em causa) podem ser apreciadas oficiosamente, como resulta do preceituado no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Assim, não se tratando de incompetência absoluta, tratar-se-á de incompetência relativa, cuja apreciação pelo Tribunal depende de arguição no prazo da defesa, quer se entenda que é de aplicar o artigo 18.º, n.º 4, da Lei de Arbitragem Voluntária que estabelece o regime de incompetência de tribunais arbitrais [aplicável por força da remissão efectuada no artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], quer se entenda que é de aplicar o artigo 103.º do Código de Processo Civil que regula os casos de incompetência relativa, diploma este também de aplicação subsidiária aos processos arbitrais tributários, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Pelo exposto, não tendo sido arguida a falta de vinculação no prazo da defesa, não se toma conhecimento da hipotética questão de incompetência.

 

                3. Matéria de facto

 

                3.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos

 

A)           A Requerente é um operador no sistema de serviço público de eletricidade, enquanto produtora com licença de produção de energia elétrica e exploração da Central Termoelétrica do ... (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           A AT efectuou uma acção inspectiva à Requerente em que elaborou o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido;

C)           No decurso da inspecção, a Requerente prestou, em 29-09-2015, os esclarecimentos que constam do requerimento cuja cópia consta das fls. 1 a 3 da parte do processo administrativo denominada “PA 1-30.pdf”, juntamente com os documentos que constam das fls. 5 a 30 do mesmo e das fls. 1 e 2 da parte do processo administrativo denominada “PA 31-60.pdf”, documentos cujo teor se dá como reproduzido;

D)           Em 14-11-2018, a Requerente foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária (notificação a fls. 28 da parte do processo administrativo denominada “PA 61-90.pdf”, e projecto a fls. 1 a 14 da parte do processo administrativo denominada “PA 91-111.pdf”, que se dão como reproduzidos);

E)            Em 27-11-2018, a Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de RIT, nos termos que constam da parte do processo administrativo denominada “PA 61-90.pdf”, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

1.º No estrito cumprimento dos princípios da colaboração e da boa-fé – princípios-deveres que são recíprocos na relação contribuintes / administração – a A... sempre se dispôs a prestar todos os esclarecimentos, a fornecer todos os elementos de que dispõe, e a apresentar fundamentadamente as suas posições no que diz respeito ao que sempre entendeu ser o seu enquadramento à luz do regime que criou a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), através Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

2.º Foi nesse contexto que em 2015, e na sequência de uma notificação dirigida à A..., teve lugar uma reunião que envolveu representantes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), da Direcção-Geral da Energia e Geologia (DGEG), da A... e da B..., S.A. (B...).

3.º Naquela reunião estava em causa a apresentação de documentos que justificassem a isenção, quer da A... quer da B..., da CESE. Na sequência dessa reunião, e porque assim ficou acordado, a A... cuidou de reiterar por escrito os esclarecimentos que havia prestado, associando-lhe a documentação que se lhe afigurou pertinente.

4.º Esta mesma «interacção» com a AT foi invocada e recordada pelo contribuinte em Maio do corrente ano de 2018 quando confrontada com uma notificação por parte dessa Unidade dos Grandes Contribuintes na qual, surpreendentemente, esta dava notícia da acção inspectiva subjacente ao projecto de RIT aqui em causa e sugeria a sujeição, sem isenção, da A... à aludida CESE.

5.º Naturalmente que em resposta àquela notificação de Maio do corrente ano a A... reiterou o entendimento de que reúne todas as condições legais para ser isenta da CESE, nos termos da alínea d) do artigo 4.º do Regime da CESE, uma vez que está em causa, como prescreve a lei, «a produção de electricidade por intermédio de centros electroprodutores com licença ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público».

6.º Ora através do projecto de RIT, vem agora a AT ancorar-se numa informação produzida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que conclui que «a excepção prevista na alínea d) do artigo 4. º diz respeito a licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, e salvo melhor opinião o procedimento evidenciado pelas empresa não nos parece configurar afigura do concurso público previsto no Código de Contratação Pública».

7.º Inconformada - porque não descortina naquela Informação da DGEG uma fundamentação suficiente, clara e coerente com as sucessivas tomadas de posição pública de diversos responsáveis governamentais do sector - a A... reitera integralmente o entendimento que sempre sustentou, porque, de facto, a electricidade que produz por intermédio do centro electroprodutor do ... ancora-se numa licença ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público.

NESTES TERMOS, É FORÇOSO AQUI REQUERER QUE O PROJECTO DE RIT SEJA DEVIDAMENTE REVISTO, RECONHECENDO-SE A ISENÇÃO DE CESE DE QUE GOZA, NOS TERMOS LEGAIS, A A... .

F)            A Requerente não juntou qualquer documento no exercício do direito de audição;

G)           Na sequência do exercício do direito de audição, a AT elaborou o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

II.2. Motivo, âmbito e Incidência temporal

A presente ação inspetiva, de âmbito parcial, teve como objetivo apurar a CESE imputável ao período de 2014, uma vez que a empresa não procedeu à entrega da declaração modelo 27 e, consequentemente ao respetivo pagamento.

Para o período de 2014 foi efetuada uma ação classificada de âmbito parcial (CESE), nos termos da al. b) do n.º 1 do art º 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributaria e Aduaneira (RCPITA).

11.3.1. Denominação, NIPC, sede, CAE e atividade desenvolvida

A sociedade A..., S.A., NIPC..., tem atualmente a sua sede na ..., ... ..., em ... e tem o CAE 35112 (Produção de eletricidade de origem térmica).

O Serviço de Finanças da área da sua sede é o de ...(Código 1929).

A atividade da A... consiste na produção, transporte e distribuição de energia elétrica em alta, média e baixa tensão, a prestação de serviços acessórios ou complementares daquela atividade e a realização de operações financeiras necessárias ou adequadas aos referidos fins.

II.3.2. Enquadramento Fiscal

A empresa enquadra-se, para efeitos de CESE, na al. a) do artº 2.º do RCESE, pelo exercício da atividade de "Sejam titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores (...)".

Nos termos conjugados do disposto no art.º 68.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), da Portaria n.º 130/2016, de 10 de maio, e do despacho 1268/2017, de 6 de fevereiro, o acompanhamento da situação tributária da A... encontra-se acometido à Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

A correção efetuada ao nível da CESE ascende a € 3.024.180,52, e discrimina-se da seguinte forma;

A sociedade A... encontra-se abrangida pelas regras de incidência previstas na al. a) do art.º 2.º do RCESE, em razão de ser titular de licença de exploração de centro electroprodutor.

De facto, a A... opera a Central Térmica do ...- central a ...- e, em razão do exercício de tal atividade encontra-se sujeita e não isenta de CESE.

Nessa medida, e por (orça do disposto no n.º 1 do art.º 7.º e no n.º 1 do art.º 8.º, ambos do RCESE, a empresa estava obrigada a submeter uma declaração modelo 27 e a efetuar o correspondente pagamento da contribuição devida, que seria apurada nos termos propugnados pelo mencionado regime, por reporte ao ano de 2014, até 15.11.20143.

Ora, na ausência quer da entrega da declaração modelo 27, quer do correspondente pagamento da Contribuição devida, foi a empresa questionada, em 26.11.2014, no sentido de justificar as faltas detetadas.

Em resposta a empresa informou, na mesma data, via mail, que "A A... está isenta de pagamento de CESE como decorre da alínea d) do Artigo 4º do Artigo 228.º da Lei do orçamento de Estado para 2014 (publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 253 de 31/12/2013, páginas 7056 (142) a 7056(145).

Em face da resposta, a empresa foi novamente notificada, em 28.07.20154 no sentido de que fosse remetido à UGC "...quaisquer elementos/documentos que façam prova da justificação aduzida pela A..., os quais deverão sustentar/justificar os fundamentos conexos com a isenção de pagamento da referida contribuição extraordinária, nos termos propugnados pela empresa".

Na sequência da dita notificação, foi agendada uma reunião com a empresa e com representantes da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), dado que a empresa informou que entendia não estar obrigada, quer ao cumprimento declarativo, quer ao pagamento da concomitante contribuição, uma vez que, defendia, que se lhe aplicava a isenção prevista na al. d) do art.º 4.º do RCESE.

Na reunião realizada, em 09.09.2015, a A... informou, segundo o seu entendimento, que a empresa, apesar de sujeita, beneficiaria da isenção consagrada na al. d) do art.º 4.º do RCESE. Tal entendimento veio aliás, e conforme acordado na referida reunião, a ser consubstanciado com a apresentação de um conjunto de documentos, em 29.09.2015, os quais, na perspetiva da empresa, fariam prova da aludida isenção.

De facto, na exposição junta aos documentos enviados, a A... refere que;

"... vimos, por esta forma, prestar os esclarecimentos solicitados, em ordem a justificar o enquadramento da A... no âmbito de incidência da isenção de pagamento da CESE, tal como prevista na al. d) do art.º 4.º do respectivo regime, aprovado pelo art.º 228.º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Na verdade, quer o direito à construção, exploração e propriedade (build, own and operate) da Central Termoeléctrica do ..., quer a atribuição das licenças associadas, resultaram de concurso público, com publicidade nacional e internacional, em que a A... veio a ser selecionada como adjudicatária, em concorrência com outros operadores económicos, justamente por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa para a C... e para o Estado Português.

Assim o atestam, à exaustão, quer os documentos conformadores do concurso em causa (cfr., designadamente, os pontos 1.6. 1.7, e 1.11 do Processo de Consulta para Aquisição e Operação da Central Termoeléctrica parte l-Programa e, bem assim, os pontos 1.1 ao 1.6 do Processo de Consulta para Aquisição e Operação da Central Termoeléctrica parte II - Base da Licença de Produção de Energia Eléctrica), quer a própria comunicação da Comissão Europeia (v., designadamente, o respectivo ponto 16 parágrafo 2). de que resulta, objetivamente, que o procedimento dirigido à adjudicação da exploração da Central Termoeléctrica do ..., e á atribuição da correlativa licença, revestiu a natureza de um procedimento de selecção inequivocamente concorrencial, a implicar que à A... deva, consequentemente, ser reconhecido o direito à isenção do pagamento da CESE.

Para os devidos efeitos, se anexam os seguintes documentos:

• Comunicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias - Proc. IV/34.598 - Central Termoeléctrica do ... .

• Processo de Consulta para Aquisição e Operação da Central Termoeléctrica - Parte l -Programa.

• Processo de Consulta para Aquisição e Operação da Central Termoeléctrica - Parte II - Base da Licença de Produção de Energia Eléctrica.

• Anúncio no Diário de Notícias de 21 de Janeiro de 1991.

• Título de Licença de Produção de Energia Eléctrica.

Tendo surgido algumas dúvidas relativas à atribuição da licença, cumpre-nos esclarecer que a mesma se confunde com a adjudicação do Concurso como decorre do Processo de Consulta — Parte II, bem como do próprio Título de Licença.

Convém ainda salientar que neste processo a A..., na sua qualidade de concorrente, seguiu todos os procedimentos que lhe foram exigidos à data pela empresa pública C... - e respectiva tutela - Ministério da Indústria e Energia. Também nesta qualidade, não tem a A..., nem lhe é permitido ter, acesso à documentação reservada apenas às referidas entidades, responsáveis pela condução do processo.

Sem prejuízo das responsabilidades que cabem neste particular ao Estado Português e às suas instâncias competentes no que toca à prestação de esclarecimentos, não pode, ainda assim, a A..., no espírito da melhor cooperação e em vista da salvaguarda dos legítimos interesses, pese embora a sua condição de mero concorrente no procedimento em apreço, de deixar de enfatizar, uma vez mais, que reúne todas as condições legais para ser isenta da CESE, ao abrigo da al. d) do art.º 4º do respectivo regime, aprovado pelo art." 228º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.".

2. Diligências efetuadas pela AT e resposta da DGEG

Ora, na posse de tais documentos, e considerando que a gestão da CESE, em matéria técnica, é da responsabilidade da DGEG, foi todo o processo remetido a esta entidade5, como aliás havia sido acordado na reunião realizada, no sentido de que a mesma pudesse emitir entendimento acerca do enquadramento da A..., no que espeita á Contribuição em apreço.

Desde a remessa de tais elementos, e sem prejuízo dos sucessivos contactos e insistências realizados pela UGC, ao longo do tempo, junto da DGEG, no sentido de obter um parecer/entendimento que esclarecesse qual o enquadramento da empresa na Contribuição em questão, apenas em 29.08.2016 foi remetido pelo Gabinete da Senhora Diretora-geral da AT, à UGC, o expediente recebida, por mail, do Gabinete do Senhor Diretor-geral da DGEG.

De notar que tal resposta surge na sequência de nova insistência, realizada pela AT, em 23.07.2018, através de mail do Gabinete da Senhora Diretora-geral da AT, dirigida ao Senhor Diretor-geral da DGEG, onde se dava conta da impreterível necessidade de que aquela Direção-Geral se pronunciasse acerca do enquadramento, em sede de CESE, da empresa A... .

De facto, na sequência de tal insistência foi elaborada, por parte da DGEG, a informação DGEG n.º 287/2018, de 03.06.2018, junta em Anexo 1 ao presente relatório, onde se refere que:

Na sequência do citado ofício..., de 2015/11/16, da AT, a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) colocou à consideração do Senhor Secretário de Estado da Energia, para homologação, o entendimento da DGEG relativamente ao assunto exposto através da informação DGEG n.º 71/16 de 10.02.2016.

Face ao referido e reportando-se o atual pedido da AT ao assunto explanado na supracitada informação DGEG n.º 71/2016, coloca-se à consideração superior, informar o Gabinete do Senhor Secretário de Estado da Energia, da necessidade urgente de haver despacho sobre a informação DGEG n.º 71/2016, em anexo, de modo a habilitar a DGEG a responder à AT.

De notar que esta informação, elaborada pela DGEG. juntava em anexo a informação anteriormente elaborada (informação DGEG n.º 071/16, de 10.02.2016).

Da documentação coligida e remetida pela DGEG à AT fazem parte um conjunto de documentos que evidenciam a troca de informação entre aquela Direção-Geral e várias entidades, sendo que, para a matéria em apreço assume particular relevância a, já referida, informação DGEG n.º 071/16, de 10.02.2016, que procede à análise da isenção invocada pela A... .

3. Enquadramento Jurídico tributário

Assim, e no que respeita à decisão veiculada naquela informação, pode ler-se, na sua conclusão que:

"Os documentos remetidos agora pela AT, não são documentos novos, pelo que não existe qualquer análise suplementar a efetuar no sentido de configurar tais elementos como elementos de potenciais concursos públicos, mantendo-se as dúvidas iniciais.

Todas as centrais do Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, celebraram o Acordo de Cessação antecipada do CAE ao abrigo deste diploma e atualmente com CMEC (Contrato para a Manutenção do Equilíbrio Contratual) não suscitaram a isenção ao abrigo da alínea d) do artigo 4.º da CESE, situação que apenas ocorreu para estas duas centrais que não celebraram esse Acordo, mantendo os respetivos CAE.

A A... e a B... estão sujeitas ao pagamento da CESE uma vez que se encontram na situação prevista na alínea a) do artigo 2º da CESE (Incidência subjetiva) por serem titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores, a central termoelétrica a ... do ... (A...) e a central de ciclo combinado a gás na  ...(B...).

A exceção prevista na alínea d) do artigo 4ºdiz respeito a licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, e salvo melhor opinião o procedimento evidenciado pelas empresas não nos parece configurar a figura do concurso público previsto no Código de Contratação Pública".

Aquela informação foi sancionada pelo Senhor Diretor-geral da DGEG, no seguinte sentido: "Concordo com o exposto na presente informação.

A consideração do Senhor Secretário de Estado a homologação sobre o entendimento da DGEG de que não existe informação recolhida que comprove a existência de concurso público, peto que não se deve considerar que estes Centros Eletroprodutores titulares de CAE, A... e a B..., estão isentos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 4º da CESE".

Por sua vez, a Informação a que anteriormente aludimos - informação DGEG 287/2018, 03.0B.2018 - foi despachada, pelo Senhor Diretor-geral da DGEG, no seguinte sentido:

"Concordo, à consideração do Senhor Secretário de Estado da Energia".

Posteriormente, em 13.08.2018, o Senhor Secretário de Estado da Energia, despachou a informação DGEG n.º 287/2018, nos seguintes termos:

Deve a DGEG fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão".

Assim, por um lado, o despacho de "visto" configura, no presente contexto, uma aprovação com efeitos decisórios relativamente à matéria sobre a qual incide, ao acolher, e dessa forma reconhecer como legitimo, o teor das informações e despachos que confluem para si. Desta circunstância resulta para a AT uma obrigação de agir, como se de uma sujeição a um direito potestativo se tratasse, a fim de tornar consequentes as conclusões resultantes do procedimento levado a cabo na DGEG e que culminaram no ato de homologação concretizado a 13 de agosto de 2018.

Por outro lado, e estando em presença de uma isenção invocada pela empresa, a qual constitui um benefício fiscal, de acordo com o art.º 2.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) cumpre, seguidamente, apurar de que forma é repartido o ónus da prova no que concerne a esse benefício fiscal.

O reconhecimento dos benefícios fiscais (quando não resultam diretamente da lei) depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim fazendo prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei, conforme art.º 65.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Também a LGT no art.º 14.º, n.º 2, impõe que os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício.

Portanto, as entidades que invocam o direito àquele benefício fiscal têm, nos termos gerais de direito, de fazer prova dos factos constitutivos do direito em causa, apresentando todos os elementos necessários para habilitar a decisão de quem tem a competência legal poder apreciar o seu pedido.

Tal competência pertence, em primeiro lugar, à DGEG.

Assim, não sendo apresentados os elementos necessários para se poder concluir em sentido contrário e sendo essa obrigação dos sujeitos passivos que requerem um direito a um benefício fiscal, como resulta dos preceitos acima referidos, mas também do art.º 74.º n.º 1 da LGT que diz que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque" e do art.º 342.º do Código Civil que diz que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", não poderá também a AT, aliás, na esteira do parecer emitido pela DGEG, considerar verificado o pressuposto especifico deste benefício fiscal que requer que as licenças ou direitos contratuais tenham sido atribuídos na sequência de concurso público.

Em face do exposto, e tendo presente que o entendimento sobre a questão da isenção invocada pela A..., no que respeita à contribuição em apreço, emanado da entidade que detém a competência técnica sobre aquela matéria, foi o que acima referimos, a AT, em conformidade com tal enquadramento, precedeu ao apuramento da contribuição devida, uma vez que o entendimento da DGEG é o de que a A... não está isenta de CESE, nos termos e com os fundamentos constantes das informações DGEG n.ºs 071/16, de 10.02.2016, DGEG 287/2018 de 03.08.2018 e, respetivo despacho do Senhor Secretário de Estado da Energia, de 03.08.2018.

4. Apuramento da CESE

Importa então determinar o montante da contribuição devida pela A..., a qual deverá ser apurada atendendo quer à respetiva base tributável, quer à taxa aplicável à mesma.

(...)

Em face do exposto apura-se CESE imputável ao período de 2014, no valor de € 3.024.180,52 (C 355.785.944,00 x 0,85%).

(...)

(X. DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado através do nosso ofício n.º ... de 201 B/11/13, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, sobre o Projeto de Correções da Inspeção Tributária referente ao período de 2014, em conformidade com o previsto no art.º 60.º LGT e no art.º 60.º do RCPITA.

O direito de audição foi exercido por escrito, conforme documento entregue nestes Serviços, em 27.11.2018 (Entrada n.º...), tendo o sujeito passivo apresentado a sus discordância relativamente à correção proposta no ponto III. do projeto de relatório.

Os fundamentos aduzidos no direito de audição exercido pelo sujeito passivo, foram apreciados e tomados em consideração, enformando as conclusões constantes do presente relatório.

Analisado o direito de audição exercido pelo sujeito passivo, cumpre informar o seguinte:

No ponto III. do projeto de relatório foi proposta uma correção na importância de € 3.024.180,52, referente a CESE.

Refere a A..., nos parágrafos 1.º a 5.º do documento que concretiza o direito de audição exercido, que no âmbito dos princípios de colaboração e de boa-fé instituídos no artº 59.º da LGT, sempre esteve disponível a prestar todos os esclarecimentos e a fornecer todos os elementos que justificam a sua posição relativamente ao que considera ser o seu enquadramento para efeitos de CESE, nomeadamente na reunião onde estiveram presentes representantes da AT, da DGEG, da A... e da B..., S.A., em 09.09.2015, bem como na resposta a uma notificação da UGC, em 25.05.2018, onde reiterou o entendimento de que reúne todas as condições legais para estar isenta de CESE.

No entender da A..., e de acordo com o exposto nos parágrafos 6.º e 7.º do seu direito de audição, a correção proposta no ponto III. do projeto de relatório tem como suporte uma informação elaborada pela DGEG, que conclui que a empresa não se encontra na exceção prevista na al. d) do art.º 4.º do RCESE, em virtude de não ter sido comprovado que as licenças ou direitas contratuais foram atribuídos na sequência de concurso público, facto que discorda totalmente.

Com efeito, no parágrafo 7.º do documento que concretiza o direito de audição exercido, refere que "Inconformada - porque não descortina naquela Informação da DGEG uma fundamentação suficiente, clara e coerente com as sucessivas tomadas de posição pública de diversos responsáveis governamentais do sector- a A... reitera integralmente o entendimento que sempre sustentou, porque, de facto, a electricidade que produz por intermédio do centro electroprodutor do ... ancora-se numa licença ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público. (...)."

Ora, acerca dos fundamentos aduzidos pela empresa, no que respeita a uma aparente insuficiência de fundamentação da informação da DGEG, face a tomadas de posição públicas de diversos responsáveis governamentais do setor, apraz-nos referir que a AT apenas dispõe, formalmente, do entendimento acerca do enquadramento da empresa em sede de CESE, produzido pela entidade com competência na matéria - a DGEG - o qual está vertido na informação DGEG 071/16, de 10.02.2016 e que conclui nos termos já referidos no presente relatório.

Por sua vez, a empresa, em sede de contraditório, em momento algum vem aduzir elementos/documentos novos, que sustentem o seu entendimento, o qual reitera no documento que concretiza o direito de audição prévia.

Em face do exposto, e não existindo quaisquer elementos novos que sustentem a pretensão invocada pela empresa, convola-se em definitiva a correção proposta em sede de projeto de relatório.

 

H)           Em 04-12-2018, na sequência da inspecção, a AT emitiu a liquidação dirigida à Requerente da contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), relativa ao período de 2014, promovida pela Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – liquidação n.º 2018..., com data limite de pagamento a 11.01.2019 –, e ainda a correspondente liquidação de juros compensatórios – com o n.º 2018... e com a mesma data limite de pagamento (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Na notificação da liquidação de CESE indica-se a seguinte fundamentação:

Liquidação oficiosa efetuada nos termos do n.º 7 do artigo 7.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético, cujo regime foi estabelecido pelo art. 228.º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, alterado pelas leis nº 75-A 2014, de 30/9, pelo art. 238º da Lei n.º 82-5/2014, de 31/12 e pela Lei n.º 33/2015, de 27/4, mantendo-se em vigor para o ano de 2016 de acordo com os números 1 e 2 do artigo 6º da Lei n. 159-C/2015, de 30/12, motivada pela falta de liquidação pelo sujeito passivo, prevista no nº 1 do art. 7.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético.

A presente sujeição à contribuição extraordinária sobre o setor energético decorre da aplicação da alínea a) do artigo 2º e do artigo 3. do referido regime, em virtude de o sujeito preencher os pressupostos de incidência daqueles normativos.

O valor da contribuição a pagar resulta da aplicação da taxa prevista no n.º 1 do artigo 6.º daquele regime, no qual se subsume a base de incidência prevista no artigo 3.

 

J)            Na notificação da liquidação de juros compensatórios indica-se a seguinte fundamentação:

Juros calculados nos termos do preceituado no artigo 10.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético e do artigo 35.º da Lei Geral Tributária (LGT), por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso na insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte. Os juros contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 35.º da LGT.

 

K)           No jornal Diário de Notícias de 21-01-1991, foi publicado o anúncio da C... que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, para «PRÉ-QUALIFICAÇÃO DE EMPRESAS OU CONSÓRCIOS DE EMPRESAS INTERESSADAS NA AQUISIÇÃO E OPERAÇÃO DA CENTRAL TERMOELÉCTRICA DO  ...»;

L)            Em Fevereiro de 1991, a C... emitiu o «Programa da Consulta» para aquisição da Central Termoeléctrica do ... tem o teor que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

M)          Nesse Programa de Consulta refere-se, além do mais, o seguinte:

1.5. A C... pretende prosseguir ela própria a construção da central, mas aliená-la a uma nova sociedade a constituir, que ficará com o estatuto de produtor independente de energia, no seguimento da abertura à iniciativa privada da produção de energia eléctrica em Portugal.

1.6. Assim, a C... abre esta consulta às entidades pré-qualificadas no seguimento do convite público à apresentação de candidaturas de 1990.01.25, no sentido de seleccionar um investidor interessado em adquirir, financiar a construção, e operar a Central Termoeléctrica do ..., para produção de energia em Portugal, na modalidade de B.O.O. (Built, Operate and Own).

1.7. As entidades competindo a esta consulta, são convidadas a apresentar uma proposta de condições para aquisição dos 2 primeiros grupos da Central, e uma proposta para fornecimento da electricidade produzida por estes grupos à C..., por um período de 28 (vinte e oito) anos contados a partir da data de entrada em serviço do 15 grupo gerador (1993 a 2020).

A electricidade produzida será entregue à C... em alta tensão a juzante dos transformadores de entrega de energia dos grupos da Central, e a C... tomará a seu cargo o transporte e distribuição da energia aos consumidores, na sua qualidade de detentora da concessão da rede nacional de transporte.

1.8. As entidades consultadas são ainda convidadas a apresentar uma proposta de referência para o fornecimento da electricidade produzida pelo 32 e 42 grupos da Central, que servirá de base para as futuras negociações com vista ao estabelecimento do contrato de compra da energia relativo a estes grupos, as quais ocorrerão imediatamente antes do Início da respectiva construção.

(...)

1.11. À entidade consultada seleccionada em resultado desta consulta, será assegurada pelo Governo Português a transmissão da licença de produção de energia eléctrica, relativa à Central do ..., com vista à celebração com a C... dos contratos de compra desta Central e de fornecimento numa primeira fase da energia eléctrica produzida pelo 1.º e 2.º grupos, por um período de vinte e oito anos.

Nessa altura a entidade consultada formalizará a constituição da sociedade que irá adquirir e explorar a Central, submetendo-se a legislação em vigor no país- para o exercício desta actividade.

(...)

2.2. A Informação contida neste processo da consulta deverá ser tratada como confidencial por todas as entidades consultadas, quer apresentem ou não uma proposta.

2.3. A C... coloca à disposição de cada entidade consultada 2 conjuntos do processo da consulta.

Outros conjuntos do processo da consulta solicitados pelas entidades consultadas, serão entregues até 5 (cinco) dias úteis após recepção do respectivo pedido mediante pagamento de uma verba adicional de 50 000 Escudos por conjunto.

2.4. Decorridos 15 dias após o lançamento da consulta, a C... irá promover a realização de reuniões com as entidades consultadas, no sentido de prestar esclarecimentos sobra o objectivo e condições da consulta ou esclarecer dúvidas de interpretação sobra a mesma.

Para este efeito as entidades consultadas serão convocadas pela C..., após o lançamento do processo de consulta.

2.5. Posteriormente as entidades consultadas poderão ainda formular por escrito pedidos de esclarecimento de dúvidas ou discrepâncias detectadas na análise dos documentos do processo da consulta e dirigi-los à C... a tempo de por esta serem recebidos até 30 dias do prazo concedido para apresentação das propostas.

2.6. Estes esclarecimentos ou correcções serão enviados a todas as entidades consultadas sob a forma de "Notas Suplementaras", que passarão a constituir parte Integrante do processo de consulta.

Igualmente poderá a C..., por iniciativa própria, e antes da data de entrega das propostas, formular Notas Suplementares para prestar esclarecimentos ou Introduzir alterações que venha a julgar convenientes nos elementos do processo da consulta.

2.7. Para além dos esclarecimentos prestados no âmbito das reuniões realizadas após o lançamento da consulta, tal como definido na cláusula 2.4. nenhuma outra interpretação ou esclarecimento deverá ser tido em conta pela entidade consultada, a não ser sobra a forma de Notas Suplementares.

 

N)           No Jornal Oficial das Comunidades Europeias foi publicado em 30-09-1993, a comunicação em língua inglesa que consta de fls. 6 a 8 da parte do processo administrativo denominada “PA 1-30.pdf” (   );

O)           Na referida Comunicação, a Comissão manifesta a sua intenção de tomar uma posição favorável relativamente aos acordos entre a D... plc, a E..., e a F... SA e a G... SA, e a A... SA, relativos à aquisição e exploração da central eléctrica do ...;

P)           No ponto 16 da referida Comunicação, na versão em língua portuguesa, refere-se, além do mais, que «o produtor foi seleccionado na sequência de um concurso a nível internacional, em função, nomeadamente, de ter apresentado a proposta de um preço relativo à capacidade para além do termo do AAE, que oferecia entre todos os consórcios candidatos, o custo mais competitivo de energia à C... e aos clientes da C...»;

Q)           Foram publicados na imprensa escrita os textos relativos à aquisição da central do ... cujas cópias constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

R)           A consulta pública visando a pré-qualificação de empresas ou consórcios de empresas interessadas na aquisição e operação da central termoeléctrica do ... foi objeto de publicidade internacional, designadamente no jornal The Financial Times, por anúncio de 21 de janeiro de 1991 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            Em 23-03-1993, a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) emitiu a favor da Requerente o «Título de Licença de Produção de Energia Eléctrica» que consta das partes do processo administrativo denominadas “PA 1-30.pdf” “PA 31-60.pdf” e do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

T)            A solicitação da AT, a emitiu um parecer que consta da parte do processo administrativo denominada “PA 61-90.pdf”, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

U)           Relativamente à Informação referida foi proferido pelo Senhor Director Geral parecer nos seguintes termos:

 

V)           Em 13-08-2018, o Senhor Secretário de Estado da Energia proferiu despacho sobre a informação que antecede, nos seguintes termos:

"Visto.

Deve a DGEG fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão.

Ass. ...

2018.08.13" (página 16 da parte do processo administrativo denominada «PA 91-111.pdf»;

W)          Em 13-12-2018, a Requerente dirigiu ao Senhor Director-Geral de Energia e Geologia, com conhecimento à C..., SA, o «pedido de informação e acesso a documentos administrativos relativo ao procedimento concursal que precedeu a adjudicação do direito de exploração da Central Termoelétrica do ..., que correu termos em 1991» que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

X)           Em 01-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados foram fixados com base nos documentos que constam do processo administrativo e juntos com o pedido de pronúncia arbitral por a sua correspondência à realidade não ser questionada e não ter sido produzida qualquer prova que aponte em sentido diferente.

Não se provou toda a tramitação e conteúdo do procedimento denominado como «Programa da Consulta» que antecedeu a emissão da licença referida nos autos, mas apenas o que consta dos factos referidos nas alíneas K) a R) da matéria de facto fixada.

 

                4. Matéria de direito

 

                4.1. Objecto do litígio e posições das Partes

 

                O artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aprovou «o regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético criou a Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético» (doravante “CESE”), incluindo no seu âmbito de incidência subjectiva, entre outras, «as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2014» «sejam titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores».

                 A Requerente não questiona que se inclui no âmbito de incidência da CESE, mas defende que, no ano de 2014, está isenta por ser abrangida pela isenção prevista na alínea d) do artigo 4.º do Regime da CESE (doravante “RCESE”), que refere que «é isenta da contribuição extraordinária sobre o setor energético (...) a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores com licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, desde que os respetivos produtores não se encontrem em incumprimento das obrigações resultantes da adjudicação no âmbito de tais procedimentos».

                A AT entendeu, no RIT, que a Requerente não beneficia desta isenção pelas seguintes razões, em suma:

– o Senhor Secretário de Estado da Energia, despachou a informação DGEG n.º 287/2018, em termos que constituem «uma aprovação com efeitos decisórios relativamente à matéria sobre a qual incide, ao acolher, e dessa forma reconhecer como legitimo, o teor das informações e despachos que confluem para si»;

– desta circunstância resulta para a AT uma obrigação de agir, como se de uma sujeição a um direito potestativo se tratasse, a fim de tornar consequentes as conclusões resultantes do procedimento levado a cabo na DGEG e que culminaram no ato de homologação concretizado a 13 de agosto de 2018;

– Por outro lado, e estando em presença de uma isenção invocada pela empresa, a qual constitui um benefício fiscal, de acordo com o art.º 2.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) cumpre, seguidamente, apurar de que forma é repartido o ónus da prova no que concerne a esse benefício fiscal.

– O reconhecimento dos benefícios fiscais (quando não resultam diretamente da lei) depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim fazendo prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei, conforme art.º 65.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

– Também a LGT no art.º 14.º, n.º 2, impõe que os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício.

– Portanto, as entidades que invocam o direito àquele benefício fiscal têm, nos termos gerais de direito, de fazer prova dos factos constitutivos do direito em causa, apresentando todos os elementos necessários para habilitar a decisão de quem tem a competência legal poder apreciar o seu pedido.

– Tal competência pertence, em primeiro lugar, à DGEG.

– Assim, não sendo apresentados os elementos necessários para se poder concluir em sentido contrário e sendo essa obrigação dos sujeitos passivos que requerem um direito a um benefício fiscal, como resulta dos preceitos acima referidos, mas também do art.º 74.º n.º 1 da LGT que diz que "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque" e do art.º 342.º do Código Civil que diz que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", não poderá também a AT, aliás, na esteira do parecer emitido pela DGEG, considerar verificado o pressuposto especifico deste benefício fiscal que requer que as licenças ou direitos contratuais tenham sido atribuídos na sequência de concurso público.

 

                A Requerente imputa à liquidação impugnada, os seguintes vícios de natureza formal, que fundamenta na parte «II. Da ilegalidade formal da liquidação objeto deste pedido» do pedido de pronúncia arbitral (artigos 57.º, 58.º e 59.º a 156.º):

(i)           Vício de preterição de formalidade essencial por violação do dever legal de análise e verificação dos factos invocados pelo sujeito passivo e ponderação dos contributos por este fornecidos, no relatório final do procedimento de inspeção;

(ii)          Vício quanto ao procedimento, por equivocamente ter baseado a decisão final adoptada na verificação de um pressuposto erróneo, inexistindo o parecer de sentido e natureza vinculativa de que a AT se socorre;

(iii)         Vício de falta de fundamentação da decisão, atendendo aos termos imprecisos e, no mínimo, pouco consistentes da posição firmada, que não a permitem de todo sustentar, não tendo a AT feito a apreciação que lhe incumbia;

(iv)         Vício de violação do ónus de instrução e junção do processo administrativo que a AT deveria ter assegurado, ainda, ao abrigo dos princípios da colaboração e da cooperação, por ser aquela detentora da documentação procedimental necessária ao esclarecimento dos contornos do caso e, assim, a única capaz de garantir uma adequada instrução do procedimento.

 

Para além disso, a Requerente, na parte III do pedido de pronúncia arbitral, imputa à liquidação impugnada vício de «ilegalidade material da liquidação objeto deste pedido: a natureza concursal do procedimento que precedeu a atribuição da licença de produção de energia elétrica e exploração da Requerente» (artigos 157.º a 240.º).

No presente processo, a AT mantém a posição assumida no RIT e defende que a interpretação da Requerente é inconstitucional, dizendo, em suma:

 

– as entidades que invocam o direito àquele benefício fiscal têm, nos termos gerais de direito, de fazer prova dos factos constitutivos do direito em causa, apresentando todos os elementos necessários para habilitar a decisão de quem tem a competência legal poder apreciar o seu pedido;

– tal competência pertence, em primeiro lugar, à DGEG;

– cabendo em segundo plano à AT, nos termos do art.º 7.º do EBF, o controlo genérico da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais;

– não tendo sido apresentados os elementos necessários para se poder concluir em sentido contrário e sendo essa obrigação dos sujeitos passivos que requerem um direito a um benefício fiscal, como resulta dos preceitos acima referidos, mas também do n.º 1 do art.º 74.º da LGT e do artigo 342.º do Código, não poderia também a AT, aliás, na esteira do parecer emitido pela DGEG, considerar verificado o pressuposto específico do benefício fiscal aqui em discussão, o qual requer que as licenças ou direitos contratuais tenham sido atribuídos na sequência de concurso público;

                – a Requerente apenas juntou ao longo do procedimento e agora no pedido de pronúncia arbitral documentação (na sua maioria) com a idêntica natureza, ou seja, de valor circunstancial e não jurídico, seja ela referente a recortes de jornais, com opiniões de profissionais, políticos ou simplesmente de pessoas com interesse directo, seja através de trechos de intervenções parlamentares os quais são, repita-se, meramente circunstanciais, opinativas e sem qualquer valor jurídico e/ou probatório;

– no requerimento que consubstancia o direito de audição, a ora Requerente limita-se apenas a manifestar a sua discordância com a correção promovida e a invocar a falta de fundamentação do acto, não juntando qualquer elemento suscetível de alterar a factualidade então descrita;

– a Requerente compreendeu o iter cognoscitivo da correcção e liquidação aqui impugnadas;

– da leitura do RIT resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão;

– a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no art.º 37.º do CPPT e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade;

– não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os actos aludidos continham, como efectivamente contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padeciam ficou sanado;

– sempre se afiguraria justificada a aplicação ao caso vertente do princípio do aproveitamento dos actos administrativos;

– ao longo do procedimento inspectivo foram analisados, esmiuçados e rebatidos pormenorizadamente, de facto e de direito, todo os argumentos arvorados pela Requerente, assim como os elementos que aquela entendia terem idoneidade probatória para escorar a sua tese;

– a Directiva n.º 90/531/CEE, de 17 de Setembro de 1990, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, no n.º 6 do seu art.º 1.º, faz uma clara distinção entre Concurso Público, Concursos Limitados e Concurso por negociação;

– a licença foi atribuída ao abrigo do Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março e do Decreto-Lei n.º 100/91, também de 2 de Março;

– não estão preenchidos os requisitos de um concurso publico, pois desde logo não é um procedimento aberto, como decorre do Código dos Contratos Públicos;

– concurso público é quando a entidade adjudicante lança um procedimento concursal onde todos os interessados podem apresentar proposta;

– o legislador ao exigir como requisito do benefício fiscal a atribuição de licença através de concurso público, sabia perfeitamente da existência dos restantes procedimentos, designadamente o ajuste direto e o concurso limitado por prévia qualificação, sendo certo que excluiu as licenças atribuídas através desses dois procedimentos por opção e não por desconhecimento;

– num procedimento de concurso público, recapitule-se, pressupõe-se a definição de critérios ou pressupostos a preencher pelos candidatos, atendendo ao objectivo do procedimento concursal, e da constituição de júri (ainda que informal) para a seleção, com juízos pré-determinados, da ou das mais vantajosas;

– o memorando revela apenas uma intenção do interessado de proceder à fase de pré-qualificação e o pedido de informação, sem a resposta da DGEG, o que acaba por não traduzir qualquer factualidade com interesse para a boa decisão dos autos;

– da licença-contrato (Doc. 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral), naturalmente, não consta qualquer indicação de que a mesma tenha sido atribuída através de um procedimento com a característica de concurso público;

– o normativo comunitário, que viria a ser transposto apenas em 2001, através do Decreto-Lei n.º 223/2001, de 9 de agosto, bem como do Decreto-Lei n.º 182/95 e Decreto-Lei n.º 183/95, ambos de 27 de julho, diplomas que regulam a organização. o acesso e o exercício da actividade de produção de energia eléctrica no âmbito do Sistema Eléctrico Nacional (SEN);

– o procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 100/91, para a atribuição da licença de produção de energia eléctrica não tem de matriz concursal e/ou concorrencial, não existindo nele um poder discricionário da entidade adjudicante em optar na melhor proposta ou candidato, antes opondo à atribuição de licença um elenco de pressupostos objetivos e predelineados que o interessado deveria preencher e demonstrar;

– a norma de isenção que vem invocando desde para a não sujeição à CESE, a alínea d) do art.º 4. º, apõe como condição sine qua non que a licença ou direito contratual para a produção de electricidade por intermédio de centro electroprodutor tenha sido obtida através de concurso Público;

– não se pode com razoabilidade indexar ao Código dos Contratos Públicos, a noção de concurso público prevista na norma da alínea d) do art. 4.º da RCESE, especialmente quando estamos perante entidades cujo licenciamento foi obtido década e meia antes da data de entrada em vigor do diploma, ou seja, 2008;

– quanto ao anúncio e Programa de Consulta, não têm sustento em qualquer disposição elencada no Decreto-Lei n.º 100/91, e, não obstante, terem em vista a captação de investidores para a operação da central termoeléctrica do ..., ainda a construir, consubstanciam-se num mero convite a potenciais interessados na aquisição e exploração da instalação e não na abertura de um processo de matriz concursal para a atribuição da licença;

– a DGEG teve oportunidade de analisar os mesmos elementos, e não apurou as conclusões que a Requerente descreve nos parágrafos 162 e seguintes do própria e é ela a entidade pública responsável pela concepção, promoção e avaliação das políticas relativas à energia, mas também pela matéria técnica associada à CESE;

– deve ser julgada inconstitucional a alínea d) do art.º 4.º da RCESE, por violação dos princípios da legalidade (tipicidade e reserva de lei parlamentar) e da protecção jurídica e da confiança (n.º 2 e 3 do art.º 103.º da CRP), quando interpretado no sentido de que a atribuição de licenças de produção de energia eléctrica nos termos dos Decretos-Lei n.º 99/91 e n.º 100/91, ambos de 2 de Março, configuram concursos públicos para efeitos de aplicação da isenção nela prevista;

– a interpretação veiculada pela Requerente viola também o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. artigos 202.º e 203.º da CRP), bem como do princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP)

 

4.2. Fundamentos do acto de liquidação atendíveis

 

O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. (   )

 

                4.3. Ordem de conhecimento de vícios e deveres de cognição do Tribunal Arbitral

 

Como se referiu, a Requerente imputa às liquidações de CESE e juros compensatórios impugnadas vícios de caráter formal (artigos 57.º, 58.º e 59.º a 156.º do pedido de pronúncia arbitral) e, depois, vício de ilegitimidade material (artigos 157.º a 240.º do pedido de pronúncia arbitral).

                O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                 No caso de vícios geradores de anulabilidade (como são os imputados pela Requerente, que pede a anulação e não a declaração de nulidade das liquidações), a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece, no que aqui interessa, que a «a apreciação dos vícios é feita pela ordem (...) indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade» e, se assim não suceder, a apreciação é feita conhecendo prioritariamente «dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º, com referência à alínea a do mesmo número].

                 No presente processo, para além de a ordem pela qual são imputados os vícios apontar no sentido de a Requerente pretender apreciação prioritária dos vícios de forma, essa intenção é revelada pelo artigo 58.º do pedido de pronúncia arbitral em que a Requerente refere, reportando-se aos vícios de forma, que «é sobre estes vícios que, antes do mais, nos debruçamos por, de forma imediata, deles resultar a insustentabilidade da decisão subjacente à liquidação notificada, determinando a sua anulação por este Tribunal Arbitral» (negrito nosso).

Essa intenção de arguição prioritária dos vícios de forma e só subsidiariamente o vício de ilegalidade material é decisivamente confirmada pelo artigo 157.º do pedido de pronúncia arbitral, em que a Requerente refere que «não bastasse à anulação da liquidação tudo quanto até aqui se alegou no que respeita a vícios de caráter formal, surge inaceitável o sentido da decisão proferida pela AT (...)» (negrito nosso).

Está-se, assim, perante uma arguição subsidiária do vício de ilegalidade material, permitida pelo artigo 101.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Nas acções constitutivas e de anulação a causa de pedir «é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido» (art. 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Este conceito de causa de pedir, que foi adoptado no contencioso administrativo de anulação, antes da reforma operada em 2002-2004, reconduz-se a que mesmo que haja um único pedido de anulação do acto impugnado, se ele «se apoia em causas de pedir diversas, ou seja, em factos integradores de mais do que um vício, estes operam o desdobramento de uma pretensão, única na aparência, em questões distintas». (   )

                Isto é, no contencioso administrativo anterior àquela reforma, há tantos pedidos de anulação quantas as causas de pedir invocadas, tantos pedidos quantos os factos integradores de vícios invocados, e o tribunal ao apreciar vícios diferentes dos invocados está a apreciar pedidos de anulação diferentes, cuja procedência pode ter efeitos diferentes. (   )(   )

No contencioso administrativo posterior à reforma de 2002-2004, a questão do objecto dos processos impugnatórios poderá colocar-se em termos diferentes, designadamente em face do preceituado no art. 95.º, n.º 3 (anterior n.º 2), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), em que se impõe ao juiz, em processos desse tipo, os deveres de «pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito » e de « identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas».

No entanto, independentemente da solução adequada daquela questão no contencioso administrativo da nova reforma (   ), o certo é que este novo regime não foi transposto para o contencioso tributário, pelo menos no domínio de aplicação do processo de impugnação judicial.

                Na verdade, apesar de a Lei Geral Tributária e o Código de Procedimento e de Processo Tributário terem sido alterados por várias vezes desde que entrou em vigor aquela reforma do contencioso administrativo, o art. 124.º do CPPT continuou a falar, para além dos vícios do acto impugnado de conhecimento oficioso («os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado») nos «vícios arguidos que conduzam à sua anulação», o que revela que, quanto a vícios geradores de mera anulabilidade, se limitou os poderes de cognição dos tribunais tributários aos arguidos pelo impugnante, não se adoptando, assim, o conceito mais amplo de objecto do processo impugnatório que se pode encontrar no CPTA. Na verdade, aquela referência aos vícios arguidos tem ínsita a inadmissibilidade de conhecimento de vícios geradores de anulação que não tenham sido arguidos.

A esta luz, havendo, em processo de impugnação judicial, cujo regime é subsidiariamente aplicável ao processo arbitral, tantos pedidos de anulação quantas as causas de pedir invocadas, a arguição de vícios a título subsidiário reconduz-se à formulação de pedidos subsidiários.

Por isso, uma vez que «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior» [art. 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], só haverá que tomar conhecimento do vício de ilegalidade material se improceder o pedido de pronúncia arbitral quanto a todos os vícios de natureza formal.

 

4.4. Vícios de forma

 

Embora a Requerente divida em quatro partes os vícios de forma que imputa à liquidação impugnada, acaba por tratá-los conjuntamente e há relação entre eles, pelo que é adequado apreciá-los conjuntamente.

Os vícios de forma consistem, no essencial no seguinte:

– a decisão da AT assentiu no pressuposto erróneo de que a competência para apreciar a isenção dependia de um parecer da DGEG de natureza vinculativa, o que, não estando expressamente previsto na lei, viola o artigo 91.º do Código do Procedimento Administrativo;

– na sequência desse entendimento, não apreciou a própria AT os documentos que a Requerente apresentou, o que implica violação do dever legal de análise e verificação dos factos invocados pelo sujeito passivo e ponderação dos contributos por este fornecidos, no relatório final do procedimento de inspeção;

– a AT não podia pura e simplesmente “delegar” essa competência ou “demitir-se” da decisão que lhe cabia;

– AT viu no despacho do Secretário de Estado da Energia o que quis ver e não o que lá está: o despacho não encerra uma decisão com efeitos externos, mas uma ordem ou comando dirigido à DGEG para fornecer os elementos necessários à decisão que viesse a ser tomada pela AT, após análise e apreciação desta;

– há um vício de ausência de ponderação e um vício de desvio positivo de ponderação que implica violação dos princípios da participação e da imparcialidade na vertente de imperativa consideração, no caso concreto, da pronúncia e contributos apresentados pela Requerente;

– considerando a informação da Direcção Geral, de Energia vinculativa, a AT ter submetido essa informação a audição prévia da Requerente a informação da DGEG, antes de esta se achar concluída em conformidade com os princípios da participação e da colaboração e, ainda, com os princípios da imparcialidade e do inquisitório que regem o procedimento tributário (artigos 55.º e 58.º a 60.º da LGT);

– da omissão dessa audição prévia resulta omissão de formalidade essencial, comprometendo ainda o princípio da decisão e da verdade material;

– a conclusão que a DGEG alcança parte de uma dúvida não dirimida e resulta de um salto lógico sem cabimento, como se do mero facto de a DGEG não dispor de documentos que considere idóneos à verificação da isenção de CESE se pudesse afirmar não haver lugar a tal;

– a AT laborou em erro, num erro interpretativo e de qualificação quanto à pronúncia do Secretário de Estado da Energia, ao considerá-la como uma aprovação com efeitos decisórios, que tivesse de reverenciar, quando o contrário resulta expressamente do mesmo despacho;

– sempre se exigiria que a AT se distanciasse das considerações relativas à possibilidade de repercussão do pagamento de CESE no contrato de aquisição de energia e tomasse em devida conta as fragilidades instrutórias daquela informação, o que implicaria encetar novos esforços na análise destes e de outros ou novos elementos que reunisse, para que pudesse, conscienciosamente, tomar uma decisão;

– a AT não cumpriu o ónus de instrução e junção do processo administrativo que a AT deveria ter assegurado, ainda, ao abrigo dos princípios da colaboração e da cooperação e do inquisitório.

 

4.4.1. Vício de forma por violação do princípio da participação, por incumprimento do dever legal de análise e verificação dos factos invocados pelo sujeito passivo e ponderação dos contributos por este fornecidos, no relatório final do procedimento de inspeção

 

Como refere a Requerente no artigo 74.º do pedido de pronúncia arbitral, o artigo 56.º da LGT impõe à AT o dever de se pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência, como é o caso da verificação dos pressupostos de que depende a atribuição de um benefício fiscal.

O reconhecimento de isenções insere-se nas competências da Administração Tributária como resulta do teor expresso do artigo 10.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

No caso em apreço, a Administração Tributária não apreciou ela própria se se verificavam os requisitos da isenção que a Requerente pretendia que lhe fosse reconhecida, pois entendeu que a competência para a decisão cabia à DGEG e que cabia a esta entidade emitir uma parecer que era vinculativo, sobre o reconhecimento ou não da isenção.

O artigo 91.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo estabelece que «os pareceres são obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei, e são vinculativos ou não vinculativos, conforme as respetivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão» e que «salvo disposição expressa em contrário, os pareceres legalmente previstos consideram-se obrigatórios e não vinculativos».

No caso em apreço, não existe norma expressa que preveja a emissão de parecer pela Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), para efeito de aplicação das isenções previstas no RCESE.

Na verdade, as referências que são feitas no RCESE à DGEG são as seguintes:

– sua audição, pelo Governo, antes da emissão de uma portaria sobre a determinação do valor económico equivalente dos contratos previstos no nº 2 do artigo 3.º e apuramento do valor excedente ao valor económico (n.ºs 6 e 8 deste artigo 3.º);

– dever de a DGEG colaborar com a AT «no sentido de obter a informação necessária e relevante para efeitos de aplicação da contribuição extraordinária sobre o setor energético» (n.º 9 do artigo 7.º, na redação dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, renumerada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, correspondendo ao anterior n.º 8);

– dever de os sujeitos passivos facultarem à AT, à DGEG e à ERSE todos os documentos e informações necessárias à aplicação da contribuição extraordinária sobre o setor energético, incluindo os contratos referidos no nº 2 do artigo 3º e respetivas adendas (n.º 10 do artigo 7.º, na redação dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, renumerada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, correspondendo ao anterior n.º 9);

– dever de publicação mensal pela DGEG (ou outra entidade pública) o valor acumulado do «índice de operacionalidade da refinaria» (n.º 8 do Anexo II).

 

Como se vê, não é atribuída à DGEG qualquer competência para emitir parecer vinculativo ou decidir ela própria a aplicação de benefícios fiscais, mas apenas, para o que aqui interessa, de colaboração na obtenção de informação a AT (n.º 9 do artigo 7.º, citado).

Por isso, ao partir do pressuposto de que a competência para decidir sobre o enquadramento ou não da Requerente no âmbito da isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º do RCESE que ao atribuir ao parecer emitido pela DGEG natureza vinculativa, a AT violou o artigo 91.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, pois não existe norma expressa que atribua natureza vinculativa a pareceres da DGEG sobre aplicação da CESE e também

Por outro lado, também tem razão a Requerente quanto ao erro da AT sobre a interpretação do despacho do Senhor Secretário de Estado da Energia de 13-08-2018, proferido sobre a informação DGEG 287/2018 que tem o seguinte teor «Deve a DGEG fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão».

Com efeito, como resulta destes termos, o Senhor Secretário de Estado da Energia nada decidiu sobre a aplicação da isenção, limitando-se a ordenar que fossem fornecidos à AT «todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão», o que tem ínsito que entendimento de que cabia à AT a «boa decisão sobre esta questão». Como é óbvio, se Senhor Secretário de Estado da Energia tivesse decidido ele próprio a questão, não forneceria à AT «os elementos necessários à boa decisão», que já estaria tomada.

Assim, a decisão da AT enferma também deste erro de interpretação.

Foi corolário destes dois erros da AT, que se tivesse abstido de apreciar ela própria a prova apresentada pela Requerente, limitando-se a constatar que «não poderá também a AT, aliás, na esteira do parecer emitido pela DGEG, considerar verificado o pressuposto especifico deste benefício fiscal que requer que as licenças ou direitos contratuais tenham sido atribuídos na sequência de concurso público».

Mesmo em sede de apreciação do exercício do direito de audição a AT manteve a sua abstenção de apreciar ela própria o valor probatório dos documentos apresentados pela Requerente que invocou a insuficiência de fundamentação do parecer da DGEG em que esta concluía que «a excepção prevista na alínea d) do artigo 4. º diz respeito a licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, e salvo melhor opinião o procedimento evidenciado pelas empresa não nos parece configurar afigura do concurso público previsto no Código de Contratação Pública».

Na verdade, a AT limitou-se a dizer sobre esta questão o seguinte:

Ora, acerca dos fundamentos aduzidos pela empresa, no que respeita a uma aparente insuficiência de fundamentação da informação da DGEG, face a tomadas de posição públicas de diversos responsáveis governamentais do setor, apraz-nos referir que a AT apenas dispõe, formalmente, do entendimento acerca do enquadramento da empresa em sede de CESE, produzido pela entidade com competência na matéria - a DGEG - o qual está vertido na informação DGEG 071/16, de 10.02.2016 e que conclui nos termos já referidos no presente relatório.

Por sua vez, a empresa, em sede de contraditório, em momento algum vem aduzir elementos/documentos novos, que sustentem o seu entendimento, o qual reitera no documento que concretiza o direito de audição prévia.

Em face do exposto, e não existindo quaisquer elementos novos que sustentem a pretensão invocada pela empresa, convola-se em definitiva a correção proposta em sede de projeto de relatório. (negrito nosso).

 

Assim, a Requerente tem razão ao invocar o artigo 56.º da LGT, pois a AT «está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados».

Na verdade, neste caso, nem a DGEG nem o Senhor Secretário de Estado da Energia decidiram sobre a aplicação da isenção, tendo-se aquela limitado a emitir um parecer com que este manifestou concordância, mas apenas decidiu que a DGEG devia «fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão».

 Por outro lado, a AT também não decidiu sobre o reconhecimento ou não da isenção, pois entendeu que não era matéria da sua competência e considerou, erradamente, que o Senhor Secretário de Estado da Energia tinha decidido sobre essa matéria. Isto é, o que a AT decidiu é que a questão da aplicação da isenção já estava decidida, dizendo o despacho referido constitui «uma aprovação com efeitos decisórios relativamente à matéria sobre a qual incide, ao acolher, e dessa forma reconhecer como legitimo, o teor das informações e despachos que confluem para si. Desta circunstância resulta para a AT uma obrigação de agir, como se de uma sujeição a um direito potestativo se tratasse, a fim de tornar consequentes as conclusões resultantes do procedimento levado a cabo na DGEG e que culminaram no ato de homologação concretizado a 13 de agosto de 2018».

Para além de violação do dever de decisão, pois a AT não decidiu uma questão que era da sua competência, a omissão de apreciação dos elementos probatórios apresentados pela Requerente implica violação do princípio do princípio da participação, enunciado no artigo 60.º da LGT.

Na verdade, o alcance deste direito não se restringe à mera possibilidade de o contribuinte se pronunciar antes da decisão, pois tem como corolário o dever de AT ponderar o que for invocado pelo contribuinte e decidir tendo em conta os elementos que apresentar, como está ínsito no artigo 60.º, n.º 7, da LGT, em que se estabelece que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão». Esta norma, ao fazer referência apenas aos «elementos novos suscitados na audição», tem como pressuposto que os apresentados na anteriormente já foram tidos em conta na fundamentação do projecto de decisão, pois, naturalmente, a novidade dos elementos não justifica uma distinção em relação aos «velhos», no que concerne ao dever de ponderação. Isto é, aquela regra do n.º 7 do artigo 60.º da LGT é um afloramento do princípio procedimental de que devem ser ponderados na fundamentação da decisão todos os elementos que o contribuinte apresentar no procedimento.

Assim, no caso em apreço não se está perante uma violação do n.º 7 do artigo 60.º, pois a Requerente, quando exerceu o direito de audição, em 27-11-2018, não apresentou quaisquer elementos novos, tendo-se limitado a referir factos ocorridos durante o procedimento de inspecção e a reiterar «integralmente o entendimento que sempre sustentou, porque, de facto, a electricidade que produz por intermédio do centro electroprodutor do ... ancora-se numa licença ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público».

Mas, a Requerente tinha apresentado no procedimento de inspecção mais de três anos antes [em 29-09-2015, como resulta das alíneas c) a f) da matéria de facto fixada] documentos cujo valor probatório não veio a ser apreciado pela AT o que implica violação do princípio da participação.

 Assim, as liquidações de CESE e juros compensatórios enfermam de vício por violação do princípio da participação.

 

4.4.2. Vício de forma por violação dos princípios da colaboração, cooperação e do inquisitório

 

A Requerente defende que a AT não cumpriu o ónus de instrução e junção do processo administrativo que a AT deveria ter assegurado, ainda, ao abrigo dos princípios da colaboração e da cooperação e do inquisitório.

Diz a Requerente o seguinte, no essencial:

– procedeu «à identificação das entidades e elementos de prova em questão (numa solução próxima da que resulta do n.º 2 do artigo 74.º da LGT)», pelo que a AT deveria «diligenciar junto das mesmas para que lhe fosse facultado o acesso a todo o processo administrativo de atribuição da licença de que a Requerente é titular» (artigo 144.º do pedido de pronúncia arbitral);

– «apenas deste modo, e após solicitar essa documentação, poderia estar a AT em condições de avaliar do preenchimento dos pressupostos de reconhecimento de isenção de CESE invocada, sem olvidar o ónus da prova que a Requerente satisfez na medida do que lhe era possível e seria exigível» (artigo 145.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

A AT diz o seguinte, em suma:

– é aplicável «no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque»;

– «é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo» e que «do princípio citado, o ónus de provar que o instrumento jurídico que lhe atribuiu a exploração da central termoeléctrica do ... se consubstancia num concurso público»;

– «o reconhecimento dos benefícios fiscais (quando não resultam diretamente da lei) depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, fazendo prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei, cf. n.º 1 do art.º 65.°do CPPT», pelo que «as entidades que invocam o direito àquele benefício fiscal têm, nos termos gerais de direito, de fazer prova dos factos constitutivos do direito em causa, apresentando todos os elementos necessários para habilitar a decisão de quem tem a competência legal poder apreciar o seu pedido».

 

                O entendimento da AT sobre o alcance da regra do ónus da prova que consta do artigo 74.º da LGT não é correcto.

                Na verdade, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).

                O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto. Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão. Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.

                O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida.

                Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. (   )

                               É apenas nestas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.

                Assim, no procedimento tributário (   ), ao contrário do que entendeu a AT, as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

                O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

                Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

                A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.

                Neste caso, perante a alegação da Requerente de que o Processo de Consulta para Aquisição e Operação da Central Termoeléctrica consubstanciava um «concurso público» para efeitos da alínea d) do artigo 4.º do RCESE, impunha-se que a AT efectuasse diligências tendo em vista esclarecer os termos do referido processo e, decerto, como diligência mínima necessária para a descoberta da verdade, deveria ter diligenciado junto da entidade que organizou esse processo no sentido de apurar a viabilidade de junção ao procedimento de inspecção uma cópia ou, pelo menos, uma informação sobre a tramitação e conteúdo do procedimento de consulta a que se referem os documentos juntos pela Requerente, a fim de esclarecer se esse procedimento reunia ou não características para poder ser considerado um concurso público.

                Por outro lado, apesar de no parecer da DGEG se referir que foram solicitados «à Secretaria-Geral do ME e à ERSE elementos que pudessem ajudar na análise este assunto» e que «as entidades acima citadas não nos trouxeram quaisquer elementos adicionais que permitisse, à DGEG sustentar a aplicação da isenção», não está comprovada no processo a realização dessa alegadas diligências e é à AT e não a DGEG que incumba diligenciar tendo em vista a descoberta da verdade, não havendo suporte legal para a AT se abster de realizar as diligências necessárias.

                Pelo exposto, a Requerente tem razão ao invocar violação pela AT do princípio do inquisitório.

                No que concerne aos princípios da colaboração e cooperação, afigura-se que não se está perante qualquer situação enquadrável nos artigos 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (Cooperação entre a administração e a entidade inspecionada), nem no artigo 59.º da LGT (Princípio da colaboração).

               

                4.3.3. Questão da falta de fundamentação

 

                A Requerente defende o seguinte, em suma:

– a decisão subjacente às liquidações impugnadas enferma de vício de falta de fundamentação «atendendo aos termos imprecisos e, no mínimo, pouco consistentes da posição firmada, que não a permitem de todo sustentar, não tendo a AT feito a apreciação que lhe incumbia»;

– «ainda que por remissão para a informação da DGEG, é de todo obscura, porque vaga e imprecisa, insuficiente e contrária à lei a fundamentação do ato praticado pela AT, materializado na liquidação impugnada, a qual deverá ser objeto da necessária anulação»;

– para além disso, «sempre deveria ser questionada a motivação de uma fundamentação por remissão neste caso, considerando não só o teor infundado daquela informação como o dever que recai sobre a AT de proceder à análise e verificação dos pressupostos do benefício fiscal de que a Requerente se arroga titular»;

– «atenta a especificidade da matéria e as atribuições e competências cometidas à AT, não poderia esta bastar-se, para efeito de fundamentação do ato praticado (sublinhe-se, ato de natureza tributária), com a informação preparada por uma outra entidade de natureza administrativa, mesmo que tecnicamente capaz no âmbito do setor em questão, por não se encontrar na esfera de atribuições desta a concretização e resposta a questões de caráter fiscal, nem ser legítimo que a mesma se substituísse, neste domínio específico, à AT»;

 

                Na terminologia administrativa e tributária, o termo «fundamentação» é utilizável com dois sentidos: o de "fundamentação material" e o de "fundamentação formal".

A fundamentação formal "pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão", enquanto a fundamentação material corresponde à "recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade". (...) (   )

É com este último sentido que a jurisprudência tem falado em falta de «fundamentação substantiva» ou «fundamentação substancial», que se reconduz a falta de demonstração dos pressupostos substantivos da actuação correctiva da administração tributária. (   )

"O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (   )

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma e é esse vício que a Requerente imputa às liquidações de CESE e juros compensatórios, a título principal, pois que optou por imputar prioritariamente os vícios de forma.

 A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

«Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato» [artigo 153.º, n.º 2, do CPA de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (   )

No caso em apreço, são perceptíveis as razões pelas quais a AT entendeu dever emitir as liquidações impugnadas: a AT entendeu que do despacho do Senhor Secretário de Estado da Energia resultava «para a AT uma obrigação de agir, como se de uma sujeição a um direito potestativo se tratasse, a fim de tornar consequentes as conclusões resultantes do procedimento levado a cabo na DGEG e que culminaram no ato de homologação concretizado a 13 de agosto de 2018».

Assim, independentemente da incorrecção deste entendimento, não se está perante um vício de falta de fundamentação formal.

A Requerente aventa, porém, que se poderá estar perante uma fundamentação por remissão efectuada no RIT para o parecer da DGEG, dizendo que a fundamentação desta «é de todo obscura, porque vaga e imprecisa, insuficiente».

Mas, por um lado, não se encontra no RIT a «declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres» que é requisito da fundamentação por remissão, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, da LGT: na verdade a AT limita-se a considerar vinculativo o parecer da DGEG, o que não implica concordância e, menos ainda, pode constitui um «declaração de concordância».

                Por isso, a decisão ínsita no RIT não enferma do vicio de falta de fundamentação formal invocado pela Requerente.

                Consequentemente fica prejudicado o conhecimento da questão da aplicabilidade do princípio do aproveitamento do acto, que a AT suscita o artigo 109.º da Resposta, a propósito do vício de falta de fundamentação.

              

4.3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo subsidiária a arguição de ilegalidade material, a procedência dos vícios de forma que se referiram, prejudica o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas, bem como as questões conexionadas com a ilegalidade material, designadamente as de inconstitucionalidade suscitadas pela AT.

 

                5. Decisão

 

                Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Não tomar conhecimento da questão da eventual incompetência;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vícios formais, por violação dos princípios da participação e do inquisitório;

c)            Anular a liquidação de Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (CESE) n.º 2018..., relativa ao ano de 2014, e a correspondente liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2018....

                      

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPP e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.514.813,97.

 

Lisboa, 30-09-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Rui Medeiros)

 

(João Menezes Leitão)

(Vencido conforme declaração junta)

 

 

 

 

Declaração de voto

 

1. O presente litígio que opõe a Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à liquidação n.º 2018..., relativa ao período de 2014, de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), tributo que se enquadra na categoria dogmática das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, não é susceptível de ser resolvido pela arbitragem tributária na sua actual configuração, que não abrange tributos que não sejam impostos, não possuindo, pois, os tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD competência para o julgamento de causas respeitantes à aplicação da CESE.

 

2. Deste modo, ao ter decidido, na posição que fez vencimento, apreciar de mérito o presente litígio, o Tribunal Arbitral incorreu em incompetência absoluta, pronunciando-se sobre objecto processual sobre o qual não se podia pronunciar, como se passa a demonstrar.

 

A) Incompetência dos Tribunais Arbitrais Tributários para a apreciação de litígios sobre a CESE

 

3. Primeiramente, principie-se por evidenciar que os litígios respeitantes à CESE não estão compreendidos no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários organizados no CAAD.

 

4. Atento o previsto no n.º 1 do art. 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, com as alterações posteriores, a seguir RJAT), segundo o qual “[a] vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”, constata-se que, por força do disposto no art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 (entretanto alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 03.09), a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas se vinculou à “jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro” (sem prejuízo, ainda, das excepções decorrentes das diversas alíneas deste mesmo dispositivo).

 

5. Efectivamente, como se expôs no acórdão arbitral proferido no processo n.º 347/2017-T (em cujo Tribunal Arbitral o signatário participou, subscrevendo inteiramente a posição maioritária aí definida), os Tribunais Arbitrais Tributários que funcionam sob a égide do CAAD só possuem competência para dirimir litígios atinentes a tributos que constituam impostos e não relativamente a contribuições financeiras.

 

6. Recupere-se o essencial do discurso fundamentador aí desenvolvido nos n.ºs 28 e segs.:

“28. Cabe principiar pela interpretação do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3, cujo teor literal é o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior [a saber, nos temos do art. 1.º, Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, serviços extintos do Ministério das Finanças, em cujas atribuições sucedeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto no art. 27.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, als. a) e b) do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15.12 e no art. 12.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15.12] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.

29. Esta disposição surge na decorrência do estabelecido pelo n.º 1 do art. 4.º do RJAT que, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, dispõe: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” (na redacção originária dizia-se simplesmente: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”).

30. Deste modo, por força do n.º 1 do art. 4.º do RJAT (seja na sua versão originária, seja na sua versão actual), ficou dependente de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, ou seja, da referida Portaria n.º 112-A/2011, também conhecida como Portaria de Vinculação, o estabelecimento da vinculação da administração tributária, naturalmente mediante delimitação do respectivo âmbito, à jurisdição dos tribunais arbitrais do CAAD.

31. Trata-se, aliás, nessa portaria do instrumento indispensável para assegurar o mínimo de imputação aos organismos administrativos da submissão, pela sua parte, de litígios atinentes ao exercício de poderes de autoridade envolvidos nas respectivas atribuições à jurisdição de tribunais arbitrais de um centro de arbitragem institucionalizado como é o CAAD e do consequente afastamento da intervenção dos tribunais estaduais (cfr., em termos comparativos, no que concerne à vinculação do Estado no campo administrativo a centros de arbitragem institucionalizada, o art. 187.º, n.º 2 do CPTA: “A vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e do membro do Governo competente em razão da matéria, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios”). Por isso mesmo, diga-se já, por se tratar assim do título da associação da AT à arbitragem tributária, não se julga (...) que a delimitação concretamente operada pela Portaria de Vinculação, enquanto regulamento complementar ou de execução, configure qualquer afectação da hierarquia normativa consagrada no art. 112.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – que determina que: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos” –, porquanto o que está directa e imediatamente em causa, em conformidade com o art. 4.º do RJAT, é a determinação e assunção da vinculação à arbitragem por parte de certos serviços da Administração Tributária, actualmente a AT, ainda que daí decorra, consequencialmente, por força dos termos dessa vinculação, uma delimitação negativa do âmbito da intervenção dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, o que, de qualquer modo, não se confunde com a modificação do conteúdo da norma do art. 2.º do RJAT ou a sua revogação, pelo que o art. 4.º do RJAT não tem como efeito ou objectivo conferir à Portaria de Vinculação a possibilidade de revogar ou modificar, ainda que parcialmente, uma norma legal (cfr., sobre esta matéria, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 289/2004).

32. Daí o que bem se afirmou, em termos perfeitamente elucidativos, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 48/2012-T (seguido, entre outros, pelos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 73/2012-T e 232/2017-T) (...):

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral”.

33. Atento, pois, o disposto no art. 2.º daquela Portaria n.º 112-A/2011, conjugado com o previsto no n.º 1 do art. 2.º do RJAT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12), para que se remete no citado art. 2.º da Portaria indicada, parece cristalino que a determinação normativa resultante dos enunciados constantes dos preceitos em jogo se reconduz à seguinte proposição:

A vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD da Autoridade Tributária e Aduaneira tem por objecto a apreciação das pretensões, relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dêem origem a liquidação, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão, a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação e à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

34. Como tal, por força da delimitação realizada no art. 2.º daquela Portaria n.º 112-A/2011, as pretensões de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de actos de fixação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (não exceptuadas nas alíneas a) a d) do mesmo artigo), a cuja arbitrabilidade a AT se encontra sujeita, têm de ser “relativas a impostos”, naturalmente cuja administração lhe esteja atribuída, não abrangendo, pois, todos e quaisquer “tributos” (conforme a formulação genérica objecto do art. 2.º do RJAT).

35. Tendo presente que as atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira, que é o único organismo da Administração Tributária (art. 1.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária) vinculado à jurisdição dos tribunais tributários do CAAD, compreendem a administração de “impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos”, cabendo-lhe “[a]ssegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou pessoas colectivas de direito público” (...), verifica-se, pois, que a decisão regulamentar subjacente à Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu a vinculação à arbitragem tributária da AT às competências respeitantes aos impostos por esta administrados.

36. Deste modo, os “certos domínios de conflituosidade com a Administração fiscal” (para utilizar uma formulação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 435/2016, n.º 11.3.1) em que é possível a arbitragem tributária restringem-se à figura jurídico-tributária dos impostos, não abrangendo toda a multímoda realidade dos tributos a que se reporta em termos gerais o art. 2.º, n.º 1 do RJAT com as referências a “actos de liquidação de tributos” ou “à liquidação de qualquer tributo”, onde se compreende, conforme disposto no art. 3.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (cfr. igualmente art. 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - LGT), “os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”.

37. Perante o enunciado constante do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, que restringe a vinculação aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD “que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos”, conclui-se que o presente Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD apenas possui competência para apreciar pretensão indicada no artigo 2.º do RJAT, na medida estrita em que o pedido de pronúncia arbitral respeite a imposto cuja administração esteja cometida à AT”.

 

7. Cabe, pois, concluir que o âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários do CAAD abrange unicamente, como decorre da interpretação conjugada dos arts. 2.º, n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT, não compreendendo, portanto, as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.

 

8. Justamente, a CESE – cujo regime jurídico foi instituído pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, alterado pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31.12, 33/2015, de 27.4, 42/2016, de 28.12 e 71/2018, de 31.12, tendo a sua vigência sido objecto das prorrogações determinadas pelas Leis n.ºs 159-C/2015, de 30.12, 42/2016, de 28.12, 114/2017, de 29.12 e 71/2018, de 31.12 – não constitui, em face da regulação legal aplicável ratione temporis à liquidação impugnada, um imposto, mas qualifica-se tributariamente como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas (cfr. art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP e art. 4.º, n.º 3 da LGT).

 

9. Sobre esta qualificação dogmática da CESE como tributo comutativo, como contribuição financeira a favor de entidades públicas, e não como imposto, julga-se suficiente, sem necessidade de maiores desenvolvimentos (cfr., de qualquer modo, a análise sobre a CESE realizada na decisão arbitral proferida no proc. n.º 312/2015-T deste CAAD, bem como o parecer n.º 4/2016 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República), convocar aqui o exame realizado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019 que esclareceu devidamente que “a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer (...) como imposto” (n.º 14), porquanto:

- “Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição (...). Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.

Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá (...)” (n.º 10);

- “a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), instituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico.

Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos.

Aliás, a circunstância de ser ainda possível identificar, na CESE, quer a tributação de benefícios, mesmo que reflexos, destinados a um especial conjunto ou categoria de sujeitos passivos, quer o objetivo de cobrir os custos que as soluções regulatórias desse financiamento pressupõem, legitima materialmente a consignação de receitas, por lei considerada excecional.

Por todas estas razões, não pode deixar de se considerar que a CESE assume as características de uma contribuição financeira” (n.º 12).

 

10. Em consequência, como a espécie tributária da CESE é uma contribuição financeira (e não um imposto) e como os Tribunais Arbitrais Tributários constituídos no CAAD não possuem competência para apreciação de litígios respeitantes a contribuições financeiras, este Tribunal não podia apreciar o mérito do litígio e pronunciar-se sobre os vícios de violação de lei imputados à liquidação da CESE sindicada.

 

11. Assim, por força do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1 do RJAT e no art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, verifica-se in casu a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral, cujo conhecimento é oficioso, o que impedia a apreciação do mérito da causa e determinava a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

 

12. Isto posto, destaque-se, para a análise subsequente, que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 16.º do CPPT, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final.

 

B) A infundada qualificação como incompetência relativa

 

13. Pois bem, diferentemente da solução acima exposta, a orientação que fez vencimento, para possibilitar uma decisão de mérito para que o Tribunal Arbitral era absolutamente incompetente, perante a ausência, na resposta da Requerida, da dedução de qualquer excepção, rectius, da não invocação da questão da competência do Tribunal quanto à apreciação de litígios sobre tributos que não sejam impostos, resolveu que “a falta de jurisdição ou falta de competência que pode resultar da falta de vinculação” não pode ser apreciada oficiosamente, pelo que, não tendo sido arguida a falta de vinculação da AT à jurisdição deste Tribunal Arbitral no prazo da defesa, não tomou conhecimento da questão de incompetência.

 

14. Para o efeito, a orientação que fez vencimento, retomando certa “reapreciação” da questão da competência dos tribunais arbitrais tributários que foi realizada nos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 553/2016-T, 574/2016-T e 628/2016-T, após observar que a “autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP” e que “o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio fazer depender o acesso dos contribuintes à arbitragem tributária da existência de vinculação, decidida por membros do Governo, por acto de natureza regulamentar”, entendeu que “[s]e o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT for interpretado como permitindo ao Governo, através de portaria limitar a competência material dos tribunais arbitrais tributários definida no artigo 2.º do RJAT, a norma será materialmente inconstitucional, desde logo por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP”, e, para além disso, “o referido artigo 4.º, n.º 1, interpretado como permitindo que através de acto de natureza regulamentar fossem emitidas normas sobre garantias dos contribuintes e competências de tribunais será também inconstitucional por incompatibilidade com os artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, que impõem que essas matérias sejam reguladas por acto de natureza legislativa”, pelo que “numa leitura conforme à Constituição, a vinculação efectuada através da Portaria n.º 112-A/2011, representará, à semelhança do que sucede com a convenção de arbitragem no âmbito da arbitragem voluntária, a manifestação de vontade da AT de aceitação da pretensão do contribuinte de submeter o litígio a arbitragem, formulada de forma genérica, que é necessária, como é a do contribuinte que formula o pedido de constituição do tribunal arbitral, para este se constituir”.

 

15. Nesta base, para a orientação que fez vencimento, “a falta de vinculação da AT a determinado litígio que tenha por objecto um acto de liquidação de um tributo não pode implicar incompetência material do tribunal, pois esta apenas pode ser definida validamente por acto de natureza legislativa e a que foi definida no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT atribui aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para apreciação da pretensão do contribuinte”, pelo que “[n]ão implicando a falta de vinculação incompetência em razão da matéria, fica afastada, desde logo, a possibilidade de conhecimento oficioso, pois no contencioso tributário apenas incompetência em razão da matéria e a incompetência em razão da hierarquia (que não está aqui em causa) podem ser apreciadas oficiosamente, como resulta do preceituado no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT” e “[a]ssim, não se tratando de incompetência absoluta, tratar-se-á de incompetência relativa, cuja apreciação pelo Tribunal depende de arguição no prazo da defesa, quer se entenda que é de aplicar o artigo 18.º, n.º 4, da Lei de Arbitragem Voluntária que estabelece o regime de incompetência de tribunais arbitrais [aplicável por força da remissão efectuada no artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], quer se entenda que é de aplicar o artigo 103.º do Código de Processo Civil que regula os casos de incompetência relativa, diploma este também de aplicação subsidiária aos processos arbitrais tributários, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.

 

16. Nem as premissas, nem as conclusões, nem sequer a inferência destas daquelas, em que se pretende sustentar a orientação que fez vencimento, podem ter acolhimento, impondo-se ter presente que os árbitros, encarregados da aplicação do Direito para resolução dos litígios para que sejam competentes, não são livres de escolher a solução que mais lhes aprouver ou preferirem, mas devem observar as regras estabelecidas e respeitar as categorias dogmáticas essenciais nelas consagradas (primeira parte do n.º 2 do art. 2.º do RJAT).

 

17. Antes de mais, cumpre consignar que a redacção em vigor desde 1.1.2012 do art. 4.º do RJAT resultou do próprio exercício da competência legislativa da Assembleia da República, porquanto a Lei n.º 64-B/2011, de 30.12 (art. 160.º), para além de ter restringindo o âmbito da arbitragem tributária mediante eliminação da competência dos Tribunais arbitrais para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, alterou o disposto no n.º 1 daquele art. 4.º, que passou a estabelecer: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

18. Depois, para além desta expressa cobertura por intervenção da Assembleia da República, deve-se notar que, se se devesse entender, como pretende a decisão que fez vencimento, que, por se estar perante matéria atinente às garantias dos contribuintes e à competência dos tribunais, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, em que, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, o n.º 1 do art. 4.º do RJAT será materialmente inconstitucional se interpretado como permitindo ao Governo, através de portaria, limitar a competência material dos tribunais arbitrais tributários definida no artigo 2.º do RJAT, então, muito mais do que isso, se deveria julgar que a própria atribuição de jurisdição, pelo n.º 2 do art. 4.º do RJAT, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD seria organicamente inconstitucional, porquanto essa opção fundamental não encontra qualquer acolhimento na autorização legislativa objecto do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.4 (cfr. a respectiva al. o) do n.º 4), pelo que se estaria a regular de modo inovatório matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não é permitido ao Governo emitir normas no uso de competência própria (cfr. al. p) do n.º 1 do art. 165.º da CRP, in fine).

 

19. Como está bem de ver, tudo isto não possui guarida dogmática, não só porque é inconsistente argumentar, com base no mesmo diploma legal, como se fosse proveniente de um legislador bipolar, da admissibilidade do art. 2.º do RJAT para a inaceitabilidade do n.º 1 (que já não do n.º 2) do art. 4.º do RJAT, mas sobretudo porque aquilo de que se trata no art. 4.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT é efectivamente de prever em que termos se determina a vinculação da administração tributária (seja da AT  seja de qualquer outra entidade pública legalmente incumbida da liquidação e cobrança dos tributos no âmbito do Ministério das Finanças – cfr. art. 1.º, n.º 3 da LGT) à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD: justamente por uma “portaria de vinculação” dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, tal como se prevê, em termos gerais, no art. 187.º do CPTA, cujo n.º 2 estabelece que: “A vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e do membro do Governo competente em razão da matéria, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios”.

 

20. Assim, o que está em causa na Portaria de Vinculação, prevista pelo art. 4.º, n.º 1 do RJAT – que veio a ser a Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 – não é uma definição ou delimitação abstracta da competência material dos tribunais arbitrais tributários; é a demarcação da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no âmbito deste centro de arbitragem institucionalizada que é o CAAD. 

 

21. A posição acima citada no n.º 15 parecia, aliás, ter sido devidamente reponderada e ultrapassada no acórdão proferido no processo n.º 115/2018-T, em que, de modo perfeitamente distinto, se sustentou a legitimidade da vinculação prevista no art. 4.º, n.º 1 do RJAT e concretizada pela Portaria n.º 112-A/2011, conforme o seguinte discurso fundamentador que se julga inteiramente correcto (suprimem-se as notas de rodapé]:

“o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que fosse restringido o âmbito da arbitragem tributária de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» (...).

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação a que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

“Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva”.

 A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

“A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria”.

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária pode vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime. (...)

 

22. Em face da orientação que fez vencimento, é muito significativo convocar a apreciação realizada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 117/2016, o qual, depois de destacar que “a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado»” e que: “Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado”, referiu o seguinte:

“Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral.

Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.

Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a LAT, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), preferindo-lhes, significativamente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária”

 

23. Nesta sequência, não se pode senão reputar como particularmente certeira a seguinte consideração constante do já citado acórdão proferido no processo n.º 115/2018-T:

“Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação”.

 

Recorde-se, também, já agora, o que se escreveu no citado acórdão proferido no processo n.º 347/2017-T (n.ºs 44 e 45):

“quanto à ratio da regulamentação em apreço, que aquilo de que se trata na Portaria n.º 112-A/2011 (...) e que constitui a finalidade que lhe está subjacente conforme decorre do art. 4.º do RJAT, é a determinação, pelo Governo, do âmbito da vinculação da AT à arbitragem tributária, o que pressupõe uma decisão regulamentar a concretizar, em termos mais ou menos restritivos, dentro, evidentemente, dos limites lógicos e mesmo ontológicos dos poderes existentes para a administração dos tributos por parte da AT, pois seria inimaginável uma delimitação em relação a poderes/competências que tal serviço não possui.

Pois bem, admitir (isto é, assumir), fora dos enunciados verbais e taxativos da Portaria n.º 112-A/2011, uma competência jurisdicional para apreciar litígios sobre realidades tributárias que não foram mencionadas e explicitadas, é desconsiderar o valor próprio dessa Portaria como instrumento para a expressão da vontade pública de submeter, em certos termos (arts. 2.º e 3.º), determinados serviços administrativos à arbitragem tributária e, logo, o círculo da vinculação especificamente manifestado à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no centro de arbitragem institucionalizado que é o CAAD, com o que se substitui uma opção pública pelo entendimento particular do tribunal arbitral. Impõe-se, antes, respeitar o texto da Portaria, evitando qualquer auto-atribuição de competência jurisdicional não prevista legal e regulamentarmente. A competência de um tribunal arbitral do CAAD não se pode ter nunca como auto-realizável pelo próprio tribunal e pelas partes, mas depende de modo rigoroso da exata aplicação das regras legais e regulamentares que balizam a vinculação do organismo administrativo à jurisdição arbitral. Ultrapassar o âmbito objetivo e subjetivo da arbitragem tributária que decorre dos enunciados linguísticos do RJAT e da Portaria de Vinculação significaria impor à AT uma resolução de litígios por particulares que a lei, direta ou indiretamente, não possibilitou e para que o Estado não se vinculou mediante a indispensável tomada de posição expressa”.

 

24. Não são, porém, apenas as premissas da orientação que fez vencimento que não se mostram adequadas como se vem de expor; também a conclusão apresentada quanto à qualificação como incompetência relativa não possui sustentação dogmática.

 

25. Afastando imediatamente o manifesto non sequitur que consiste na inferência de que se uma certa competência material de um tribunal só pode ser definida validamente por acto de natureza legislativa, então se o acto definidor da competência em razão da matéria não for legislativo, a ausência, segundo os critérios de repartição fixados por esse acto, da correspondente competência não se qualifica como incompetência material, o que confunde o plano da caracterização dogmático-normativa com o plano da conformidade constitucional, importa sobremaneira sublinhar que o tratamento como incompetência relativa da falta de vinculação nos termos do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 obnubila inteiramente as normas efectivamente aplicáveis.

 

26. Desde logo, dado que, nos termos do art. 4.º, n.º 1 do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários que operam no CAAD é aferida, para além do mais, pelo tipo dos litígios, em função de critérios de repartição ratione materiae, em atenção à matéria das pretensões em jogo, é manifesto que a falta de vinculação, nesta sede, redunda numa incompetência do tribunal em razão da matéria.

 

27. Como correctamente se observou na decisão arbitral proferida no processo n.º 17/2012-T, “a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal”.

 

28. Deste modo, é manifesto que a situação em presença não pode senão reconduzir-se ao disposto no art. 16.º do CPPT, o qual, como se viu, prescreve que a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso.

 

29. Porém, ainda que indevidamente, mesmo afastando a aplicação deste art. 16.º do CPPT, sempre se teria que considerar, de qualquer modo, que a apreciação da competência do Tribunal era de conhecimento oficioso.

 

30. É que, consabidamente, para além da disposição do art. 16.º, o CPPT prevê no art. 17.º um regime especial para a “incompetência territorial”, o qual, até à Lei n.º 118/2019, de 17.9 (aplicável apenas a novos processos de impugnação) , determinava que: “A infracção das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo” (n.º 1) e que: “A incompetência relativa só pode ser arguida: a) No processo de impugnação, pelo representante da Fazenda Pública, antes do início da produção da prova” (n.º 2).

 

31. Ora, admitindo que a orientação que fez vencimento não qualificará a falta de jurisdição em razão da falta de vinculação como incompetência em razão do território, e não constando qualquer outra regulação especial do CPPT, então devia considerar aplicável o disposto no art. 13.º do CPTA, como legislação subsidiária por força do preceituado no art. 2.º, al. c) do CPPT e da al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

 

32. Pois bem, o art. 13.º do CPTA, que seria, então, nesta hipótese, subsidiariamente aplicável, prescreve que o “âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, o que implica que, mesmo não qualificando a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais do CAAD como  questão de competência em razão da matéria, mas como qualquer outra espécie de competência, sempre se imporia o seu conhecimento oficioso por força deste art. 13.º do CPTA – como escreve VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça administrativa, (Lições), 16.ª ed., Coimbra, 2017, p. 284: “a competência do tribunal, em ambas as espécies, mesmo a competência relativa, é de ordem pública, o que vale por dizer que a sua falta é de conhecimento oficioso, não necessitando de ser alegada”.

 

33. A orientação que fez vencimento obnubilou a aplicação, não apenas do art. 16.º do CPPT, mas também deste art. 13.º do CPTA, preferindo antes convocar, em alternativa, o art. 18.º, n.º 4 da LAV ou o art. 103.º do CPC, de modo a poder afirmar que a apreciação da questão da competência depende de arguição no prazo da defesa.

 

34. Só que, mesmo considerando o próprio teor e contexto destes preceitos, essa aplicação carece de fundamento bastante na situação dos autos.

 

35. O art. 103.º do CPC reporta-se aos casos de incompetência relativa previstos no art. 102.º do mesmo Código, os quais respeitam à “infração das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado na convenção prevista no artigo 95.º”, o que, manifestamente, não tem qualquer correspondência com a dita “falta de jurisdição por falta de vinculação” assente na previsão do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, o que exclui inteiramente a possibilidade de aplicar aquele art. 103.º.

 

36. Quanto à invocação do art. 18.º, n.º 4 da LAV parece ignorar-se que a doutrina especializada, atento o teor daquela disposição, bem como o previsto no n.º 8 do mesmo preceito, admite que a invocação da incompetência possa proceder oficiosamente, desde logo em relação à inarbitrabilidade do litígio, porquanto não faz sentido levar o tribunal a prosseguir um processo cuja decisão será inelutavelmente anulada (cfr. art. 46.º, n.º 3, al. a), iii) da LAV) pelos tribunais do Estado (para desenvolvimentos sobre as hipóteses desta apreciação oficiosa na arbitragem voluntária, vd. MENEZES CORDEIRO, Tratado da Arbitragem, Coimbra, 2015, pp. 204-205 e ESTEVES DE OLIVEIRA, Lei da arbitragem voluntária comentada, Coimbra, 2014, pp. 254 a 257 e 262-263).

 

37. De qualquer modo, o que cabe reiterar é que, mesmo na ausência de arguição da matéria da incompetência no prazo da defesa, sempre o Tribunal Arbitral estava obrigado a conhecer oficiosamente da sua competência, seja, como parece dogmaticamente correcto, por força do disposto no art. 16.º do CPPT por estar em causa a infracção das regras de competência em razão da matéria, seja subsidiariamente por força do art. 13.º do CPTA, que prescreve que a apreciação da competência do tribunal em qualquer espécie é de ordem pública.

 

38. Como tal, a incompetência do Tribunal Tributário em razão da falta de vinculação quanto à matéria dos litígios resultante do disposto no art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 só pode ser qualificada como excepção em sentido impróprio (uma objecção ou um facto impeditivo da acção), já que a sua relevância não está na dependência da vontade do demandado, mas opera ipso iure, pelo que o “juiz pode e deve conhecer delas ex officio, independentemente da vontade da parte a quem aproveitam” (ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, 1985, p. 229).

 

C) Conclusão – pronúncia indevida

 

39. Como hoje está definitivamente assente (cfr. acórdãos do TCA Sul de 12.06.2014, proc. n.º 06224/12, de 25.062019, proc. n.º 44/18.6BCLSB e de 16.09.2019, proc. n.º 120/18.5BCLSB; vd. ainda o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016), constitui fenomenologia compreendida no conceito de pronúncia indevida o conhecimento por Tribunal Arbitral Tributário de litígio excluído da sua competência material nos termos resultantes dos arts. 2.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3.

 

40. Justamente, a decisão que fez vencimento, alheando-se das normas que definem o âmbito de intervenção da arbitragem tributária organizada no CAAD, pronunciou-se sobre objecto para que o Tribunal Arbitral não possuía competência em razão da matéria, o que configura uma pronúncia indevida nos termos da primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT, determinativa da invalidade do acórdão arbitral em conformidade com o n.º 1 do art. 27.º do mesmo RJAT.

 

Por estas razões, em cumprimento do n.º 5 do art. 22.º do RJAT, formula-se a presente declaração de voto de vencido.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2019

 

João Menezes Leitão