Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 119/2021-T
Data da decisão: 2021-08-05  IRS  
Valor do pedido: € 10.610,35
Tema: IRS - Revogação ato tributário – da (in)competência do Tribunal Arbitral em apreciar o pagamento dos juros indemnizatórios – da falta de objeto da lide – direito a juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO:

I.             A revogação do ato tributário que é objeto de pronuncia arbitral apenas constitui inutilidade superveniente da lide quanto ao mesmo, podendo os autos prosseguir para apreciação dos pedidos acessório com ele relacionados, como seja, o direito aos juros indemnizatórios.

II.            O direito aos juros indemnizatórios vem regulado no artigo 43.º da LGT, sendo a pedra de toque desta norma o erro dos serviços, quando o erro é imputável ao contribuinte não beneficia desse direito.

III.          A responsabilidade pelas custas será repartida entre o Requerente e a Requerida, quando, por um lado, a anulação do ato de liquidação de IRS controvertida, proveio de um ato revogatório da AT, praticado na pendência da presente instância – após a apresentação e aceitação do pedido de constituição do Tribunal arbitral -, o qual determinou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação, sendo, assim, a responsabilidade das custas processuais imputadas à Requerida, quanto a estes.

IV.          E por outro, sendo improcedente o pedido formulado pelo Requerente quanto à condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, sendo, nesta parte, o Requerente responsável pelas custas, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

1.            Em 24 de fevereiro de 2021, A..., contribuinte fiscal n.º..., com residência em Xangai,  ..., ..., ..., China, ..., adiante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:

a)            à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., referente ao ano de 2019, no montante de € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), e a sua anulação;

b)           à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa n.º ...2020... apresentada pelo Requerente contra aquele ato tributário, e a sua revogação;

c)            à condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos a título de imposto, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

2.            O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª B..., e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª C... e Dr.ª D... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 21 de maio de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

5.            No dia 24 de maio de 2021, a Requerida, através de requerimento, informou os autos que, por despacho da Senhora Subdiretora Geral do Rendimento, de 10.05.2021, foi revogado o ato objeto do presente pedido arbitral e indeferido o pedido de juros indemnizatórios.

6.            Nesta sequência, por despacho de 26 de maio de 2021, o Tribunal notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento identificado em 5 supra e para informar a sua pretensão na prossecução ou não dos presentes autos.

7.            Em resposta ao despacho indicado em 6. supra, o Requerente, no dia 28 de maio de 2021, apresentou um requerimento mediante o qual manifesta a sua intenção de prosseguir os autos apenas quanto ao reembolso do montante de imposto pago indevidamente, quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios, e no pagamento das custas processuais.

8.            No dia 24 de junho de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, apresentando defesa por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou, por um lado, a «incompetência material do tribunal arbitral para o pedido de juros indemnizatórios» e por outro, «a falta de objeto».

9.            No dia 30 de junho de 2021, a Requerente no uso do direito ao contraditório, apresentou um requerimento com a sua posição quanto às exceções invocadas pela Requerida, concluindo pela sua improcedência.

10.          Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, o Tribunal, por despacho de 5 de julho de 2021, entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como da apresentação de alegações.

11.          O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II - A POSIÇÃO DAS PARTES

 

Introito

 

12.          O Requerente, no pedido de pronuncia que formulou, apresentado em 24 de fevereiro de 2021 solicitou:

 a) a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., referente ao ano de 2019, no montante de € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), bem como a sua anulação,

b) a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa n.º ...2020... apresentada pelo Requerente contra aquele ato tributário, e a sua revogação e, por último

c) a condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos a título de imposto, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

 

13.          Sucede que, no dia 24 de maio de 2021, a Requerida comunicou ao presente Tribunal Arbitral a revogação do ato de liquidação de IRS sindicado, nos termos do qual foi o mesmo anulado e indeferido o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

14.          Não fazendo, tal despacho, qualquer referência quanto ao reembolso do montante de imposto pago.

 

15.          Face à aludida revogação, o presente Tribunal notificou o Requerente para que manifestasse a sua eventual intenção de prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos acessórios respeitantes ao pagamento dos juros indemnizatórios e ao reembolso, tendo o mesmo confirmado tal intenção.

 

16.          Consequentemente, veio a Requerida oferecer a sua Resposta, mediante a qual apresenta a sua defesa por exceção e por impugnação. No que às exceções diz respeito, invocou a Requerida «a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar o pedido de juros indemnizatórios», e a «falta de objeto da lide».

 

17.          Notificado o Requerente da mencionada Resposta, apresentou, ao abrigo do princípio do contraditório, requerimento refutando as exceções e a impugnação formulada pela Requerida.

 

Posição da Requerida

 

18.          Como aludido no Relatório, a Requerida apresentou a sua Resposta, através da qual se defendeu por exceção e por impugnação.

 

19.          Por EXCEÇÃO invocou, por um lado, «a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios», defendendo que nunca seria através de uma ação de impugnação ou da presente ação arbitral que o Requerente poderia ver reconhecido o seu direito aos juros indemnizatórios, quando peticionados em singelo, ou obter o reembolso do imposto ilegalmente pago, por aqueles não serem os meios judiciais adequados para a sua pretensão», concluindo no sentido de que «(…) ocorre a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros indemnizatórios, como é o caso, conducente à absolvição da instancia da Requerida, nos termos do n.º 2, do artigo 576° e alínea a), do art. 577°, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29º, do RJAT. »

 

20.          E, por outro, «a falta de objeto da lide», sustentado que «[a] pretensão principal do Requerente – anulação do ato de liquidação por efeito da respetiva revogação – foi plenamente alcançada, tendo deixado de existir na ordem jurídica qualquer ato sobre que o Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se. É que o reconhecimento do direito de juros indemnizatórios resulta direta e imediatamente da lei, como efeito da anulação administrativa do ato tributário de liquidação, à semelhança do que aconteceria se o ato tributário fosse anulado por decisão judicial/arbitral.» Mais refere que, «(…) não obstante o despacho de 2021-03-29  referir “revogação”, trata-se de um ato de anulação administrativa, ou seja, um ato que assenta em considerações de legalidade administrativa», o qual determinando a destruição dos seus efeitos.

 

21.          Assim, considera a Requerida que «as razões invocadas pela Requerente para prossecução da lide arbitral não correspondem a qualquer pretensão suscetível de pronúncia arbitral, por manifesta falta de objeto processual, à data da constituição do Tribunal Arbitral. Pelo que se verifica a exceção perentória de falta de objeto, a que se refere o n.º 3 do art. 576.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do 29.º do RJAT, o que implica a absolvição total.» 

 

22.          E, por último, impugnou que fossem devidos juros indemnizatórios ao Requerente, em virtude de a iniciativa de declarar os rendimentos que deram azo à liquidação sindicada partiu do próprio Requerente, «tendo a AT limitado-se a liquidar o imposto em função dos elementos declarados pelo mesmo na declaração de rendimentos, Modelo 3-IRS», pelo que «não se pode assim considerar que a liquidação resulte de um erro imputável aos serviços da AT, pelo que não estão preenchidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente.»

 

23.          Peticiona a Requerida, a final, que seja «julgada procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios em singelo, bem como procedente a exceção perentória de Falta de Objeto, com as consequências legais a que se referem, respectivamente, os n.ºs 2 e 3 do artigo 576.º do CPC, ex vi a alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, senda esta absolvida do pedido com as demais consequências legais.»

 

Posição do Requerente

 

24.          Notificado da Resposta da Requerida, veio o Requerente, através de requerimento que apresentou, exercer o direito ao contraditório que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Código do Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, refutando a posição assumida por aquela, pugnando pela improcedência quer das exceções invocadas, quer da impugnação apresentada, mantendo a sua posição quanto ao seu direito, quer ao reembolso do montante pago a título de imposto, quer ao pagamento de juros indemnizatórios, quer, ainda, e por último, requerendo a condenação da Requerida no pagamento das custas processuais, em virtude de «a constituição do tribunal arbitral ser imputável exclusivamente à Requerida.»

 

 III. SANEAMENTO

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes e os documentos juntos aos autos.

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a apreciação e decisão da causa, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           No ano de 2019, o Requerente era não residente em Portugal – cfr. facto não impugnado -;

B.            No ano de 2019, o Requerente obteve mais valias resultantes da alienação de valores mobiliários provenientes de sociedades sediadas fora do território nacional – cfr. facto não impugnado - ;

C.            Nos dias 8, 18 e 29 de junho e 15 de julho de 2021, o Requerente, através do Atendimento E-Balcão, da sua página do Portal das Finanças, solicitou esclarecimentos relativos à declaração de mais valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários estrangeiros, neles fazendo referência que não era residente no território nacional (residente na República da China) e que os valores mobiliários que originaram mais-valias haviam sido emitidos por sociedades sediadas fora do território nacional – cfr. Doc. n.º 18 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

D.           Nos dias 12, 19 e 30 de junho de 2021, em resposta aos pedidos de esclarecimento apresentados pelo Requerente indicado em C. supra, foi o Requerente informado pela AT, que o mesmo poderia declarar os rendimentos obtidos com a alienação onerosa de tais valores no Anexo G. - cfr. Doc. n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;  

E.            No dia 17 de julho de 2021, em resposta ao pedido de esclarecimento mencionado em C. supra apresentado pelo Requerente, no dia 15 de julho de 2021, a Requerente prestou a seguinte informação: «[c]onsiderando que em 2019, consta em cadastro como não residente em Portugal, e caso a entidade emitente das ações alienadas seja não residente não deverá apresentar Mod. 3 de IRS» - cfr. Doc. n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;  

F.            No dia 30 de junho de 2020, o Requerente submeteu declaração Mod. 3 de IRS, preenchendo o quadro 9 do anexo G, declarando mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários emitidos por sociedades com sede fora do território nacional – cfr. Doc. n.ºs 16 e 19 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

G.           O Requerente foi notificado do ato de liquidação de IRS n.º 2020..., de 17.07.2020, praticado por referência ao ano de 2019, do qual resulta um valor a pagar de € 10.610.35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos) - cfr. Doc. n.º 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial e processo administrativo - ;

H.           No dia 28 de agosto de 2020, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto sindicado, no montante de € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos) – cfr. Doc. n.º 20 junto com a petição inicial - ;

I.             No dia 31 de julho de 2020, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o referido ato de liquidação. - cfr. Doc. n.º 4 junto com a petição inicial e processo administrativo - ;

J.             No dia 30 de novembro de 2020 formou-se a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa indicada em G. supra  - facto não impugnado -;

25.          No dia 24 de fevereiro de 2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, com vista:

a)            à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., referente ao ano de 2019, no montante de € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos),

b)           à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento (tácito) da reclamação graciosa n.º ...2020... apresentada pelo Requerente contra aquele ato tributário,

c)            sendo, igualmente, requerida a condenação da Requerida no reembolso dos valores pagos a título de imposto, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

K.            No dia 25 de fevereiro de 2020, o pedido de constituição de pronuncia arbitral foi aceite pelo CAAD – cfr. facto não impugnado - ;

L.            No dia 26 de fevereiro de 2020, a Direção de Serviços de Consultoria e Contencioso (DSCJC) teve conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, informação que facultou à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a 1 de março de 2020 – cfr. facto não impugnado, constante da informação que acompanha o despacho de revogação do ato tributário junto com o requerimento apresentado pela Requerida no dia 24 de maio de 2021-

M.          No dia 20 de abril de 2021 foi proferido despacho de designação das juristas para acompanhamento do presente processo – cfr. despacho de designação junto aos autos - ;

N.           No dia 10 de maio de 2021, foi proferido despacho de revogação do ato, objeto do presente processo arbitral, pela Subdiretora Geral do Rendimento – cfr. requerimento apresentado pela Requerida no dia 24 de maio de 2021;

O.           No dia 17 de maio de 2021, o Requerente foi notificado do despacho de revogação do ato impugnado - cfr. requerimento apresentado pela Requerida no dia 24 de maio de 2021;

P.            No dia 21 de maio de 2021, o presente tribunal arbitral foi constituído – cfr. comunicação da constituição do tribunal arbitral singular junto aos autos - ;

Q.           No dia 24 de maio de 2021, a Requerida, através de e-mail, deu conhecimento aos presentes autos do despacho de revogação do ato tributário sindicado– cfr. requerimento apresentado pela Requerida no dia 24 de maio de 2021;

R.            Depois de notificada para o efeito, no dia 27 de maio de 2021, o Requerente manifestou a sua intenção de prosseguimento dos autos no que toca à apreciação do direito à restituição do valor pago indevidamente, bem como ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.

 

 

b. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

V – DO DIREITO

 

Tendo em consideração a posição manifestadas pelas partes no âmbito da tramitação e desenvolvimento do presente processo descrito no Relatório, são as seguintes questões a apreciar:

 

a)            Saber se o tribunal arbitral é material incompetente para apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, bem como do reembolso do montante pago indevidamente, a título de imposto;

b)           Saber se se verifica a falta de objeto da lide, face à revogação do ato tributário;

c)            Saber se há lugar a juros indemnizatórios;

d)           Saber sobre quem recai a responsabilidade pelas custas processuais.

 

Vejamos, então,

 

A.           Da alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e do reembolso do imposto pago

 

 

1.            Como supramencionado, o Requerente, na sequência da revogação do ato tributário sindicado, manifestou o interesse no prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido de restituição do montante indevidamente pago a título de imposto e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.            A Requerida, em sede de Resposta, e face ao prosseguimento dos autos quanto a estas matérias, invocou a exceção dilatória de «a incompetência material do tribunal arbitral para o pedido de juros indemnizatórios», nos termos do disposto no artigo 578.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual, sendo de conhecimento oficioso, deve, segundo as regras processuais implementadas no artigo 608.º do CPC , ser apreciada em primeiro lugar, uma vez que «obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal» [cfr. n.º 2 do artigo 576.º do CPC].

 

3.            Sustenta, assim, a Requerida que, decorrendo a competência do Tribunal Arbitral do disposto no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e considerando que, «com o presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como obter o reembolso do imposto indevidamente pago, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se insere no âmbito das competências acima elencadas.»

 

9.            Com efeito, segundo a Requerida, tendo a pretensão principal do Requerente sido concretizada por via da revogação do ato de liquidação de IRS sindicado nos presentes autos, o conhecimento das demais questões – pedidos acessórios – não pode ser apreciada pelo presente tribunal, em virtude de o pedido de pronuncia arbitral não ser meio processual adequado para reconhecer ou apreciar o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios «quando peticionados em singelo, ou obter o reembolso do imposto ilegalmente pago».

 

10.          Nestes termos considera a Requerida que «(…) ocorre a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros indemnizatórios, como é o caso, conducente à absolvição da instancia da Requerida, nos termos do n.º 2, do artigo 576° e alínea a), do art. 577°, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29º, do RJAT. »

 

11.          O Requerente, por seu turno, refuta a posição da Requerida sustentado que apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral no dia 24.02.2021, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, e consequente, «pedido de anulação da liquidação de IRS e de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios».

 

12.          Mais refere o Requerente que, quando a Requerida comunicou (24.05.2021), aos autos, o ato de revogação do ato de liquidação de IRS sindicado, já o tribunal arbitral havia sido constituído (21.05.2021), pelo que, nestas circunstâncias, «[d]etendo os Tribunais Arbitrais competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, também a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais.»

 

13.          … é manifesto que «(…) o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar o pedido de reembolso do imposto (IRS) e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, não se verificando, por isso, a exceção dilatória sob apreço.»

 

14.          Expostas as posições das partes quanto a esta invocada exceção, cumpre apreciar.

 

15.          Antes de avançarmos para a apreciação propriamente dita da alegada exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral é prudente referir, desde já, que a apreciação do direito ao reembolso do imposto pago indevidamente pelo contribuinte, é uma matéria que não está sujeita a qualquer apreciação judicial/arbitral, atendendo a que a mesma consubstancia uma decorrência legal.

 

16.          Prevê o artigo 100.º da LGT, sob a epígrafe “efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo», que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação ou recursos administrativos, ou de processo judicial [onde se inclui o processo arbitral] a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.»

 

17.          Ora, enquanto o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, na sequência de uma decisão favorável ao sujeito passivo, se encontra dependente de requisitos e pressupostos que se devem verificar – vide artigo 43.º da LGT -, o reembolso do imposto pago pelo contribuinte, nas mesmas circunstâncias, decorre simplesmente da Lei, devendo o mesmo ter lugar em execução de sentença, por forma à «imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade». – vide  artigo n.º 100.º da LGT –

 

18.          Por esta razão, passará, então, o presente Tribunal à apreciação da exceção da incompetência material face ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Assim,

 

19.          O presente Tribunal acompanhando a jurisprudência e doutrina dominante nesta matéria determina, desde já, que é o mesmo materialmente competente para, no caso concreto, decidir e apreciar sobre o direito ao pagamento de juros indemnizatórios. Porquanto,

 

20.          Conforme esclarece JORGE LOPES DE SOUSA  que «[s]e na pendência da impugnação, depois do prazo referido nos arts. 111.º, n.º 1, e 112.º n.º 1 do CPPT, for praticado um ato revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo acto revogado, o processo de impugnação prossegue em relação a esses efeitos (art. 65.º, n.º 1 do CPTA).»

 

21.          No caso em análise, não obstante, o pedido de declaração de ilegalidade do ato sindicado ter sido concretizado, através da revogação do ato pela Subdiretora Geral do Rendimento, por despacho de 10.05.2021, e o mesmo ter sido anulado,

 

22.          … a verdade, é que, por um lado, tal ato revogatório, apenas, foi comunicado aos presentes autos, após a aceitação do pedido de pronuncia arbitral (25.02.2021) e da comunicação feita à Requerida (28.02.2021), bem como, após a designação de árbitro (03.05.2021) e da constituição do presente tribunal arbitral (21.05.2021), já na pendência da ação e após os 30 dias previstos no artigo 13.º do RJAT terem expirados;

 

23.          … e por outro, o Requerente, para além do pedido principal, peticionou, complementar e acessoriamente, o reembolso do montante pago a título de imposto, bem como o pagamento de juros indemnizatórios,

 

24.          … pedido este (último) indeferido pela Subdiretora Geral do Rendimento, no despacho de revogação do ato tributário.

 

25.          Nesta sequência, e depois de notificado para o efeito, manifestou o Requerente a sua vontade no prosseguimento dos autos para apreciação dos referidos pedidos acessórios. O que lhe é totalmente legítimo. Senão vejamos,

 

26.          Como veremos melhor infra, a revogação do ato de liquidação provocou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de declaração de ilegalidade deste ato conforme formulado pelo Requerente, e terá sido extinta a instância quanto a este,

 

27.          … no entanto, tal efeito não se verificou quanto aos demais pedidos acessórios e com ele relacionados, cuja apreciação da legalidade se mantém.

 

28.          Como esclarece a douta decisão proferida no processo do CAAD n.º 40/2019-T [Alexandra Coelho Martins, Adelaide Moura e José Nunes Barata] e referida na decisão proferida no processo do CAAD n.º 701/2019-T [Ricardo Rodrigues Pereira], que acompanhamos com a devida vénia:

«(…) afigura-se que a questão suscitada não é qualificável como incompetência material, respeitando, antes, à amplitude da extinção da instância como efeito da anulação (…) dos atos impugnados. I.e., está em causa avaliar se esta extinção se projeta sobre os pedidos acessórios ou dependentes da pretensão anulatória entretanto satisfeita por via administrativa, sem, contudo, os regular (os juros indemnizatórios ou a indemnização por prestação de garantia).

Não se suscitam dúvidas a este Tribunal que a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais tributários. Com efeito, estes têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, conforme reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD.

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. (…)

Deste modo, independentemente de se verificarem, no caso concreto, os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, afigura-se inegável que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar tal questão, que objetivamente se enquadra nos seus poderes de cognição, pelas razões acima enunciadas.»

 

29.          É, deste modo, e face a tudo quanto foi exposto, destituída de fundamento a exceção de incompetência do tribunal arbitral para a apreciação do pedido de juros indemnizatórios, pelo que improcede.

 

 

B.            Da alegada falta de objeto da lide

 

30.          Quanto a esta matéria vem a Requerida, na sua Resposta, sustentar que a «pretensão principal do Requerente - anulação do ato de liquidação por efeito da respetiva revogação - foi plenamente alcançada, tendo deixado de existir na ordem jurídica qualquer ato sobre que o Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se.»

 

31.          Mais referindo que o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios «resulta direta e imediatamente da lei, como efeito da anulação administrativa do ato tributário de liquidação, à semelhança do que aconteceria se o ato tributário fosse anulado por decisão judicial/arbitral», encontrando-se, deste modo, a AT obrigada «nos termos da lei, a reconstituir a situação que existiria se o ato tributário anulado não tivesse sido praticado».

 

32.          Concluindo no sentido de que «as razões invocadas pela Requerente para prossecução da lide arbitral não correspondem a qualquer pretensão suscetível de pronúncia arbitral, por manifesta falta de objeto processual, à data da constituição do Tribunal Arbitral.»

 

33.          Contra argumenta o Requerente mencionando que «o facto de se verificar a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal (ato anulado), não obsta ao conhecimento pelo Tribunal quanto ao pedido de juros indemnizatórios, afigurando-se a procedência de tal pretensão essencial para a reposição plena da situação hipotética atual, devendo nessa medida o processo prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apensar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos».  

 

34.          Ora, face ao desenvolvimento processual dos presentes autos, temos que a questão de fundo - apreciação da legalidade do ato tributário sindicado – foi já decidida, através da revogação do ato, significando isto que se deu a inutilidade superveniente da lide especificamente quanto a esta.

 

35.          A inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, o qual sumariamente, explica que:

«I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.»

 

36.          Aduz, em complemento a esta questão, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07433/14, de 10.04.2014, que:

«1. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).

2. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

3. Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.

4. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.»

 

37.          Ora, no caso sub judice, como referido supra, o ato sindicado - o ato de liquidação de IRS do ano de 2019, - foi revogado pela Subdiretora Geral do Rendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, na pendência do presente processo, pelo que, é, assim, manifesto que estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, passível de extinguir a instância, mas apenas quanto a esta matéria, repita-se.

 

38.          Com efeito, e tendo em consideração que, para além, da declaração de ilegalidade e da anulação do ato sindicado, levado a cabo pelo ato revogatório, o Requerente havia, igualmente, peticionado o pagamento de juros indemnizatórios, o qual foi indeferido pela Requerida, é manifesto que os autos devem e seguirão para apreciação desta matéria, face à utilidade da lide relativamente a este pedido acessório.

 

39.          Deste modo, a inutilidade superveniente da lide apenas se constata quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário, entretanto revogado e anulado, extinguindo-se a instância quanto a este, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT

 

40.          … não se verificando, contudo, tal inutilidade quanto à apreciação do pedido do pagamento dos juros indemnizatórios - o qual foi, aliás, indeferido pela AT -.

 

41.          Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA 

«…se for praticado um ato revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo ato revogado, afigura-se que o processo poderá prosseguir em relação a esses efeitos, se foi pedida a sua eliminação, como permite o artigo 65.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 (…)

Numa situação deste tipo, estar-se-á perante uma eliminação apenas parcial do objeto do processo, que não deverá ser obstáculo ao seu prosseguimento para apreciação dos pedidos formulados que não foram satisfeitos pelo ato revogatório.»

 

42.          Elucida, ainda, a douta decisão do tribunal arbitral proferida no âmbito do processo do CAAD n.º 40/2019-T, quanto a esta matéria e com indiscutível interesse que:

«a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nesta exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. Jurisprudência com a qual se concorda. A título de exemplo, vide os Acórdãos daquele Supremo Tribunal nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017.»

 

43.          Face ao acima exposto, é manifesto que não assiste razão à AT quanto à alegada inexistência de objeto processual que justifique a constituição do Tribunal Arbitral e o subsequente prosseguimento dos autos, pelo que improcede a exceção de falta de objeto da lide.

 

C.            Direito a juros indemnizatórios

 

44.          Posto isto, passemos, então à apreciação do direito a juros indemnizatórios peticionados, com fundamento em erro imputável aos serviços.

45.          Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

46.          Assim, quando o património do contribuinte tenha sido atingido em resultado de um erro da Administração Fiscal, e tal erro tenha sido declarado, o que ocorre, implicitamente, sempre que seja proferida uma decisão de anulação do ato de liquidação, nasce o direito a juros indemnizatórios.

 

47.          A pedra de toque destas normas é o erro dos serviços, cujo reconhecimento tem como efeito automático o direito a juros indemnizatórios, devidos desde a data em que o tributo foi pago em excesso até à data em que deva ser emitida a nota de crédito a favor do sujeito passivo (neste sentido, ver, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02 de novembro de 2005, Proc. n.º 562/05).

 

48.          Mais, considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em pressupostos de facto errados que não sejam da responsabilidade deste.

49.          Sendo, nesta sequência prudente compulsar o disposto no n.º 2 do referido artigo 43.º da LGT, segundo o qual «[c]onsidera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.»

 

50.          Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal.

51.          Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

52.          No caso presente, conforme resulta dos factos dados como provados – alíneas C) a E) da matéria de facto dada como assente – o Requerente, antes de submeter a declaração de IRS com referência ao ano de 2019, que originou a liquidação sindicada nos presentes autos, pediu esclarecimentos, à AT, através do E-Balcão, no seu Portal das Finanças, respeitantes à referida declaração de rendimentos provenientes de mais valias originada pela alienação de bem mobiliários de entidades se sediadas fora do território nacional.

53.          Refere o Requerente que, nesses esclarecimentos, a AT não foi devidamente elucidativa, contudo, dos factos provados -alínea E) da matéria dada como provada – resulta que a Requerida informou o Requerente que «[c]onsiderando que em 2019, consta em cadastro como não residente em Portugal, e caso a entidade emitente das ações alienadas seja não residente não deverá apresentar Mod. 3 de IRS»;  

54.          Face a esta informação e esclarecimento, não deveria o Requerente ter apresentado a declaração Mod. 3 IRS, referente ao ano de 2019, que originou o ato de liquidação sindicado, precisamente, por reunir os pressupostos nela indicados.

55.          Ora, no caso concreto, não seguiu o Requerente, no preenchimento da declaração de Mod. 3 IRS, «as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas», pelo que o erro não poderá ser atribuído aos serviços, mas ao próprio contribuinte.

56.          Deste modo, conclui-se pela improcedência do pedido referente ao pagamento de juros indemnizatórios, em virtude de o erro ser imputado ao Requerente (e não aos serviços).

57.          Assim sendo, estando-se perante um erro imputável ao contribuinte, e não aos serviços, improcede o pedido do Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

D.           Da responsabilidade pelas custas processuais

 

58.          Sustenta o Requerente que «por a constituição do tribunal arbitral ser imputável exclusivamente à Requerida que, notificada do pedido de constituição do tribunal com o objeto de apreciação da legalidade do ato tributário previsto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, não informou o presidente do CAAD da sua decisão revogatória no prazo previsto no art. 13.º, n.º 1 do RJAT, deverá ser a mesma condenada na totalidade das custas processuais».

59.          A matéria das custas processuais encontra a sua regulamentação no Código de Processo Civil, dispondo, sob a epígrafe “Repartição das Custas”, o n.º 3 do artigo 536.º do CPC aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT que nos «  (…) casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.»

60.          Prevendo o n.º 4 do mesmo preceito legal, no que nos aqui interessa, «[c]onsidera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.»

61.          No caso concreto, tal como acima demonstrado, a anulação do ato de liquidação de IRS controvertida, proveio de um ato revogatório da AT, praticado na pendência da presente instância – após a apresentação e aceitação do pedido de constituição do Tribunal arbitral -, o qual determinou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação, sendo, assim, a responsabilidade das custas processuais imputadas à Requerida, quanto a estes.

62.          Contudo, e tendo em consideração a improcedência do pedido formulado pelo Requerente quanto à condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nesta parte, é o Requerente responsável pelas custas, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

63.          Deste modo, é a responsabilidade das custas processuais respeitantes ao presente processo repartida entre o Requerente e Requerida, respetivamente, na proporção de 10% e 90%.

 

VI. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide o presente Tribunal Arbitral:

a)            Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., referente ao ano de 2019, no montante de € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), com as legais consequências, prosseguindo, no entanto, quanto à apreciação dos demais pedidos;

b)           Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral na apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

c)            Julgar improcedente a exceção de falta de objeto da lide;

d)           Julgar improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, com as legais consequências;

e)           Condenar o Requerente e a Requerida ao pagamento das custas do presente processo, respetivamente, na proporção de 10% e de 90%.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 10.610,35 (dez mil, seiscentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 299.º do CPC, nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, ambos aplicáveis por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente e Requerida na proporção de 10% e 90%, respetivamente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 5 de agosto de 2021

***

 

O Árbitro

(Jorge Carita)