Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 104/2019-T
Data da decisão: 2019-07-02  IRC  
Valor do pedido: € 1.420.726,09
Tema: IRC – Gastos - Irrelevância de menos-valias - Dupla tributação económica. Tributações autónomas - Remunerações de administradores.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Victor Calvete e Dr. Amândio Silva (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-04-2019, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede no ..., n.º..., ...-..., Lisboa, adiante designada por “Requerente” ou “A...”, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., relativo ao exercício de 2015, no que respeita ao montante de € 1.420.726,09, correspondente às correcções aqui contestadas, juros compensatórios incluídos, com a sua consequente anulação nesta parte, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 16 de abril de 2018 quanto a € 952.179,39, e desde 5 de março de 2018 quanto aos restantes € 468.546,70.

A Requerente pede ainda a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-04-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 14-06-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  1. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

III.1.3 - Menos-valias Fiscais - Partes de Capital (n.º 2 do artigo 23.º-A.º do CIRC) •€2.713.954,64-

No campo "739 - Diferença positiva entre as mais valias e as menos valias fiscais sem intenção de reinvestimento (artº 46.º)" da Declaração de Rendimentos Modelo 22, a Seguradora acresceu o montante de €136.137.799,36, correspondente ao saldo entre as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão de partes de capital.

No âmbito do procedimento de inspeção foi disponibilizado o ficheiro excel "MAPA FISCAL_122015_com ..._env_trab_vf.xlsb" com o objetivo de demonstrar que, relativamente às alienações de partes de capital, foi dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC.

Estabelece a mencionada disposição legal que "[n]ão concorrem para a formação do lucro tributável as menos-valias e outras perdas relativas a instrumentos de capital próprio, na parte do valor que corresponda aos lucros ou reservas distribuídos ou às mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais da mesma entidade que tenham beneficiado, no próprio período de tributação ou nos quatro períodos anteriores, da dedução prevista no artigo 51.º, do crédito por dupla tributação económica internacional prevista no artigo 91.º-A ou da dedução prevista no artigo 51.º-C."

De acordo com o n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, "[c]onsideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) (...);

b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º".

E o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC estabelece que "[a]s mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A e 31º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31º-A".

Estatui ainda, o n.º 11 do mesmo artigo que "[n]a transmissão onerosa de partes de capital da mesma natureza e que confiram idênticos direitos, considera-se que as partes de capital transmitidas são as adquiridas há mais tempo".

Acrescentando o n.º 1 do artigo 47.º do CIRC, que o valor de aquisição corrigido nos termos do artigo 46.º do CIRC é atualizado mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda.

Importa referir que, de acordo com o disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, as menos valias realizadas são consideradas gastos. Não obstante a sua aceitação como gasto, o n.º 2 do artigo 23.º-A vem estabelecer a limitação do seu valor, ao exigir que, às menos valias fiscais apuradas, sejam subtraídos os dividendos que beneficiaram da eliminação da dupla tributação, no âmbito dos artigos 51.º, 91.º- A ou 51 .º-C, todos do CIRC, no próprio ano ou nos quatro períodos de tributação anteriores.

Para efeitos de validação dos cálculos evidenciados no mapa disponibilizado [ficheiro excel "MAPA FISCAL_122015_com ... _env_trab_vf.xlsb"], analisaram-se os elementos facultados pela Seguradora, bem como outras informações acessíveis aos serviços de inspeção, como dados de anos anteriores resultantes de ações de inspeção, tendo-se verificado a existência de situações em que não considerou, para partes de capital alienadas no período de tributação de 2015 e que originaram menos valias realizadas, todos os lucros distribuídos que beneficiaram do artigo 51.º do CIRC, designadamente nas seguintes (Anexo 3):

• I...

Foram alienadas 1.090.515 ações, em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões que totalizaram € 12.477.126,83, não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-10, relativamente aos quais beneficiou do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51.º do CIRC, no montante de € 1.175.193,01";

• H...

Foram realizadas várias operações de venda deste valor mobiliário, tendo sido apuradas mais valias e menos valias fiscais, por terem origem em compras e vendas distintas, tendo o Sujeito Passivo considerado como gasto fiscal a totalidade das menos valias realizadas por estas serem inferiores às mais valias realizadas, pelo que não procedeu à aplicação do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC;

Porém, atendendo ao vertido nos diversos números do artigo 46.º do CIRC, estamos na presença de operações de venda distintas, as quais deram origem a diferentes valias realizadas. Assim, no caso das menos valias realizadas apuradas procedeu-se à sua anulação na parte que corresponde a dividendos que beneficiaram da eliminação da dupla tributação, no âmbito do artigo 51.º do CIRC, por forma a dar cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do artigo 23.º-AdoCIRC.

• E...

Foram alienadas 2.365.199 ações, em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões que totalizaram € 18.846.054,42 (Anexo 15), não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-29, relativamente aos quais beneficiou do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51.º do CIRC, no montante de € 1.435.982,23.

Desta forma, procedeu-se ao recálculo das valias realizadas e relevantes para efeitos fiscais, evidenciado no Anexo 3, tendo-se alterado o valor dos dividendos a considerar por terem usufruído do artigo 51.º do CIRC.

Resulta deste apuramento, um acréscimo ao lucro tributável no valor de € 2.713.954,64, dado pela diferença entre o valor considerado pelo Sujeito Passivo, de € 136,137.799,36 e o determinado pela Administração Fiscal, de € 138.851.754,00, efetuado nos termos da legislação supracitada.

Importa referir que esta correção está diretamente relacionada e condicionada pela correção identificada no ponto III.1.7 deste documento.

Na sequência de o Sujeito Passivo se ter pronunciado, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no ponto III.1.7 do Projeto de Relatório de Inspeção, o montante da presente correção foi ajustado e objeto de Adenda ao Projeto de Relatório de Inspeção, conforme se descreve no ponto IX do presente documento,

 

III.1.4. Retenção na fonte de IRC relativa ao resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliários (n.º 2 do artigo 68.º do CIRC e n.º 3 do artigo 22.º do EBF)

-€286.644,00-

O Mapa de mais/menos-valias Modelo 31, que integra o processo de documentação fiscal, a que se refere o artigo 130.ºdo CIRC, evidencia que foram resgatadas Unidades de Participação (UP) do Fundo B... - Fundo de Investimento Imobiliário. Na sequência daquela operação, veio a A... informar, no decurso do procedimento de inspeção, através de correio eletrónico datado de 2017-06-05, que:

"No ano de 2015 a A... resgatou a totalidade das UP's que tinha no Fundo B... .

No período em que a A... teve participação naquele fundo este suportou imposto (IRC), tendo este a natureza de imposto por conta de acordo com o artigo 22 do EBF na esfera do titular das UP's, (A...).

A A... quando submeteu a Modelo 22 referente ao ano de 2015 não considerou na dedução à coleta o imposto suportado pelo Fundo B... que cabia à A... conforme declaração que se anexa.

Assim, solicitamos que no âmbito da inspecção que está actualmente a ser efectuada às contas da A... daquele ano, seja considerado o montante de 286,644€ de imposto a favor da Companhia."

Para este efeito, enviou, em anexo ao correio eletrónico, a Declaração de Rendimentos emitida pela C..., S.A., na qual se constata, que, com efeitos a 15 de julho de 2015, a A... resgatou 120.000 unidades de participação que detinha no fundo B... pelo montante de € 5.339.184,00, subscritas, em 15 de julho de 2005, pelo valor de €6.000.000,00 e imposto retido na importância de €286.644,00 (Anexo 4).

Os Fundos representam veículos financeiros de financiamento de determinadas áreas críticas, constituem um património autónomo, uma forma unificada e continuada de ação, prosseguem fins próprios, e as contribuições monetárias entregues pelas entidades que os instituíram (eg. associados e participantes) são depositadas nas respetivas sociedades gestoras, tendo estas a competência de as representar enquanto pessoas detentoras desses Fundos.

Dadas estas características, os Fundos são considerados, no ordenamento jurídico interno, como entidades desprovidas de personalidade jurídica.

Não obstante revestirem a natureza de entidades destituídas de personalidade jurídica, possuem personalidade tributária atendendo a que as mesmas são geradoras de relações económicas de caráter comercial, atividade esta que é exercida a título principal e de forma continuada, facto manifestamente determinante para que lhes seja conferido o estatuto de sujeito passivo de relações tributárias.

Com efeito, a qualificação destas entidades como sujeitos passivos de IRC, encontra-se vertida na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC:

"São sujeitos passivos do IRC:

a) (...)

b) As entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou coletivas".

No que respeita ao cumprimento das obrigações tributárias inerentes aos Fundos de Investimento, são as sociedades gestoras que administram os interesses dos respetivos associados, participantes ou beneficiários que estão incumbidas desta competência, através do exercício de representação legal dos Fundos.

Considerando que, no caso em concreto, a subscrição das Unidades de Participação ocorreram no ano 2005 e o seu resgate em 15 de julho de 2015, a análise a efetuar irá recair sobre o regime de tributação dos organismos de investimento coletivo em vigor até 30 de junho de 2015, bem como no regime transitório estabelecido no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015.

O regime fiscal dos Fundos de Investimento vigente até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, previsto no artigo 22.º do EBF, tinha natureza de beneficio fiscal, em que a opção do legislador assentava num sistema de neutralidade fiscal através do qual os participantes são tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado diretamente. Obteve-se, deste modo, um regime de quase-transparência fiscal em que a tributação é realizada "à entrada". Logo, e apesar dos Fundos de Investimento constituírem pessoas coletivas, os rendimentos obtidos eram tributados por retenção na fonte e/ou autonomamente, sendo posteriormente os rendimentos das unidades de participação (por distribuição, resgate ou liquidação ou partilha) englobados aos restantes rendimentos, quando obtidos por sujeitos passivos de IRC e IRS no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, ou isentos, e com opção de englobamento, quando obtidos por sujeitos passivos de l RS fora do âmbito dessas atividades.

Refira-se que quanto aos fundos de investimento imobiliário (Fll) os rendimentos obtidos eram tributados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, estabelecendo este normativo que os rendimentos de FII tinham o seguinte regime fiscal:

a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25 %, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora, até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;

b) Tratando-se de mais-valias prediais, que não sejam relativas a habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25 %, que incide sobre 50 % da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, apuradas de acordo com o Código do IRS, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar;

c) Tratando-se de outros rendimentos, há lugar a tributação nos termos mencionados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

De acrescentar que, nos termos do n.º 7 do artigo 22.º do EBF, aos rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento imobiliário aplicava-se o regime fiscal idêntico ao estabelecido nos n.ºs 2 (enquadramento fiscal aplicável aos sujeitos passivos de IRS que sejam titulares de unidades de participação fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola), 3 (enquadramento fiscal aplicável aos sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território), 4 (enquadramento fiscal aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português isentos) e 5 (enquadramento fiscal aplicável às entidades não residentes em território português e que não sejam imputáveis a estabelecimento estável situado neste território) do mesmo artigo, para os rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento mobiliário.

Assim, e apesar dos Fundos de Investimento constituírem pessoas coletivas, os rendimentos obtidos eram tributados, mediante retenção na fonte ou entregas autónomas, sendo posteriormente os rendimentos das unidades de participação englobados aos restantes rendimentos, quando obtidos por sujeitos passivos de IRC e IRS no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, estando isentos quando obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito dessas atividades - com possibilidade de englobamento por opção do seu titular - ou por não residentes.

Dispunha o n.º 3 do artigo 22º do EBF que os rendimentos respeitantes a unidades de participação em Fundos auferidos por sujeitos passivos de IRC, residentes ou não residentes com estabelecimento estável em território português, não estavam sujeitos a retenção na fonte e eram considerados pelos seus titulares como rendimentos ou ganhos, e o montante do imposto suportado pelo Fundo, nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, tinha natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 90.º do CIRC.

Assim sendo, os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, como é a A..., que obtinham os rendimentos no âmbito de uma atividade comercial nos termos da aplicação do plasmado no n.º 3 do artigo 22.ºdo EBF, teriam deter em consideração o n.º 2 do artigo 68.ºdo CIRC,"[s]empre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte."

Ora, considerando o sistema de neutralidade e o regime de quase-transparência fiscal em que assentava o regime de tributação dos Fundos de Investimento, quando eram obtidos rendimentos respeitantes a unidades de participação em Fundos por sujeitos passivos de IRC, os mesmos deveriam ser incluídos pelo valor ilíquido, ou seja, pelo montante apurado na operação de resgate acrescido do imposto suportado, podendo o imposto suportado "à entrada" ser deduzido à coleta do respetivo período. Deste modo, os contribuintes titulares de unidades de participação eram tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado diretamente.

Aliás, no sentido do regime tributário dos fundos de investimentos ter por base um regime de neutralidade fiscal, tem-se que "[estas normas legais [art.º 22ºdo EBF] reflectem, claro, um objectivo de transparência fiscal. Os rendimentos originados no investimento através de fundos são tributados como se o titular das UP fosse o titular directo dos activos que compõem o fundo. Por esta razão, o objectivo da lei é que, quando esses rendimentos são transportados para a esfera dos titulares das UP, já estejam tributados e não o voltem a ser.

(...)

Apenas se garante que a tributação funciona como se os investimentos fossem realizados diretamente pelo titular das UPs. O regime apresentado é um regime de neutralidade fiscal entre o investimento directo em participações sociais e o investimento através de fundos não personalizados."

O Decreto-Lei n.º7/2015, de 13 de janeiro procedeu à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo (OIC), alterando, o artigo 22.º e aditou o artigo 22.º-A, ambos do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Os n.ºs 9 e 10 do artigo 7.º do mencionado diploma legal estabeleceram um regime transitório aplicável aos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, do qual se retira que:

• A operação de resgate de unidades de participação num Fundo por parte de uma Sociedade, de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 22.º-A do EBF, deverá ser enquadrada nos termos do CIRC, dando origem, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do Código, a uma mais-valia ou menos-valia, que se considera realizada no período de tributação em que a operação de resgate ocorra, ou a um ajustamento por justo valor, consoante as unidades de participação sejam valorizadas, para efeitos fiscais, ao custo ou pelo justo valor;

• Assim, no caso de unidades de participação valorizadas, para efeitos fiscais, ao custo:

(i) Para efeitos do apuramento da mais-valia ou menos-valia relativa às unidades participação subscritas antes de 2015-06-30, o ganho ou a perda gerado aquando do respetivo resgate corresponde à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, o qual, nos termos do n.º 9, in fine, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, equivalerá ao valor de mercado das unidades de participação a 30 de junho de 2015, ou se superior, o valor de aquisição das mesmas;

(ii) A diferença entre o valor de mercado em 30 de junho de 2015 e o valor de aquisição determinado nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC deve ser incluída nos rendimentos ou ganhos da Sociedade, devendo, ainda, ser acrescida a esta diferença o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF, o qual é considerado como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do artigo 22.º do EBF.

• No caso de as unidades de participação serem valorizadas, para efeitos fiscais, pelo justo valor, a Sociedade deve acrescer ao lucro tributável do período de tributação em que ocorra o resgate o montante correspondente ao imposto suportado pelo Fundo {retido ou pago) nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF, o qual tem a natureza de imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do mesmo artigo.

O entendimento descrito encontra-se explanado na Circular n.º 6/2015 da Autoridade Tributária e Aduaneira que teve como objetivo divulgar as caraterísticas essenciais do novo regime, bem como esclarecer eventuais dúvidas de interpretação.

Do exposto, resulta claro que, para efeitos de determinação do lucro tributável, os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento deverão ser considerados pelo seu valor ilíquido, isto é, ao montante do ganho ou perda proveniente do resgate das unidades de participação deverá ser acrescido o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF, o qual é considerado como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, dando-se, desta forma, cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do artigo 68.º do CIRC que prevê, relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, que o montante a considerar na determinação da matéria coletável, é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.

Face à pretensão da A... de deduzir à coleta de IRC o valor de € 286.644,00, a título de retenção na fonte (passando a integrar o montante inscrito no campo 359 - retenções na fonte - do quadro 10 -cálculo do imposto), nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC e no sentido de averiguar se os rendimentos das UP foram contabilizados pelos seus valores ilíquidos, foi solicitada comprovação de que os rendimentos foram considerados na determinação da matéria coletável pela respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.

Da análise aos elementos apresentados, balancete das contas movimentadas na sequência da operação de resgate, verificou-se que a menos-valia contabilística apurada no valor de € 660.813,60 (diferença entre o valor de realização de € 5.339.184,00 e o valor de aquisição de € 6.000.000,00) se encontrava relevada em contas de resultados, constatando-se, que os referidos rendimentos auferidos se encontravam relevados contabilisticamente pelo seu "valor liquido" (isto é, não incluíam o imposto suportado - Anexo 5). Efetivamente, questionado o Sujeito Passivo, este informou que "(...) o valor do imposto retido não foi objeto de contabilização".

Acresce referir que se verificou que relativamente a uma amostra de outros rendimentos de fundos de investimento a A... procedeu à contabilização do imposto retido.

Neste sentido, e nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo 68.º do CIRC e n.º 3 do artigo 22.º do EBF, procede-se ao acréscimo à matéria tributável de IRC do montante de € 286.644,00, relativo à retenção na fonte (IRC) efetuada pelo Fundo B... que não foi considerada na base tributável da Seguradora para efeitos fiscais.

Note-se que esta correção se encontra relacionada e condiciona a efetuada a título de dedução à coleta, refletida no ponto III.2.1.2 deste documento.

(...)

 

III.1.7- Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos (artigo 51.ºdoCIRC) -(€1.039.126,56) -

A Companhia inscreveu, no campo "771 - Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos" do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, o montante de € 9.918.419,25, relativo à dedução prevista no artigo 51.º do CIRC, com vista à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos.

O regime consagrado no artigo 51.º do CIRC estipula em que condições se podem deduzir os lucros anteriormente tributados sendo que, para a atividade seguradora, prevê a dispensa de determinados requisitos no que respeita aos rendimentos dos títulos em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas.

Com efeito, o n.º 1 do citado artigo estabelece que, "os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 5 % cio capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas:

b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo ininterrupto, durante os 24 meses anteriores à distribuição ou, se detida há menos tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;

c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60% da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;

e) A entidade que distribuí os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em pais, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.".

Porém, e como referido, de acordo com o previsto no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na determinação do lucro tributável das sociedades de seguros, com sede ou direção efetiva em território português, podem ser deduzidos, para efeitos de determinação do lucro tributável, os rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas e que não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros independentemente da percentagem de participação e do prazo em que estas tenham permanecido na sua titularidade.

A redação do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na parte "não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros" foi dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), tendo o legislador fiscal, no âmbito da sua liberdade conformadora, através do artigo 135.º do mesmo normativo estabelecido que "[a] redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51º (...) do Código do IRC tem natureza interpretativa.".

Relativamente a esta questão refira-se o artigo 13.º do Código Civil que sob a epígrafe "Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas", estatui na 1.ª parte do seu n.º 1, "A lei interpretativa integra-se na lei interpretada", retroagindo os seus efeitos à entrada em vigor da antiga lei, como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada, ressalvando-se os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada, por transação ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza. Considera-se lei interpretativa aquela através da qual o legislador, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela - citando a obra de Baptista Machado, sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil (Coimbra, 1968) - in Código Civil Anotado, Vol. l, 4.ª Edição, Coimbra Editora, páginas 62 e 63 - "intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado" sendo "a declaração, feita pelo legislador, de que certa lei tem caráter interpretativo" equivalente "a uma cláusula de retroatividade". Ao ser atribuído um caráter interpretativo à norma de incidência em causa fez-se uma interpretação autêntica da norma interpretada, vinculativa para todos.

Neste sentido e com o fim de aferir se nos rendimentos deduzidos no âmbito do artigo 51.º do CIRC, com vista à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, incluíam rendimentos que fossem direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros, solicitou-se a discriminação das carteiras de investimento em Vida com Participação, Vida sem Participação e "Unit Linked" e o detalhe dos rendimentos que beneficiaram do artigo 51º, com a discriminação, quando aplicável, dos valores imputáveis à seguradora e aos tomadores de seguros. Em resposta foi apresentado um ficheiro com a identificação das carteiras, ramos e designação dos produtos associados (Anexo 8) e a discriminação dos dividendos auferidos por ramo e carteira.

De acordo com a informação disponibilizada, verificou-se que beneficiaram do regime previsto no artigo 51.º do CIRC os rendimentos afetos ao ramo vida - carteira "Vida com Participação com Investimento Autónomo" e que não beneficiaram do referido regime os rendimentos afetos ao ramo vida - carteira "N - UlclA" - Unit Linked c/lnv. Autónomo. Do procedimento adotado pelo Sujeito Passivo pode-se concluir que considera que a carteira "Unit Linked c/lnv. Autónomo" não pode beneficiar da eliminação da dupla tributação económica uma vez que os dividendos das participações financeiras são na totalidade imputados ao tomador.

Ora, atendendo a que participação nos resultados consiste no direito do tomador do seguro, segurado ou beneficiário receber parte dos resultados gerados pelo contrato de seguro, pode-se afirmar que parte dos dividendos auferidos pela seguradora é imputável ao tomador do seguro.

Assim, como a carteira "Vida com Participação com Investimento Autónomo" inclui rendimentos que serão imputados aos tomadores dos seguros solicitou-se, novamente, relativamente aos dividendos auferidos que fossem identificadas as modalidades em que estes sejam imputáveis ao tomador do seguro (n.º 6 do artigo 51.º do CIRC) e a indicação do seu montante29. Não se tendo obtido resposta reiterou-se o solicitado 30. Em resposta veio a Seguradora informar que: "(...)

• os dividendos de títulos afetos à carteira N em que o risco é do tomado do seguro são na totalidade imputados ao tomador.

• Nas carteiras de vida com participação nos resultados, os rendimentos são imputados a cada produto de acordo a rentabilidade da conta técnica. A conta técnica engloba Juros, dividendos, mais/menos valias.

Não temos, no momento, a informação da parte dos dividendos que é imputada às carteiras de seguros de vida com participação."

Assim, face à não discriminação, relativamente aos dividendos auferidos, dos montantes imputáveis aos tomadores de seguros nas carteiras de seguros de vida com participação, não tendo sido disponibilizada, deste modo, a informação necessária para comprovar a correta aplicação do preconizado no n.º 6 do artigo 51.º do artigo CIRO, a totalidade dos rendimentos afetos a essas carteiras, que ascenderam a € 732.000,00 (Anexo 9), não podem beneficiar da eliminação da dupla tributação económica, prevista no mesmo articulado.

Por outro lado, a fruição do beneficio previsto no artigo 51.º do CIRC está subordinada à prova dos requisitos nele descritos, a efetuar pela entidade beneficiária, que no caso da alínea d) do n.º 1 do referido artigo, deve ser realizada, nos termos do artigo 51.º-B do CIRC, mediante declarações ou documentos confirmados e autenticados pelas autoridades públicas competentes do Estado, país ou território onde a entidade que distribui os lucros ou reservas tenha a sua sede ou direção efetiva.

Embora o Sujeito Passivo não tenha dado cumprimento ao legalmente estabelecido, ao não integrar as declarações referenciadas no processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do CIRC, de acordo com o estatuído no n.º 5 do artigo 51.º-B do mesmo código, disponibilizou, no decurso do procedimento externo de inspeção, documentos com o intuito efetuar a prova prevista naquele artigo. Disponibilizou ainda o detalhe do valor deduzido, por título, tipo de afetação da carteira de investimento e país.

Da análise daqueles elementos, concluiu-se o seguinte:

> não foram apresentadas as declarações de prova relativamente a dividendos incluídos na base tributável e deduzidos no campo 771 no montante de € 20.595,76, (situação identificada no Anexo 10)

> embora o Sujeito Passivo não tenha usufruído do benefício previsto no artigo 51.º do CIRC para rendimentos incluídos na base tributável:

o no valor de € 355.740,09 relativamente à entidade D..., US, USD (situação identificada no Anexo 10);

o no valor de € 1.435.982,23 referente à E... USD (situação identificada no Anexo 10);

comprovou que as entidades participadas reuniam as condições legalmente estabelecidas para o efeito.

Deste modo, constatou-se que a A... considerou, para efeitos de determinação do lucro tributável, um valor inferior em €1.771.126,56 (-€ 20.595,76+€ 355.740,09+€ 1.435.982,23), de rendimentos de participações sociais em que foram aplicadas as reservas técnicas, distribuídos por entidades com sede ou direção efetiva fora do território português, passíveis de beneficiar da dedução previsto no artigo 51.º do CIRC (Anexo 10).

Em conclusão, a dedução à matéria tributável efetuada pelo Sujeito Passivo, relativa à eliminação da dupla tributação económica, será acrescida em (€ 1.039.126,56) (€732.000,00 - € 1.771.126,56) nos termos do supracitado normativo legal.

Importa referir que esta correção está diretamente relacionada e condiciona as correções identificadas nos pontos III.1.3 e III.2.1.1 deste documento.

O Sujeito Passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no Projeto de Relatório de Inspeção, tendo a mesma sido alterada (de € 396.855,67 para € -1.039.126,56) e objeto de Adenda ao Projeto de Relatório de Inspeção, conforme se descreve no ponto IX do presente documento.

 

(...)

III.2.1.3 - Tributação autónoma de remunerações variáveis (artigo 88.º do CIRC) -€315.000,00-

Na nota 41. Entidades Relacionadas do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais encontram-se evidenciadas as remunerações auferidas pelos órgãos sociais da A... em 2015, sendo as mesmas constituídas por remunerações fixas e remunerações variáveis.

Na validação do valor inscrito no Campo 365 do Quadro 10 - "Cálculo do imposto" da Declaração de Rendimentos Modelo 22, constatou-se que o Sujeito Passivo apurou uma tributação autónoma no montante total de € 763.802,56, não tendo inscrito qualquer importância no Campo 424 do Quadro 13, referente a gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes [alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC].

Neste contexto, foi solicitado à Seguradora o mapa de apoio ao cálculo das tributações autónomas, com a indicação da relevação contabilística e os balancetes antes e após apuramentos de resultados de 2015, tendo-se verificado que o saldo da conta de gastos PCES 6800920001 "OS-Out.rem-Premio Desempenho da Empresa-Const Prov", no montante de € 692.833,33, não havia sido sujeito a tributação autónoma.

Como estavam em causa bónus e outras remunerações variáveis relativos a órgãos sociais, solicitou-se a apresentação do extrato da referida conta, a identificação dos beneficiários das remunerações registadas, com indicação da sua remuneração anual e o plano de pagamentos.

De acordo com os esclarecimentos / elementos apresentados, o saldo da conta acima referida respeita às seguintes componentes:

- "Estimativa Participação Lucros 2015" - € 384.999,99

- "Provisão Performance Stock Units (PSU)" - € 307.833,34

Identificou os cinco membros da Comissão Executiva beneficiários de remunerações no período de tributação de 2015, indicando o seu plano de pagamentos e a sua remuneração anual:

Não ficando esclarecida a natureza das diversas remunerações, solicitou-se:

"- Declaração sobre política de remuneração dos membros dos órgãos de administração, apresentada pela Comissão de Remunerações, aprovada na Assembleia Geral de 31 de março de 2015;

- Ata e respetivos anexos da reunião da Comissão de Remunerações, realizada em 1 de abril de 2015, onde deliberou, entre outros assuntos, sobre a atribuição de participação nos lucros e sobre a revisão da remuneração fixa anual a aplicar aos membros da Comissão Executiva;

- Ata e respetivos anexos da reunião da Comissão de Remunerações, realizada em 20 de outubro de 2015, onde deliberou, entre outros assuntos, concluir a revisão e aprovar a política e condições remuneratórias aplicáveis aos membros dos órgãos sociais da A... para o mandato correspondente ao triénio 2014-2016;

- Descrição da natureza da remuneração identificada como "Remuneração em Espécie", nomeadamente, o enquadramento legal e fiscal, as condições de atribuição e de pagamento e apresentação de eventuais contratos ou outros documentos que lhe estejam associados;

- Descrição da natureza da remuneração apresentada como "Performance Stock Units", nomeadamente, o enquadramento legal e fiscal, as condições de atribuição e de pagamento e apresentação de eventuais contratos ou outros documentos que lhe estejam associados;

- Justificação para a não sujeição dos gastos com remunerações variáveis a tributação".

Da análise aos elementos e esclarecimentos prestados apurou-se:

• Relativamente à política de remunerações

a) Remuneração Fixa Anual (inclui Férias e Natal)

"[A] Comissão de Remunerações, (...), deliberou, (...), concluir a revisão e aprovar a Política e condições remuneratórias aplicáveis aos membros dos órgãos sociais da A... para o mandato correspondente ao triénio 2014-2016, nos termos constantes do Anexo a presente Ata que dela faz parte integrante".

"A componente fixa da remuneração, aprovada por deliberação da Comissão de Remunerações de 4 de Agosto de 2014, é paga em numerário, em 14 prestações mensais, nelas se incluindo as correspondentes aos subsídios de férias e de natal [...]".

b) Remuneração em Espécie

"[D]eliberou a Comissão de Remunerações, (...) aprovar a revisão da remuneração fixa anual bruta a aplicar, em 2015, aos membros da Comissão Executiva nos seguintes termos: Ao Presidente, (...), é atribuído um valor adicional fixo anual bruto de (...), face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014. Este valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes à data da presente deliberação, num seguro de capitalização individual de recebimento diferido de que seja pessoa segura e beneficiário o segurado".

Igual descrição relativamente aos restantes beneficiários, o que perfaz:

 

Relativamente à natureza da "Remuneração em Espécie" dos membros da Comissão Executiva, informou que "(...) esta se materializou num seguro complementar de reforma constituído pela A... mediante apólices de seguro "Poupança Activa". Tendo em conta que os montantes entregues para a apólice "Poupança Activa" representavam um direito adquirido e individualizado dos administradores, o valor dos Prémios pagos pela A... foram devidamente tributados como rendimento de trabalho dependente do respetivo administrador".

c) Remuneração Variável Curto Prazo (RVCP)

"Para efeitos de atribuição da RVCP, (...), define anualmente um conjunto de indicadores, nomeadamente, financeiros, operacionais e estratégicos, bem como as respetivas metas a atingir. (...) A RCVP inclui uma parcela de pagamento imediato em numerário, a ter lugar em abril do ano seguinte ao ano de referência, e uma parcela de pagamento diferido por um período de 3 anos, (...), que deverá, tendencialmente, representar 50% da RVCP e contemplar duas formas de atribuição: uma em numerário (tendencialmente, representando 25% cio RVCP) e outra em unidades remuneratórias (Restricted Stock Units ou "RSU") (tendencialmente, representando 25% da RVCP)".

d) Rem. Variável Longo Prazo (PSU - Performance Stock Units)

"[A] Comissão de Remunerações deliberou, ainda, aprovar a atribuição aos membros da Comissão Executiva da Sociedade, com referência ao ano de 2014, de uma remuneração variável de longo prazo representada através de unidades remuneratórias ("Performance Stock Units" ou "PSU"), com o valor unitário calculado em conformidade com o referido no Ponto 7 do Anexo e vencimento em abril de 2018, valor unitário este que por referência a 31.12.2014 é de € 10,520, nos termos seguintes":

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

"A RVLP (...) atribuída através de unidades remuneratórias, (...), estando, porém, o seu pagamento sujeito é verificação futura de condições adicionais de desempenho de médio-longo prazo (Performance Stock Units ou "PSU")"".

"As PSUs serão automaticamente convertidas e pagas em numerário decorridos 3 anos sobre a data de atribuição (vestingperiod)".

"[A]s "Performance Stock Units (PSU)" são unidades remuneratórias variáveis de benefícios de longo prazo - atribuídos após o decurso de um período mínimo de 3 anos -estando o seu efetivo pagamento dependente da verificação futura, durante o período de diferimento, de condições adicionais de desempenho da empresa, em comparação com o sector de atividade em que a A... se insere".

• No que se refere à justificação apresentada para a não sujeição dos gastos com remunerações variáveis a tributação.

"Quanto à eventual aplicação de tributação autónoma relativamente aos montantes pagos a título de remuneração variável dos administradores, informamos que a mesma não é devida, uma vez que são estritamente observados os critérios previstos na alínea b) do número 13 do art.º 88.º do Código do IRC. Não obstante os montantes atribuídos a título de remuneração variável representarem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e ultrapassarem o montante de 27.500,00 €, o pagamento das RSU e PSU estão subordinadas ao diferimento de uma parte superior a 50 % por um período mínimo de três anos, estando igualmente dependentes do desempenho positivo da A... durante o período do diferimento.

Efetivamente, apenas uma pequena parcela da remuneração variável pode ser paga no próprio ano, sendo diferido, por um período de 3 anos, a restante remuneração variável, sempre superior a 50%. Para este facto contribui a remuneração variável de longo prazo (PSU) a qual, de montante significativo, apenas pode ser paga após o 3.º ano e desde que o desempenho da A... seja positivo.

Deste modo, sendo o deferimento de mais de 50% da remuneração variável diferida por um período superior a 3 anos, encontra-se verificada a condição prevista na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do Código do IRC e, como tal, cumpridas as condições para não aplicação da tributação autónoma".

Porém a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não pode concordar com o enquadramento realizado pela A... em matéria de tributação autónoma de bónus e outras remunerações variáveis dos administradores:

 

a) Remuneração em Espécie

No que concerne à remuneração em espécie atribuída, a qual foi considerada um adicional à remuneração fixa anual e que se materializou num seguro complementar de reforma constituído pela A... mediante apólices de seguro "Poupança Activa", importa tecer as seguintes considerações:

• A Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., S.A., para o triénio 2014-2016 considera que a remuneração comporta uma componente fixa ajustada às funções e responsabilidades dos administradores e uma componente variável, sendo esta última constituída por uma parcela que visa remunerar o desempenho de curto prazo e por outra, com a mesma finalidade, aplicada ao desempenho de médio prazo;

• A remuneração em espécie em causa não é considerada remuneração fixa, tal como definido na Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., S.A. - Anexo à Ata n.º 5 da reunião da Comissão de Remunerações realizada em 2015-10-20, que conforme acima se transcreveu, refere que a "componente fixa da remuneração, (...), é paga em numerário, em 14 prestações mensais, nelas se incluindo as correspondentes aos subsídios de férias e de natal nos termos da legislação em vigor";

• Foi uma atribuição de caracter único, não existe remuneração idêntica no ano seguinte, conforme se retira do Relatório e Contas de 201665;

• O gasto relacionado com a mencionada remuneração encontra-se relevado na conta de gastos PCES 6800000001 "Órgãos sociais - remuneração fixa anual", pelo montante global de €515.000,00,

Neste sentido, dever-se-á clarificar o conceito de remuneração / retribuição, de remuneração fixa e de remuneração variável em face da legislação em vigor.

Para tal, deverá atender-se ao artigo 11.º do Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual, na determinação das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação das leis. Aliás, aí se determina que sempre que, nas normas fiscais, sejam empregues termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da Lei.

De acordo com o Código do Trabalho (CT), só se considera retribuição o que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, diretamente ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, podendo a retribuição ser certa, variável ou mista (conforme artigos 249.º e 251.º). Acrescenta o artigo 261.º do Código do Trabalho que se considera certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho (n.º 2), enquanto a remuneração variável pode ser calculada segundo o prudente arbítrio do julgador (n.º 4).

Por outro lado, na própria legislação fiscal, nomeadamente no artigo 2.º do Código do IRS, podemos encontrar o conceito de remuneração. Dado que o conceito não varia entre o IRS e o IRC, deverá ter-se em atenção neste caso o conceito de "remuneração" previsto nesse artigo.

O n.º 1 do referido artigo estabelece uma lista das remunerações com diversas origens enquanto "rendimentos do trabalho dependente", adicionalmente, o artigo 2.º, n.º 3, alínea a) do CIRS refere que as "remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas", são também considerados rendimentos do trabalho dependente.

O n.º 2 do artigo 2.º do CIRS dispõe que "as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em muitas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não".

Daqui se retira que dentro do conceito de "remuneração" existe o conceito de "remuneração acessória" e que, dentro deste, existe o conceito de "remuneração (acessória) variável".

Por sua vez, a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS estabelece uma definição de "remuneração acessória", nela "compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica", ao que se segue uma lista exemplificativa de remunerações consideradas acessórias, onde estão incluídas, entre outras, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários [Artigo 2.º, n.º 3, alínea b), ponto 3), subalínea i) do CIRS],

Do exposto resulta que a remuneração em espécie em análise é uma remuneração acessória que não pode ser considerada como regular ou fixa, dado o seu carácter de atribuição, relembre-se foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015, razão pela qual será considerada como remuneração variável na avaliação da sujeição a tributação autónoma.

 

b) Enquadramento Fiscal aplicável à tributação autónoma que incide sobre os bónus e remunerações variáveis

De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC são tributados autonomamente, à taxa de 35%, os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500,00 salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

Conforme decorre da norma citada, a sujeição a tributação autónoma dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, depende da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos relacionados com: (a) o valor dos próprios encargos ("superior a € 27.500,00") com (b) o seu peso relativo no cômputo da remuneração anual ("uma parcela superior a 25% da remuneração anual").

Tal verificação cumulativa, conjuntamente com a não aplicação dos requisitos da delimitação negativa de incidência prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC ("salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"), permite balizar a sujeição à tributação dos referidos encargos.

Quanto ao montante da remuneração anual a considerar para efeitos de aferição do primeiro requisito de sujeição deverá ter por referência a remuneração fixa e variável auferida / atribuída a cada um dos administradores durante o período a que os bónus e outras remunerações varáveis respeitam e em que os respetivos gastos foram devidamente reconhecidos contabilisticamente.

Assim, no conceito de "remuneração anual" prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC deverão incluir-se todas a retribuições (remunerações) certas, variáveis ou mistas que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito no período de tributação como contrapartida do seu trabalho, sendo de excluir deste conceito, entre outras, as importâncias a que se refere o n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho quando se verifiquem os condicionalismos aí previstos.

Por forma a validar o montante anual das remunerações auferidas individualmente pelos membros dos órgãos de administração da Seguradora, solicitou-se, conforme já referido, a indicação da remuneração fixa e da remuneração variável, relevadas como gasto no período de tributação de 2015 bem como discriminação da remuneração variável de curto prazo relevada como gasto em 2015 e paga no período de tributação de 2016.

No que concerne ao facto tributário "bónus ou outras remunerações variáveis", este abrange um conjunto de instrumentos de recompensa que complementa a remuneração fixa e que se encontra normalmente associada ao desempenho profissional do membro do órgão social.

Importa, neste contexto, salientar que a redação da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC refere, em primeira ordem os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis, pelo que a mesma indicia a opção em considerar e qualificar como facto gerador da tributação autónoma o momento do reconhecimento dos gastos relativos às referidas remunerações.

O princípio subjacente a esta norma é o de que o gasto inerente às remunerações variáveis atribuídas a gestores, administradores ou gerentes deve ser reconhecido no período em que uma entidade beneficia do trabalho dos referidos gestores, administradores ou gerentes, e no qual assume e reconhece a obrigação de atribuição das remunerações em causa, sendo as mesmas relevadas para efeito da formação / determinação do resultado económico e fiscal apurado nesse período (e não quando pagas).

Tal resulta, aliás, da redação do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, que dispõe que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica", estabelecendo o seu n.º 2 que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas".

Assim, transpondo para a questão subjudice temos que, para efeitos de IRC, estando constituída a obrigação de proceder ao pagamento de bónus ou de outras remunerações variáveis, a empresa terá de reconhecer o respetivo montante na contabilidade, independentemente de o pagamento ser efetuado no próprio ano ou no ano seguinte.

Sustentando-se assim que, operando a tributação autónoma sobre gastos ou encargos e não sobre pagamentos, deverá a mesma ser aplicada no período a que o encargo diz respeito e não naquele em que o pagamento ocorre.

Nestes termos, importa efetuar o levantamento das remunerações variáveis cujos gastos ou encargos estejam relevados no período de tributação de 2015, ainda que só sejam pagos no decorrer de exercidos posteriores.

De acordo com os elementos disponibilizados", no período de tributação de 2015, a Seguradora reconheceu encargos relativos a bónus, gratificações e outras remunerações variáveis a atribuir aos administradores, relevados contabilisticamente na mencionada conta PCES 6800920001 "OS-Out.rem-Premio Desempenho da Empresa-Const Prov", no valor total de € 385.000,00, tendo pago no período de tributação seguinte (2016) o montante de € 721.600,00 [€ 385.000,00 + € 336.600,00 (gasto reconhecido em períodos anteriores)].

Relembre-se que a remuneração em espécie, relevada contabilisticamente na conta de gastos PCES 6800000001 "Órgãos sociais - remuneração fixa anual", pelo montante global de € 515.000,00, é uma remuneração acessória que não pode ser considerada como regular ou fixa, dado o seu caracter de atribuição, foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015, razão pela qual é, também, considerada como remuneração variável na avaliação da sujeição a tributação autónoma.

Ora, conforme se demonstra no Anexo n.º 14 as remunerações variáveis pagas aos administradores atingem, individualmente valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual (fixa mais variável), encontrando-se assim verificadas as condições necessárias para que fiquem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do normativo em referência.

Face ao expendido, e de acordo com o evidenciado no anexo acima referido, da verificação das condições cumulativas de sujeição previstas na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, aferidas numa base individual, resultou a elegibilidade do montante de € 900.000,00 para efeitos de tributação autónoma, no período de tributação de 2015.

Do exposto resulta que o valor de € 900.000,00 deverá ser sujeito a tributação autónoma, nos termos estabelecidos no aludido articulado, pelo que será aplicada a taxa de 35% aí prevista, resultando um imposto em falta de € 315.000,00.

O Sujeito Passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no Projeto de Relatório de Inspeção, tendo a mesma sido mantida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme se descreve no ponto IX.2 do presente documento.

 

(...)

PONTO III. 2. 1.3 - Tributação autónoma de remunerações variáveis (artigo 88.º do CIRC) •€315.000,00-

Em sede do exercício do direito de audição vem a A..., entre os pontos 18.º e 29.º da sua exposição, solicitar a alteração do montante de correção proposto a título de tributação autónoma, com os seguintes fundamentos:

- "por inúmeras vezes, em resposta a Pedidos de Informação Vinculativa (PIV) apresentados por empresas foi explicitado o conceito de remunerações variáveis para efeitos da tributação autónoma prevista na alínea b) do n.º 13 do artº 88.º do Código do IRC":

- «[n]uma dessas respostas da AT aos referidos PIV pode ler-se que,

• [e]stão excluídas do conceito de retribuição, designadamente, "as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas peio empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa" e "a participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho", exceto quando as mesmas sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem ou, pela sua importância e caráter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como e/emento integrante da retribuição (cf. as alíneas b) e d) e n.º 3 do art.º 260º do CT).

• [a]ssim, no conceito de "remuneração anual" prevista na alínea b) do n.º 13 do art.º 88 do CIRC, deverão incluir-se todas as retribuições (remunerações) certas, variáveis ou mistas que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito no período de tributação como contrapartida do seu trabalho, sendo de excluir deste conceito, entre outras, as importâncias a que se refere o ponto anterior.

• [d]este modo, "tanto os bónus, como as gratificações por aplicação de resultados, quando atribuídos de forma regular ainda que o respetivo valor não esteja previamente fixado ou o seu pagamento garantido, devem considerar-se incluídos no conceito de remuneração anual para efeitos de tributação autónoma dos bónus e remunerações variáveis.

• (...) pelo contrário estarão excluídos os bónus e as gratificações por aplicação de resultados quando estes sejam atribuídos de forma irregular"»;

"(...) caso as remunerações em espécie não possam ser incluídas no conceito de remuneração fixa, por segundo os Serviços de Inspeção terem sido pagas uma única vez e não terem caracter regular, também não poderão integrar o conceito de remuneração variável para efeitos da alínea b) do n.º 13 do artº 88 do CIRC";

•«(...) caso a remuneração em espécie não possa Integrar o conceito de remuneração anual - de remuneração fixa, nem remuneração variável - mesmo nesta hipótese, só não estaria cumprida a regra de diferimento pelo "período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período" no caso do Administrador com o W/F ... S. Estaria sempre cumprida no caso dos restantes Administradores pelo que, para estes, nunca poderia ser exigida tributação autónoma».

 

Analisados os fundamentos acima reproduzidos, constantes do documento através do qual a Seguradora concretizou o exercício do direito de audição relativamente ao ponto em referência, verifica-se que o enquadramento efetuado pelo Sujeito Passivo e em que sustenta a sua argumentação, assenta na opinião de que se a remuneração em espécie em análise não pode ser incluída no conceito de remuneração fixa, então, também não pode integrar o conceito de remuneração variável, pelo que não poderá ser considerada "remuneração anual" para efeitos de eventual sujeição a tributação autónoma.

Numa primeira fase importa mencionar que o Sujeito Passivo alega que a Autoridade Tributária em resposta a Pedidos de Informação Vinculativa esclarece o que anteriormente se transcreveu, sem contudo, identificar o Pedido de Informação Vinculativa em causa.

Por outro lado cumpre esclarecer que a Inspeção Tributária nunca colocou em dúvida que a remuneração em análise está abrangida pelo conceito de "remuneração anual", apenas não concordou com a sua classificação como "remuneração fixa", senão vejamos:

A A... incluiu, e bem, aquelas remunerações, relativamente a cada um dos cinco beneficiários, nos rendimentos de trabalho dependente comunicados à AT através das declarações mensais de rendimentos (DMR), dando cumprimento ao n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS. Disponibilizou desta forma os elementos necessários a inclusão daqueles rendimentos de trabalho dependente nas declarações individuais de rendimentos Modelo 3 de IRS aos membros da Comissão Executiva,

É a legislação fiscal, nomeadamente a alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, que refere que as "remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas", são também considerados rendimentos do trabalho dependente.

Por sua vez, a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS estabelece uma definição de "remuneração acessória", nela "compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica", ao que se segue uma lista exemplificativa de remunerações consideradas acessórias, onde estão incluídas, entre outras, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários [Artigo 2.º, n.º 3, alínea b), ponto 3), subalínea i) do CIRS].

O próprio Sujeito Passivo referiu que «[relativamente à natureza da "Remuneração em Espécie" dos membros da Comissão Executiva, informamos que esta se materializou num seguro complementar de reforma constituído pela A... mediante apólices de seguro "Poupança Activa". Tendo em conta que os montantes entregues para a apólice "Poupança Activa" representavam um direito adquirido e individualizado dos administradores, o valor dos Prémios pagos pela A... foram devidamente tributados como rendimento de trabalho dependente do respetivo administrador.»

Do exposto, resulta indubitavelmente que a remuneração em espécie, aqui em análise, aprovada por deliberação da Comissão de Remunerações, encontra-se incluída no conceito de remuneração anual e que a mesma foi atribuída nos termos do contrato e das normas que o regem.

Quanto à sua natureza, fixa versus variável, a Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., S.A. - Anexa à Ata n.º 5 da reunião da Comissão de Remunerações realizada em 2015-10-20, considera que a remuneração comporta uma componente fixa ajustada às funções e responsabilidades dos administradores e uma componente variável, sendo esta última constituída por uma parcela que visa remunerar o desempenho de curto prazo e por outra, com a mesma finalidade, aplicada ao desempenho de médio prazo e refere que a componente fixa da remuneração é paga em numerário, em 14 prestações mensais, nelas se incluindo as correspondentes aos subsídios de férias e de natal nos termos da legislação em vigor.

Importa, ainda, relembrar que de acordo com o Código do Trabalho (CT), só se considera retribuição o que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, diretamente ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, podendo a retribuição ser certa, variável ou mista (conforme artigos 249.º e 251.º), acrescentando o artigo 261.º que se considera certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho (n.º 2), enquanto a remuneração variável pode ser calculada segundo o prudente arbítrio do julgador (n.º 4).

Assim, esta remuneração acessória (apólices de seguro "Poupança Activa") não cumpre os requisitos para integrar conceito de remuneração fixa contido na Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., assumindo, desta forma, um inegável carater variável (a mesma encontra-se associada ao prudente arbítrio do julgador), pelo que se mantém a correção proposta inicialmente no Projeto de Relatório.

 

IX.3 - Adenda ao Projeto de Relatório de Inspeção

Em relação ao ponto III. 1.7, veio a A..., entre os pontos 30.º e 35.º da sua exposição, referir que, quando submeteu a Declaração de Rendimentos Modelo 22 incluiu na base tributável dividendos distribuídos pela entidade F..., G..., no montante de € 1.435.982,23, porque não tinha à data a declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 51.º-B do CIRC, tendo deduzido o montante de € 143,600,00, referente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional ao abrigo do artigo 91.ºdo CIRC.

Neste sentido e no seguimento da apresentação do certificado de residência e declaração, ambos os documentos emitidos pela G..., que fazem referência ao imposto a que a empresa está sujeita, respeitando a forma definida no artigo 2º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, procedeu-se à elaboração de uma Adenda ao Projeto de Relatório de Inspeção, de forma a contemplar a situação anteriormente descrita, que conduziu a alterações aos pontos III.1.3, III.1.7 e III.2.1.1.

A Adenda ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária foi notificada ao Sujeito Passivo, no cumprimento do disposto nos artigos 60.º da LGT e do RCPITA, através do ofício n.º ... de 3 de janeiro de 2018, para exercer, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, o direito de audição prévia sobre as correções propostas. O Sujeito Passivo não exerceu o direito de audição relativamente às alterações propostas, conforme correio eletrónico remetido a 2018-01-30.

(...)

 

  1. Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2015, e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2018... que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que foi indeferida com os fundamentos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

§ V. DA ANÁLISE DO PEDIDO

18. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Reclamante, e considerando que, nos autos está em causa dirimir se os atos tributários a sindicar se encontram ou não enfermados dos vícios de ilegalidade que lhes são apontados e, em caso afirmativo, decidir sobre o peticionado reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido nos termos previstos no art.º 43.º da LGT, a atribuir de acordo com o regime disposto no art.º 61.º do CPPT, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari passu com o itinerário percorrido pela apresentante.

Dito isto,

§ V.l. Da matéria coletável

§ V.l.l. Menos-valias fiscais - Partes de Capital

§ V.l.l.l. Dos fundamentos dos Serviços de Inspeção Tributária

19. No âmbito da aludida ação de inspeção, os SIT verificaram que no campo "739 - Diferença positiva entre as mais valias e as menos valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art.º 46º) da Declaração de Rendimentos Modelo 22, a Reclamante havia acrescido o montante de € 136.137.799,36, correspondente ao saldo entre as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão de partes de capital.

20. Foi então solicitado pelos SIT e, nessa sequência disponibilizado pela Reclamante o ficheiro excel "MAPA FISCAL_122015_com TRF FS_env_trab_vf.xlst>" com o objetivo de demonstrar que relativamente às alienações de partes de capital, foi dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC.

21. Os SIT analisaram os elementos facultados pela Reclamante, tendo verificado a existência de partes de capital, alienadas no período de tributação de 2015 e que originaram menos valias, em que não foram considerados todos os lucros distribuídos que beneficiaram do artigo 51-º do CIRC, designadamente nas seguintes partes de capital:

• I...

Foram alienadas 1.090.515 ações, em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões que totalizaram € 12.477.126,83, não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-10, relativamente aos quais beneficiou do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51 º do CIRC, no montante de€ 1.175.193,01,

• H...

Foram realizadas várias operações de venda deste valor mobiliário, tendo sido apuradas mais valias e menos valias fiscais, por terem origem em compras e vendas distintas, tendo o Sujeito Passivo considerado como gasto fiscal a totalidade das menos valias realizadas por estas serem inferiores às mais valias realizadas, pelo que não procedeu à aplicação do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC; Assim, no caso das menos valias apuradas procedeu-se à sua anulação na parte que corresponde a dividendos que beneficiaram da eliminação da dupla tributação, no âmbito do artigo 51 º do CIRC, por forma a dar cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC.

E...

Foram alienadas 2.365.199 ações em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões, que totalizaram o montante de € 18.846.054,42, não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-29, no montante de € 1.435.982,23, os quais beneficiaram do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51º do CIRC,

22. Em face do exposto, os SIT procederam ao recalculo das valias realizadas e relevantes para efeitos fiscais, apurando um acréscimo ao lucro tributável no valor de € 2.713.954,64, dado pela diferença entre o valor considerado pela Reclamante de € 136.137.799,36 e o determinado pela Administração Fiscal, de € 138.851.754,00.

§ V.l.l.ll. Dos argumentos da Reclamante

23. Em primeiro lugar, defende a Reclamante que a norma do artigo 23"-A, nº 2 do CIRC constitui uma norma de anti-abuso de caráter específico.

24. Argumenta que a atividade desenvolvida está necessariamente associada à pertinência de realizar investimentos em sociedades que lhe permitam obter retorno, quer através da receção de dividendos, quer através da obtenção de mais-valias aquando da sua alienação.

25. Esta gestão das carteiras de investimento é realizada em âmbito estritamente profissional, em função das responsabilidades assumidas pela Reclamante resultantes dos contratos de seguro.

26. Foi neste contexto que a Reclamante, através da sua Direção de Investimentos, realizou investimentos nas entidades I..., H... e E..., os quais se encontravam integralmente afetos a provisões técnicas.

27. Refere ainda que os investimentos naquelas entidades conferiam à Reclamante, no período de 2015, uma percentagem de participação máxima de 0,079%, 0,44% e 0,074%, respetivamente.

28. Acresceu que, sendo as referidas entidades cotadas - a I... e a E... são cotadas na bolsa de ... e a H... é cotada na bolsa de ...- a Reclamante não tem igualmente forma de "manipular" o preço de mercado das ações, e, bem assim, o preço a que as transacionou, na compra e na venda.

29. Defende que a desvalorização verificada nas ações deveu-se essencialmente a factos exógenos e não integralmente relacionados com a distribuição de dividendos, conforme se demonstra pelas flutuações das cotações verificadas relativamente aos títulos alienados.

30. Considera a Reclamante que, como no caso da H..., no âmbito da alienação de uma participação que contempla vários lotes de ações, quando o montante total apurado corresponda a uma mais-valia fiscal, o resultado apurado em cada uma dessas tranches {ainda que distinto do resultado global) deve seguir o mesmo regime aplicável ao resultado total apurado (in casu, o regime das mais-valias), tendo em conta o princípio da compensação entre ganhos e perdas que sejam, ao abrigo do artigo 46º do CIRC, considerados como mais ou menos-valias fiscais.

§ V.l.l.lll. Da apreciação

31. Quanto à questão de a norma do artigo 23º-A, nº 2 do CIRC poder qualificar-se como norma de anti-abuso de caráter específico, admitindo prova em contrário, refira-se, desde já, que não assiste qualquer razão à Reclamante.

32. Na verdade, o artigo em causa elenca um conjunto de situações que o legislador entendeu não atribuir relevância fiscal para efeitos do apuramento do lucro tributável.

33. Sendo que, no caso do n.º 2 deste artigo 23.º-A, a intenção do legislador parecer ter sido a de considerar, no apuramento da menos valia, o facto de os instrumentos de capital transmitidos terem beneficiado da dedução prevista no artigo 51.º do Código do IRC.

34. Aceita-se que, com esta norma, se tenham evitado determinados comportamentos de elisão fiscal, que consistiam em fazer anteceder a alienação de participações sociais de uma distribuição de lucros, obtendo ao mesmo tempo a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos e o apuramento de uma menos-valia.

35. Mas o principal efeito a destacar define-se no facto de ser pretendido que o valor das menos-valias apuradas com a transmissão de partes de capital fosse mitigado através da consideração dos dividendos anteriormente distribuídos

36. E isto independentemente da existência ou não de quaisquer comportamento abusivo por parte do transmitente dos instrumentos de capital.

37. Na verdade, se fosse intenção do legislador abranger com a referida norma unicamente situações abusivas, caracterizadas pela possibilidade de o contribuinte influenciar ou determinar a distribuição de dividendos em sociedades nas quais detêm participações, nesse caso tê-lo-ia referido expressamente no texto da lei, limitando a previsão da norma a essas situações.

38. Todavia, não foi isso que ficou expresso no texto da lei, bem pelo contrário.

39. Portanto, a norma é imperativa no sentido de considerar, em qualquer caso, que não concorrem para a formação do lucro tributável a parte das menos-valias que correspondem aos lucros ou reservas distribuídos que tenham beneficiado da dedução prevista no artigo 51º do CIRC.

40. Do que vimos de referir, é forçoso concluir no sentido da improcedência do pedido da Reclamante,

41. Por outro lado, a Reclamante pretende que a questão do apuramento de mais-valias e menos-valias seja aferida por referência à alienação em bloco das ações alienadas durante todo o período de 2015.

42. Com efeito, «considera a Reclamante que, no âmbito da alienação de uma participação que contempla vários lotes de ações, quando o montante total apurado corresponda a uma mais-valia fiscal, o resultado apurado em cada uma dessas tranches (ainda que distinto do resultado global), deve seguir o mesmo regime aplicável ao resultado total apurado (in casu, o regime das mais-valias)».

43. Recorrendo ao método sugerido pelo Reclamante, as mais-valias geradas pela venda de determinados lotes de ações absorveriam a menos-valia gerada na transmissão de outros lotes, não se registando na transmissão global qualquer menos-valia,

44. Situação que dispensaria a aplicação do artigo 23º-A, nº 2 do CIRC às menos -valias apuradas na transmissão de alguns lotes,

45. E que teria por resultado a diminuição do valor da mais-valia apurada em termos globais.

46. No fundo, é esta a consequência da interpretação defendida pela Reclamante; diminuição do valor da mais-valia global apurada.

47. Ora, afigura-se-nos que a Reclamante confunde o apuramento das mais-valias e menos-valias na transmissão de cada tranche de ações com o apuramento do respetivo saldo.

48. Refira-se, desde já, que o apuramento do saldo decorre de uma operação de subtração entre, por um lado, o valor das mais-valias e, por outro, o valor das menos-valias.

49. Para a realização de tal operação é necessário determinar o valor de cada uma das parcelas,

50. E, no que toca ao apuramento das menos-valias, é necessário levar em consideração o disposto no artigo 23º-A, nº 2 do CIRC, caso contrário tal apuramento não obedece aos ditames preconizados na lei.

51. Ao exposto, acrescente-se que o regime legal vigente afasta expressamente a solução preconizada pela Reclamante, na medida em que estabelece que «as mais-valias e as menos valias fiscais são dadas pela diferença entre valor de realização (...) e o valor de aquisição (...)» - cf. artigo 46 º, n.º 2 do CIRC.

52. Por conseguinte, não se trata aqui de apurar a diferença entre as valias geradas pela transmissão da globalidade dos lotes de ações, mas de saber, no que toca a cada transmissão onerosa, sobre a obtenção de um proveito ou de um prejuízo.

53. Só pela utilização deste método, previsto artigo 46.º, n.º 2 do CIRC, é possível determinar em cada transmissão se houve um prejuízo ou se, ao invés, se verificou um proveito.

54. E note-se que na presente situação existem diversas transmissões onerosas, como reconhece a própria Reclamante na nota de rodapé 16.

55. Com efeito, refere a Reclamante que, não obstante a decisão da alienação da participação ter sido decidida num mesmo momento, as diversas tranches foram alienadas em diversos dias em função da procura registada na Bolsa Valores de ... .

56. A questão do saldo resultante da totalidade das transmissões onerosas releva, isso sim, para efeitos de reinvestimento dos valores de realização, nos termos do n.º1 do artigo 48.º do CIRC.

57. Mas neste caso já não estamos a tratar do apuramento, per si, de mais ou menos valias no âmbito de uma transmissão onerosa.

58. Em face do exposto, improcede também nesta parte o pedido da Reclamante.

 

§ V.l.ll. Retenção na fonte de IRC relativa ao resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário

§ V.l.ll.l. Dos fundamentos dos Serviços de Inspeção Tributária

59. No âmbito da ação de inspeção tributária externa acima referida, foram feitas correções à matéria coletável, sendo que foi objeto de correção o valor da retenção na fonte de IRC relativa ao resgate da totalidade das unidades de participação do Fundo B..., no montante total de € 286.644,00 (duzentos e oitenta e seis mil, seiscentos e quarenta e quatro euros).

60. Pelos SIT foi detetado, através da análise do Mapa de mais/menos-valias Modelo 31, que a Reclamante procedeu ao resgate das referidas unidades de participação, tendo sido declarado pela mesma, após solicitação, que durante o período em que a Reclamante deteve participação no fundo suportou imposto (IRC), que teve a natureza de imposto por conta, de acordo com o artigo 22º do EBF, na esfera do titular das unidades de participação.

61. Referiu ainda a Reclamante que «quando submeteu a Modelo 22 referente ao ano de 2015 não considerou na dedução à coleta o imposto suportado pelo Fundo B... que cabia à A...», solicitando, em conformidade, que, no âmbito da inspeção que está atualmente a ser efetuada às suas contas, seja considerado o montante de € 286.644,00 de imposto a favor da Companhia.

62. Os SIT procederam ao enquadramento jurídico da matéria em causa, tendo concluído que «para efeitos de determinação do lucro tributável, os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento deverão ser considerados pelo seu valor ilíquido, isto é, ao montante do ganho ou perda proveniente do resgate das unidades de participação deverá ser acrescido o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF, o qual é considerado como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, dando-se, desta forma, cumprimento ao estabelecido no nº 2 do artigo 68. º do CIRC que prevê, relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, que o montante a considerar na determinação da matéria coletável, é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte».

63. Da análise aos elementos apresentados pela Reclamante, os SIT verificaram que, quanto ao balancete das contas movimentadas na sequência da operação de resgate, verificou-se que a menos-valia contabilística apurada no valor de € 660.813,60 (diferença entre o valor de realização de € 5.339.184,00 e o valor de aquisição de € 6.000.000,00) se encontrava relevada em contas de resultados, constatando-se, que os referidos rendimentos auferidos se encontravam relevados contabilisticamente pelo seu "valor líquido" (isto é, não incluíam o imposto suportado), tendo sido confirmado pela Reclamante que o valor do imposto retido não foi objeto de contabilização,

64. Neste sentido, e nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo 68.º do CIRC e n.º 3 do artigo 22.º do EBF, procede-se ao acréscimo à matéria tributável de IRC do montante de € 286.644,00, relativo à retenção na fonte (IRC) efetuada pelo Fundo B... que não foi considerada na base tributável da Seguradora para efeitos fiscais.

 

§ V.I.II.II. Dos argumentos da Reclamante

65. Refere a Reclamante que dispunha a redação do nº 3 do artigo 22º do EBF em vigor à data dos factos que "relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no nº 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do nº 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83º do CIRC e do artigo 78" do CIRS".

66. Defende a aplicação do nº 10 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, segundo o qual "consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de inicio da produção de efeitos da redação dada pela presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos nº 2 a 5, 7, 10, e 14 do artigo 22º, na redação anterior".

67. Neste sentido, o imposto retido na esfera dos fundos de investimento ao abrigo do referido regime era imputado aos participantes com a natureza de imposto por conta, nos termos do nº 3 da anterior redação do artigo 22º do EBF, não estando sujeitos a retenção na fonte.

68. Não seria de aplicar, portanto, o disposto no artigo 68º do CIRC ao caso em apreço, sendo inadmissível o recurso a essa norma face às leis interpretativas aplicáveis, uma vez que o mesmo versa sobre rendimentos sujeitos a retenção na fonte ou rendimentos que tenham dado lugar a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.

 

§ V.l.ll.lll. Da apreciação

69. Não tem razão nesta parte a Reclamante, atentas as regras de apuramento dos rendimentos auferidos no âmbito da detenção das unidades de participação referidas.

70. Ora, como vimos, a Reclamante somente havia sido contabilizado como rendimento o valor recebido aquando do resgate das participações.

71. No entanto, também deve ser acrescido ao rendimento auferido o valor retido a título de pagamento por conta do imposto, nos termos do artigo 7º, nº 10 do Decreto-Lei 7/2015, de 13-01-2015, e artigo 22º, nº 3 e 7 do EBF (redação aplicável),

72. Na verdade, conforme referido no Relatório de Inspeção, «o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro procedeu à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo (OIC), alterando, o artigo 22.º e aditou o artigo 22.º-A, ambos do Estatuto dos Beneficies Fiscais (EBF).

73. De notar que os n.» 9 e 10 do artigo 7.º do mencionado diploma legal estabeleceram um regime transitório aplicável aos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, do qual se retira que:

• A operação de resgate de unidades de participação num Fundo por parte de uma Sociedade, de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 22.º-A do EBF, deverá ser enquadrada nos termos do CIRC, dando origem, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do Código, a uma mais-valia ou menos-valia, que se considera realizada no período de tributação em que a operação de resgate ocorra, ou a um ajustamento por justo valor, consoante as unidades de participação sejam valorizadas, para efeitos fiscais, ao custo ou pelo justo valor;

• Assim, no caso de unidades de participação valorizadas, para efeitos fiscais, ao custo:

(i) Para efeitos do apuramento da mais-valia ou menos-valia relativa às unidades participação subscritas antes de 2015-06-30, o ganho ou a perda gerado aquando do respetivo resgate corresponde à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, o qual, nos termos do n.º 9, in fine, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, equivalerá ao valor de mercado das unidades de participação a 30 de junho de 2015, ou se superior, o valor de aquisição das mesmas;

(ii) A diferença entre o valor de mercado em 30 de junho de 2015 e o valor de aquisição determinado nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC deve ser incluída nos rendimentos ou ganhos da Sociedade, devendo, ainda, ser acrescida a esta diferença o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF, o qual é considerado como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da anterior redação do n.º 3 do artigo 22 º do EBF.

74. Não restam assim dúvidas de que ao valor da valia gerada pelo resgate das unidades de participação deverá ser acrescido o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos da anterior redação do artigo 22.º do EBF.

75. Em face da validade da correção em apreço, não resta outra alternativa senão a de indeferir a pretensão da Reclamante.

 

§ V.l.III. Retenção na fonte de IRC relativa ao resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário

 

§ V.I.III.I. Dos fundamentos dos Serviços de Inspeção Tributária

 

76. No âmbito da análise aos elementos contabilísticos da Reclamante, verificaram os SIT que aquela havia inscrito no campo "771 - Eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos" do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, o montante de € 9.918.419,25, relativo à dedução prevista no artigo 51.º do CIRC, com vista à eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos.

77. Com o fim de aferir se nos rendimentos deduzidos no âmbito do artigo 51.º do CIRC incluíam rendimentos que fossem, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros, os SIT solicitaram a discriminação das carteiras de investimento em Vida com Participação, Vida sem Participação e "Unit Linked" e o detalhe dos rendimentos que beneficiaram do artigo 51.º, com a discriminação, quando aplicável, dos valores imputáveis à seguradora e aos tomadores de seguros

78. De acordo com a informação disponibilizada, os SIT verificaram que os rendimentos afetos ao ramo vida - carteira Vida com Participação com Investimento Autónomo beneficiaram do regime previsto no artigo 51.º do CIRC", não tendo o mesmo acontecido com os rendimentos afetos ao ramo vida -carteira "N - UlclA" - Unit Linked c/lnv. Autónomo.

79. Ora, atendendo a que participação nos resultados consiste no direito do tomador do seguro, segurado ou beneficiário receber parte dos resultados gerados pelo contrato de seguro, consideraram os SIT que parte dos dividendos auferidos pela seguradora eram imputáveis ao tomador do seguro.

80. Assim, por referência à carteira "Vida com Participação com Investimento Autónomo" os SIT solicitaram que fossem identificadas as modalidades em que os dividendos fossem imputáveis ao tomador do seguro (n.º 6 do artigo 51.º do CIRC) e a indicação do seu montante.

81. Contudo, a Reclamante acabaria por não responder ao requerido pelos SIT.

82. De modo que, face à não discriminação, relativamente aos dividendos auferidos, dos montantes imputáveis aos tomadores de seguros nas carteiras de seguras de vida com participação, entenderam os SIT que a totalidade dos rendimentos afetos a essas carteiras, que ascenderam a € 732.000,00 (setecentos e trinta e dois mil euros), não podia beneficiar da eliminação da dupla tributação económica.

§ V.l.lll.ll. Dos argumentos da Reclamante

83. A Reclamante refere que o artigo 133" da Lei nº 7-A/2016, de 30 de março veio aditar a redação do nº 6 do artigo 51º do CIRC para "independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros (...)' (sublinhado da Reclamante), conferindo o legislador caráter interpretativo às alterações

84. Porém, segundo a Reclamante, a solução adotada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, foi inovadora, tornando inaplicável a natureza interpretativa que se lhe pretendeu atribuir, posto que o aditamento do nº 6 do artigo 51º do CIRC é materialmente retroativo, prejudicial e contrário ao nº 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.

85. Assim, defende que os dividendos recebidos dos contratos de seguros unit-linked devem beneficiar da aplicação do regime de participation exemption previsto no n.º 6 do artigo 51º do CIRC

 

§ V.l.lll.lll. Da apreciação

86. Não tem razão nesta parte a Reclamante, em virtude da aplicação dos artigos 51º, no 6 do CIRC e 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, que conferiu as alterações à primeira norma eficácia retroativa.

87. A este propósito, comece-se por referir que as seguradoras e os diversos tipos de produtos comercializados por elas, nomeadamente dos "Unit Linked", são produtos que dão origem à constituição de fundos para gerir os montantes aplicados pelos segurados, sendo, no entanto, o risco financeiro assumido por estes e não pela companhia de seguros.

88. Segundo as normas aplicáveis à contabilidade das seguradoras, os rendimentos de títulos afetos a produtos "Unit Linked" são rendimentos afetos a investimentos que se encontram a representar as provisões técnicas em que o risco é suportado pelo tomador do seguro, sendo contabilizado na conta de proveitos "74 - Rendimentos financeiros" e, ao mesmo tempo, compensados pela variação das provisões técnicas da conta de custos "62 Participação nos resultados" o que se traduz na não afetação de resultados,

89. Desta forma, os dividendos dos investimentos são rendimentos que não afetam a base tributável da seguradora, isto é, não se encontram refletidos no resultado do exercício de acordo com o artigo 17º do CIRC, dado o proveito obtido ser totalmente compensado pelo custo (provisões).

90. Portanto, como o risco corre por conta do tomador do seguro, z seguradora efetua um investimento por conta de outro, portanto o tratamento fiscal a ser efetuado é, e sempre foi, no sentido da tributação dos rendimentos, exceto no caso de se aplicar o nº 1 do artigo 51º do CIRC, sem o tratamento especial dado às seguradoras.

91. Quanto à questão da natureza interpretativa do disposto no artigo 51.º, n.º 6 do CIRC, assinale-se, desde já, não ser possível reconhecer à Administração um poder geral de controlo -necessariamente concreto - análogo ao dos tribunais, sobre a natureza interpretativa da norma em questão.

92. A razão básica deste entendimento repousa na diferença de natureza das duas funções, a jurisdicional e a administrativa.

93. A Administração está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da existência de dúvidas acerca seu caráter interpretativo, não dispondo, portanto, de um poder de não aplicação de leis em razão de tal motivo.

94. Deste modo, através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos sempre sobre o espetro do principio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Reclamante.

 

§ V.II. Do imposto em falta

§ V.ll.l. Tributação autónoma de remunerações variáveis

§ V.II.1.1. Dos fundamentos dos Serviços de Inspeção Tributária

95. No relatório do procedimento inspetivo acima referido, os SIT referem que na nota 41. Entidades Relacionadas do Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais encontram-se evidenciadas as remunerações auferidas pelos órgãos sociais da A... em 2015, sendo as mesmas constituídas por remunerações fixas e remunerações variáveis.

96. Na validação do valor inscrito no Campo 365 do Quadro 10 - "Cálculo do imposto" da Declaração de Rendimentos Modelo 22, constataram os SIT que o Sujeito Passivo apurou uma tributação autónoma no montante total de € 763.802,56, não tendo inscrito qualquer importância no Campo 424 do Quadro 13, referente a gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes [alínea b) do n.º 13 do artigo 88º do CIRC].

97. Neste contexto, os SIT solicitaram à Seguradora o mapa de apoio ao cálculo das tributações autónomas, com a indicação da relevação contabilística e os balancetes antes e após apuramentos de resultados de 2015, tendo-se verificado que o saldo da conta de gastos PCES 6800920001 "OS-Out.rem-Premio Desempenho da Empresa-Const Prov" não havia sido sujeito a tributação autónoma.

98. Como estavam em causa bónus e outras remunerações variáveis relativos a órgãos sociais, os SIT solicitaram a apresentação do extrato da referida conta, a identificação dos beneficiários das remunerações registadas, com indicação da sua remuneração anual e o plano de pagamentos,

99. Relativamente à natureza da "Remuneração em Espécie" dos membros da Comissão Executiva, informou a Reclamante que "(...) esta se materializou num seguro complementar de reforma constituído pela A... mediante apólices de seguro "Poupança Activa". Tendo em conta que os montantes entregues para a apólice "Poupança Activa" representavam um direito adquirido e individualizado dos administradores, o valor dos Prémios pagos pela A... foram devidamente tributados como rendimento de trabalho dependente do respetivo administrador.

100. No que concerne à remuneração em espécie atribuída, a qual foi considerada um adicional à remuneração fixa anual e que se materializou num seguro complementar de reforma constituído pela A... mediante apólices de seguro "Poupança Activa", os SIT consideraram o seguinte:

• A Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., S.A., para o triénio 2014-2016 considera que a remuneração comporta uma componente fixa ajustada às funções e responsabilidades dos administradores e uma componente variável, sendo esta última constituída por uma parcela que visa remunerar o desempenho de curto prazo e por outra, com a mesma finalidade, aplicada ao desempenho de médio prazo;

• A remuneração em espécie em causa não é considerada remuneração fixa, tal como definido na Política de Remuneração dos Órgãos Sociais da A..., S,A, - Anexo à Ata n.º 5 da reunião da Comissão de Remunerações realizada em 2015-10-20, que conforme acima se transcreveu, refere que a "componente fixa da remuneração, (...), é paga em numerário, em 14 prestações mensais, nelas se incluindo as correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nos termos da legislação em vigor";

• Foi uma atribuição de caráter único, não existe remuneração idêntica no ano seguinte, conforme se retira do Relatório e Contas de 2016;

• O gasto relacionado com a mencionada remuneração encontra-se relevado na conta de gastos PCES 6800000001 "Órgãos sociais - remuneração fixa anual", pelo montante global de € 515.000,00.

101. Em face do exposto, consideraram os SIT que a remuneração em espécie em análise é uma remuneração acessória.

102. Consideraram igualmente que se tratava de uma remuneração acessória que não podia ser qualificada como regular ou fixa, na medida em foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015.

103. Ora, como se viu, no período de tributação de 2015, a Seguradora reconheceu encargos relativos a bónus, gratificações e outras remunerações variáveis a atribuir aos administradores, relevados contabilisticamente na mencionada conta PCES 6800920001 "OS-Out.rem-Premio Desempenho da Empresa-Const Prov", no valor total de € 385.000,00, tendo pago no período de tributação seguinte (2016) o montante de € 721.600,00 [€ 385.000,00 + € 336.600,00 (gasto reconhecido em períodos anteriores)].

104. Por outro lado, consideraram os SIT que a remuneração em espécie, relevada contabilisticamente na conta de gastos PCES 6800000001 "Órgãos sociais - remuneração fixa anual", pelo montante global de € 515.000,00, é uma remuneração acessória que não pode ser considerada como regular ou fixa, na medida em foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015. razão pela qual é, também, considerada como remuneração variável na avaliação da sujeição a tributação autónoma.

105. Ora, as remunerações variáveis pagas aos administradores atingem, individualmente valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual (fixa mais variável), encontrando-se assim verificadas as condições necessárias para que fiquem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do normativo em referência.

106. Portanto, da verificação das condições cumulativas de sujeição previstas na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, aferidas numa base individual, resultou a elegibilidade do montante de € 900.000,00 (€ 515.000,00 + € 385.000,00) para efeitos de tributação autónoma, no período de tributação de 2015.

107. Do exposto resulta que o valor de € 900.000,00 deve ser sujeito a tributação autónoma, nos termos estabelecidos no aludido articulado, pelo que foi aplicada a taxa de 35% aí prevista, resultando um imposto em falta de € 315.000,00.

 

§ V.II.l.II. Dos argumentos da Reclamante

108. Por sua vez, defende a Reclamante que, nos termos da alínea b) do parágrafo l.3. da Circular nº 6/2010, de 1 de abril, da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, entidade que supervisiona a Reclamante, entende-se por "«Remuneração variável»: componente de remuneração calculada com base em critérios de desempenho".

109. Refere que, tendo em conta as características da remuneração em espécie em apreço, pode-se concluir que foi predefinida pela Comissão de Remunerações, não dependia de qualquer desempenho individual ou coletivo, constituiu uma componente da remuneração dos administradores executivos para o exercício de 2015, foi liquidada nos trinta dias subsequentes à data da deliberação da Comissão de Remunerações da Reclamante.

110. Tendo presente os conceitos de remuneração fixa e remuneração variável constantes do artigo 399º do Código da Sociedades Comerciais e das Instruções Administrativas da ASF, e as características associadas à remuneração em espécie atribuída aos administradores no período de 2015, apenas se poderá concluir que aquela remuneração não se subsume no conceito de remuneração variável, porquanto a mesma não dependia do desempenho individual do administrador ou da Reclamante, e não foi paga após verificado o cumprimento dos objetivos delineados a priori.

111. Acresce ainda que, ao contrário do que os SIT fazem crer no âmbito da correção em apreço, o artigo 2º do CIRS em nada sustenta a tese de que a remuneração em causa atribuída no período de 2015 aos administradores da Reclamante assume a natureza de uma remuneração variável, porquanto apenas contempla uma definição de remuneração acessória, conceito distinto de remuneração variável.

112. Por outro lado, alega a Reclamante que a sujeição a tributação autónoma deverá verificar-se aquando do pagamento das remunerações e não do momento do reconhecimento do encargo nas demonstrações financeiras.

113. Assim, e uma vez que no período de 2016 a Reclamante procedeu ao apuramento de tributação autónoma relativamente aos bónus pagos nesse período, no montante de € 721,600,00 (setecentos e vinte e um mil, seiscentos euros), a correção efetuada pela AT assenta num erra de raciocínio.

114. Se assim não fosse, estar-se-ia a duplicar o efeito da tributação autónoma da mesma realidade -i.e. o momento do reconhecimento do gasto e o momento do pagamento efetivo.

 

§ V.II.l.III. Da apreciação

 

115. Não tem razão também nesta parte a Reclamante, posto que a alínea b) do nº 13 do artigo 88º do CIRC prevê a sujeição a tributação autónoma dos "gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes", abrangendo a norma todas as remunerações auferidas pelos administradores que não tenham o caráter de remuneração fixa.

116. Ora, como anteriormente referido, as remunerações em causa tiveram um caráter extraordinário, tendo sido atribuídas por deliberação da Comissão de Remunerações da Reclamante, conforme é referido pela Reclamante, não fazendo parte da remuneração fixa.

117. Portanto, a argumentação da Reclamante de que as remunerações em apreço fazem parte da própria remuneração fixa, por não dependerem de qualquer desempenho individual ou coletivo, é falaciosa, corno de seguida se demonstrará.

118. Conforme bem é referido no relatório final da inspeção, na própria legislação fiscal, no artigo 2º do CIRS, podemos encontrar o conceito de remuneração, aplicável nos termos da alínea b) do artigo 2º da LGT, que estatui a aplicação às relações jurídico-tributárias dos códigos tributários, sem necessidade do recurso à legislação de outros ramos do direito.

119. O nº 1 do referido artigo estabelece uma lista das remunerações com diversas origens enquanto "rendimentos do trabalho dependente", adicionalmente, o artigo 2º, n.º 3, alínea a) do CIRS refere que as "remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas", são também considerados rendimentos do trabalho dependente.

120. O nº 2 do artigo 2º do CIRS dispõe que "as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não".

121. Daqui se retira que dentro do conceito de "remuneração" existe o conceito de "remuneração acessória" e que, dentro deste, existe o conceito de "remuneração (acessória) variável".

122. Por sua vez, a alínea b) do nº 3 do artigo 2º do CIRS estabelece uma definição de "remuneração acessória", nela "compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica", ao que se segue uma lista exemplificativa de remunerações consideradas acessórias, onde estão incluídas, entre outras, as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários [Artigo 2º, nº 3, alínea b), ponto 3), subalínea i) do CIRS].

123. Do exposto resulta que a remuneração em espécie em análise é uma remuneração acessória que não pode ser considerada como regular ou fixa, dado o seu caráter de atribuição, relembre-se foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015, razão pela qual é de se considerar como remuneração variável na avaliação da sujeição a tributação autónoma.

124. Quanto à questão relativa à determinação da ocorrência do facto tributário para efeitos de sujeição a tributação autónoma importa, neste contexto, salientar que a redação da alínea b) do nº 13 do artigo 88º do CIRC refere, em primeira ordem os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis, pelo que a mesma indicia a opção em considerar e qualificar como facto gerador da tributação autónoma o momento do reconhecimento dos gastos relativos às referidas remunerações.

125. O principio subjacente a esta norma é o de que o gasto inerente às remunerações variáveis atribuídas a gestores, administradores ou gerentes deve ser reconhecido no período em que uma entidade beneficia do trabalho dos referidos gestores, administradores ou gerentes, e no qual assume e reconhece a obrigação de atribuição das remunerações em causa, sendo as mesmas relevadas para efeito da formação / determinação do resultado económico e fiscal apurado nesse período (e não quando pagas).

126. Tal resulta, aliás, da redação do nº 1 do artigo 18º do CIRC, que dispõe que "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica", estabelecendo o seu nº 2 que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas".

127. Assim, transpondo estas considerações para a questão subjudice, temos que, para efeitos de IRC. estando constituída a obrigação de proceder ao pagamento de bónus ou de outras remunerações variáveis, a Reclamante deveria reconhecer o respetivo montante na contabilidade, independentemente de o pagamento ser efetuado no próprio ano ou no ano seguinte.

128. Portanto, não há qualquer erro de raciocínio dos SIT, nem duplicação do efeito da tributação autónoma da mesma realidade, estando sujeito a tributação autónoma a totalidade do montante de € 900.000,00 no ano de 2015, correspondente ao valor das remunerações variáveis dos administradores que foram atribuídas/reconhecidas pela Reclamante no ano económico de 2015, nos termos da alínea b) do nº 13 do artigo 88º do CIRC.

129. Em sentido idêntico a que acabamos de referir, veja-se o artigo publicado por Joana Cunha D" Almeida, Gratificações por Aplicação de Resultados, na revista de Fiscalidade, n.º 40.

130. Com efeito, no referido artigo, considerou-se que «da leitura literal [do art.º 88.º, nº 13, al. b) do CIRC] poderemos, de alguma forma, cair na tentação de dar relevância fiscal ao termo "pagas". colocando o acento tónico no momento do pagamento das gratificações por aplicação de resultados e não no da contabilização do gasto ou encargo».

131. Todavia, cumpre não esquecer que «a tributação autónoma opera sobre gastos ou encargos e não sobre pagamentos, pelo que deverá ser aplicada no exercício a que o encargo diz respeito e não no exercício em que o pagamento ocorre».

132. Com efeito, «a figura da tributação autónoma surge no contexto da legislação fiscal precisamente com o intuito de penalizar determinado tipo de despesas que afetam o resultado contabilístico dos Contribuintes de IRC, em face da sua natureza, sujeitando, assim tais Contribuintes a imposto mesmo quando não é apurado qualquer lucro tributável no exercício».

133. Fazendo sentido, deste modo, que a tributação autónoma ocorra no exercício em que tais despesas são registadas contabilisticamente.

134. Por outro lado, «o princípio da especialização dos exercícios [guia-nos] no sentido de concluir que o facto tributário ocorre no momento em que é dada relevância fiscal ao gasto ou encargo, ao invés do pagamento».

135. «Acresce que, de acordo com a redação do número 1 do artigo 18º do Código do IRC, já após a entrada em vigor do SNC, "Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica"».

136. Aplicando estas considerações à questão em apreço, vemos que, para efeitos de IRC, «estando constituída a obrigação de proceder ao pagamento de bónus ou outras remunerações variáveis, a empresa terá de reconhecer o respetivo montante na contabilidade e para efeitos fiscais, independentemente de o pagamento ser efetuado no próprio ano ou no ano seguinte, uma vez que os proveitos e os custos com as remunerações devem ser imputados ao exercício a que dizem respeito e não ao exercício do pagamento».

137. A NCRF 28 está em consonância com o referido princípio na medida em que dispõe que «o custo inerente aos benefícios dos empregados deve ser reconhecido no período em que a entidade aufere os serviços dos empregados e não quando os benefícios são pagos ou se tornam pagáveis. Assim, estes benefícios serão reconhecidos como um gasto do período em que o empregado tenha prestado o serviço».

138. «Com efeito, de acordo com a alínea a) do § 4 da NCRF 28, as participações nos lucros e as gratificações, se pagáveis dentro dos doze meses do final do período em que os empregados prestem o respetivo serviço, configuram benefícios dos empregados a curto prazo. As gratificações deverão, neste caso, ser consideradas como gastos do próprio exercício a que respeita o serviço prestado e reconhecidas numa conta de gastos com o pessoal».

139. Desta forma, «tratando a alínea b) do número 13 do artigo 88º do Código do IRC de "gastos ou encargos", entendemos que será devida tributação autónoma relativamente a estes montantes no momento em que é dada relevância contabilística - e, logo, fiscal - a tais gastos».

  1. A Requerente realizou investimentos nas entidades I..., H...e E..., os quais se encontravam integralmente afectos a provisões técnicas (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Os investimentos naquelas entidades conferiam à Requerente, no período de 2015, uma percentagem de participação máxima de 0,079%, 0,44% e 0,074%, (documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. A Requerente recebeu no exercício de 2015, dividendos cobertos pelo regime de eliminação da sua tributação da parte I..., H..., E..., num total de € 2.713.954,64, nos termos do artigo 51.º do CIRC;
  4. A I... e a E... são cotadas na bolsa de ..., e a H... é cotada na bolsa de ...;
  5. A desvalorização das acções não resultou exclusivamente da distribuição de dividendos (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A decisão de alienar em 2015 a participação na H... foi uma decisão única que foi executada em diversas tranches em 9 dias, entre 28-07-2015 e 07-08-2015, em função da procura registada na Bolsa de Valores de ... (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Em 16-04-2018, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. A Requerente apresentou à inspecção tributária a Declaração emitida pelo B... que consta a página 88 da 1.ª parte do processo administrativo digitalizado, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

“(...) declara que a A..., SA resgatou 120.000 unidades de participação que detinha do Fundo B..., com efeitos a 15 de Julho de 2015, correspondente ao último dia do prazo de duração inicial do Fundo (prazo 10 anos).

Data da subscrição: 15 de Julho de 2005

N” UP's subscritas: 120.000

Valor da UP de subscrição: (-55 0,00

Montante da Subscrição: €6.000.000

Data do resgate: 15 de Julho de 2015

N" UP's resgatadas: 120.000

Valor da UP de resgate (Líquida): €44,4932

Valor do Imposto retido associado à UP: 622,388?

Montante do Resgate (Líquido): €5.339..184

Imposto retido: €286.644”;

 

  1. Em 01-04-2015, a Comissão de Remunerações da Requerente deliberou nos termos que constam da acta reproduzida no documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Na presente data, reuniu a Comissão de Remunerações da A..., S.A.

 

(...)

Passando ao Ponto DOIS da ordem de trabalhos e tendo presente que a Assembleia Geral de Acionistas, realizada em 31 de Março de 2015, deliberou autorizar o pagamento, aos membros da Comissão Executiva, da participação nos lucros relativos ao exercício de 2014, segundo critérios a definir pela Comissão de Remunerações, deliberou a Comissão de Remunerações, ao abrigo do número 1 do artigo 399.° do Código das Sociedades Comerciais, aprovar a atribuição dos seguintes valores, a título de participação nos lucros relativos ao exercício de 2014, aos membros da Comissão Executiva: -

J...: o valor bruto de € 100000. -

K...: o valor bruto de € 80 000. -

L...: o valor bruto de € 80 000. -

M... 11 enriques: o valor bruto de € 80. 000. -

N...: o valor bruto de € 45 000. -

 

Ponto TRÊS — Deliberar sobre a revisão da remuneração fixa anual bruta a aplicar,

em 2015, aos membros da Comissão Executiva.

(...)

Seguindo para o Ponto TRÊS da ordem de trabalhos deliberou a Comissão de

Remunerações, ao abrigo do número 1 do artigo 399.° do Código das Sociedades Comerciais, aprovar a revisão da remuneração fixa anual bruta a aplicar, em 2015, aos membros da Comissão Executiva, nos seguintes termos:

 

Ao Presidente, J..., é atribuído um valor

adicional fixo anual bruto de € 225 000, face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014. Este valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes à data da presente deliberação, num seguro de capitalização individual de recebimento diferido de que seja pessoa segura e beneficiário o visado.

 

Ao Vogal, K..., é atribuído um valor adicional fixo anual bruto de € 80 000, face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014. Este valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes à data da presente deliberação, num seguro de capitalização individual de recebimento diferido de que. seja pessoa segura c beneficiário o visado.

 

Ao Vogal, L..., c atribuído um valor adicional fixo anual bruto de € 80 000, face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014. Este valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes à data da presente deliberação., num seguro de capitalização individual de recebimento diferido de que seja pessoa segura e beneficiário o visado.

 

Ao Vogal, M..., é atribuído um valor adicional fixo anual bruto de € 95 000, face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014. Este valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes a data da presente deliberação, num seguro de capitalização individual de. recebimento diferido de e que seja pessoa segura e beneficiário o visado.

Ao Vogal, N..., é atribuído um valor adicional fixo anual bruto cie € 35 000, face à remuneração fixa anual bruta vigente cm 2014. liste valor adicional será despendido, pela Companhia, nos trinta dias subsequentes à data da presente deliberação, num seguro de capitalização individual de recebimento diferido de que seja pessoa segura e beneficiário o visado.

 

  1. Em 20-10-2015, a Comissão de Remunerações da Requerente deliberou nos termos que constam da acta reproduzida no documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Ponto ÚNICO - Deliberar sobre a Política de Remunerações da Sociedade e sua implementação.

Entrando no Ponto ÚNICO da ordem de trabalhos, a Comissão de Remunerações, uma vez concluídas as diligências necessárias à definição da Política de Remunerações da Sociedade, designadamente, análises de mercado e estudo do quadro legal e regulamentar aplicável em matéria remuneratória, levadas a cabo em conjunto com assessores especializados e independentes, deliberou, em complemento das suas anteriores deliberações constantes das Atas números l, 3 e 4, concluir a revisão e aprovar a Política e condições remuneratórias aplicáveis aos membros dos órgãos sociais da A... para o mandato correspondente ao triénio 2014-2016, nos termos constantes do Anexo à presente Ata que dela faz parte integrante.

Mais deliberou a Comissão de Remunerações, relativamente ao mesmo Ponto Único da ordem de trabalhos, que as condições remuneratórias aplicáveis aos membros da Comissão Executiva d; Sociedade, no que respeita às componentes fixas da remuneração e à parcela da componente variável denominada "Remuneração Variável de Curto Prazo", tal como se encontram definidas no Anexo sejam aplicáveis aos exercícios de 2015 e 2016, ou seja, com exclusão do exercício de 2014, relativamente ao qual as referidas componentes da remuneração foram desde logo definidas e atribuídas nos termos daí deliberações da Comissão de Remunerações constantes das Atas números l e 4, não sendo devida, a esse título, qualquer outra remuneração.

Contudo, uma vez que as remunerações fixa e variável atribuídas relativamente a 2014 não incluíram a componente variável de longo prazo, parcela esta cuja estruturação, como parte integrante da Política de Remuneração, visando reforçar o alinhamento de interesses e contribuir para o desenvolvimento sustentável da Sociedade, só agora foi possível concluir, a Comissão de Remunerações deliberou, ainda, aprovar a atribuição aos membros da Comissão Executiva da Sociedade, com referência ao ano de 2014, de uma remuneração variável de longo prazo representada através de unidades remuneratórias ("Performance Stock Units" ou "PSU"), com o valor unitário calculado em conformidade com o referido no Ponto 7 do Anexo e vencimento em abril de 2018, valor unitário este que por referência a 31.12.2014 é de € 10,520, nos termos

seguintes:

J...:

21.625 PSU;

K...: 16.540 PSU;

L...: 16.540 PSU;

M...: 16.540 PSU;

N…: 16.540 PSU.

Por fim, a Comissão de Remunerações decidiu, ainda, aprovar a manutenção, no mandato de 2014-2016, relativamente aos membros da Comissão Executiva, de um conjunto de benefícios de natureza não remuneratória, nos seguintes termos:

Utilização de viatura: integrando, para além da utilização de viatura, custos associados e seguros, com um valor de renda mensal de referência, para um contrato de renting nas condições atualmente contratadas, não superior a 1.100 Euros mensais;

Seguro de saúde: com as mesmas coberturas que as da atual apólice "Premium" destinada a colaboradores da A...;

Seguro de Vida: com as mesmas condições que as aplicáveis aos colaboradores da A...;

Seguro de Acidentes Pessoais: Apólice de grupo para os Administradores Executivos, com um capital de 413.930 Euros para as coberturas de morte por acidente e invalidez permanente por acidente;

Outras condições e benefícios contratuais e extra-contratuais: nos exatos termos em que, em cada momento, sejam aplicáveis aos restantes colaboradores da A... .

 

  1. As remunerações variáveis relativas ao período de 2014, imputadas ao exercício de 2015, são as que constam do documento n.º 16 pedido de pronúncia arbitral (cuja correspondência à realidade não é questionada);
  2. Em 15-02-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Não há controvérsia sobre os factos que foram dados como provados.

Não há factos não provados relevantes para decisão da causa.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente apenas impugna parcialmente a liquidação, quanto a quatro questões.

 

3.1. Menos-valias fiscais com a alienação de partes de capital: correcção à base tributável por recusa por parte da AT de aceitação destas perdas, no valor de € 2.713.954,64, invocando para tal o n.º 2 do artigo 23.º-A do Código do IRC (CIRC doravante) (Ponto III. 1.3. do RIT, suas págs. 22 e segs.)

 

A Requerente na sua declaração modelo 22 acresceu o montante de €136.137.799,36, correspondente ao saldo entre as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão de partes de capital.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «na alínea l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, as menos valias realizadas são consideradas gastos. Não obstante a sua aceitação como gasto, o n.º 2 do artigo 23.º-A vem estabelecer a limitação do seu valor, ao exigir que, às menos valias fiscais apuradas, sejam subtraídos os dividendos que beneficiaram da eliminação da dupla tributação, no âmbito dos artigos 51.º, 91.º- A ou 51 .º-C, todos do CIRC, no próprio ano ou nos quatro períodos de tributação anteriores».

Com esse fundamento a Autoridade Tributária e Aduaneira recalculou as menos-valias sofridas pela Requerente com a alienação de acções das empresas I..., H... e E..., nos seguintes termos:

• I...

Foram alienadas 1.090.515 ações, em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões que totalizaram € 12.477.126,83, não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-10, relativamente aos quais beneficiou do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51.º do CIRC, no montante de € 1.175.193,01";

• H...

Foram realizadas várias operações de venda deste valor mobiliário, tendo sido apuradas mais valias e menos valias fiscais, por terem origem em compras e vendas distintas, tendo o Sujeito Passivo considerado como gasto fiscal a totalidade das menos valias realizadas por estas serem inferiores às mais valias realizadas, pelo que não procedeu à aplicação do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC;

Porém, atendendo ao vertido nos diversos números do artigo 46.º do CIRC, estamos na presença de operações de venda distintas, as quais deram origem a diferentes valias realizadas. Assim, no caso das menos valias realizadas apuradas procedeu-se à sua anulação na parte que corresponde a dividendos que beneficiaram da eliminação da dupla tributação, no âmbito do artigo 51.º do CIRC, por forma a dar cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do artigo 23.º-AdoCIRC.

• E...

Foram alienadas 2.365.199 ações, em 2015-12-29, tendo sido apuradas menos valias fiscais em todas as transmissões que totalizaram € 18.846.054,42 (Anexo 15), não sendo considerado no cálculo das mesmas o montante de dividendos auferidos em 2015-09-29, relativamente aos quais beneficiou do regime estabelecido para eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51.º do CIRC, no montante de € 1.435.982,23.

 

A Requerente defende, em suma, que

– só no caso particular dos dividendos pré-aquisição, pode haver uma relação de causa-efeito entre uma distribuição de dividendos (pré-aquisição) e uma subsequente menos-valia na venda da parte de capital;

– fora o caso particular dos dividendos pré-aquisição, nenhuma duplicação há em (i) eliminar a tributação dos dividendos de modo a eliminar a dupla tributação (tributação primeiro do lucro da sociedade, e segunda tributação na sua distribuição como dividendo) e (ii) reconhecer perda sofrida com a parte de capital em razão de factores económicos que se prendem com as expectativas de rendimento (lucro) futuro dessa empresa (perdas, a maioria, que nada têm que ver com a distribuição de dividendos);

– ao aplicar-se indistintamente, indiferenciadamente, sem querer saber se se está, ou não, perante menos-valias causadas pela distribuição de dividendos (pré-aquisição, como se viu supra), ao rejeitar a relevância fiscal de menos-valias com partes de capital sem querer saber se foram ou não causadas pela distribuição de dividendos (pré-aquisição) que beneficiaram de exclusão de tributação nos termos do artigo 51.º do CIRC, a norma do 23.º-A, n.º 2, do CIRC, é inconstitucional, por violação da proibição de soluções arbitrárias (artigo 2.º - Estado de direito – e 13.º da Constituição), por violação do princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real das empresas (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da capacidade contributiva, e por violação do princípio da proporcionalidade ou da justa medida;

– mesmo naquela minoria de casos em que uma menos-valia tenha sido causada por prévia distribuição de dividendos, esta norma discrimina negativamente sem fundamento o contribuinte que tenha o azar de apurar menos-valia em comparação com o contribuinte que apesar da mesma prévia distribuição de dividendos apure, ainda assim, uma mais-valia , mas uma mais-valia menor (e que por isso gera também menor tributação) por causa daquela mesma prévia distribuição de dividendos;

– e a violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade também se manifesta se ao invés de se admitir que nesta norma há uma presunção implícita de comportamento abusivo, susceptível de prova em contrário (elisão da presunção), se vir nela uma norma de aplicação automática irreversível, pois as presunções inilidíveis em matéria fiscal são constitucionalmente inadmissíveis;

– viola o direito comunitário, mais concretamente o artigo 4.º, n.º 3, da Directiva mães-filhas;

– quanto às perdas com a H... a correcção é ainda ilegal porque a alienação da participação em apreço foi decidida num único momento e a execução desta decisão de venda é que foi executada em diversas tranches em diversos dias, em função da procura registada na Bolsa de Valores de ... e, na totalidade das tranches alienadas a venda da participação da H... em 2015, gerou uma mais-valia, e não uma menos-valia, pelo que não deve ser aplicado o regime do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC, sob pena de inconstitucionalidade por violação dos artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com o inerente princípio da igualdade e da proibição da arbitrariedade) e 13.º (princípio da igualdade), por violação dos princípios da iniciativa privada e da liberdade de gestão e organização empresarial, que se retiram ou deduzem dos artigos 80.º, alínea c) (liberdade de iniciativa e de organização empresarial), 81.º alínea f) (liberdade de gestão empresarial, que tem por contraponto um Estado que promove a neutralidade por oposição a criar distorções) e 86.º, n.º 2 (proibição de intervenção por parte do Estado na gestão das empresas privadas), e por violação do artigo 104.º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), da Constituição da República Portuguesa.

 

3.1.1. Interpretação e alcance do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC

 

«O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código» (artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).

Assim, quando há normas do CIRC que se afastam das normas contabilísticas, são as deste Código que são aplicáveis.

            No artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, estabelece-se que as perdas sofridas com a transmissão onerosa de instrumentos financeiros (em se incluem as participações sociais), constituem menos-valias, que, em regra, concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea l) do CIRC.

            O cálculo das mais-valias e menos-valias, para efeitos fiscais, é feito nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, que estabelece que «as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A e 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A».

            Como resulta desta norma, para efeitos fiscais, para cálculo das mais-valias e menos-valias, à diferença entre o valor de aquisição e o valor de realização não é abatido o montante dos dividendos que tenham sido recebidos pelo sujeito passivo durante o período de detenção das participações sociais, quer correspondam a lucros e reservas existentes antes da aquisição (os denominados dividendos pré-aquisição), quer resultem da actividade empresarial subsequente à aquisição (isto é, quer sejam «dividendos pré-aquisição», quer sejam «dividendos pós-aquisição»).

            Os montantes desses lucros e reservas gerados durante a detenção das participações, tal como os existentes antes da aquisição, se não forem distribuídos como dividendos antes da alienação, permanecerão incorporados no valor das participações sociais, influenciando positivamente o seu valor e serão considerados para apuramento das mais-valias e menos-valias.

            Nos casos em que antes da alienação de participações sociais de que resultou a realização de menos-valias foram distribuídos dividendos durante o período em que o sujeito passivo as deteve, o valor das participações será influenciado negativamente pela distribuição, pois, as distribuições de lucros ou reservas têm como efeito normal uma redução do capital próprio da sociedade distribuidora, com a consequente influência negativa no valor das participações.

            Por outro lado, nestes casos, como o sujeito passivo recebeu os dividendos, que não são considerados na fórmula de cálculo das menos-valias prevista no artigo 46.º n.º 2, do CIRC, a perda real sofrida pelo sujeito passivo será inferior ao montante que resulta daquela fórmula, pois diminuição patrimonial é parcialmente compensada pelo valor dos dividendos recebidos.

            Assim, as menos-valias realizadas com a alienação de participações sociais após uma distribuição de dividendos terão tendencialmente valor superior ao que seria realizado se a distribuição de dividendos não tivesse ocorrido, independentemente de essa distribuição de dividendos dever ou não ser tratada contabilisticamente como sendo uma recuperação do investimento, e abstraindo de outros possíveis factores de valorização ou desvalorização das participações, o montante da menos-valias encontrado com aplicação da fórmula prevista no artigo 46.º, n.º 2 do CIRC será superior à perda real sofrida pelo sujeito passivo.

            Neste contexto, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, havendo uma relação de influência entre distribuição de lucros ou reservas e a desvalorização de participações, a norma do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC visa assegurar que a dedução das menos-valias apuradas nos termos do n.º 2 do art.º 46.º, seja ajustada para que apenas concorram para o lucro tributável as perdas efectivas.

            Para este efeito, não se justifica distinção entre os «dividendos pré-aquisição» e os «dividendos pós-aquisição», pois a «eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos» prevista no artigo 51.º do CIRC, verifica-se em qualquer dessas situações.

            Essa mesma opção legislativa pela equiparação dos «dividendos pré-aquisição» e os «dividendos pós-aquisição» para formação do lucro tributável estende-se ao n.º 2 do artigo 32.º do CIRC que, sem qualquer sinal de distinção entre esses tipos de dividendos estabelece que «não concorrem para a formação do lucro tributável as menos-valias e outras perdas relativas a instrumentos de capital próprio, na parte do valor que corresponda aos lucros ou reservas distribuídos ou às mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais da mesma entidade que tenham beneficiado, no próprio período de tributação ou nos quatro períodos anteriores, da dedução prevista no artigo 51.º, do crédito por dupla tributação económica internacional prevista no artigo 91.º-A ou da dedução prevista no artigo 51.º-C».

            O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC não é, assim, uma norma anti-abuso, pois não lhe está subjacente uma intenção legislativa de evitar comportamentos suspeitos ou reprimir evasão fiscal, antes tem por finalidade assegurar que as menos valias não relevem para a formação do lucro tributável em medida superior à perda real, em situações em que a dimensão da perda que resulta da aplicação da fórmula de cálculo prevista no artigo 46.º, n.º 2, do CIRC, é atenuada pela recepção de dividendos que não relevam para a formação do lucro tributável da sociedade que os recebe.

            Sendo esta não distinção entre os dois tipos de dividendos uma opção legislativa inequívoca na generalidade das disposições referidas, a não aplicação do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do CIRC só poderá resultar da sua incompatibilidade com normas de categoria superior, designadamente constitucionais ou de direito da União Europeia, o que ao Requerente invoca.

           

3.1.2. A questão da incompatibilidade da interpretação com o Direito da União Europeia

 

            No que concerne ao Direito da União Europeia, o n.º 3 do artigo 4.º da Directiva n.º 2011/96/UE do Conselho, de 30-11-2011, invocado pela Requerente, não pode ser considerado um obstáculo à interpretação que decorre do texto do artigo 23.º-A n.º 2, do CIRC, pois estabelece que «cada Estado-Membro conserva a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação e as menos-valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade-mãe».

            Na verdade, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o significado da expressão “menos-valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada” não foi explicitado na Diretiva, pelo que os legisladores nacionais que utilizam a faculdade concedida pelo n.º 3 do art.º 4.º - como é o caso do legislador do Código do IRC ou, também, do legislador da Ley del Impuesto sobre Sociedades (LIS) em Espanha – têm -lhe atribuído uma amplitude que extravasa as chamadas distribuições de lucros “pré-aquisição”».

            Por isso, não se pode entender que exista incompatibilidade entre a solução que decorre do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC e o Direito da União Europeia invocado pela Requerente.

 

3.1.3. A questão da inconstitucionalidade do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC

 

            A Requerente defende que o artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC produz um resultado arbitrário, o que viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, e bem assim da proporcionalidade ou justa medida e da tributação cm base no lucro real.

            A Requerente defende, em suma:

– «só no caso particular dos dividendos pré-aquisição, pode haver uma relação de causa-efeito entre uma distribuição de dividendos (pré-aquisição) e uma subsequente menos-valia na venda da parte de capital»;

– a norma afasta indiscriminadamente a relevância fiscal das perdas suportadas com partes de capital até ao montante total dos dividendos recebidos no próprio exercício da perda e nos anteriores quatro anos, com respeito aos quais haja sido eliminada a respectiva tributação com vista à eliminação da dupla tributação, afastando do reconhecimento fiscal perdas que nada têm que ver com distribuições de dividendos, penalizando fiscalmente e indistintamente perdas em partes de capital que não se confundem com as perdas geradas pela distribuição de dividendos;

– mesmo naquela minoria de casos em que uma menos-valia tenha sido causada por prévia distribuição de dividendos, esta norma discrimina negativamente sem fundamento o contribuinte que tenha o azar de apurar menos-valia em comparação com o contribuinte que apesar da mesma prévia distribuição de dividendos apure, ainda assim, uma mais-valia, mas uma mais-valia menor (e que por isso gera também menor tributação) por causa daquela mesma prévia distribuição de dividendos;

– a violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade também se manifesta se ao invés de se admitir que nesta norma há uma presunção implícita de comportamento abusivo, susceptível de prova em contrário (elisão da presunção), se vir nela uma norma de aplicação automática irreversível.

 

            Pelo que se referiu, o objectivo do artigo 23-.º-A, n.º 2, do CIRC é evitar que sejam deduzidas ao lucro tributável menos-valias de valor superior à perda real sofrida pelo sujeito passivo, pelo que, em vez de contrariar os princípios da igualdade de tributação com base na capacidade contributiva real e da proporcionalidade, esta norma é uma forma de os procurar concretizar.

            Por outro lado, como pertinentemente lembra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o Tribunal Constitucional tem entendido que o princípio da igualdade, sob a perspectiva da tributação com base na capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais, como os quais tem de ser compatibilizados, como o princípio da «liberdade
de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do
facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal
».

«Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo [...] - como proibição do arbítrio». (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 711/06, na linha do acórdão n.º 142/04).

           

            «E ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – como admite a doutrina - «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 521). O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa.

 

Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos» (acórdão do TC n.º 753/14).

            No caso em apreço, a dificuldade de distinção prática entre as situações em que os dividendos resultam de lucros ou reservas pré-aquisição ou pós-aquisição, justifica que, por considerações de praticabilidade e efectividade do controle da actividade dos sujeitos passivos se limite a relevância integral das menos-valias.

            Pelo exposto, o artigo 23-º-A, n.º 2, do CIRC não se afigura inconstitucional.

 

3.1.4. Questão da alienação da participação detida na H...

 

            Relativamente à participação da Requerente na H..., foi apurada, no total, uma mais-valia naquela alienação, no valor de € 185.017,54.

            Mas, tendo-se processado em tranches a alienação, foram apuradas menos-valias em algumas dessas tranches, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam ser também objeto da aplicação do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC, o que conduziu à rejeição de perdas no montante de € 102.779,40.

            Como resulta da matéria de facto, a Requerente deu uma ordem de venda das participações em causa que veio a ser executada em 9 dias, entre 28-07-2015 e 07-08-2015, em função da procura registada na Bolsa de Valores de ... .

            Neste contexto, afigura-se que se está perante uma única alienação de uma participação social, que foi geradora de mais-valias no período de tributação, pelo que a situação está fora do âmbito do artigo 23.º-A, n.º 2, do CIRC.

            De resto, em casos de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, como impõe o n.º 3 do artigo 11.º da LGT.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, por vício de violação de lei, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente a esta correcção.

 

 

3.2. Questão do acréscimo à base tributável da requerente do valor de imposto devido e suportado por Fundo de Investimento Imobiliário (FII doravante), na proporção das Unidades de Participação (UP doravante) resgatadas pela requerente, no valor de € 286.644,00, invocando a AT para tal o artigo 68.º, n.º 2, do CIRC (Ponto III. 1.4. do RIT, suas págs. 24 e segs.)

 

Com efeitos a 15-07-2015, a Requerente resgatou 120.000 unidades de participação que detinha no fundo B... pelo montante de € 5.339.184,00, subscritas, em 15-07-2005, pelo valor de € 6.000.000,00 e [havendo] imposto retido [ao Fundo] na importância de € 286.644,00 (Anexo 4).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que «no período em que a A... teve participação naquele fundo este suportou imposto (IRC), tendo este a natureza de imposto por conta de acordo com o artigo 22 do EBF na esfera do titular das UP's, (A...). A A... quando submeteu a Modelo 22 referente ao ano de 2015 não considerou na dedução à coleta o imposto suportado pelo Fundo B... que cabia à  A...».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que «os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, como é a A..., que obtinham os rendimentos no âmbito de uma atividade comercial nos termos da aplicação do plasmado no n.º 3 do artigo 22.ºdo EBF, teriam deter em consideração o n.º 2 do artigo 68.º do CIRC,"[s]empre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte."

No presente processo a Requerente defende, em suma, «que o rendimento resultante do resgate de UPs (ou de distribuição pelo FII) não é legalmente (nem foi) sujeito a retenção na fonte», pelo que não lhe será aplicável o n.º 2 do artigo 68.º do CIRC.

O artigo 68.º, n.º 2, do CIRC, estabelece o seguinte:

 

Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respectiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.

 

Embora a Requerente afirme que o rendimento resultante do resgate de UPs (ou de distribuição pelo FII) não é legalmente (nem foi) sujeito a retenção na fonte, o certo é que ela própria afirmou à inspecção tributária e comprovou com a apresentação de uma declaração emitida pelo B...- Fundo de Investimento Imobiliário (que consta a página 88 da 1.ª parte do processo administrativo digitalizado) que foi retido imposto no montante de € 286.644,00.

Aliás, a própria Requerente até requereu, com base nessa declaração que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerasse esse montante como imposto a seu favor.

Neste contexto, não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira questionado que tal montante foi retido, tem de se considerar provado que foi efectuada retenção na fonte desse montante.

Sendo assim, tem aplicação o preceituado no artigo 68.º, n.º 2, do CIRC, pois a sua hipótese é preenchida com a efectivação da retenção na fonte: «Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação...».

O uso da palavra «sempre» impõe que se conclua que tendo a retenção na fonte sido efectuada, há lugar à aplicação do estatuído neste n.º 2 do artigo 68.º do CIRC, pelo que «o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respectiva importância ilíquida do imposto retido na fonte».

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma do vício que a Requerente lhe imputa, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral, nessa parte.

 

 

3.3 Recusa de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos que originou correcção à base tributável no valor de - € 732.000,00, invocando a AT para tal o n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC na redacção dada pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a que o artigo 135.º da mesma lei atribuiu natureza interpretativa (Ponto III. 1.7. do RIT, suas págs. 34 e segs.)

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que dividendos no montante de € 732.000, relativamente aos quais a Requerente tinha eliminado a dupla tributação (excluindo-os da sua base tributável), com fundamento no artigo 51.º do CIRC, não preenchiam os requisitos para tal.

A correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), a que foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 135.º daquela Lei.

A redacção deste n.º 6 do artigo 51.º introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (que corresponde ao n.º 2, na redacção vigente anteriormente), era a seguinte (assinalando a negrito a parte relevante para a apreciação desta questão):

 

6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

(...)

 

Com a Lei n.º 7-A/2016 foi alterado o corpo deste n.º 6, que passou a ter a seguinte redacção:

 

6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:

 (...)

 

A alteração legislativa traduziu-se na inclusão daquela referência «à parte dos rendimentos de participações sociais» e da expressão «não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros».

A Requerente, depois, de pormenorizada análise jurisprudencial, conclui «ser hoje inequívoco que a norma do artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) de atribuição de natureza interpretativa, e consequentemente retroactiva, à alteração do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC promovida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, isto é, de atribuição de natureza interpretativa, e consequentemente retroactiva, à exclusão de eliminação da dupla tributação no que respeita a dividendos de participações sociais afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros “direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros”.

Com este pressuposto, a Requerente defende que «é materialmente inconstitucional, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa, e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial».

É claro que a Requerente tem razão quanto a esta questão.

            Na verdade, na redacção anterior do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC não havia qualquer referência à limitação de dedução «à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros».

            Na verdade, o anterior n.º 6 estabelece que «o disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros».

            Tendo de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), é óbvio que a referência «aos rendimentos» não poderia ser interpretada como pretendendo aludir a uma «parte dos rendimentos», designadamente a parte respeitante a que a provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros», pois não havia na redacção anterior qualquer referência a uma parte dos rendimentos nem aos tomadores de seguros.

            O artigo 13.º do Código Civil é a única norma que define o conceito de lei interpretativa, estabelecendo que «a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

«Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.»

 

            A lei n.º 7-A/2016 não supera qualquer dos requisitos deste «teste Baptista Machado», desde logo porque a solução do direito anterior não podia ser considerada controvertida ou incerta, não sendo conhecida alguma decisão de qualquer tribunal ou posição doutrinal de entidade independente que tivesse adoptado a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, a solução definida pela nova lei não se situa dentro dos quadros de uma hipotética controvérsia, pois não se poderia chegar à nova solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, designadamente a presunção de que o legislador dos n.ºs 2 e 6 do artigo 51.º, nas redacções vigentes até à Lei n.º 7-A/2016, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Por isso, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza interpretativa à nova redacção que deu ao n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, é materialmente retroactivo, sendo incompaginável com a proibição constitucional da retroactividade lesiva dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

Nestes termos, não pode ser aplicada esta nova redacção do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, pois «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigo 204.º da CRP).

Consequentemente, a liquidação impugnada que tem como pressuposto a aplicação desta nova redacção enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação na parte respectiva, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.

 

3.4. Correcção (acréscimo) ao imposto, mais concretamente à tributação autónoma, no montante de € 315.000, invocando a AT para tal que o artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, impõe tributação nessa sede de (i) uma parcela de remuneração em espécie (€ 515.000,00), e de (ii) uma parcela de remuneração variável de curto prazo (€ 385.000,00) (participação nos lucros) (Ponto III. 2.1.3. do RIT, suas págs. 51 e segs.)

 

 

3.4.1. A parcela de remuneração em espécie (€ 515.000) atribuída no início de 2015 e paga em 2015 – liquidação adicional de tributação autónoma de € 180.250 (€ 515.000 x 35%)

 

Em 01-04-2015, a Comissão de Remunerações da Requerente deliberou que nesse ano de 2015 a «remuneração fixa anual bruta a aplicar, em 2015, aos membros da Comissão Executiva», teria um acréscimo de € 515.000, face à remuneração fixa anual bruta vigente em 2014, nos termos do quadro que segue:

 

Foi ainda deliberado que este acréscimo seria constituído por um seguro de capitalização individual (tantos quantos os membros da administração) de que era beneficiário cada um dos membros da comissão executiva da administração.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que este adicional, por referência ao ano anterior de 2014, é uma remuneração variável, e como tal sujeita à tributação autónoma prevista para as remunerações variáveis.

Refere a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a remuneração em espécie em análise é uma remuneração acessória que não pode ser considerada como regular ou fixa, dado o seu caracter de atribuição, relembre-se foi atribuída uma única vez e somente no período de tributação de 2015, razão pela qual será considerada como remuneração variável na avaliação da sujeição a tributação autónoma».

Esta tributação autónoma está prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC que estabelece e seguinte:

13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

(...)

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

  

   A Requerente defende o seguinte, em suma:

– a AT confunde o conceito de remuneração fixa com (assimila a) um conceito de remuneração repetida ano após ano por tempo indeterminado. E no reverso da medalha confunde o conceito de remuneração variável com (assimila a) um conceito de remuneração adicional à que se praticou noutros anos;

– os accionistas, ou a comissão de remunerações sob delegação e autoridade dos accionistas, podem deliberar que a remuneração fixa num dado ano é de mais X euros (concretizados em seguro de capitalização individual, no caso), e nunca mais nos anos seguintes repetirem tal outorga de seguro de capitalização individual, que nem por isso esta remuneração deixa de ser o que é: uma remuneração pré-determinada como contrapartida do exercício da função de administração nesse ano, não dependente de qualquer variável senão, como qualquer remuneração fixa, a prestação efectuada pelo remunerado no período temporal a que respeita;

– a remuneração é fixa, e não deixa de o ser pelo facto de em termos plurianuais ter sido um one-off, pelo facto de ter sido praticada num único ano;

– uma remuneração variável depende de algo mais do que a simples prestação do trabalho, serviço ou exercício de função;

– a remuneração não deixa de ser variável, não passa a fixa, pelo facto de se verificar que a sua atribuição é recorrente ano após ano;

– o exercício da função de administrador não se reconduz a uma relação laboral, não beneficia da protecção laboral e, em particular, a remuneração auferida não beneficia nem se lhe aplica nenhuma da regulamentação do direito laboral;

– a remuneração fixa do administrador pode baixar para metade, voltar a subir e voltar a baixar, que isso nada tem de contrário à lei, o exercício das funções não é por tempo indeterminado e se o for pode terminar a qualquer momento;

– o exercício da função de administrador reconduz-se antes a uma relação de mandato por tempo determinado, isto é, a uma prestação de serviços;

– o conceito de retribuição no Código do Trabalho está desenhado para servir as necessidades particulares e específicas de aplicação da minuciosa regulamentação remuneratória aplicável ao trabalhador e sua entidade patronal (mas não ao administrador), para efeitos de cálculo dos subsídios de férias e Natal, do valor que deverá ter a remuneração por trabalho suplementar ou as horas extraordinárias;

– para o Código do Trabalho não é retribuição, e por conseguinte não é retribuição variável, as prestações irregulares e não periódicas;

– nenhum apoio encontra no Código do IRS, o último fundamento da AT para esta correcção tributária, de que por se estar perante remuneração em espécie atribuída ao administrador que não se repetiu noutros exercícios (não se voltou a atribuir noutros exercícios), se estaria perante remuneração variável;

– O Código do IRS não define, nem tal lhe interessa, o que é remuneração variável;

– da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC retira-se uma noção de remuneração variável que, ao invés de ser pré-fixada ou certa, remete para os resultados da actividade, sejam eles os resultados do próprio exercício (visão de curto prazo, sem atender à sustentabilidade no longo prazo), sejam eles os resultados e desempenho num período temporal mais longo, isto é, de uma amostragem temporal mais longa (de 3 anos por exemplo, para usar o exemplo da norma fiscal em análise);

– é o artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais que se aplica à remuneração dos administradores;

– remuneração variável é aquela que não é certa, segura, fixa, antes depende de variáveis de desempenho relacionadas com o administrador individualmente ou com a empresa como um todo;

– a remuneração aqui em causa foi predefinida pela comissão de remunerações, sem dependência de qualquer desempenho individual ou colectivo: remuneração certa em 2015, devida por simples decorrência do exercício das funções.

 

   Afiguram-se essencialmente correctas estas alegações da Requerente.

   Na verdade, por força do disposto no artigo 11.º, 2, da LGT «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

No caso de remuneração de administradores de sociedades o conceito a atender, se não estiver previsto nas leis fiscais, é o fornecido pelo artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e não o do Código do Trabalho.

Na verdade, o «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas» (artigo 11.º do Código do Trabalho).

 Os administradores de sociedades comerciais não estão vinculados às pessoas colectivas por contrato de trabalho, desde logo porque, tendo poderes para definir a vontade da pessoa colectiva («deliberar sobre qualquer assunto de administração», nos termos do artigo 406.º, n.º 1, do CSC), não estão sujeitos à autoridade de outra ou outras pessoas.

De resto, é inquestionável que a relação de prestação de serviços dos administradores com a sociedade é perfeitamente distinta da que caracteriza o contrato de trabalho, designadamente em matéria de cessão da relação.

Por outro lado, o Código do Trabalho nem sequer usa o conceito de «remuneração» utilizado na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, para referir a contrapartida do trabalhador pela prestação de trabalho, mas sim o de «retribuição» (artigos 258.º e seguintes).

Por isso, utilizando o artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC o conceito de «remuneração» utilizado pelo CSC para referenciar a contrapartida auferida pelos administradores, é ao conceito deste Código que há que fazer apelo, por força do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, próprio deste ramo do direito, e não ao conceito diferente de «retribuição», definido no Código do Trabalho para ser aplicado no âmbito dos contratos de trabalho.

A isto acresce que o conceito de «remuneração acessória» que a Autoridade Tributária e Aduaneira retira do artigo 2.º do CIRS, também não é utilizável para este efeito, pois o artigo 88.º, n.º 13, alínea b) do CIRC refere-se a «remunerações variáveis» e não acessórias.

Trata-se manifestamente de conceitos distintos, como evidencia o artigo 2.º, n.º 2, do CIRS ao aludir a «remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis».

Por isso, mesmo que a remuneração em causa seja considerada acessória, não se pode concluir que seja qualificável como variável.

As remunerações variáveis de administradores de sociedades são as que não têm um montante prefixado e dependem dos resultados da prestação do trabalho (artigo 399.º, n.º 2, do CSC), o que não sucede com as que estão aqui em causa, que têm um montante fixo pré-determinado, que não varia com os resultados do exercício das funções.

Por isso, tem de se concluir que a correcção efectuada, que implicou o pagamento de imposto no montante de € 180.250,00, enferma de erros de interpretação da lei, que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.4.2. A parcela de remuneração variável de curto prazo (participação nos lucros) – liquidação adicional de tributação autónoma de € 134.750,00 (€ 385.000,00 x 35%)

 

Em 2015 foi atribuído pela comissão de remunerações uma remuneração de participação nos lucros de 2014 (respeitante ao exercício de 2014) chamada de “remuneração variável de curto prazo” (RVCP doravante), relevada como gasto em 2015, quanto a montante de € 385.000,00, e paga no período de tributação de 2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no Relatório da Inspecção Tributária que «as remunerações variáveis pagas aos administradores atingem, individualmente valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual (fixa mais variável), encontrando-se assim verificadas as condições necessárias para que fiquem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do normativo em referência».

O artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC estabelece que «os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período».

A Requerente ao exercer o direito de audição, defendeu que se verificava a situação prevista nesta parte final, que exclui a tributação autónoma, dizendo:

o pagamento das RSU e PSU estão subordinadas ao diferimento de uma parte superior a 50 % por um período mínimo de três anos, estando igualmente dependentes do desempenho positivo da A... durante o período do diferimento.

Efetivamente, apenas uma pequena parcela da remuneração variável pode ser paga no próprio ano, sendo diferido, por um período de 3 anos, a restante remuneração variável, sempre superior a 50%. Para este facto contribui a remuneração variável de longo prazo (PSU) a qual, de montante significativo, apenas pode ser paga após o 3.º ano e desde que o desempenho da A... seja positivo.

Deste modo, sendo o deferimento de mais de 50% da remuneração variável diferida por um período superior a 3 anos, encontra-se verificada a condição prevista na alínea b) do n.º 13 do art.º 88.º do Código do IRC e, como tal, cumpridas as condições para não aplicação da tributação autónoma".

 

A Requerente defende que «percorre-se o RIT e a fundamentação aí constante para esta liquidação de tributação autónoma (pág. 51 e segs. do RIT), e em lado algum a AT demonstra que esteja preenchido aquele requisito negativo desta tributação: o requisito de que o pagamento de mais de 50% da remuneração variável não tenha sido diferido por pelo menos três anos e condicionado (o pagamento) ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período».

Por isso, imputa a esta correcção, em primeira linha, vício de falta de fundamentação.

De facto, constata-se que no Relatório da Inspecção Tributária não se explica por que é que se entendeu que  não se verificava a situação de exclusão referida na parte final daquela alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º o CIRC, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira acaba por concluir pela aplicação tributação autónoma, com base nas seguintes considerações:

 

Ora, conforme se demonstra no Anexo n.º 14 as remunerações variáveis pagas aos administradores atingem, individualmente valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual (fixa mais variável), encontrando-se assim verificadas as condições necessárias para que fiquem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do normativo em referência.

Face ao expendido, e de acordo com o evidenciado no anexo acima referido, da verificação das condições cumulativas de sujeição previstas na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, aferidas numa base individual, resultou a elegibilidade do montante de € 900.000,00 para efeitos de tributação autónoma, no período de tributação de 2015.

Do exposto resulta que o valor de € 900.000,00 deverá ser sujeito a tributação autónoma, nos termos estabelecidos no aludido articulado, pelo que será aplicada a taxa de 35% aí prevista, resultando um imposto em falta de € 315.000,00.

 

Assim, não se percebe pelo Relatório da Inspecção Tributária porque é que, ao contrário do expressamente defendido pela Requerente, não se verificava a situação prevista na parte final daquela alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, que exclui a tributação autónoma.

Na verdade, como se vê pelo excerto que se reproduziu, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pela aplicação da tributação autónoma, porque «individualmente valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual (fixa mais variável), encontrando-se assim verificadas as condições necessárias para que fiquem sujeitas a tributação autónoma, nos termos do normativo em referência».

Aliás, na sua Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira continua a não explicar por que é que entende que não se se verifica a situação prevista na parte final daquela alínea b) não contestando sequer o que afirma a Requerente no pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista demonstrar essa verificação, concluindo que «conforme resulta do RIT, as remunerações variáveis pagas aos administradores atingem, individualmente, valores superiores a € 27.500,00 e correspondem a mais de 25% da remuneração anual» «pelo que, a correção perpetrada não padece de nenhum dos vícios de ilegalidade que que são apontados, estando demonstrado que os presentes gastos estão legalmente sujeitos à tributação autónoma prevista na alínea b), do n.º 13.º, do artigo 88 do CIRC» (artigos 92.º e 93.º da Resposta).

Pelo exposto, conclui-se que esta tributação autónoma enferma de vício de falta de fundamentação.

Por outro lado, como se vê pelo documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não foi questionada, a remuneração variável relativa a 2014 teve duas componentes, uma de curto prazo e outra de longo prazo e, atendendo à totalidade da remuneração variável atribuída com respeito a esse exercício de 2014, conclui-se que um montante superior a 50% do total da remuneração variável respeitante a 2014 teve o seu pagamento integralmente diferido por um período de 3 anos, e condicionado ao desempenho positivo da sociedade nesse período de 3 anos.

Por isso, verifica-se a situação prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, o que impede a aplicação da tributação autónoma.

Nestes termos, esta correcção enferma de vício de falta de fundamentação e de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

  

 

3.4.2.1. Questão de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a interpretação que a Requerente faz da alínea b) do n.º13 do artigo 88.º do CIRC ofende o princípio constitucional da legalidade, mas a alegação é ininteligível, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica porque é que entende que esse princípio é violado.

Na verdade, a interpretação da Requerente, que aqui se aceita, tem por base, precisamente, a alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, pelo que tem suporte normativo evidente.

O entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, que se reconduz a aplicação da tributação autónoma apesar de se verificar a situação prevista na parte final da alínea b) do artigo 88.º do CIRC, é que, manifestamente, carece de suporte legal.

Por isso, não ocorre a inconstitucionalidade invocada.

 

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 16-04-2018, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada e pede o seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.1. Procedência parcial do pedido de pronúncia arbitral

 

Como decorre do exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto as seguintes questões:

 

Ponto 3.1: Menos-valias fiscais com a alienação de partes de capital (correcção da matéria tributável no valor de € 2.713.954,64): improcede quanto a € 2.611.175,24 e procede quanto a € 102.779,40 (Ponto 3.1.4.);

 

Ponto 3.2: Questão do acréscimo à base tributável da requerente do valor de imposto devido e suportado por Fundo de Investimento Imobiliário (correcção da matéria tributável no valor de € 286.644,00): improcede;

 

Ponto 3.3: Recusa de eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos (correcção da matéria tributável no valor de € 732.000,00): procede;

 

Ponto 3.4: Tributação autónoma no montante de € 315.000,00: procede.

 

Em resumo, quanto às correcções à matéria tributável o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao montante de € 834.779,40 e improcede quanto ao montante de € 2.897.819,24.

Quanto à tributação autónoma o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente, quanto ao montante de € 315.000,00.

 

4.2. Poderes de cognição dos tribunais arbitrais

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Os erros que afectam a liquidação impugnada são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a efectuou por sua iniciativa.

Consequentemente, a Requerente tem direito à restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data do pagamento indevido (16-04-2018), até ser reembolsada.

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

Quanto a quantia a reembolsar, apenas está determinada a relativa as tributações autónomas, no montante de € 315.000,00.

Quanto às correcções à matéria tributável não está determinado qual o valor exacto a reembolsar, correspondente ao montante de € 834.779,40, a que ascendem as correcções à matéria tributável julgadas procedentes.

A Requerente, no quadro da página 5 do pedido de pronúncia arbitral, indica um montante de imposto aproximado calculado com base na percentagem de 29,44%, sem explicar como a determinou, pelo que não se pode concluir que o montante de imposto correspondente àquele montante de € € 834.779,40,deva ser calculado com base nessa percentagem, nem se pode proferir uma decisão condenatória em montante aproximado.

Assim, o montante de imposto correspondente às correcções relativamente às quais o pedido de julgado procedente deverá ser determinado em execução de julgado, de harmonia com o disposto no artigo 609.º n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Quanto ao montante das tributações autónomas, há elementos para uma condenação em montante determinado, pelo que se julga procedente pedido de restituição e juros indemnizatórios, quanto ao montante de € 315.000,00.

 

 

5. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às questões referidas nos pontos 3.1.4., 3.3, e 3.4 deste acórdão;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às outras questões de legalidade da liquidação;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição de imposto pago e juros indemnizatórios quanto ao montante de € 315.000,00 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar os respectivos pagamentos;
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido de restituição de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, quanto ao montante de imposto correspondente às correcções à matéria tributável referidas nos pontos 3.1.4. e 3.3 deste acórdão, que deverá ser determinado em execução de julgado.

 

6. Valor do processo

 

Não tendo sido contestado o valor indicado pela Requerente, de harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.420.726,09.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 18.972,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

A Requerente obtém vencimento quanto a € 315.000,000 relativos às tributações autónomas, e a 22,36% do montante das correções à matéria tributável (834.779,40 de € 3.732.598,64).

Assim, correspondendo a estas correcções à matéria tributável o valor da causa de € 1.105.726,09 (€ 1.420.726,09 - € 315.000,00), a Requerente, no que se reporta a estas correcções, obtém vencimento quanto a € 247.240,35 do valor da causa (€ 1.105.726,09 x 22,36%).

Pelo exposto, quanto ao valor da causa, a Requerente obtém vencimento quanto a € 562,240,35 (€ 247.240,35 + € 315.000,00), isto é, 39,58% e fica vencida quanto a 60,42%.

Nestes termos fixa-se a repartição da responsabilidade por custas em 60,42% para a Requerente e 39,58% para a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 02-07-2019

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

4 de julho de 2019

(Victor Calvete)

 

 

 

(Amândio Silva)