Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1/2021-T
Data da decisão: 2021-07-08  IRC  
Valor do pedido: € 11.346,58
Tema: IRC – Período de tributação do ano civil – Facto tributário – Alteração de taxa do IRC – Aplicação da lei no tempo.
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SUMÁRIO

 

1. Salvo disposição legal expressa em sentido diverso, a taxa geral de IRC aplicável com referência a cada período de tributação é a que vigora no momento da verificação do facto gerador - último dia do período de tributação - independentemente de este coincidir ou não com o termo do ano civil.

2. De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC, a formação do facto tributário considera-se verificada no último dia do período de tributação, pelo que, em face do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, é aplicável ao facto tributário que se constituiu em 31-08-2015 a taxa de 21%.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.Relatório

 

1. A... S. A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ...- ... ...-... Lisboa, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 01.01.2021, visa a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso de pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, bem como a declaração de ilegalidade da referida autoliquidação, com a consequente anulação parcial e reembolso do imposto indevidamente cobrado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

 

8. Oportunamente notificada, a Requerida veio apresentar a sua resposta ao pedido de constituição do tribunal arbitral, pronunciando-se no sentido da manutenção na ordem jurídica da decisão impugnada e da liquidação controvertida.

 

9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, por despacho de 30-06-2021 decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias.

 

10. Pelo mesmo despacho foi indicado o dia 15-07-2021 como data limite para prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1.

 

12. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

13. O processo não enferma de vícios que o invalidem. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias, não se conhecem nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se, assim, reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III. Matéria de facto

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativo ao exercício de 2014 e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de que, por errada aplicação da taxa, resultou imposto indevido no montante de € 11 346,58, cuja restituição é pedida, com acréscimo dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

15. Com relevância para a apreciação do pedido e com base nos documentos que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

15.1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do respetivo Código, que, de acordo com a respetiva certidão permanente, tem natureza jurídica de sociedade anónima. Consta ainda da mesma certidão permanente que a empresa tem como objeto de atividade a revisão legal de contas, auditoria às contas e todos os serviços relacionados, quaisquer funções de interesse público que a lei lhe atribua, bem como o exercício da consultoria em matérias que integram o programa de exame para o exercício da profissão de revisor oficial de contas.

 

15.2. No que respeita ao exercício de 2014, a Requerente, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2, do Código do IRC, adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o qual teve início em 01-09-2014 e termo em 31-08-2015.

 

15.3. Com referência ao mencionado exercício, a Requerente apresentou, em 30-01-2016, a competente declaração periódica de rendimentos Modelo 22.

 

15.4. Na sua autoliquidação de imposto relativa ao exercício em de 2014, a Requerente, à data qualificada como PME, apurou um montante total da coleta de IRC - calculado pelo sistema da AT – que ascendeu €133.035,60, montante que corresponde a uma matéria coletável de €582.328,68 (Cfr. Campo 778, do Quadro 7 da Dec. M/22), à qual se aplicou a taxa reduzida de 17%, aos primeiros €15.000, e a taxa de 23%, ao montante remanescente (Cfr. campos 347-A, 347-B e 351, do quadro 10, da Dec. M/22).

 

15.5. Considerando que, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31/12), a taxa geral de IRC diminuiu de 23% para 21%, conforme dispõe o artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação que lhe foi dada pelo artigo 192.º daquela Lei, e que esta nova taxa é aplicável a partir de 01-01-2015, data em que, segundo o artigo 261.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

 

15.6. O referido pedido, apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa-..., em 15-05-2019, originou o processo de revisão oficiosa n.º ..., da Direção de Finanças de Lisboa.

 

15.7. O mencionado pedido tem como objeto a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014 que conduziu a uma coleta superior à que seria devida por errada aplicação da taxa por facto imputável aos serviços da administração tributária.

 

15.8. Como fundamento do pedido alega a Requerente que à data em que se verificou o facto gerador do imposto – 31-08-2015 - por referência ao seu período de tributação de 2014, encontrava-se em vigor a taxa de 21%, devendo ser esta a aplicável à matéria coletável apurada relativamente ao aludido exercício.

 

15.9. Sobre o pedido foi elaborada informação técnica, de que, no essencial, se destaca: “A matéria aqui contestada diz respeito à correta aplicação, ou não, da taxa de IRC ao exercício de 2014, sendo o período de tributação aplicado, no caso em apreço, o de 01/09/2014 a 31/08/2015. A publicação da Lei 82-B/2014, de 31/12, lei que alterou o Orçamento do Estado para 2015, no seu art.º 192.º (pág. 126) veio alterar o art.º 87.º do CIRC, alterando a taxa de 23% para uma taxa de 21%, contudo a presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, cifra art.º 261.º. Ora, tratando-se do exercício de 2014, independentemente do período de tributação ser ou não coincidente com o ano civil, a taxa correta a ser aplicada ao exercício de 2014 e que se encontra em vigor para esse ano é sem dúvida a taxa de 23%, porquanto o início do período de tributação da ora Requerente teve início em 2014 e não em 2015, ou seja, em 01/09/2014 e não em 01/01/2015. Acrescenta-se ainda, e por se considerar relevante, que até a Ordem dos Contabilista Certificados (OCC) tem o mesmo entendimento, porquanto e como é do conhecimento do próprio Contribuinte, da consulta realizada ao Manual da “Coleção Essencial 2017 – Preenchimento da declaração modelo 22 do IRC”, publicado pela Ordem dos Contabilistas Certificados, 2017, é referido o seguinte: “O campo 347-A só pode ser preenchido pelos sujeitos passivos que assinalaram o campo 1 do quadro 3-A da declaração, ou seja, pelos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial que sejam qualificados como pequena ou média empresa (PME), nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.°372/2007, de 6 de novembro - ver instruções ao quadro 3-A da declaração. Nestes casos, e para os períodos de tributação iniciados em ou após 2015-01-01, a taxa de IRC aplicável aos primeiros € 15.000,00 de matéria coletável é de 17 % (campo 347-A), aplicando-se a taxa de 21% à matéria coletável excedente (campo 347-B).” (cifra página 132, do manual da OCC). Referindo ainda, o mesmo manual, que: “Para o período de tributação de 2014, o cálculo do imposto no campo 347-B, é efetuado à taxa de 23%”. (cifra página 133, do manual da OCC) Relembra-se, mais uma vez, que o início do período de tributação do Contribuinte foi em 01/09/2014 e não em 01/01/2015 ou posterior. Em suma, Existindo um "erro de Direito" numa liquidação efetuada pela AT, e não decorrendo a errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do Contribuinte, o erro em questão considera-se imputável aos serviços, de acordo com o n.º 2 do art.º 266.º, da CRP e o art.º 55.º da LGT, não sendo, contudo, este o caso aplicável à situação em apreciação. Assim sendo, e por tudo o que aqui foi dito somos de parecer que a Liquidação de IRC n.º 2016..., respeitando ao exercício de 2014 se encontra corretamente apurada, ao aplicar a taxa de 23%, sendo este o entendimento da Administração Fiscal bem como da própria Ordem dos Contabilistas Certificados. Acrescenta-se ainda que perante o exposto ao longo da presente informação, somos de parecer que o pedido apresentado pelo Requerente e concluindo-se pela inexistência de erro imputável aos serviços, que o pedido apresentado, encontra-se extemporâneo.

 V – PROPOSTA DE DECISÃO Pelo exposto, somos de opinião do INDEFERIMENTO do pedido, propondo-se que o presente procedimento seja remetido à DSIRC, para efeitos de apreciação e decisão.”

 

15.10. Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 13-07-2020, despacho no sentido do Indeferimento do pedido pelo Diretor de Finanças Adjunto, por subdelegação de competência, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º ... expedido sob o registo dos CTT – RH ... PT - com data do dia 15-07-2020, para, no prazo 15 dias, exercer o direito de audição prévia, previsto na al. b), do n.º 1, do art.º 60.º, da LGT.

 

15.11. Decorrido o prazo fixado sem que tivesse sido exercido o referido direito, o diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, no uso de subdelegação de competência, proferiu, em 24-09-2020, o seguinte despacho: “Atendendo ao referido e proposto nos pareceres que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra e em especial ao informado e proposto em sede de audição prévia, considero que o pedido não merece provimento – uma vez que segundo o informado não se verificam os pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada e se trata de matéria sancionada Superiormente no sentido do indeferimento do pedido – convolando-se em definitivo aquele projeto de decisão”

 

15.12. Esta decisão foi notificada à Requerente através de ofício de 25-09-2020.

 

16. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV. Matéria de direito

 

17. Como já acima se referiu, a Requerente vem pedir a revogação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa bem como a anulação parcial do ato de autoliquidação ao exercício de 2014.

 

18. Fundamentando o pedido, alega que estando sujeita a um período de tributação não coincidente com o ano civil, com inicio em 01-09-2014 e termo em 31-08-2021, e tendo ocorrido a alteração da taxa de IRC, introduzida pela Lei 82-B/2014, de 31/12, com entrada em vigor em 01-01-2015, deverá ser essa a taxa (21%) a aplicar ao exercício de 2014, por nada constar naquela lei que o excecione, ou seja, não existe qualquer disposição transitória à alteração assim introduzida no nº 1 do artigo 87º do CIRC, pelo que,  concluí a Requerente, a alteração legislativa aqui em causa, entrou em vigor a 01-01-2015, tal como resulta do disposto no nº 1 do artigo 261º da Lei nº 82º - B/2014, de 31/12.

 

 

Posição da Requerente

 

19. Mais detalhadamente, alega a Requerente que: “19º Em 1 de outubro de 2014, data em que se iniciou o período de tributação de 2014 da Requerente, a taxa de IRC em vigor era de 23%.

20º Todavia, no final do mesmo ano, com a publicação da Lei do Orçamento de Estado para 2015, a taxa de IRC foi novamente alterada, desta vez para 21%

21º Saliente-se, a este respeito, que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, nos termos do n.º 1 do seu artigo 261.º, pelo que a taxa geral de IRC em vigor desde essa data era de 21%.

22º Ora, ao contrário do que sucedeu nos anteriores diplomas legais que alteraram a taxa de IRC, o legislador não estabeleceu na Lei do Orçamento de Estado para 2015 qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal.

23º A este respeito, a Requerente entende que não foi por mero lapso ou esquecimento que o legislador não estabeleceu uma norma transitória na Lei do Orçamento de Estado para 2015, designadamente quanto à data da produção de efeitos da disposição que veio alterar a taxa de IRC,

24º sendo certo que, nos termos das normas interpretativas previstas no Código Civil, em especial no n.º 3 do seu artigo 9.º, “ o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ”

25º Certo é que na falta de norma transitória apenas pode concluir-se que o legislador pretendeu a aplicação das regras gerais acima referidas, das quais resulta a aplicação da nova taxa de IRC a todos os períodos de tributação iniciados ou em curso a 1 de janeiro de 2015 .

(...)

40º Assim, tendo em consideração que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, é necessário determinar quando é que o facto gerador do IRC se verificou na esfera da Requerente, em particular quanto ao seu período de tributação de 2014.

41º Com efeito, dispõe o n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC que o “ facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação ”

 

20. Entende, pois, a Requerente, que o momento relevante para definição de taxa de tributação aplicável é aquele em que, de acordo com a norma legal, se situa o facto tributário, que, no caso do IRC, consta do artigo 8.º, n.º 9, do respetivo Código.

 

21. Conclui, assim, a Requerente que “43. Atendendo ao exposto, não se poderá chegar a outra conclusão senão no sentido de que, no caso da Requerente, o facto gerador do IRC se verificou no dia 30 de setembro de 2015 - ou seja, no último dia de tal período de tributação de 2014.

44º E não se pode igualmente negar que, à data de 30 de setembro de 2015, a taxa de IRC em vigor era 21% “

 

22. Por seu lado, a Requerida sustenta posição inteiramente diversa da que vem expressa pela Requerente, pronunciando-se pela manutenção na ordem jurídica da liquidação controvertida, nos seguintes termos: "10- Em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados.

11- Assim, em sede de IRC, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil.

12- Com efeito, nos termos do art.º 8.º n.º 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, sendo um imposto periódico, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar, ou seja, o facto gerador do imposto é complexo e de formação sucessiva ao longo de um ano.

13- Pelo que definida a incidência objetiva e subjetiva do imposto, o facto gerador não se confunde nem com a determinação da matéria coletável, nem com a taxa aplicável, as quais tem a sua própria autonomia conceptual, concretizando-se em momentos diferentes.

14- E se o ano de tributação de 2014 da Requerente se inicia em 1 de outubro de 2014 e termina a 30 de setembro de 2015, a taxa a aplicar é a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, pela única circunstância de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer outro factor distintivo ao nível do imposto sobre o rendimento.

15- Assim, a taxa que se deve aplicar, uma vez que independentemente do ano de tributação começar em 01/01/2014 e terminar em 31/12/2014 ou começar em 01/10/2014 e terminar em 30/09/2015, sempre será a definida para o exercício de 2014, inexistindo qualquer norma de direito transitório, criadora do regime de excepção pretendido pela Requerente.

16- Se a Requerente adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o seu período de tributação será sempre de um ano a contar do seu início, assim, o período de tributação de 2014 inicia-se a 1 de outubro de 2014 e termina a 30 de setembro de 2015. 20. E para o período de 2014, nos termos do n.º1 do art.º 87.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a taxa de IRC era de 23%. Só com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015), o n.º 1 do art.º 87.º do CIRC foi de novo objecto de alterações, passando a taxa geral de IRC em vigor, para o período de tributação de 2015, a ser de 21%.

17- Em conformidade com o art.º 261.º do OE, aquela lei entrou em vigor a 1 de janeiro de 2015, ou seja a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015, aplicando-se aos períodos de tributação que se iniciem após aquela data.

18- Assim, no caso da Requerente o seu período de tributação de 2015, só se inicia em 01/10/2015, terminando a 30/09/2016.

19- Só com a publicação do Orçamento de Estado, se verificam alterações ao IRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.

20- Ou seja, não é por este facto, que a Requerente, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, deva aplicar as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro para o período do ano seguinte ou entender que as taxas aplicáveis são tout court aquelas a 31/08. (pretensa da Requerente).

21- De facto, ao período de tributação que se inicia em 01 de outubro de 2014 e termina em 30/09/2015, só se podem aplicar as regras do CIRC, em vigor no período de tributação de 2014.

22- E, ao período de tributação que se inicia em 01 de outubro de 2015 e termina em 30 de setembro de 2016, aplicam-se as regras do CIRC, em vigor para o período de tributação de 2015 e assim sucessivamente.

23- Destrate, a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 01 de janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro que implementou a Reforma do IRC.”

 

Do mérito do pedido

 

23. No caso em apreço está em causa determinar-se qual a taxa de tributação aplicável, em sede de IRC, a uma empresa que adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%. Ou seja, muito simplesmente, está em causa saber se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.

Sobre esta matéria, as posições encontram-se claramente demarcadas: para a Requerente a taxa aplicável é a que estiver em vigor à data em que o período de tributação tem o seu termo; para a Requerida, a taxa aplicável é a que vigora no início do período de tributação.

 

25. No caso em apreço, deverá equacionar-se, ainda, uma outra questão relacionada com a anterior, concretamente, sobre o âmbito de aplicação do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16/01, abordada em acórdão arbitral, cuja fundamentação vem acolhida pela AT na sua resposta.

 

26. Desde logo, parece poder salientar-se que a jurisprudência arbitral é unânime no tocante à consideração de que a taxa de IRC aplicável é, salvo disposição legal em contrário, a que estiver em vigor no último dia do período de tributação, conforme decorre do disposto no artigo 8.º, n.º 9, do respetivo Código. É este entendimento que fundamenta as decisões arbitrais de 15-10-2018 e de 20-12-2019, proferidas nos Processos 179/2018-T e 411/2019-T, respetivamente.

 

27. No mesmo sentido vai o entendimento expendido no acórdão arbitral de 20-12-2019, proferido no processo 412/2019-T, em que, para situação idêntica à que ora se equaciona, se conclui que a questão a apreciar situa-se não na determinação da verificação do facto tributário sujeito a imposto, mas no teor normativo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16/01.

 

28. Com efeito, é nessa perspetiva que a decisão em causa se orienta, conforme na mesma expressa e claramente se afirma: " Efectivamente, não estará, em primeira linha, em questão apurar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21% - que era, como refere a decisão acima transcrita – nem apurar se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação ora em crise se deu naquela data – que se deu, como também aquela decisão o demonstra – mas, antes, apurar se, e em que medida, a norma do supra referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015."

 

29. Partindo-se, assim, de uma base comum de entendimento sobre o momento em que se define a taxa de IRC aplicável - no termo do período de tributação, seja este coincidente ou não com o ano civil – atinge-se, na situação concreta soluções divergentes que se centram sobre a aplicação no tempo da lei fiscal, especificamente do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16/01.

 

Quadro normativo 

 

30. Prevê o artigo 1.º do Código do IRC que este tributo incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos. De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo artigo define como a "diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código." Apurado com base no resultado líquido do exercício, o lucro tributável das pessoas coletivas, segundo o artigo 17.º, n.º 1, do mesmo Código, " é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código."

 

31. Salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8-º, n.ºs 4 e 8 – anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa coletiva – o período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do citado artigo.

 

32. Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, é facultado às pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, bem como as pessoas coletivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direção efetiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adotarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.

 

33. Com exceção de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, elencados no artigo 8.º, n.º 10, prevê o n.º 9 do mesmo artigo que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação."

 

34. O facto gerador – facto tributário - que tanto pode ser instantâneo como reportado a um determinado período temporal – determina a constituição da relação tributária, como decorre do artigo 36.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

35. No caso do IRC, e salvo as exceções assinaladas, a relação jurídica tributária segundo dispõe aquele n.º 9 do artigo 8.º do respetivo Código, constitui-se no último dia do período de tributação. Por outras palavras, o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.

 

36. É, a nosso ver, pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que, diversamente do que vem alegado pela Requerida, o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são definidas em função da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC, como se vem referindo, considera-se verificado no último dia do período de tributação.

 

37. Sobre esta matéria releva a doutrina e jurisprudência citadas em anteriores decisões arbitrais já acima referidas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

 

38. Poderá, no entanto, acrescentar-se que sobre a relevância do momento da ocorrência do facto tributário para a definição da taxa aplicável, o Tribunal Constitucional, em decisão reportada embora às tributações autónomas na área dos impostos sobre o rendimento, afirma: " Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC)."

Pode, pois, concluir-se que tanto a doutrina como a jurisprudência, designadamente a jurisprudência arbitral citada, apontam no sentido de que a taxa geral de IRC aplicável é a que vigora no momento da verificação do facto gerador, último dia do período de tributação, independentemente de este coincidir ou não com o termo do ano civil.

 

39. Só assim não será quando a lei disponha de forma diversa. E, com efeito, sempre que pretendeu que fosse considerado outro momento relevante para determinação da taxa aplicável, o legislador não deixou de o determinar de forma expressa. É que se verifica, por exemplo, com a Lei n.º 3-B/2000, de 04/04, que fixa a taxa de IRC em 32%, cujo artigo 41.º, n.º 3, expressamente prevê que a mesma é aplicável aos períodos de tributação que se iniciem a partir de 01-01-2000 ou da Lei n.º 109-B/2001, de 31/12, que fixa a taxa de 30%, mas que prevê, no seu artigo32.º, n.º 7, que a mesma se aplica aos períodos de tributação iniciados em 01-01-2002.

 

40. Sendo este o entendimento que, em consonância, aliás, com as anteriores decisões arbitrais citadas, se acolhe, resta, ainda, saber se, no caso concreto, a taxa aplicável é a prevista na Lei n.º 2/2014 ou a que veio a ser introduzida pela Lei n.º 87-B/ 2014, de 31/12, ou seja, saber-se se no termo do período de tributação – 31-08-2015 - aquela ainda se encontrava em vigor.

 

41. Como já referido, esta matéria foi objeto de apreciação em decisão arbitral de 22-09-2020, no processo n.º 893/2019-T, que a Requerida cita e a cuja fundamentação adere, de que se destacam as seguintes considerações: “ No caso em apreço, como vimos, a Requerente adoptou um período especial de tributação que se iniciou em 1 de abril de 2014 e terminou em 31 de Março de 2015. A taxa aplicável é a que resulta, por vontade expressa do legislador, vazada na Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

Com efeito, o legislador quis que a taxa de imposto, constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC e fixada em 23%, se aplicasse aos períodos de tributação, tais como o da Requerente, que se iniciaram em 2014 e completaram o seu ciclo de tributação anual, tornando-se exigíveis, em 2015. É neste sentido claro o teor do preceito ao dizer que "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014". (destacado nosso) O legislador, consciente de situações como a da Requerente, cujo período tributário não coincide com o ano civil, e para evitar situações de desigualdade, resolveu o problema colocando os ciclos tributários iniciados em 2014, mas que possam terminar em 2015, sob o mesmo regime jurídico, quanto à taxa aplicável. Esta técnica jurídica evitou que o legislador de 2015 tivesse necessidade de fixar qualquer norma transitória.

Com efeito, o âmbito de proteção da Lei n.º 2/2014 não é minimamente contrariado pela Lei n.º 82 B/2014, de 31 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), em concreto do seu artigo 192.º, em que a taxa geral do IRC constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 21%.

Na verdade, determina-se, no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que "A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015." Ou seja, resulta claro que esta norma visa aplicar-se apenas aos períodos tributários iniciados em 2015 (a um de janeiro ou posteriormente). O que não é manifestamente o caso da situação da Requerente, cujo período tributário se iniciou em 2014.

Em suma, qualquer interpretação que pretenda fazer aplicar à situação em apreço o artigo 192 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, não tem na sua letra qualquer apoio.  

 

43. Tal entendimento, porém, não é uniformemente acolhido na jurisprudência arbitral, como se extrai das decisões proferidas processos 179/2018-T, 412/2019-T, 783/2019-T, 115/2020-T e 515/2020-T, que se pronunciam em sentido diverso.

 

44. Com efeito, esta matéria foi abordada na decisão proferida no processo 783/2019-T, por nós subscrita, nos termos que a seguir se referem e que, em nosso entender, mantêm inteira atualidade reportados à situação em análise.

 

45. A Lei n.º 2/2014, de 16/01, entre outras modificações introduzidas ao Código do IRC, alterou a redação do seu artigo 87.º, n.º 1, ficando do mesmo a constar que "A taxa do IRC é de 23 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes."

 

46. Sobre a sua aplicação no tempo, dispõe o artigo 14.º da referida Lei que "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014."

 

47. Desde logo, parece não oferecer dúvidas que a norma em análise, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 01-01-2014, admitindo-se que a referência aos factos tributários que ocorram em ou após essa data se refira às tributações de não residentes sem estabelecimento estável e, atenta a controvérsia que então se havia gerado sobre a aplicação retroativa, às tributações autónomas previstas no artigo 88.º do Código do IRC.

 

48. Porém, a norma em causa contém um segmento que não pode deixar de ter-se em atenção. Ali se estatui que o que nela se dispõe é "Sem prejuízo do disposto no artigo 8-º."

 

49. Referindo-se precisamente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, diz aquele artigo 8.º -" 1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.

2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito."

 

50. A referida Lei considerava já no preceito acima transcrito, uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma eventual redução de taxa de IRC para 21% em 2015.

 

51. Sobre a sua aplicação no tempo, o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, ao prever expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz "sem prejuízo" do disposto no artigo 8.º acolherá desde logo a eventualidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, designadamente, da redução para 21% em 2015.

 

52. E, com efeito, esta prevista redução da taxa de IRC para 21% veio a efetivar-se através do artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redação daquele artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

53. Sendo a lei omissa no tocante à sua aplicação temporal, será, pois, de concluir-se que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da Lei Geral Tributária.

 

54. Em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o princípio da proibição da retroatividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê o n.º 1 daquele artigo que "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos."

 

55. Porém, tratando-se de impostos periódicos, em que o facto tributário é de formação sucessiva, o n.º 2 daquele artigo consagra um critério de "pro rata temporis" prevendo que " Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."

 

56. No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas está-se perante um tributo de periodicidade anual em não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correções expressamente previstas no respetivo Código. Porém, a regra geral contida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária cede, a nosso ver, perante a disposição constante do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.

 

57. No que concerne à aplicação da lei no tempo e em obediência ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei fiscal, a citada norma do Código do IRC consagra, pois, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação.

 

58. Com efeito, considerado o disposto naquele n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, entendemos que a lei nova, salvo disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.

 

60. Revertendo ao caso em análise, verifica-se que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31-08-2015, termo do período anual de tributação por que optou a Requerente.

 

61. Estando em vigor nesse momento a taxa de 21% constante do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.

 

62. Salienta-se, ainda, que vai no sentido do entendimento acima exposto o recente acórdão de 21-04-2021, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em sede de recurso para uniformização de jurisprudência  , de que, do respetivo sumário, se destaca: “Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art.º 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”

 

63. Pelo exposto, o Tribunal declara ferida de ilegalidade a liquidação de IRC efetuada com aplicação da taxa de 23% prevista na Lei n.º 2/2014, determinando a sua anulação parcial com a consequente restituição da importância indevidamente cobrada. No mesmo sentido, é revogada a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da referida liquidação.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

64. A par da anulação da liquidação, e consequente reembolso da importância indevidamente paga, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito as juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

65. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

66. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

67. Porém, importa referir que, associada ao atraso em decisão sobre pedido de revisão oficiosa do ato tributário prevê artigo 43.º, n.º 3, alínea c), que são devidos juros indemnizatórios "Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária."

 

68. Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15-05-2019, pelo que apenas a partir de 15-05-2020 teria o contribuinte direito a direito a juros indemnizatórios, se a decisão sobre aquele pedido não tivesse até então sido apreciada.

 

69. Tendo sido proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa em 24-09-2020, depois de se ter completado um ano sobre a sua apresentação, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, devendo estes ser contados depois de decorrido um ano contado da apresentação do pedido de revisão até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

V. Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação;

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC identificada nos autos, determinando a sua reforma com base na taxa de 21%, com a consequente anulação parcial e restituição da importância a mais cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

Valor do processo: € 11 346,58.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 8 de julho de 2021,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.