Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 621/2016-T
Data da decisão: 2017-06-23  IRC  
Valor do pedido: € 164.038,42
Tema: IRC - Liquidação oficiosa - Estabelecimento estável - Prova do exercício de actividade
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Decisão Arbitral

 

 

            Os Árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (Arbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Ricardo da Palma Borges e Prof. Doutor Manuel Pires, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-06-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A…, com sede em …, cidade de …, …, …, …, Estados Unidos da América, com o número de pessoa colectiva equiparada…, que tem por representante fiscal nomeado a sociedade B…, com sede no …, n.º…, ..., …-… Lisboa (“Requerente”), veio, nos termos do artigoº 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de Tribunal Arbitral colectivo, com vista:

(i)                 à declaração  da  ilegalidade  e  consequente  anulação  da  liquidação  de  Imposto  sobre  o Rendimento  das  Pessoas  Colectivas  (“IRC”)  e  juros  compensatórios  n.º  2016…, relativa ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total de IRC e de juros  compensatórios  a  pagar  de  €  164.038,42;

(ii)              à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) na  indemnização  das  despesas  incorridas pela Requerente com a prestação e manutenção da garantia bancária n.º …-…-…,  emitida  em  13  de  Outubro  de  2016,  no  valor  de  €  208.268,85  para  a suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016… instaurado pela AT na sequência da falta de pagamento voluntário de tal liquidação

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Ricardo da Palma Borges, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-10-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como Árbitro-presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 03-01-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 18-01-2017.

A AT apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral devia ser julgado improcedente.

Por despacho de 17-04-2017, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, sem prejuízo da ulterior produção de prova testemunhal, se se viesse a mostrar necessária.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não há nulidades nem obstáculos à apreciação do mérito da causa.

            2. Matéria de facto  

 

            A matéria de facto relevante para decisão das questões que importa apreciar é a seguinte:

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente A… é uma sociedade não residente e que não assumiu, voluntariamente, a existência de qualquer estabelecimento estável em Portugal;

b)      A Requerente dedica-se, entre outras actividades, à compra e venda  e  à  gestão  e  recuperação  de  créditos  malparados  (créditos  em incumprimento ou delinquentes);

c)      No  âmbito  dessa  actividade,  a  Requerente  adquiriu  ao  C…, S.A. (“C…”) três carteiras de créditos dessa natureza (“NPLs – Non Performing Loans”) cujos devedores eram residentes em Portugal;

d)      A  Requerente  contratou  nos  anos  de  2008  e  2009,  a  sociedade D…, S.A. (“D…”), uma empresa que presta serviços de gestão e recuperação de créditos malparados, para a assistir na gestão e recuperação dos NPLs adquiridos (“Loan Servicing” ou “Servicing”);

e)      Em 30-11-2011, a Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e Acções Especiais da Administração Tributária e Aduaneira elaborou a Informação n.º 617/2011, cuja cópia consta do documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, concluindo uma acção de investigação à Requerente com o propósito de averiguar sobre a existência de estabelecimento estável em Portugal;

f)       Na informação n.º 617/2011, refere-se, além do mais, o seguinte:

      Com o objectivo de comprovar a referida existência de estabelecimento estável em Portugal, bem como de apurar o lucro tributável a este imputável, procedeu-se à recolha e cruzamento de elementos junto de entidades que estabeleceram relações comerciais com a A…, designadamente a sociedade D…, com quem esta possuiu até Setembro de 2010. um contrato de Servicing Agreement, e cujos administradores se encontravam legitimados com poderes suficientes para a prática de actos de gestão, que com carácter de habitualidade se verificou terem desenvolvido.

      (...)

      No entanto, no período compreendido entre Novembro de 2005 e Setembro de 2010 a sociedade A…, através de várias procurações, constitui como seus mandatários E…, F…, G…, H… e I… aos quais confere poderes para a prática de actos relativos à gestão e recuperação de créditos, ou seja, para o desenvolvimento da actividade praticada por esta sociedade em Portugal.

      A Informação relativa à aquisição das carteiras de créditos realizada em Portugal bem como à sua recuperação, foi cedida por E…- NIF:…, na qualidade de representante da A… em Portugal até Setembro de 2010 e de administrador da D… até Setembro de 2011.

      (...)

      5.    FACTOS APURADOS

      5.1. Actividade Desenvolvida em Portugal

      A A…, é uma empresa veículo do L…, que em Portugal procedeu à aquisição, junto do C…, S.A. (C…), da posição de credor que esta instituição ocupava em diversos contratos de crédito celebrados com os seus clientes, e que à data da aquisição se encontravam em incumprimento em virtude de falhas nos pagamentos por parte dos mutuários (clientes do C…).

      Estas operações de cedência de posição nos contratos de créditos, designadas de cessões de créditos, em que o C… actuou na qualidade de cedente e a A… na qualidade de cessionária, implicaram a transferência para esta última de todos os direitos e garantias inerentes aos créditos cedidos.

      O acto através do qual o cedente transmite ao cessionário a sua posição de credor num contrato de mutuo estabelecido com um seu cliente, designa-se de Contrato de Cessão de Créditos e, tal como se encontra referido no ponto 4 da presente informação, assume a forma de documento particular.

      Para desenvolver a actividade em Portugal, e tendo em conta que aqui não possui funcionários próprios, a A… contrata a sociedade D…, S.A. - NIPC:…, na qualidade de prestadora de serviços na área da gestão de créditos, através de um contrato celebrado em Novembro de 2005, que viria a ser substituído por um outro, datado de 13 de Dezembro de 2006, e que vigoraria até Setembro de 2010, data em que por incompatibilidade das partes procedem à resolução do mesmo, Anexo II.

      No referido contrato são atribuídas, pela A… à D…, todas as competências necessárias e suficientes para que esta última desenvolva em representação da primeira, toda a actividade relativa à gestão dos créditos propriedade da não residente, designadamente, (...)

     

      5.1.2.2   Cessão de Créditos

      No período compreendido entre Setembro de 2006 e 31 de Dezembro de 2010, a A… realizou as seguintes cessões de créditos às sociedades D… e à não residente J…- NIF: …

      (...)

      Na celebração das escrituras de cessão de créditos, actuaram em representação da A…, os sujeitos E…, G…, H… e I…, na posse dos mandados de representação que lhe foram conferidos por esta sociedade.

      As cessões efectuadas à D… , eram constituídas por créditos com garantias reais (Imóveis), e a principal razão subjacente a esta decisão já foi mencionada no ponto 5.1.2, prendendo-se com o facto desta não residente evitar qualquer tipo de elemento de conexão com o território nacional.

      Relativamente à cessão efectuada a sociedade J…, adiante designada de J… ocorre na sequência do litígio entre a A… e a D…, S.A, e da mesma resultou um prejuízo de cerca de € 3.142.161.27. para a cedente, conforme se verifica através do Anexo XXII.

      Após a cessão, a sociedade gestora dos créditos, agora propriedade da J…, passou a ser a K…, S.A. - NIPC:… .

      (...)

      Entre Novembro de 2005 e Setembro de 2010 a D… representou em Portugal a sociedade não residente A…, subsidiária do L…, através da prática de variados actos associados à actividade de gestão e recuperação de créditos, nomeadamente, organização e manutenção da documentação associada aos créditos, contactos e negociações com devedores, recebimentos de cobranças, gestão de processos judiciais, realização de escrituras públicas relativas a vendas de imóveis e cessões de crédito, abertura e gestão de contas bancárias, etc.

      Os administradores da D…, para o período atrás mencionado, encontravam-se devidamente investidos de poderes para a prática de actos jurídicos em nome da A…, designadamente através de procurações emitidas pela não residente a favor destes.

      (...)

      8.   CONCLUSÕES

      A acção desenvolvida incidiu sobre a actividade exercida em Portugal pela sociedade A…, que corresponde a uma subsidiaria do L…, constituída nos Estados Unidos da América como sociedade veículo para a compra de crédito em incumprimento, relativamente à qual se apurou que:

•   Em 10 de Outubro de 2005, solicitou junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas a sua Inscrição para a realização de acto isolado em Portugal, sendo-lhe atribuído o NIF:…;

•   O objectivo de sua inscrição junto do RNPC, prende-se com o facto de adquirir créditos em Portugal que apresentam imóveis localizados em território nacional como garantias reais subjacentes, créditos estes que deverão ser registados junto das conservatórias a favor da A…, situação para a qual é necessário apresentar o seu número de identificação fiscal;

•     Entre Setembro de 2005 e Setembro de 2010, adquire em Portugal três carteiras de crédito em incumprimento ao C… pelo montante de €18.040.000,00, com o objectivo de proceder à sua recuperação Junto dos devedores;

•   Para colmatar a inexistência de funcionários em Portugal celebra, em Novembro de 2005, um contrato de prestação de serviços de gestão de créditos com a sociedade portuguesa D…, que viria a ser resolvido em Setembro de 2010, por litígio entre as partes;

•     A recuperação dos créditos relativos às três carteiras adquiridas pela A… decorreu através da renegociação das dívidas junto dos devedores, consubstanciada na celebração de acordos de pagamento e através de cessões de crédito, onde esta sociedade actuou na qualidade de cedente e aproveitou para transmitir os créditos sobre os quais existiam garantias reais (imóveis) já que um dos objectivos desta sociedade era eliminar qualquer conexão com o território nacional para assim evitar a sua tributação em Portugal;

•     Nos acordos de pagamento com os devedores, na celebração das escrituras de cessão de créditos, e na emissão de recibos de quitação de dividas passados aos devedores, a A… foi representada por quatro procuradores por si nomeados, E…, G…, M… e H…, através de procuração, tendo os mesmos, de forma continuada, procedido em Portugal à pratica de vários actos jurídicos;

      Desta forma, verifica-se que E…, G..., M… e H…, actuaram em Portugal, no período compreendido entre Novembro de 2005 e Setembro de 2010, em representação da A…, investidos de poderes de intermediação e conclusão que permitiram vincular esta sociedade no âmbito das suas actividades.

      Esta situação configura a existência de Estabelecimento Estável em Portugal ‑Estabelecimento Pessoal, nos termos do n° 6 do art°5° do CIRC em conjugação com o artº 5º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e os Estados Unidos da América, localizado nas Instalações da D…, sitas na Avenida … n° … em Lisboa, já que foi nesse local que de forma habitual, os referidos sujeitos praticaram os seus actos.

      A existência de estabelecimento estável em Portugal por parte da A…, resulta na tributação em sede de IRC do lucro tributável imputável a esse estabelecimento, conforme disposto na alínea c) do n° 1 e n° 3 do arfa" do CIRC.

      O apuramento de acordo com o art. 50° do CIRC, em conjugação com o art. 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e os Estados Unidos da América, resultou num lucro tributável de €1.472.465,01 e €656,381,00, em 2008 e 2009, respectivamente.

 

g)      A coberto das ordens de serviço OI2012… e OI2012… foi, por despacho de 18-10-2012,  efectuada  acção  de  inspecção  interna  à  Requerente, relativa  aos exercícios de 2008 e 2009 (documentos n.ºs 22 e 23 juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos);

h)      No  Relatório da Inspecção Tributária referida cuja cópia consta daquele documento n.º 23, refere-se, além do mais, o seguinte:

      A entidade «A… » contratou a sociedade «D…, SA», na qualidade de prestadora de serviços na área de gestão de créditos, através de um contrato celebrado em Novembro de 2005, que viria a ser substituído por um outro, datado de 2006-12-13 (conforme Anexo I, fls. 2 a 44), denominado de Servicing Agreement, e que vigoraria até Setembro de 2010, data em que por incompatibilidade das partes procederam à resolução do mesmo.

(...)

      3.4 - Enquadramento Jurídico e Obrigações Fiscais

      No período compreendido entre Novembro de 2005 e Setembro de 2010, a representação em Portugal da entidade «A… » foi exercida com base em procurações emitidas a vários procuradores, configurando a existência de Estabelecimento Estável em Portugal - Estabelecimento Pessoal, nos termos do n.º 6 do artigo 5.° do Código do IRC em conjugação com o artigo 5° da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e os Estados Unidos da América, localizado nas instalações da «D… SA», sitas na Av. … n.°…, em Lisboa.

      Perante a existência de estabelecimento estável em território nacional, deve a mesma estar registada em Portugal para efeitos de IR e proceder ao cumprimento das obrigações fiscais previstas em sede de IRC, nos termos dos artigos 117.º e 120.º, ambos do Código do IRC.

      (...)

      3.6.2 – Contrato celebrado pela «A… » com a «D…, SA»

      (...)

      No âmbito do "Contrato de Servicing Agreement, assinado em 2005-11-21 e alterado em 2006-06-07 e em 2006-12-13, data da consolidação, tendo vigorado até Setembro de 2010, a sociedade «D…, SA» tinha todas as competências necessárias e suficientes para desenvolver, em representação da entidade «A…», toda a actividade relativa à gestão dos créditos propriedade da não residente. Este contrato define todas as actividades que a «D…, SA» deve assegurar para efectuar a gestão dos créditos da não residente.

.

i)       Nessa inspecção, a Administração Tributária e Aduaneira veio a entender  que, no período compreendido entre Novembro de 2005 e 14 de Setembro de 2010, a representação em Portugal da Requerente foi exercida com base em procurações, configurando a existência de estabelecimento estável em Portugal, localizado nas instalações da D…;

j)       Com base nesse entendimento, os serviços  tributários  concluíram que  a  Requerente  deveria  estar  registada  em Portugal  para  efeitos  de  IRC e,  em  consequência,  deveria proceder  ao  cumprimento  das  obrigações fiscais previstas em sede de IRC, nos termos dos artigos 117.º e 120.º, ambos do Código do IRC (“CIRC”);

k)      Até 14-09-2010,  a  empresa  de  Servicing  contratada  pela  Requerente  para  efectuar  a  gestão  dos  créditos  adquiridos  em  Portugal  era  a  D… (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)

l)       A Requerente entrou em litígio com a D… e, naquela data, pôs termo ao contrato que tinha celebrado com a D… (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)   A partir de 14-09-2010, a D… deixou de efectuar a gestão dos créditos da Requerente referidos;

n)      Em Setembro de 2010, os referidos créditos da Requerente passaram a ser geridos em Portugal através da N…, com quem celebrou um contrato de "Servicing Agreement", que foi alterado em 31-03-2011 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral cujo teor se dá como reproduzido);

o)      A  Requerente  não tem qualquer relação contratual com a D… desde Setembro de 2010;

p)      Foi apenas a N… que prestou serviços de Servicing à Requerente em 2014;

q)       Para os exercícios de 2008 e 2009, a Administração Tributária  apurou o lucro tributável da Requerente nos seguintes termos:

r)       Não houve registo de cessação de actividade da Requerente, para efeitos de IRC,  relativamente ao exercício de 2014;

s)      O  sistema  informático  da  AT  detectou  a  inexistência  de  entrega  da  declaração  de rendimentos Modelo 22 do IRC, com referência ao exercício de 2014, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 29-05-2015;

t)       Em 26-06-2015, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu o Boletim de Alteração Oficioso que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que enquadrou a Requerente em IRC como «não residente com estabelecimento estável»;

u)      Em 27-01-2016, foi emitida a liquidação n.º 2016…, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, que teve por  base  a  totalidade  da  matéria  colectável  do  período  mais próximo que se encontrava determinado, ou seja, o período de 2009;

v)      Foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva das quantias liquidadas;

w)    A Requerente prestou garantia bancária com o n.º ……-…, prestada pelo C…, com o valor de € 208.268,85, para suspender o processo de execução fiscal n.º …2016…, instaurado para cobrança das quantias liquidadas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral cujo teor se dá como reproduzido);

x)      Em 11-03-2013, a Requerente nomeou representante fiscal a sociedade B…- NIPC…, com domicílio fiscal no … n.°… …- …-… LISBOA, que aceitou a representação;

y)      A demonstração da liquidação foi remetida, por correio registado com Aviso de Recepção em 15-02-2016, para o domicílio fiscal que a D… tinha em 2010, na Avenida … …, …, …-… LISBOA, tendo a carta sido devolvida ao Serviço de Finanças em 17-02-2016 com a indicação "desconhecido” (informação prestada pela Administração Tributária e Aduaneira no processo de oposição, que consta do processo administrativo);

z)      Não foi efectuado qualquer acto tendo em vista concretizar a notificação prevista no artigo 39.°, n.° 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (informação prestada pela Administração Tributária e Aduaneira no processo de oposição, que consta do processo administrativo);

aa)  Relativamente aos exercícios de 2010 a 2013, a Requerente não apresentou as declarações periódicas de rendimentos a que se refere o artigo 120.° do CIRC, nem a AT efectuou as respectivas liquidações oficiosas previstas no artigo 90.°, n.° 1, alínea b) do CIRC;

bb)   Em 16-10-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão das questões que importa apreciar que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

 

3. Matéria de direito

 

            A Administração Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente desenvolveu em Portugal a sua actividade até 14-09-2010, como não residente com estabelecimento estável situado nas instalações da D… .

            Essa conclusão foi formulada com base na ponderação das relações da Requerente com esta entidade, designadamente os poderes que foram conferidos aos procuradores.

            É incontroverso e expressamente reconhecido pela Administração Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção referente aos exercícios de 2008 a 2010 e na informação que lhe deu origem que a Requerente entrou em litígio com a D… e, a partir de 14-09-2010, esta não mais prestou serviços à Requerente, inclusivamente no ano de 2014.

            A Administração Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do artigo 90.º, n.º 1, do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

            Para efectuar a liquidação impugnada da Administração Tributária e Aduaneira baseou-se na matéria colectável  do  período  mais próximo que se encontrava determinado, ou seja, o período de 2009, de acordo com a referida alínea b).

            A Requerente imputa expressamente à liquidação impugnada vícios de violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, falta de fundamentação, inexistência de estabelecimento estável com base em relação contratual entre a Requerente e a D… e de qualquer estabelecimento estável relacionado com a N… e a K… com quem mantinha relações contratuais em 2014 e erro na quantificação da matéria colectável (artigos 187.º a 192.º do pedido de pronúncia arbitral).

            Na ordem de conhecimento de vícios dar-se-á prioridade aos que são susceptíveis de assegurar mais estável e eficaz tutela da Requerente, como impõe a alínea a), do n.º 2, do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

            Como também decorre daquela norma, se for de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em algum vício que confira tutela eficaz e estável à situação da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios.

           

 

            3.1. Questão do não cumprimento do prazo da previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC.

 

             A alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC estabelece que «na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada».

            O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, pacificamente, que o prazo para liquidação oficiosa de IRC é um prazo disciplinar ou ordenador e não um prazo peremptório, pelo que não extingue o direito de a Administração Tributária e Aduaneira proceder a liquidação. ( [1] )

            Na linha desta jurisprudência, para que se remete, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

            3.2. Inexistência de estabelecimento estável com base em relação contratual entre a Requerente e a D… em 2014 

 

            A Requerente, nos artigos 159.º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral, defende o seguinte, em suma:  

– «tendo tal relação contratual entre a Requerente e a D... terminado em 14 de setembro de 2010, a conclusão pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal em tais exercícios de 2008 e 2009 não pode aplicar-se tout court – como pretende a AT -, sem qualquer análise adicional, ao exercício de 2014 (nem, de resto, a qualquer exercício posterior a 2010)»;

– «se a conclusão  da  AT  é  precisamente  a  de  que  a  D…  era um  agente  dependente  da  Requerente, e se a Requerente não tem, desde 2010, qualquer relação contratual com a D…, não  se vê como possa a D… configurar um estabelecimento estável da Requerente em 2014»;

– «se a Requerente era e é uma entidade não residente em Portugal – o que a AT não põe em causa  em  nenhum  momento  -,  a  conclusão  pela  existência  de  estabelecimento  estável  sempre  dependerá de uma análise casuística, i.e., de uma análise dos factos e das relações contratuais da  Requerente  com  o  Servicer  in  casu,  por  forma  a  aferir  da  existência  ou  inexistência  de  dependência  jurídica  e  económica  que  possam  confirmar  (ou  infirmar)  a  manutenção  do  estabelecimento estável»;

– «e tal  análise  casuística  não  se  basta  com  a  análise  que  foi  efetuada  pela  AT  no  âmbito  do  procedimento de inspeção relativo aos exercícios de 2008 e 2009, pois a relação contratual com o Servicer que prestava os serviços à Requerente nesses exercícios cessou em 2010».

 

            Assiste à Requerente razão quanto a esta questão.

            Na verdade,  as liquidações efectuadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do do CIRC são efectuadas sem um apuramento da existência da real matéria tributável dos sujeitos passivos no ano a que se reportam, pelo que têm natureza meramente provisória, como se confirma pelo preceituado no n.º 10 do mesmo artigo, em que se estabelece que «a liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas».

            Sendo a Requerente uma entidade não residente, a sua tributação em 2014 tem de se fundar no exercício da sua actividade, nesse ano, com base num estabelecimento estável.

            No caso em apreço, é reconhecido sem controvérsia que a Requerente já não pode ter estabelecimento estável nas instalações da D… desde 14-09-2010, pelo que tal não pode servir de fundamento para a tributação da Requerente em 2014.

            Aliás, nem sequer é invocado pela Administração Tributária e Aduaneira como fundamento da liquidação que a Requerente tivesse algum estabelecimento estável nas instalações da N… ou da K…, pelo que a sua eventual existência não pode ser considerada como fundamento da liquidação.

            Para além disso, as dúvidas sobre a existência de um estabelecimento estável que é requisito da tributação em IRC têm de ser processualmente valoradas a favor do sujeito passivo e não contra ele, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

            Neste contexto, perante a prova produzida, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, ao pressupor a existência de um estabelecimento estável da Requerente em 2014 nas instalações da D… .

            Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto na alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)].

 

 

            3.3. Questões de conhecimento prejudicado

             

            Como se referiu, decorre do artigo 124.º do CPPT, se for de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em algum vício que confira tutela eficaz e estável à situação da Requerente, que fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios.

            Na verdade, se fosse necessário apreciar sempre todos os vícios, seria indiferente a ordem da sua apreciação pelo Tribunal.

            No caso em apreço, o vício de erro sobre os pressupostos de facto que se referiu impede a prática de novo acto com os fundamentos invocados pela Administração Tributária e Aduaneira e nenhum dos vícios que a Requerente imputa à liquidação impugnada lhe proporciona mais eficaz ou estável tutela.

            Assim, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do Código de Processo Civil –“CPC”), o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente ao acto impugnado.

 

            4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente pede que a Administração Tributária e Aduaneira seja condenada na indemnização das despesas incorridas pela Requerente com a prestação e manutenção da garantia bancária n.º …-…-…, no valor de € 208.268,85, emitida em 13 de Outubro de 2016, para a suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016… . 

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, o erro subjacente à liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois ela foi da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

            Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do CPC, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d), da LGT].

 

            5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Anular a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2016…, relativa ao exercício de 2014;

c) Condenar a AT a pagar à Requerente indemnização pela garantia prestada que vier a ser liquidada em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 164.038,42.

 

Lisboa, 23 de Junho de 2017

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Ricardo da Palma Borges)

 

 

 

(Manuel Pires)

 



[1]              Acórdãos de 16-12-2009, processo n.º 0955/09 (referente ao artigo 83.º do CIRC na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a que corresponde o actual artigo 90.º); de 18-06-2014, processo n.º 01842/13; e de 11-05-2016, processo n.º 0442/15.