Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 797/2014-T
Data da decisão: 2015-07-10  Selo  
Valor do pedido: € 3.503,99
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

1. Relatório

 

           A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, n.º …, …º D.º, …, Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do correspondente Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para apreciação da legalidade de liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1) relativas a 2013 (terceiras prestações).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 01-12-2014, sendo aceite pelo Senhor Presidente do CAAD no dia subsequente e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nesse mesmo dia.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-02-2015.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta.

 

Realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT no dia 25 - 05 - 2015, tendo sido dispensadas alegações das partes.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. (art.s. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Objeto do litígio

 

A questão dos autos corresponde à aplicação da nova tributação em Imposto do Selo incidente sobre prédios urbanos com afetação habitacional e VPT igual ou superior a um milhão de euros, introduzida em 2012 para reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de emergência financeira.

 

Como é bem sabido, esta tributação tem suscitado fortes dúvidas e elevada contestação. Isto não apenas para casos pontuais da sua aplicação (e.g., propriedade vertical, terrenos para construção ou sua aplicação ao ano de 2012), como também em termos gerais, pela sua eventual inconstitucionalidade (ver Luís Menezes Leitão, Sobre a Tributação em Imposto de Selo dos Imóveis de Luxo (verba 28.1 TGIS), in Arbitragem Tributária nº1, pág.s 44 e ss).

 

Ora, a Requerente vem, precisamente, contestar a aplicação da dita tributação decorrente da aplicação a nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical.

 

A Requerente contesta o ato tributário em causa, invocando que as divisões, partes ou andares, tendo afetação habitacional e sendo integrantes do prédio urbano em propriedade vertical em causa, são porém suscetíveis de utilização independente e têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros. A Requerente discorda pois da posição da AT que, muito sinteticamente, conduz a que para um prédio em propriedade vertical (com partes suscetíveis de utilização independente, mas não constituído em regime de propriedade horizontal, portanto) o critério para a determinação da incidência do Imposto do Selo corresponda ao VPT global dos andares e divisões destinados a habitação, ainda que de utilização independente e não ao VPT individual de cada um dessas divisões, partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

Para a Requerente, a dita verba 28.1 não pode assim ter a interpretação que dela faz a AT, que seria ilegal, violando os princípios da verdade material, da igualdade e da legalidade, salientando em abono da sua tese a remissão operada pelo legislador para as regras do IMI. A Requerente cita ainda a decisão do CAAD no processo 50/2013 – T, que acompanha.

 

A Requerente pede pois a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação (quatro) com o valor total correspondente às terceiras prestações (de Novembro), a condenação da AT na obrigação de indemnizar a Requerente pelo pagamento indevido e ainda a condenação daquela em custas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) contestou tempestivamente.

 

Para o efeito e, em síntese, sustenta várias exceções.

 

Desde logo, o que designa por dupla extemporaneidade:

a)                Por um lado, a liquidação do imposto, conforme data que consta de todas as 4 notas de cobrança juntas ao Processo pela Requerente, é de 17.03.2014, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em Abril de 2014, nos termos do disposto no art.º 120.º do CIMI, aplicável ex vi art.º 3.º da Lei n.º 55ª/2012, de 29 de Outubro;

b)               Por outro lado, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 120.º do CIMI, o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações.

 

A Requerida, acrescenta ainda, como exceção, o facto do ato objeto de pedido de pronúncia arbitral extravasar a competência do Tribunal Arbitral, que seria assim incompetente. Isto porquanto o pedido não corresponde à impugnação de um ato tributário, mas antes à contestação do pagamento de uma prestação (a terceira) de um ato tributário preterido que dá posteriormente lugar a uma nota de cobrança (esta sim colocada em crise com a petição inicial). Assim, para a Requerida, o objeto do processo não corresponde ao pedido de anulação de um ato tributário, mas antes de uma nota de cobrança, em concreto, para o pagamento da terceira prestação de um imposto (Imposto do Selo, verba 28.1).

 

Por cautela, a Requerida impugna igualmente o pedido, sustentando a legalidade e constitucionalidade (nomeadamente por respeitar os princípios da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva) da interpretação que no ato tributário em crise foi feita do alcance da verba 28.1, em concreto no que respeita às partes (habitacionais e correspondentes a andares ou divisões suscetíveis de utilização independente) integrantes de prédios destinados a habitação constituídos em propriedade vertical e com VPT inferior a um milhão de euros, desde que o prédio em que se integrem cumpra os requisitos previstos naquela verba (nomeadamente no que ao VPT mínimo respeita).

 

3. Matéria de facto

          

3.1. Factos provados

a)                No ano de 2013 a Requerente era proprietária do prédio urbano com o artigo matricial nº … da freguesia de …, em Lisboa;

b)               O VPT total desse prédio era de 1.051.023,97 euros;

c)                Tal prédio corresponde a um prédio urbano constituído em propriedade vertical, por integrar partes suscetíveis de utilização independente, num total de pelo menos quatro, as quais correspondem aos artigos matriciais (… – ST, … - R/C, … e …);

d)               O VPT de qualquer uma dessas partes independentes que integram o dito prédio era inferior a um milhão de euros;

e)                Os artigos matriciais dessas quatro partes independentes do referido prédio urbano deram lugar às liquidações da verba 28.1 a que se alude no presente processo, todas datadas de 17-03-2014;

f)                A cada uma dessas liquidações correspondeu uma terceira prestação, com limite de pagamento em Novembro de 2013;

g)               Os valores dessas terceiras prestações, são, em euros, de: 1.061, 23 (artigo matricial …); 831,66 (…); 803, 38 (… – R/C); 807,12 (… – ST);

h)                 A data limite de pagamento de tais prestações era o mês de Novembro de 2014 e foram pontualmente pagas;

i)                 O presente pedido deu entrada em 1 – 12 – 2014.

 

3.2. Factos não provados

Não se provou que a Requerente não tenha procedido pontualmente ao pagamento das primeiras e segundas prestações relativas à liquidação aqui em causa.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nas alegações das partes e nos documentos oferecidos, cuja correspondência à realidade não é controvertida. O facto não provado decorre da ausência de evidência do mesmo nos autos.

 

4. Matéria de direito

A questão objeto da presente ação é a de saber qual o VPT relevante para aferir da sujeição à nova verba do Imposto do Selo das partes independentes de prédios habitacionais em propriedade vertical.

 

No entanto, a Requerida invoca exceções que devem ser analisadas previamente, pois poderão prejudicar a análise do mérito daquela questão jurídica de fundo, a qual está subjacente ao presente litígio.

 

Importa pois saber da extemporaneidade do pedido, por:

a)      Ter a liquidação ocorrido em 17.03.2014 e que ter tido um primeiro prazo de pagamento voluntário em Abril de 2014; ou

 

b)      Ter ocorrido já o vencimento antecipado da terceira prestação, por ausência de pagamento de uma ou mais das anteriores prestações.

 

E, em qualquer caso, também por exceção, se o pedido se encontra no âmbito de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Isto é, se é arbitrável, quando se peticiona a ilegalidade não da liquidação, mas da cobrança da terceira prestação dessa liquidação.

 

Preliminarmente importa notar que o tribunal não está adstrito à ordem pela qual os potenciais vícios são invocados pelas partes.

 

Por outro lado, a Requerida não pode imputar à Requerente o ónus da prova do pagamento pontual das prestações anteriores, pois que lhe aproveitaria a si (Requerida) o efeito de que se pretende prevalecer (vencimento antecipado), razão pela qual seria a ela (AT) a parte a quem competiria o ónus da prova da factualidade subjacente (não pagamento pontual).

 

Como é sabido, a verba 28.1do IS, à semelhança do IMI, dá lugar a uma liquidação anual, a qual é posteriormente objeto de cobrança em sucessivas prestações ao longo do ano.

 

No entanto, importa não confundir a cobrança dessas prestações, com um qualquer ato de liquidação. A liquidação é a inicial e, neste caso, ocorreu em Março. E, pelas regras da normalidade, terá sido notificada oportuna e atempadamente à Requerente, para efeitos de pagamento da primeira prestação. Mais, a Requerente não invoca, nem consequentemente prova, que tal não tenha ocorrido. E, pelas regras de repartição do ónus da prova acima referidas, a ela caberia esse ónus.

 

Ora, a Requerida vem reagir contra uma nota de cobrança parcelar, o que não tem por virtualidade contestar o ato tributário subjacente. Mais, essa contestação ocorre quando aparentemente se encontra consolidado o ato tributário, pois nada é carreado para os autos relativamente à sorte de primeiras e segundas prestações de imposto.

 

A questão não é pois, sequer, a de saber se o pedido é ou não extemporâneo, mas sim o de saber se é admissível. É que dúvidas não restam que a Requerente pretende contestar, apenas, o terceiro pagamento. Isto como claramente decorre da introdução da petição (“ … para apreciação da legalidade das liquidações do Imposto do Selo (IS) referentes ao ano de 2013 (3º prestação), com data limite de pagamento de 30 de Novembro de 2014 …”) e ainda da formulação final do pedido e do valor que lhe é associado (“ … a ilegalidade dos atos de liquidação de imposto do selo relativos a 2013 no valor total de 3.503,99 Euros …”), assim como dos documentos oferecidos (doc.s 1 a 4 da PI).

 

Como bem salienta a Requerida, o CAAD já se pronunciou sobre matéria similar, no Processo n.º 726/2014, tendo concluído que “As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual. Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, … estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação. A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, determina a incompetência do tribunal arbitral e obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação de mérito da causa. Motivos pelos quais se decide absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.”

 

Ora, os argumentos referidos e que se subscrevem, são igualmente aplicáveis no presente pedido, pelo que se deve igualmente absolver a AT da instância, por incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das terceiras prestações de pagamento de IS relativo a 2013.

 

É portanto reconhecida a invocada exceção de incompetência do tribunal arbitral, a qual obsta ao prosseguimento dos autos, por inarbitrabilidade do pedido, o qual corresponde à apreciação (autónoma) da legalidade (apenas) de uma cobrança parcelar de um ato tributário pretérito que conduz a essa cobrança parcelar de imposto.

 

5. Decisão

Nestes termos, julga-se procedente a invocada exceção de inarbitrabilidade do ato de cobrança, com consequente incompetência do tribunal arbitral e, por consequência, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.503,99.

 

8. Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 10 de Julho de 2015

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT,

 

 

 

O Árbitro

(Jaime Carvalho Esteves)