Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 548/2017-T
Data da decisão: 2018-03-08  IVA  
Valor do pedido: € 1.544.656,30
Tema: IVA - Importação de produtos.
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Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (árbitras vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-12-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A… LDA, com sede em …, …-… …, …, titular do número único de pessoa colectiva … (doravante designada como “Requerente” ou “A…” ou “A…”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente que seja apreciada a legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IVA relativas aos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2012, identificadas sob os n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, e 2016…, e da legalidade de tais actos de liquidação.

A Requerente pretende ainda a condenação da AT na indemnização das despesas que suportou e vier a suportar com a garantia prestada nas execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-10-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28-11-2017, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 02-02-2018, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

O Tribunal é competente e foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

           

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente dedica-se à prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere, i.e. o Grupo B…, actividade que exerce em Portugal há cerca de duas décadas
  2. A Requerente desenvolve a sua actividade ao abrigo de um Acordo de Serviços de Fabrico (“Tolling Agreement” anexo à Reclamação junta ao Requerimento inicial como documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido), celebrado com a C… S.A. (“C…”), sociedade do grupo sediada na Suíça, em Dezembro de 1997;
  3. Tal como consta daquele Acordo de Serviços de Fabrico, a Requerente compromete-se a fabricar os produtos em conformidade e sob as instruções e especificações fornecidas pela C…, estando a Requerente vinculada a respeitar os padrões de qualidade da marca, através do uso do know-how, desenhos, normas e outras imposições emitidas por esta entidade emitidas pela C… (Artigo 2 do Acordo citado);
  4. O processo de produção dos produtos plásticos tem início com a aquisição de matérias-primas e componentes, pela C…, em nome próprio, sendo posteriormente importados pela Requerente, que os incorpora nos produtos finais que fabrica para a C…, para que esta possa, em última instância, proceder à sua alienação sob a marca G…;
  5. A Requerente apresenta-se na alfândega portuguesa na qualidade de “importer of record”, actuando por conta da C…, em virtude de a última não dispor de qualquer estrutura de meios humanos e técnicos que lhe permitam efectuar as importações em Portugal;
  6. Para esse efeito, ou seja, para proceder ao desalfandegamento das matérias-primas e componentes referidos, a Requerente contratou em nome próprio a sociedade D…, Lda. (“D…”) como Despachante Oficial, sendo os custos com a prestação deste serviço refacturados à C…;
  7.  Todas as matérias-primas e componentes que incorporam o produto final, produtos em curso e produtos finais são propriedade da C… (Artigo 4.1 do Acordo citado);
  8. O valor acordado para a prestação de serviços de fabrico pela Requerente corresponde aos custos e despesas incorridos, acrescidos de uma tarifa equivalente a 15% do seu valor, conforme o Artigo 6 do mencionado Acordo de Serviços de Fabrico;
  9. A Requerente presta serviços de armazenagem de produtos em território português à E… S.A. e à C…, que incluem o armazenamento de produtos produzidos quer pela Requerente e por outras empresas do Grupo B…, quer por empresas que dele não fazem parte;
  10. É ao abrigo de um Acordo para Serviço de Armazenagem, celebrado entre a Requerente e a C… em 1997, que a Requerente presta serviços de armazenagem, manuseamento, carregamento em camiões e emissão de guias de remessa à C…, a respeito das matérias-primas, componentes e produtos finais que são propriedade da C… (Artigo 2.1 do “Warehousing Services Agreement”, anexo à reclamação junta como documento n.º 1 ao Requerimento inicial);
  11. Todos os bens utilizados e fabricados ao longo da cadeia produtiva, incluindo as matérias-primas, os componentes, os produtos finais e outros bens necessários para a produção, são armazenados nas instalações da Requerente, quer em …, quer em armazém arrendado em …, …– encontrando-se os bens da C… fisicamente separados dos restantes.
  12. O valor do serviço de armazenagem abrange todos os custos e despesas relacionados com os serviços de armazenagem prestados ao abrigo do Acordo para Serviços de Armazenagem, ao qual acresce uma margem de lucro de 10% sobre os mesmos (Artigo 6 do referido contrato);
  13. Em conexão com os serviços de armazenagem prestados, a Requerente procede, por vezes, à contratação de serviços de transporte em nome próprio mas por conta de outras entidades do Grupo, procedendo posteriormente à sua refacturação à C…;
  14. No caso concreto, o transporte dos bens, desde a sua origem até ao local de descarga em …, é da responsabilidade do respectivo fornecedor, podendo a Requerente contratar ela própria o transporte em situações excepcionais, sendo o encargo refacturado à C…;
  15. Tendo em consideração o acima exposto, a Requerente encontra-se enquadrada no regime de periodicidade mensal e é um sujeito passivo de IVA “integral”, na medida em que pratica exclusivamente operações com direito à dedução do IVA;
  16. Os serviços facturados à C… no âmbito do Acordo de Serviços de Fabrico correspondem a mais de 90% das operações realizadas pela Requerente;
  17. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa a IVA, do ano de 2012, tendo nela elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMETICAS À MATERIA TRIBUTÁVEL

Os normativos citados no presente relatório são os vigentes à data dos factos.

I - IVA INSCRITO EM DOCUMENTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO SOBRE IMPORTAÇÕES EM NOME E POR CONTA DE TERCEIROS

A A… deduziu, no ano de 2012, o IVA inscrito nos registos de liquidação identificados, nos quadros seguintes:

(...)

A A… contabilizou o IVA na conta #2432241-“DED.O.B.S.-TAXA e declarou a dedução do IVA nas DP, respeitante ao período de imposto identificado em cada um dos quadros supra.

A cada uma das notas de liquidação corresponde um documento único de importação (DU). Nesta conformidade elaboramos um quadro com a correspondência entre as notas de liquidação e o documento único de importação e parte da informação inscrita no DU ("Expedidor/Exportador", "Destinatário" e “Declarante/Representante").

Em face dos dados inscritos no quadro DU o importador e A…, pois é esta entidade que se apresenta na alfândega para fazer a importação e paga o respectivo IVA.

Importa referir que, o "Declarante/Representante":D…, Lda, identificado na casa 14 do DU, refere que está a fazer uma importação indirecta tendo para o efeito inscrito na referida casa o código “3”.

Na análise efectuada aos DU's verificou-se que as facturas neles inscritas, que estão identificadas pelo código “N380" referem que:

- Os bens importados e facturados em cada uma das facturas identificam o cliente como sendo C…,

-A morada onde devem ser entregues é: “A…, Lda -…  …- … …-Portugal".

Em face do descrito anteriormente elaboramos um quadro com a identificação dos DU's, identificação das facturas inscritas na casa 44 e compilamos alguns elementos inscritos nas referidas facturas que, na nossa opinião, são relevantes para apreciação da matéria de facto:

(...)

Em consulta à base de dados da AT verificou-se que a C…, SA (adiante designada por C…) - Entidade residente num país terceiro (Suíça) está registada em Portugal para efeitos de IVA sem estabelecimento estável, tendo para o efeito sido atribuído o NIF… . No sistema consta que a A… foi nomeada seu representante, nos termos do n.º 2 do art. 30.º do Código do IVA.

A C… (entidade não residente) declarou nas suas Declarações Periódicas do IVA operações activas sujeitas a IVA à taxa normal (campo 3), transmissões intracomunitárias (campo 7) e operações isentas que conferem direito à dedução (campo 8).

No âmbito do presente procedimento interno de inspecção, o qual tem como objectivo a análise da legitimidade do pedido de reembolso de IVA efectuado, pelo A…, na DP relativo ao período de 2015/07, verificaram-se as seguintes situações:

 

A. A A… deduziu o IVA inscrito nos registos de liquidação do IVA relativos à importação de produtos que são propriedade da C…, S.A – entidade residente num país terceiro (Suíça), a qual esta registada em Portugal para efeitos de IVA, como sendo uma entidade não residente sem estabelecimento estável, tendo-lhe sido atribuído o NIF… . Os referidos documentos vão ser identificados nos pontos seguintes do presente relatório.

B. Emissão de facturas pela A… para o cliente C…, SA (C…), entidade residente na Suíça a título de:

"freight incurred by A…, Lda (Portugal MFG) on Transactions of finished products to/from other European C… locations as attached." (sublinhado nosso), conforme documentos identificados no quadro infra.

(...)

Todas as facturas supra identificadas têm inscrito "Não Sujeito a IVA em Portugal- Art.º 6 n.º 6 alínea a) do CIVA à contrário - IVA Autoliquidação"

As situações descritas em "B" vão ser descritas, pormenorizadamente, em outro ponto do presente relatório.

No âmbito da notificação efectuada através do ofício n.º…, já descrita na presente informação e no intuito de entender melhor as operações supra descritas, questionou-se o SP sobre o seguinte:

"(...)

4- Qual a relação jurídica e económica existente entre a A… e a C…, S.A., entidade residente na Suíça e registada para efeitos de IVA sem estabelecimento estável em Portugal, com o NIPC …?

O sujeito passivo respondeu, em 30-11-2015, o seguinte:

Início de citação:

 

Relação jurídica e económica

A A… e a C… pertencem no Grupo B…, sendo a F… a última entidade detentora de ambas as entidades.

A C… é a entidade do Grupo B… que se encontra autorizada a produzir e comercializar os produtos da marca G… a nível global, influindo Portugal.

A A… é uma empresa autónoma com gestão própria, sendo responsável pela condução e gestão diária da sua atividade. A A… detém poder de decisão no que respeita ao seu quadro de pessoal, política salarial, plano de produção c aquisição de equipamentos.

 

Conforme mencionado anteriormente, a C… e A… celebraram o Toller Agreement e o Warehousing Services Agreement

 

Registo para efeitos de IVA em Portugal da C…

Relativamente à C…, refira-se que esta entidade não detém quaisquer instalações ou colaboradores próprios em território nacional. Assim, e à semelhança do contrato celebrado com a A…, a C… celebrou contratos de natureza idêntica em diversos países europeus, incluindo a Franca, Bélgica e Grécia, alguns dos quais objeto de Acordos Prévios de Preços de Transferência nas respetivas jurisdições.

Todavia, uma vez que a C… efetua aquisições intracomunitárias de bens (matéria-prima) em Portugal e transmissões intracomunitárias de bens (produtos acabados) a partir de Portugal está aqui obrigada a registar-se para efeitos de IVA.

Por ser uma entidade estabelecida na Suíça, a C… foi obrigada a nomear um representante fiscal, nos termos do artigo 30.º, n.º 2 do CIVA, tendo designado a A… .

(...)

Fim de citação.

 

Considerando a resposta do SP, à notificação supra identificada concluímos o seguinte:

i. A C…, na qualidade de sujeito passivo registado, em sede de IVA, em Portugal, efectua aquisição intracomunitárias de bens (matéria-prima), nos termos do art.º 3.º do Regime do IVA nas transacções Intracomunitárias (RITI) conjugado com o n.º 1 do art.º 8.º do mesmo diploma;

ii. A referida aquisição de bens (matéria prima) é colocada na fábrica em …, propriedade da A… e à disposição desta entidade, para esta prestar o serviço de moldagem previsto no contrato Tolling, o qual vai ser analisado mais à frente na presente informação. A matéria-prima e o produto acabado são propriedade da C…, entidade não residente mas registada em IVA em território nacional, e foram, respectivamente, adquiridos ou vendidos "utilizando" o n.º de identificação fiscal português:

iii. A C…, na qualidade de sujeito passivo registado, em sede de IVA, em Portugal, efectua transmissões de bens para:

a. o território nacional:

b. o mercado europeu:

iv. A A… foi nomeada representante fiscal da C…, nos termos do n.º 2 do art.º 30.º do Código do IVA.

 

(...)

Em suma:

• A A… contratualizou com C…realizar a prestação de serviços necessária para produzir os Produtos da marca G…: Esta operação consubstancia uma prestação de serviços a título oneroso tipificada na alínea c) do n.º 2 do art.º 4 do Código do IVA

• a C… (entidade residente na Suíça e registada para efeitos de IVA sem estabelecimento estável em Portugal) é proprietária das matérias-primas e de todas os materiais necessários para produzir o produto final a ser comercializado com a marca G… - Produtos G…;

• as matérias-primas são adquiridas pela C… utilizando o número de identificação fiscal, para efeitos de IVA português:

• as matérias primas e os produtos acabados são armazenados na fábrica de … . Pelo referido serviço de armazenagem, a C… paga à A… um valor previsto no contrato "Warehousing Service Agreement".

• a C… é proprietária do produto final – Produtos G…:

o produto acabado é transmitido onerosamente pela C… utilizando o número de identificação fiscal português para o território nacional e para o mercado Europeu.

(...)

Em face do exposto, concluímos que os bens importados descritos no quadro l, relativamente aos quais a A… deduziu o IVA respeitam a bens que não são sua propriedade e por isso não são utilizados para a realização das operações tributáveis relacionadas com as operações de transmissões de bens e/os prestações de serviços da entidade portuguesa (A…).

Dispõe o art.º 20.º do Código do IVA que:

" 1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14. º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º"

 

Deste modo, foi deduzido, indevidamente, o IVA inscrito nos documentos de importação de bens propriedade da C…, durante o ano de 2012, no valor de € 1.458.114,92, conforme se descreve, por período de imposto no quadro seguinte:

 

 

 

 

(...)

2 - IVA INSCRITO EM DOCUMENTOS RELATIVOS AO TRANSPORTE E DESPACHO DOS BENS IMPORTADOS EM NOME E POR CONTA DE TERCEIROS.

O A… deduziu o IVA com base nos documentos emitidos por sociedades que prestam serviços de transporte dos bens importados em nome da C…, conforme se demonstra, por período de imposto, nos quadros seguintes:

(...)

Igualmente, a A… deduziu o IVA inscrito nas facturas emitidas pela D…, Lda, NIPC …, referente à prestação de serviços efectuados no âmbito do despacho aduaneiro de importação, que estão descritas, por período de imposto no quadro seguinte:

(...)

Em suma, relativamente às prestações de serviços supra descritas foi deduzido indevidamente IVA no valor total de € 12.750,44, conforme se descreve, por período de imposto, no quadro infra:

(...)

Posteriormente, o SP emitiu os Avisos de Lançamento, identificados nos quadros n.º XXIV e n." XXV, a favor do cliente C…, SA., a refacturar os encargos suportados e pagos por conta da entidade residente na Suíça (onde estão incluídos as despesas sujeitas a IVA e isentas de IVA).

Os lançamentos contabilísticos efectuados pela A… são os seguintes:

(...)

A A… refactura, à C…, os encargos (excluídos de IVA), com os transportes e quaisquer encargos relacionados com as importações dos bens propriedade da C… .

A A… deduz o IVA inscrito nas facturas emitidas pelos prestadores dos serviços que posteriormente são refacturados à C…, mas excluídos do IVA.

Mais uma vez refira-se que, segundo a informação prestada pelo SP, os bens importados (o proprietário é entidade não residente) são utilizados na produção dos produtos acabados da marca "G…' (proprietário entidade não residente) são vendidos, pela entidade não residente, para o território português, território da União Europeia e território terceiro utilizando o n.º de identificação fiscal, para efeitos de IVA, português,

Importa relatar que, a entidade não residente declara as vendas dos produtos acabados na sua declaração periódica de IVA, no período de imposto respectivo, entregue no território nacional na qualidade de SP não residente sem estabelecimento estável.

Em face do exposto conclui-se que é a entidade não residente que na determinação do preço de venda do produto acabado vai incluir na formação do mesmo os gastos incorridos com:

• a aquisição da matéria prima e outros componentes:

• transportes dos bens de terceiros: e

• os despachantes.

Mais, na formação, do preço de venda dos produtos acabados, também, estão incluídos os gastos incorridos, com a produção dos produtos 'G…" acrescido da margem de lucro (valor acrescentado), o que está sujeito a IVA nos termos do art.º 1.º do Código do IVA.

Em face do exposto, concluímos que A… deduziu o IVA indevidamente relativo aos transportes de bens importados e honorários de despachantes que são propriedade da C… (entidade não residente), porque os mesmos não se destinaram à realização das transmissões de bens e prestações de serviços na esfera A…, nos termos da alínea a) n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA.

 

IX-DIREITO DE AUDIÇÃO

 

(...)

II - Conclusões projecto de correcções

a. Importação de bens

 

 

Em face do exposto, concluímos que na esfera da entidade portuguesa – A…- a aquisição dos bens importados não

– concorreram para a formação do preço das Prestações de Serviços efectuadas a pedido da C…;

– originaram vendas de produtos acabados para o território nacional, território intracomunitário e países terceiros;

– produziram vendas de bens, no mesmo estado em que foram adquiridos, para o território nacional, território intracomunitário e países terceiros;

 

Na análise efectuada aos DU's verificou-se que as facturas neles inscritas, que estão identificadas pelo código "N380", referem que o adquirente dos bens importados é C… .

Nos termos do nº 1 do artigo 20.º do Código do IVA (transcrito na página 36 do Projecto de Relatório) só pode deduzir-se o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das seguintes operações:

• Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto dele não isentas;

- Exportações.

Atendendo ao descrito no ponto III.1. do Projecto de Relatório e agora em sede de direito de audição, o valor de aquisição dos bens importados não concorreram para a realização das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, conforme previsto na alínea a) n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA.

(...)

III - Enquadramento das operações e correcta aplicação do IVA

O sujeito passivo nos articulados 22.º a 29.º faz uma pequena súmula das cláusulas contratuais previstas nos contratos "Acordo de Serviços de Fabrico" e "Acordo de Armazenagem".

O SP passivo reconhece que todos os bens importados são propriedade da C… (cfr articulado 26:º), o que justifica a emissão da factura de aquisição dos bens pelo fornecedor dos mesmos, em nome da C… e não da A… .

A A… foi contratada pela C… para prestar um serviço de moldagem e montagem das matérias-primas e componentes de produção (propriedade da C…) colocadas por ordem da C… na Fábrica de …, para esta ultima entidade realizar a prestação de serviços já descrita no presente relatório. Pela referida prestação de serviços a A… é remunerada pela C…, em conformidade com o previsto no "Acordo de Serviços de Fabrico".

Deste modo, o valor de aquisição dos bens importados não se trata de um input da A… (aliás não existe nem podia existir qualquer registo na contabilidade do valor liquido da importação de bens), mas sim da primeira entidade (C…), pois é esta entidade que importa os bens e que vai proceder à venda dos produtos acabados e, eventualmente, de alguns bens importados.

Senão vejamos:

i) O Fornecedor dos bens importados emite uma factura à C… (esta na qualidade de cliente), a qual está identificado na casa 44 no DU;

ii) A A… apresenta-se na Autoridade Aduaneira como sendo o Importador e paga o respectivo IVA. Porém, o Importador efectivo é a C… (entidade registada em IVA como sendo uma entidade não residente sem estabelecimento estável), pois, é o proprietário dos bens que posteriormente vai transmitir onerosamente o produto acabado em território nacional, usando o n.º de identificação fiscal português;

IN) A A… deduz o IVA pago na Alfândega Portuguesa Pede o reembolso do IVA pago na Alfândega, quando o importador é C…, registada em IVA sem estabelecimento, em Portugal;

iv) A A… presta o serviço de moldagem previsto no contrato Tolling, pelo qual é remunerada. Todavia, na remuneração da prestação de serviços não está incluído nem podia estar incluído o valor dos bens importados, pois não é proprietário dos mesmos;

v) No direito de audição continua-se a não entender, porque não é explicado, o motivo da C… não efectuar a importação directamente.

 

O SP alega que no art.º 168.º da Directiva IVA o direito à dedução do IVA não "(...) contêm qualquer referência relacionada com a propriedade dos bens importados. " (art.º 33.º do documenta de exercício do direito de audição.").

Considerando o alegado torna-se necessário fazer um enquadramento da operação à luz da referida directiva: Então vejamos:

i. O artigo 14.º, n." 1, desta diretiva dispõe

«Entende-se por 'entrega de bens' a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.» (negrito nosso)

O proprietário dos bens importados é sempre a C… .

ii. O artigo 24.º, n.º 1, da mesma diretiva prevê:

«Entende-se por 'prestação de serviços' qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.» (negrito nosso).

Conforme se demonstrou anteriormente os bens nunca foram entregues, pela C…, à A…, no sentido desta poder exercer o direito de propriedade para que fossem utilizados para o fim das suas operações tributadas (prestações de serviços).

Deste modo, não pode existir uma dedução a montante que não gera uma operação a jusante na esfera da A… . Pois, se assim fosse qualquer SP poderia deduzir um IVA de um documento que fosse emitido em seu nome mesmo que existissem operações tributáveis a jusante que incorpore esse valor.

Tanto assim, que n.º 2 o artº 72.º da Directiva do IVA, dispõe que o valor tributável é determinado:

“No que respeita aos serviços, por um montante não inferior às despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços." (negrito nosso.)

O valor da importação dos bens não se trata de uma despesa que concorra como componente positiva na formação do preço da prestação de serviços efectuada pela A… (como já se demonstrou) Logo a referida importação não gera operações tributáveis na esfera da A… e, consequentemente, fica impedido o direito à dedução sobre os bens importados, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 20.º do Código do IVA.

Note-se, se não houvesse limites à dedução de IVA qualquer entidade que tivesse na sua posse um documento, em seu nome com a facturação de um bem/serviço em seu nome, que não gerasse uma operação tributável a jusante, estaria em condições de exercer o direito à dedução (segundo a interpretação do SP).

Em bom rigor, se o imposto funcionasse da forma como SP pretende que se aceite o direito à dedução do IVA colocaria em crise os princípios da segurança do imposto e da igualdade de tributação entre os SP's.

O SP interpreta a palavra "utilizados" inscrita no n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA no sentido lato quando a mesma tem de ser interpretada num sentido restrito. Assim sendo, considerando as alegações do SP, qualquer bem que seja utilizado pelos SP, mesmo fornecidos pelo seu cliente (custo incorrido pelo cliente), o IVA pode ser deduzido pelo prestador de serviços, o que no mínimo é absurdo porque contraria o método e a filosofia do apuramento do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.

Mais, o que o legislador pretendeu com a menção da palavra "utilizados" foi permitir a dedução do IVA de operações que não titulam aquisições a título definitivo, nomeadamente os "alugueres", mas cuias despesas/custos entram na formação do preço da prestação de serviços/bens que vão ser transmitidas pelo SP e consequentemente são tributáveis a jusante

Face ao exposto, estão descritos factos objectivo que demonstram que o SP não tem direito a deduzir o imposto pago relativo às importações de bens da C…, por não cumprir os pressupostos expressamente previstos no art.º 168 º da Directiva IVA.

Pois, esta dedução de IVA iria colocar em crise o regime de neutralidade fiscal, porque, como já foi mencionado, não existe uma operação a jusante de transmissão de bens na esfera da A… e o valor dos bens importados não entra na formação do preço da prestação de serviços. Deste modo, fica afastado o direito a dedução do IVA sobre os bens importados e os gastos com eles relacionados nos termos da alínea a) n.º 1 do art.º 20 do Código do IVA.

(...)

 

  1. Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA relativas aos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2012, identificadas sob os n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, e 2016…, bem como as respectivas demonstrações de acerto de conta, que foram juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  2. Em 20-03-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas;
  3. A requerente não procedeu a qualquer pagamento do IVA liquidado pela Administração Tributária com respeito aos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2012 (€ 28.599,01, € 142.011,89 € 23.833,64 € 44.116,96, € 186.885,14, € 174.814,26, € 169.054,63, € 199.637,72, € 129.262,15, € 0,00, € 291.121,39 € 155.319,51), perfazendo o valor total de € 1.544.656,30.
  4. Após o termo do prazo de pagamento voluntário fixado na notificação das liquidações (12 de Janeiro de 2017) a Requerente foi citada dos correspondentes processos de execução fiscal, instaurados sob os n.ºs …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017…, …2017… e …2017…;
  5. A Requerente prestou uma garantia bancária para suspender tais execuções fiscais, no montante de € 1.954.380,39 (garantia junta como documento 15 à reclamação graciosa, que consta da página 176 e seguintes do documento denominado «Anexo 1 - Reclamação IVA 2012 p. 363-543.pdf»);
  6. A reclamação graciosa não foi decidida até 12-10-2017, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A matéria de facto foi fixada com base no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente A… deduziu o IVA inscrito nos registos de liquidação do IVA relativos à importação de produtos que são propriedade da C…, S.A. (C…), entidade residente num país terceiro (Suíça), registada em Portugal para efeitos de IVA, como sendo uma entidade não residente sem estabelecimento estável.

A A… contratualizou com C… realizar a prestação de serviços necessária para produzir os produtos da marca G…, e presta esses serviços, o que no Relatório da Inspecção Tributária se considerou ser «uma prestação de serviços a título oneroso tipificada na alínea c) do n.º 2 do art.º 4 do Código do IVA».

A C… é proprietária das matérias-primas e de todas os materiais necessários para produzir o produto final a ser comercializado com a marca G… - Produtos G… .

O produto acabado é transmitido onerosamente pela C… utilizando o número de identificação fiscal português para o território nacional e para o mercado Europeu.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os bens importados «relativamente aos quais a A… deduziu o IVA respeitam a bens que não são sua propriedade e por isso não são utilizados para a realização das operações tributáveis relacionadas com as operações de transmissões de bens e/os prestações de serviços da entidade portuguesa (A…)».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não podia deduzir IVA suportado pela Requerente na importação de bens que utiliza na produção dos produtos que fabrica no âmbito da sua actividade nem o IVA suportado pela Requerente com o transporte e despacho desses bens importados que utiliza no fabrico de produtos finais.

A questão que é objecto do processo é a de saber se a Requerente pode deduzir o IVA que deduziu, que foi efectivamente suportado pela Requerente, mas que se reporta a operações relativas a bens que não lhe pertencem.

Esta questão foi colocada em termos absolutamente idênticos no processo arbitral n.º 410/2016-T e decidida em termos que se consideram adequados e bem fundamentados, pelo que se seguirá de perto a respectiva fundamentação, no essencial.

 

 

3.1. O direito à dedução pelo importador de bens que não é seu proprietário

 

O direito à dedução de IVA visa assegurar que «um sujeito passivo do imposto apenas entregue ao Estado o IVA que resulta do saldo entre o valor do IVA que calcula pelas operações tributáveis que efectua a jusante e o valor do IVA que suporta nas aquisições a montante».

«O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas, e inclusivamente, minimizando, dentro do possível, os encargos financeiros provocados pela gestão do imposto. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA».

«O TJUE tem ainda persistentemente afirmado que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado».

«Todavia, o exercício do direito à dedução do IVA suportado nas operações a montante em bens e serviços empresariais não é um direito absoluto e incondicional. A Diretiva IVA, nos artigos 176.º, 177.º e 395.º, admite restrições a este direito por razões de segurança jurídica, por razões conjunturais e com o objetivo de lutar contra a fraude ou evasão fiscais ou de simplificar a cobrança do imposto. As limitações ao direito à dedução têm incidência no nível da carga fiscal, pelo que devem ser aplicadas de modo similar em todos os Estados-membros. Por consequência, só são autorizadas exceções nos casos expressamente previstos pela Diretiva IVA».

«Para desencadear o mecanismo das deduções torna-se necessário que um sujeito passivo, agindo nessa qualidade, efetue a aquisição de um bem ou de um serviço, ou proceda à importação de um bem».

Para o exercício do direito à dedução, exige-se que, de harmonia com o artigo 2.º o CIVA, se trate de um sujeito passivo que utilize na sua atividade económica os bens e serviços cujo imposto suportado pretende deduzir.

A Requerente tem a qualidade de sujeito passivo não só com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), mas também na alínea b) do mesmo número, uma vez exerce actividades de produção e prestação de serviços e realiza importações de bens, de acordo com a legislação aduaneira.

Na verdade, a Requerente presta serviços ao abrigo de um contrato de fabrico, com a nos termos de contrato de empreitada, denominado de “Toller Agreement”, cujos materiais são total ou essencialmente fornecidos pela C… na qualidade de dono da obra e importados pela Requerente.

O IVA cuja dedução é questionada respeita a bens importados que não são propriedade da Requerente.

XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA, em parecer reproduzido na decisão arbitral proferida no processo n.º 410/12016-T referem o seguinte:

 “Na situação em análise, a especificidade é apenas a de que a entrega dos materiais pelo dono da obra ao confecionador (empreiteiro) não ocorre diretamente no território nacional, antes a este chegando depois de atravessar as fronteiras territoriais de Portugal e também da União Aduaneira. E isto apresenta consequências várias, que devemos analisar para bem concluir.

“Primeiro, a de ocorrer uma importação, que o CIVA define como operação tributável face à aplicação do princípio do destino no comércio internacional a que o imposto obedece, e cuja definição é feita pela legislação fiscal nacional em conjugação com o Código Aduaneiro (um Regulamento comunitário).”

“A segunda consequência é a de que a entidade considerada como importador – sujeito passivo na importação – é a definida pela legislação aduaneira por remissão feita na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que considera como o importador a pessoa que figure como destinatário no documento de importação, na medida em que o artigo 4.º, n.º 18 do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) considera como “declarante” a pessoa que faz a declaração aduaneira em seu nome ou a pessoa em nome de quem a declaração é feita, e o artigo 201.º, n.º 3, 1.º parágrafo do CAC diz que o devedor é o declarante.”

“Relembre-se a propósito que embora a Diretiva IVA considere que o IVA da importação pode ser pago por um sujeito passivo ou por um mero devedor (artigo 21.º n.º 2 da Sexta Diretiva), o legislador português não adotou a mesma solução, antes considerando sempre o importador como sujeito passivo, umas vezes apenas com a natureza de “devedor” do imposto para aplicação do princípio do destino (alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA), já que nas restantes, esse importador, se sujeito passivo, está já abrangido pela alínea a) do mesmo número e artigo. Note-se, aliás, que, segundo jurisprudência constante do TJUE, “o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam traços essenciais comparáveis na medida em que façam nascer o facto da importação na UE e a consecutiva introdução dos bens no circuito económico dos Estados Membros. Paralelismo que é confirmado pelo facto de que o artigo 71.º, parágrafo 1, segunda alínea, da Diretiva IVA autoriza os EM a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação ao facto gerador e à exigibilidade dos direitos aduaneiros” [É a doutrina do Acórdão C-273/12, de 11 de Julho de 2013, n.º 41, e remissão nele feita para os Acórdãos C-343/89, de 6 de Novembro de 1990, n.º 18 e C-230/08, de 29 de Abril de 2010, n.ºs 90 e 91: “a este propósito, há que recordar que o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados Membros. Este paralelismo é, por outro lado, confirmado pelo facto de o artigo 71.º, n.º 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA autorizar os EstadosMembros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros (v., designadamente, acórdãos de 6 de dezembro de 1990, Witzemann, C343/89, Colet., p. I4477, n.º 18, e de 29 de abril de 2010, Dansk Transport og Logistik, C230/08, Colet., p. I3799, nºs 90 e 91)”.

“Deverá então concluir-se que os EM não têm qualquer margem de manobra no que respeita à exigência do IVA da importação conformemente à legislação aduaneira, de acordo com o artigo 204.º do Regulamento n.º 2913/92, e sendo certo, como se recorda nas conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott, no Processo C-414/10, que “É a doutrina do Acórdão C-273/12, de 11 de Julho de 2013, n.º 41, e remissão nele feita para os Acórdãos C-343/89, de 6 de Novembro de 1990, n.º 18 e C-230/08, de 29 de Abril de 2010, n.ºs 90 e 91: “a este propósito, há que recordar que o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados Membros. Este paralelismo é, por outro lado, confirmado pelo facto de o artigo 71.º, n.º 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA autorizar os EstadosMembros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros (v., designadamente, acórdãos de 6 de dezembro de 1990, Witzemann, C343/89, Colet., p. I4477, n.º 18, e de 29 de abril de 2010, Dansk Transport og Logistik, C230/08, Colet., p. I3799, nºs 90 e 91)” e que se “o direito à dedução visa garantir que o imposto sobre o valor acrescentado se mantenha economicamente neutro para as empresas, a dedução do imposto a montante suportado não pode ser negada, a menos que estejamos perante temáticas de fraude, evasão ou abusos, cuja luta contra é um objetivo reconhecido e encorajado pela Sexta Diretiva, não devendo restar qualquer margem para abusiva ou fraudulentamente poder haver aproveitamento do direito da União, e como tal, se uma Administração Fiscal verificar que o direito à dedução foi exercido de modo fraudulento, pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas e compete ao juiz nacional recusar o benefício do direito à dedução se for provado, com elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulentamente”.

“Na situação em apreço, tal temática não se coloca, e há que reconhecer porém, e como resulta do ponto 45, das Conclusões mesma Advogada Geral, no mesmo processo que “No que respeita à cobrança do imposto sobre o valor acrescentado na importação, não é, no entanto, discernível por que razão neste caso existiria, em geral, um maior risco de fraude que tornasse necessário fazer depender o direito à dedução, em qualquer caso, do pagamento prévio do imposto sobre o valor acrescentado na importação” e, mais à frente, “Também o comprovativo da importação que, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva, o sujeito passivo deve apresentar para poder deduzir o imposto pago a montante e que o indica como devedor do imposto sobre o valor acrescentado e pelo menos permite o cálculo do montante do imposto devido, reduz a possibilidade de uma fraude”, posição reconhecida no Acórdão nos pontos 30 e 33, com o ponto 34 a reconhecer que “ Com efeito, a importação de um bem constitui um ato físico que é certificado e verificável pela Administração competente, devido à presença do referido bem na alfândega” e que “ a circunstância de que o devedor do IVA na importação ser igualmente o titular do direito a dedução do referido IVA também não parece aumentar o risco de fraude ou de abuso em relação ao IVA.

Pelo contrário, como a Comissão Europeia alegou, a circunstância de uma só e mesma pessoa ser, ao mesmo tempo, devedora do IVA e titular do direito a dedução aproxima esta situação daquela que se apresenta no âmbito do regime da autoliquidação do IVA previsto pela Sexta Diretiva”.

 

As importações de bens constituem um facto gerador de imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da Diretiva IVA, e do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do CIVA.

No artigo 201.º da Diretiva IVA estabelece-se que que «na importação, o IVA é devido pela pessoa ou pessoas designadas ou reconhecidas como devedores pelo Estado-membro de importação» e no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, refere-se que “São sujeitos passivos do imposto: b) As pessoas singulares ou coletivas que, segundo a legislação aduaneira, realizem importações de bens.”

À face do CIVA, o importador que actua segundo a legislação aduaneira é sempre considerado um sujeito passivo, mesmo quando este já tem previamente a qualidade de sujeito passivo ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, por exercer uma actividade económica.

Por força do disposto no artigo 71.º, n.º 1, 2.º parágrafo, da mesma Diretiva, “quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros […], estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade desses direitos”, o que está em sintonia com o artigo 7.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, que estabelece que nas importações o imposto é devido e torna-se exigível “no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, sejam ou não devidos estes direitos ou outras imposições comunitárias estabelecidas no âmbito de uma política comum”.

O legislador nacional considera que, na importação, a pessoa responsável pelo pagamento dos direitos aduaneiros devidos é também a pessoa responsável pelo pagamento do IVA.

Ora, no artigo 4.º, n.º 12, do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) (vigente em 2012, ano a que se reportam os factos dos autos) ( [1] ), estabelece-se que é «Devedor: qualquer pessoa responsável pelo pagamento de uma dívida aduaneira».

Quando uma pessoa apresenta uma declaração aduaneira em nome próprio, mas por conta de outra pessoa (“representação indireta”, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do CAC), a pessoa que preenche a declaração aduaneira é o declarante (4.º, n.º 18, do CAC) e é também considerada como devedora do imposto, a par do representado indirectamente, como estabelece o artigo 201.º, n.º 3, do CAC: «O devedor é o declarante. Em caso de representação indirecta, a pessoa por conta de quem a declaração aduaneira é feita é igualmente considerada devedora».

Assim, como se refere no parecer de XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA reproduzido na decisão arbitral proferida no processo n.º º 410/2016-T “deverá então concluir-se que os EM não têm qualquer margem de manobra no que respeita à exigência do IVA da importação conformemente à legislação aduaneira, de acordo com o artigo 204.º do Regulamento n.º 2913/92”.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, os sujeitos passivos têm direito a deduzir o imposto devido ou pago pela importação de bens. A dedução é efetuada ao montante de imposto de que são devedores.

Neste contexto, o facto de a Requerente não ser proprietária dos bens a importados relativamente aos quais suportou IVA, não afasta o direito à dedução.

 

 

3.2. O direito à dedução pelo prestador de serviços

 

O artigo 20.º, n.º 1, do CIVA, indica as operações que conferem direito à dedução do IVA.

Na sua alínea a) estabelece-se que «pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas».

O direito à dedução do IVA suportado com a importação de tais bens utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo é também claro à face do artigo 168.º, alíneas a) e e), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que estabelece o seguinte:

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

(...)

e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-membro.”

 

No caso em apreço, os bens foram importados para os fins das operações tributadas da Requerente, pois sem eles a Requerente não poderia exercer a sua actividade de produção.

A aquisição de serviços de transporte dos materiais importados também está manifestamente conexionada com essa actividade tributada da Requerente.

Verificam-se, assim, as condições para o exercício do direito à dedução.

 

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento dos demais vícios que são imputados às liquidações impugnadas.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das liquidações impugnadas e formula um pedido de indemnização pelas despesas que «suportou e vier suportar com a garantia», nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações de IRC e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as liquidações de IVA n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, e 2016…;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão pela garantia prestada para suspender as execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.544.656,30.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.502,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 08-03-2018

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

(Regina de Almeida Monteiro)

 



[1]              O Código Aduaneiro Comunitário foi aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, de 12-10-1992.

O Regulamento (CE) n.º 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008, que aprovou o Código Aduaneiro Modernizado, mas apenas estavam em vigor em 2012 as disposições referidas no seu artigo 188.º, n.º 1, e as relativas a taxas e despesas indicadas n seu artigo 30.º.