Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 190/2020-T
Data da decisão: 2020-10-02  IRS  
Valor do pedido: € 39.684,71
Tema: IRS de 2017 – Rendimentos da Categoria F; Reporte de perdas – opção de englobamento; Artigo 55.º n.º 1 b) do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 19 de Março de 2020, os Requerentes, A..., NF ... e B..., NF..., ambos com domicílio fiscal na ...– ..., ...–..., ...- ... Almancil,  vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo por objecto “a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário consubstanciado na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018... e da nota de cobrança n.º 2018..., do ano de 2017 ... e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada” de que resultou um valor a pagar de 39 684,71 euros.

b)           Concluem pedindo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS): (1) “determine a anulação da referida liquidação e decisão, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, por violação dos artigos 8.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, 55.º, n.º 1, b), 72.º, n.º 1, d), todos do Código do IRS e, bem assim, dos artigos 13.º e 104.º n.º 1, da CRP; (2) reconheça o erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e, consequentemente, condene a Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT; (3) na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Entidade Requerida no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”

 

c)            É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 20-03-2020.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 28.04.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 05 de Agosto de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, os Requerentes alegam a seguinte factualidade:

i               IRS de 2016 - Em 2016 eram residentes em Portugal.

ii              Apresentaram em 2017 a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2016 e inscreveram no campo 701 do quadro 07 do Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) um rendimento predial líquido negativo no valor de 152.441,05 EUR, referente a rendimentos prediais provenientes do arrendamento de um imóvel sito nos Estados Unidos da América, do qual o único proprietário é o primeiro Requerente, uma vez que  suportou a título de despesas com o mencionado imóvel, a quantia global de 187.532,92 EUR, visando a obtenção e/ou a garantia destes rendimentos.

iii             IRS de 2017 - Em 25 de maio de 2018, os Requerentes procederam à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017 (declaração n.º 2017-...), reportando um rendimento predial líquido positivo, igualmente proveniente do mesmo imóvel sito nos Estados Unidos da América, no valor de 143.872,97 EUR, obtido do pagamento de rendas devidas pelo arrendamento do imóvel em questão.

iv            Decorrente da entrega da mencionada declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017, resultou a emissão da nota de liquidação de IRS n.º 2018... pela Autoridade Tributária, impugnada nos presentes autos, com um valor de imposto a pagar de 39.684,71 EUR.

v             Apesar de resultar das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS dos anos de 2016 e de 2017 que os Requerentes não deveriam suportar o pagamento de qualquer imposto a título de rendimentos prediais, por força do resultado líquido negativo do ano de 2016, a verdade é que a Autoridade Tributária fez tábua rasa de tal situação na liquidação de IRS de 2017.

vi            Por discordarem do teor e sentido da liquidação de IRS impugnada nos presentes autos, apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2017 que foi indeferida pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Faro, com fundamento de que a “perda da categoria F (Q7 anexo J) de €152.441,05 não se encontra corretamente refletida na nota de liquidação, por ter sido assinalada a opção pelo não englobamento no Q7 do anexo J de 2016, não tendo sido esta perda reportada para o ano de 2017 nem deduzida até à concorrência dos rendimentos prediais declarados no Q7 do anexo J da declaração de 2017”.

vii           Invocam em seu favor, entre outras, a decisão arbitral CAAD Processo n.º 481/2017-T.

 

h)           Os Requerentes, ao nível da aplicação da lei, consideram que o actos impugnados padecem das seguintes desconformidades com a lei:

 

viii          Quanto à dedução de perdas nos rendimentos prediais – Uma vez que no ano de 2016 as rendas auferidas pelo 1º Requerente foram de valor inferior aos gastos suportados e pagos para obter ou garantir tais rendimentos, resultou num rendimento líquido negativo na sua esfera.

ix            O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado nos seis anos seguintes àquele a que respeita, pelo que a lei prevê a dedução do resultado líquido negativo apurado, desde que sejam cumpridos determinados requisitos.

x             Sendo que os requisitos para a dedução dos rendimentos líquidos negativos não são idênticos para todas as categorias de rendimentos.

xi            Por exemplo, no que diz respeito aos rendimentos decorrentes de mais-valias, o saldo negativo apurado num determinado ano, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.

xii           Resultando que apenas o requisito mencionado no n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS, é comum a todas os casos de dedução de rendimentos líquidos negativos, tendo o legislador optado por criar distintos requisitos para as distintas categorias de rendimentos.

xiii          No caso dos rendimentos prediais (dedução dos rendimentos líquidos negativos), a alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º não faz qualquer referência ao requisito “englobamento”, pelo que querer acreditar que o mesmo existe é ir para além da letra da lei e/ou assumir que o legislador se enganou. Ora, nem uma nem outra conclusão têm cabimento no artigo 9.º do Código Civil, muito menos no próprio artigo 55.º do Código do IRS.

xiv          Violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento líquido (artigos 13º e 104º da CRP) – consideram os Requerentes que estes princípios resultariam violados caso se considerasse  que a alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º do Código de IRS deverá ser interpretada no sentido de impor como requisito o englobamento dos rendimentos.

xv           Reembolso do montante pago e juros indemnizatórios – terminam os Requerentes, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, requerendo  o reconhecimento do erro imputável aos serviços e, nessa medida, para além do reembolso do montante indevidamente pago, a satisfação do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre o montante de 102.921,02 EUR, desde a data do pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

i)             Notificada a Requerida, respondeu em 16 de Setembro de 2020 impugnando em termos gerais o PPA. Juntou o PA composto por dois ficheiros.

j)             Defende uma leitura da lei diferente da que é feita pelos Requerentes, partindo da alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS. Deve atender-se “... que o princípio ordenador respeita à possibilidade de dedução das perdas calculadas no denominado “o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria.””

k)            Uma vez que “... a tributação segundo taxas especiais contrapõe-se à noção de unicidade e progressividade...”.

l)             Entende que o “rendimento total (ou global) líquido” corresponde ao conceito que se encontra definido no artigo 55.º do CIRS, que trata sobre a dedutibilidade do resultado líquido negativo.

m)          Por outro lado, será “... o conceito de englobamento, que permite a conjugação dos diversos rendimentos líquidos de cada categoria, no conjunto global de rendimento liquido total ou, subtraídos os abatimentos, o rendimento coletável: é em relação ao rendimento líquido total que acontecerá um primeiro momento de pessoalização da carga tributária, através da dedução do valor de algumas despesas socialmente relevantes, os chamados abatimentos. Feita uma dedução, teremos o rendimento coletável”.

n)           Conclui que “o rendimento coletável corresponde a um montante adstrito à aplicação de uma taxa progressiva” e uma vez que “... aos rendimentos prediais controvertidos foi aposta uma taxa especial, porquanto foi afastada a opção de englobamento, todo o método definido ... encontra-se prejudicado”, resultando que a “... opção pelo Requerente pelo não englobamento redunda na impossibilidade de dedução, ao rendimento coletável do período de tributação de 2017, das perdas da categoria F calculadas em 2016”.

o)           Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, no sentido de que alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS deverá ser interpretada como requisito o englobamento dos rendimentos, a AT considera “que o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da CRP. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental”, nas suas dimensões de (i) proibição do arbítrio, (ii) proibição da discriminação e (iii) obrigação de diferenciação.

p)           Conclui: “... é manifesto que o princípio da capacidade contributiva se revela por meio da justa repartição dos encargos tributários pela generalidade dos cidadãos, afastando assim e na configuração de um princípio negativo, a proibição do arbítrio”, pelo que “tomado enquanto manifestação do princípio da igualdade, que exprime igualmente, a possibilidade de diferenciação da tributação, em função da correspondente capacidade económica, não se vislumbrando a relação entre a “idoneidade económica para suportar o tributo” ou a “capacidade económica” do Requerente, com a tributação de rendimentos, cuja incidência não merece reparo”.

q)           Quanto ao pedido de juros indemnizatórios refere que “o erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade, mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais”.

r)            Concluindo que “uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.

s)            Termina pedindo que seja julgado improcedente o pedido, absolvendo-se a AT do pedido.

 

t)            Por despacho de 17.09.2020 foi dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT e foi considerado desnecessária a produção de alegações pelas partes.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 19 de Março de 2020. Os Requerentes impugnam a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018... e da nota de cobrança n.º 2018..., do ano de 2017 e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada que tomou o nº...2018..., que foi notificada por ofício de 05.12.2019.

c)            A AT não colocou em causa a tempestividade da apresentação do PPA. A notificação do acto imediatamente impugnado de indeferimento da reclamação graciosa, ocorreu necessariamente em data posterior à data que consta do ofício de notificação. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar

III – MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Os Requerentes em 2016 e 2017 eram residentes em Portugal – conforme artigo 3º do PPA e artigo 4º da Resposta da AT;

b)           IRS de 2016 - em 13 de julho de 2017, os Requerentes procederam à submissão da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, tendo inscrito  campo 701 do quadro 07 do Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) um rendimento predial líquido negativo no valor de 152.441,05 EUR, proveniente do arrendamento de um imóvel sito nos Estados Unidos da América, do qual o único proprietário é A..., tendo ainda inscrito a quantia de € 187 532,92 como despesas relacionadas com o mesmo imóvel, considerando as partes que a liquidação que veio a ser efetuada pela AT está correta -  conforme documento nº 3 e 5 em anexo ao PPA, artigos 3º a 6º do PPA e artigo 5º da Resposta da AT;

c)            IRS de 2017 - em 25 de maio de 2018, os Requerentes procederam à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017 e reportaram um rendimento predial líquido positivo 143.872,97 EUR, igualmente proveniente do mesmo imóvel sito nos Estados Unidos da América, obtido do pagamento de rendas devidas pelo arrendamento do imóvel em questão – conforme documento nº 6 em anexo ao PPA, artigos 7º e 9º do PPA e artigo 6º da Resposta da AT;

d)           Decorrente da entrega da entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017, resultou a emissão da nota de liquidação de IRS n.º 2018... aqui impugnada, com um valor de imposto a pagar de 39.684,71 EUR – conforme documento nº 1 em anexo ao PPA, artigo 10º do PPA e artigo 6º da Resposta da AT;

e)           Em 18 de Junho de 2018, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado – conforme documento nº 8 em anexo ao PPA e artigo 12º do PPA;

f)            Por discordarem da liquidação de IRS impugnada nos presentes autos, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2017, a qual tomou o nº ...2018... – conforme artigo 13º do PPA e documento nºs 2 e 7 juntos com o PPA;

g)            A reclamação graciosa foi expressamente indeferida pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Faro e foi notificada a A... por ofício de 05.12.2019, com o seguinte fundamento: “de referir que a perda da categoria F (Q7 anexo J) de €152.441,05 não se encontra corretamente refletida na nota de liquidação, por ter sido assinalada a opção pelo não englobamento no Q7 do anexo J de 2016, não tendo sido esta perda reportada para o ano de 2017 nem deduzida até à concorrência dos rendimentos prediais declarados no Q7 do anexo J da declaração de 2017. Sendo as perdas originadas em determinado ano, comunicadas apenas aos rendimentos da mesma categoria, nos termos do art.º 55.º do CIRS e desde que relativamente aos mesmos tenha sido efetuada a opção pelo englobamento, não está em causa qualquer correção à liquidação efetuada”.

“Em face dos elementos constantes dos autos e da legislação em vigor, verifica-se que as perdas originadas em 2016 não se enquadram nos termos do art.º 55.º do CIRS por não ter sido respeitada a opção pelo englobamento, não se considerando que as perdas de 2016 comunicadas se referiam aos rendimentos da mesma categoria” – conforme página 4 do documento nº 2 em anexo ao PPA e artigos 14º a 17º do PPA;

h)           Em 19 de Março de 2020 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           O texto da lei cuja aplicação está aqui em causa.

 

Código do IRS

SECÇÃO VIII

Dedução de perdas

Artigo 55.º

Dedução de perdas

1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

...

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;

...

8 - O direito ao reporte do resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito quando os prédios a que os gastos digam respeito não gerem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos.

 

B)           Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Sobre a questão de fundo em discussão neste processo já se pronunciou, nomeadamente, o CAAD através da Decisão Singular adoptada no Processo nº 481/2017-T.

 

A questão aí dirimida é a mesma, e a lei vigente (em 2016 e 2017), no que concerne à apreciação da questão de fundo aqui em discussão, é também a mesma (2014) face à que foi aplicada na decisão singular CAAD Processo nº 481/2017-T.

 

Com efeito,

 

A redação  do artigo 55º do CIRS foi alterada com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, Porém, sob a epigrafe “Produção de efeitos”, previu-se no artigo 17.º, n.º 6, da referida Lei n.º 82-E/2014, que “o artigo 55.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, apenas é aplicável a perdas verificadas depois de 1 de janeiro de 2015”.

 

Mas no que diz respeito à questão de fundo aqui em discussão (se apenas é de aplicar o regime do artigo 55º-1-b) do CIRS se o contribuinte optar pelo englobamento dos rendimentos prediais) verifica-se que a actual redacção do normativo não sofreu alterações.

 

Vejamos então.

 

Dispunha o n.º 1, do art.º 41.º do CIRS (deduções), na redacção vigente em 2016, o seguinte:

“1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal”

 

E o n.º 1, alínea e) do artigo 72.º do CIRS estabelece que são tributados à taxa autónoma (taxa especial) de 28%, os rendimentos prediais.

 

A alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS refere que «não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.»

 

E o nº 8 do artigo 72º do CIRS refere que os rendimentos prediais, podem ser englobados por opção dos respectivos titulares, residentes em território português.

 

Aderimos ao que foi decidido na decisão singular CAAD Processo nº 481/2017-T (e nas decisões CAAD aí referidas), a saber (com as alterações de redacção relativas ao caso concreto sub judice):

 

“Assim sendo, resulta da interpretação conjugada dos normativos supra descritos que a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72º do mesmo Código.

Nesta matéria, acompanhamos na íntegra a jurisprudência arbitral a seguir mencionada, bem assim como a doutrina dominante sobre esta questão, referenciada no pedido arbitral, salientando o pensamento da Senhora Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira, ..., quando afirma que “o direito à dedução das despesas de manutenção e de conservação relacionadas com o imóvel objeto de arrendamento não depende do exercício pelo sujeito passivo da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais e da sujeição dos mesmos às taxas gerais progressivas de IRS”.  Até porque, estamos perante norma que permite a “dedução de despesas «aos rendimentos brutos» e não aos rendimentos englobados”.

Assim, seguindo a letra da lei, resulta claramente que os rendimentos prediais, depois de deduzidas as despesas que nos termos da lei o possam ser, são tributados autonomamente à taxa de 28%, sem prejuízo do direito de poderem os respetivos titulares residentes em território português optar pelo englobamento desses rendimentos.

Entende a Requerida que destas disposições se pode extrair a conclusão de que o reporte de perdas na categoria F carece, por parte dos respetivos titulares, da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Ora, tal conclusão assenta num pressuposto que não se extrai da letra, nem da ratio legis, do normativo de referência, pois que, nem uma nem a outra permitem sustentar semelhante conclusão.

A corroborar este entendimento, é de salientar a nítida diferença de redação entre a alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS (rendimentos prediais - categoria F) e a alínea d) do nº 1 do artigo 55º do CIRS (mais-valias – categoria G). Aqui, ao contrário do que sucede na alínea b), o reporte só pode ter lugar “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”. Ora, na alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS não se faz idêntica exigência, pelo que parece claro que a diferença de redação corresponde a uma também diversa opção legislativa.

Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.

Resulta que a desconsideração infundada das perdas apuradas no âmbito da categoria F, ao arrepio do expressamente previsto no artigo 55.º, n.º 2, do CIRS, traduz violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação impugnada.

 Aderindo, integralmente, ao vertido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo 338/2016-T: “Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer condicionamento do reporte de perdas na Categoria F de rendimentos do IRS à opção pelo englobamento desses rendimentos e consequente renuncia à sua tributação autónoma. Tampouco que esta tributação autónoma pudesse incidir sobre rendimentos brutos, em prejuízo do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.  (…) entende, assim, o Tribunal Arbitral que o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido em caso de não ser manifestada tal opção por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos”.

 Efetivamente, para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F e do actual regime do nº 8 do artigo 55.º do Código do IRS, não se estabelecem outros requisitos para essa dedutibilidade.

De resto, como bem resulta do disposto no artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 11.º, n.º 1, da LGT, impõe-se ao intérprete que na leitura das normas não ficcione pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, presumindo sempre que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, se o legislador quisesse, de facto, apenas aceitar a dedução de perdas no âmbito da Categoria F na hipótese exclusiva de o agregado familiar ter optado pelo englobamento, tê-lo-ia previsto expressamente, como o fez a propósito da dedução de perdas no âmbito da Categoria G, relativamente às operações previstas no artigo 55.º, n.º 6, do Código do IRS. Trata-se, pois, de uma opção legislativa: nuns casos exige o englobamento para a dedução de perdas, noutros não.

 Desta forma, se conclui que a interpretação efetuada pela AT não encontra qualquer fundamento do ponto de vista dos elementos literal, sistemático ou racional.  Também nos processos 96/2015-T e 338/2016-T que correram termos no CAAD se concluiu neste mesmo sentido, com fundamentos que se acolhem e para que se remete. 

 ...

Retornando ao caso concreto, e em conformidade com o que vem exposto, constata-se que a liquidação de IRS impugnada, por padecer de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito subjacentes, deve ser ... anulada porque desconsidera a possibilidade de reporte de perdas provenientes do exercício de 2016, na categoria F, o que teve como resultado o pagamento de imposto em excesso no valor de € 39 684,71 quanto ao ano de 2017”.

 

***

 

Fica prejudicado o conhecimento dos outros dois fundamentos invocados pelos Requerentes, de eventual violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento líquido.

 

C) Direito ao reembolso de IRS

 

Provou-se que em 18 de Junho de 2018, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado no valor de 39.684,71 EUR (alínea e) dos factos provados).

 

Na sequência da ilegalidade do ato de liquidação controvertido, na parte de IRS pago indevidamente, há lugar ao seu reembolso, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os atos tributários objeto da decisão arbitral não tivessem sido praticados.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 39.684,71.

 

D) Pedidos de juros indemnizatórios

 

O Requerente pede a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

 

Provou-se que em 18 de Junho de 2018, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado no valor de 39.684,71 EUR (alínea e) dos factos provados).

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que refere «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

São três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

A ilegalidade da liquidação é imputável à Administração Tributária, que a emitiu com base em pressupostos de direito que não se verificavam.

 

No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que pagaram (18 de Junho de 2018) o valor acima referido.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia de 39 684,71 €, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data em que ocorreu o pagamento e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

•             Anulam-se (1) a liquidação de IRS consubstanciada na demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018... e da nota de cobrança n.º 2018..., do ano de 2017 e, bem assim, (2) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em f) e g) dos factos provados, por estarem em desconformidade, nomeadamente, com a alínea b) do nº 1 do artigo 55º do CIRS;

•             Julga-se procedente o pedido de reembolso da quantia de € 39.684,71 e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima expostos.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 39 684,71, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 1 836,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 02 de Outubro de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira