Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 710/2022-T
Data da decisão: 2023-10-02  IRS  
Valor do pedido: € 7.934,14
Tema: IRS. Intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Ana Paula Rocha, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular constituído em 3 de fevereiro de 2023, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Da tramitação processual
  1. A..., com o número de identificação fiscal ..., com residência fiscal em ..., ..., ..., ..., ...-... ..., Lagoa (doravante, designado como “Requerente”), notificado da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa com n.º ...2022..., veio intentar Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral no qual pediu, a final, a anulação parcial da “Nota de Liquidação controvertida, nos termos supra expostos, e [que fosse ordenada] a correcção da mesma com a consideração dos correctos valores de Deduções Especificas aos Rendimentos Prediais, nos termos do artigo 41.º do CIRS, bem como o consequente reembolso dos montantes indevidamente pagos”.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”).
  3. O Requerente não designou árbitro.
  4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 4 de novembro de 2022 e de imediato notificado à AT.
  5. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como Árbitra do Tribunal Arbitral Singular, tendo a signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  6. A 16 de janeiro de 2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas b) e c) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 3 de fevereiro de 2023.
  8. Por despacho arbitral proferido a 7 de fevereiro de 2023 nos termos do artigo 17.º do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, querendo. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o Processo Administrativo.
  9. A 13 de março de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, que concluiu afirmando que o Pedido de Pronúncia Arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, devendo a AT ser absolvida de todos os pedidos com as devidas e legais consequências. Na mesma data, a Requerida apresentou também o Processo Administrativo.
  10. A 24 de março de 2023, o Tribunal proferiu despacho em que, designadamente ao abrigo dos princípios da cooperação, da economia processual na vertente do aproveitamento dos atos e da autonomia do Tribunal na condução do processo, convidou o Requerente para que, no prazo de 10 dias, viesse:
  • Juntar a Procuração que titula o mandato conferido ao Sr. Dr.B... na qualidade de Advogado, considerando que na Procuração junta com o Pedido de Pronúncia Arbitral é constituído como Mandatário do Requerente o Sr. Dr. B... na qualidade de Advogado Estagiário com a cédula n.º ...F, pese embora as comunicações posteriormente havidas tenham sido feitas na qualidade de Advogado com a cédula n.º ...F;
  • Juntar o documento que permita aferir a data de notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2022... e a nota de liquidação n.º 2022 ... emitida a 26 de agosto de 2022; e
  • Aperfeiçoar o intróito do seu Pedido de Pronúncia Arbitral, considerando que apesar de o Requerente iniciar tal peça processual com a referência à “nota de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares datada de 2020/08/14, referente ao período de tributação de 2016”, o Requerente veio – tal como compreendido pela Requerida na sua Resposta (conforme resulta especificamente dos artigos 1.º, 9.º, 17.º e 18.º desta peça processual) – referir-se ao longo do seu Pedido de Pronúncia Arbitral (mormente, nos artigos 17.º a 30.º) à “Nota de Liquidação n.º 2021..., onde se apurou um montante de imposto a pagar no valor de 13.338,49 €”, respeitante ao exercício de 2017 e, bem assim, ao despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa contra ela apresentada. A este respeito, o Requerente foi expressamente advertido de que em tal diligência de aperfeiçoamento não poderia “ultrapassar os limites do convite ora feito (não podendo, nomeadamente, alterar ou ampliar os pedidos ou a causa de pedir)”.

Mais se convidou a Requerida AT “para, querendo, exercer o direito de contraditório sobre os documentos e esclarecimentos que venham a ser aportados aos autos pelo Requerente no prazo sucessivo de 10 dias”.

  1. A 4 de abril de 2023, o Requerente veio responder ao despacho arbitral de 24 de março, aí procedendo:
  • À junção de Procuração Forense conferida ao Dr. B..., na qualidade de Advogado;
  • À junção da “Notificação da Decisão de Deferimento Parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2022..., Certidão de Nota de Liquidação n.º 2022..., emitida a 26 de Agosto de 2022”;
  • À explicitação de “que, por lapso, foi referenciado a nota de liquidação errónea, i. e. foi erradamente redigido “notificado da nota de Liquidação de Imposto de Rendimento das Pessoas Singulares datada de 2020/08/14”, quando deveria ter sido redigido “notificado da Decisão de Deferimento Parcial de Reclamação Graciosa, referente á nota de Liquidação de Imposto de Rendimentos das Pessoas Singulares, datada de 2022/08/26”; e
  • À explicitação de que “relativamente à Notificação da Decisão de Deferimento Parcial de Reclamação Graciosa com o n.º ...2022...”, “nos termos do número 3 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, quando o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo”.
  • A Requerida AT não exerceu o seu direito de contraditório. Tendo verificado que a  Procuração Forense junta aos autos nos termos referidos em k) não se encontrava assinada pelo Requerente e que a mesma apresentava a data de 27 de março de 2023 sem que existisse ratificação do processado, o Tribunal Arbitral proferiu despacho a 3 de maio de 2023 em que, ao abrigo do disposto no artigo 48.º n.º 1 e 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT), fixou o prazo de 10 dias para que a falta anteriormente referida fosse suprida através da apresentação de Procuração Forense que, incluindo poderes para ratificar o processado neste Processo Arbitral, se encontrasse devidamente assinada pelo Sujeito Passivo, mais salientando que findo tal prazo sem que a situação estivesse regularizada, seria potencialmente aplicável o disposto no artigo 48.º n.º 2 in fine e 3 do CPC e o disposto no artigo 89.º, n.º 4, al. h) do CPTA. O Tribunal Arbitral determinou ainda que o despacho deveria ser notificado ao Mandatário Dr. B... e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, devendo também sê-lo ao próprio Sujeito Passivo constituinte (neste último caso, por carta registada com aviso de receção).
  • A 8 de maio de 2023, foi junta Procuração forense assinada pelo Requerente, conferida ao Sr. Dr. B... na qualidade de Advogado e com ratificação do processado.
  • Cumprindo dar seguimento ao processo arbitral, a 22 de maio de 2023 o Tribunal proferiu despacho em que, oficiosamente, suscitou a possibilidade de o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente ser intempestivo com base em diversas considerações, razão pela qual, e em cumprimento dos princípios do contraditório e da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (previstos nas al. a) e c) do artigo 16.º do RJAT), determinou a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem quanto à eventual intempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral no prazo sucessivo de 10 dias.
  • As Partes não se pronunciaram a respeito da intempestividade referida em n).
  • A 26 de junho de 2023, e “ao abrigo dos princípios da cooperação e da boa-fé processual e de forma a poder decidir adequadamente sobre a exceção dilatória suscitada oficiosamente (tudo nos termos das als. c) e f) do art. 16.º do RJAT)”, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira para, no prazo de 5 dias úteis, juntar aos autos o documento que permita aferir a data de notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2022...e que não consta do Processo Administrativo”.
  • A 3 de julho de 2023, a Requerida veio “proceder á junção dos documentos que permitem aferir a data de notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2022... e que por lapso não foram junto com o processo administrativo”.
  • A 7 de julho de 2023, o Tribunal proferiu despacho em que dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e concedeu à Requerente a possibilidade de se pronunciar sobre os documentos juntos aos autos pela Requerida nos termos referidos em q), mais permitindo a produção de alegações finais em tal prazo. Bem assim, foi prorrogado o prazo de conclusão do processo arbitral ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 21.º do RJAT e notificado o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
  • As Partes não se pronunciaram na sequência do despacho arbitral proferido a 7 de julho de 2023.
  • A 29 de setembro de 2023, e ao abrigo do princípio da cooperação previsto na alínea f) do artigo 16.º do RJAT, o Tribunal Arbitral reiterou a necessidade de o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente nos termos determinados no despacho arbitral de 7 de julho de 2023 (e, bem assim, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

 

  1. SANEAMENTO
  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. os artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e o artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Contudo, tal como o Tribunal fez constar nos despachos arbitrais de 22 de maio e de 26 de junho de 2023, devidamente notificados às Partes, suscita-se nos presentes autos uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a qual, a proceder, constituirá exceção dilatória que obstará a que se conheça do mérito da causa, pelo que haverá, antes de mais, que apreciar tal questão (conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e, bem assim, da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT).

A questão prévia a decidir é a seguinte: O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deve considerar-se intempestivo, porque apresentado para além do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT?

Vejamos:

 

  1. Dos factos relevantes para a apreciação da questão prévia
    1. Factos provados, no que interessa à apreciação da questão prévia:

Os factos relevantes para a apreciação da questão prévia que ora se suscita e que são tidos como assentes são os seguintes:

  1. A liquidação de IRS com o n.º 2021..., referente ao ano de 2017 e no montante de EUR 13.338,49, teve como data-limite de pagamento o dia 12 de janeiro de 2022 (cfr. Processo Administrativo);
  2. O Requerente interpôs reclamação graciosa contra a liquidação referida em a) no dia 4 de março de 2022, à qual foi atribuído o n.º ...2022... (cfr. Processo Administrativo);
  3. A 4 de julho de 2022 ocorreu o deferimento parcial da reclamação graciosa referida em b), impugnada nos presentes autos (cfr. Processo Administrativo);
  4. A decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em c) foi enviada por carta registada no dia 5 de julho de 2022 (cfr. documentos juntos aos autos pela AT a 3 de julho de 2023);
  5. A liquidação de IRS emitida na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, com o n.º 2022..., foi efetuada a 26 de agosto de 2022 (cfr. documentos juntos aos autos pelo Requerente a 5 de abril de 2023);
  6. O Pedido de Pronúncia Arbitral foi apresentado no dia 24 de novembro de 2022.

 

  1. Factos não provados, no que interessa à apreciação da questão prévia:

Não há factos que se devam considerar como não provados para a apreciação da questão prévia.

 

  1. Base probatória:

Os factos foram fixados com base nos documentos juntos aos autos pelo Requerente e no teor do Processo Administrativo e dos documentos juntos aos autos pela Requerida, não impugnados.

 

  1. Apreciação da questão prévia:

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado na sequência da decisão final de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2022..., que havia sido instaurada pelo Requerente contra a liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017.

Enquanto pressuposto processual do processo arbitral sub judice, importa apurar se tal pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo, pois que, apesar de tal questão não ter sido suscitada pelas Partes, a exceção de caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, conforme resulta do disposto no artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e foi já decidido, entre outros, nas decisões arbitrais proferidas a 27 de dezembro de 2021 no Processo arbitral n.º 691/2020-T e a 20 de junho de 2022 no Processo arbitral n.º 530/2021-T, bem como no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 9 de outubro de 2019 no processo n.º 03131/16.

Ora, dispõe a alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado no “prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Por sua vez, é a seguinte a redação dos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT: 

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado.)”.

Do disposto nas normas acabadas de transcrever resulta que o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em caso de impugnação de decisões proferidas em sede de reclamação graciosa é de 90 dias, tal como decorre da leitura conjugada do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

Conforme resulta do probatório, a decisão de reclamação graciosa impugnada foi objeto de registo postal no dia 5 de julho de 2022. Assim, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 38.º e do n.º 1 do artigo 39.º, ambos do CPPT, a decisão de reclamação graciosa considera-se notificada no 3.º dia posterior ao do registo, isto é, a 8 de julho de 2022 (sexta-feira), não tendo tal data sido ilidida pelo Requerente ao abrigo do n.º 2 do artigo 39.º do CPPT.

Definida a data de início de contagem do prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, importa reconhecer que o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT deve obedecer às regras de contagem dos prazos previstas no artigo 279.º do Código Civil. Com efeito, e tal como se decidiu no Processo nº 314/2014-T, o “prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, na medida em que não consubstancia, nem um prazo de procedimento, nem processual a que aludem, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º-A do aludido RJAT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é disciplinado pelo disposto no CPPT. Com efeito, resulta explicitamente do disposto no mencionado art.º 3.º-A, n.ºs 1 e 2 que aos prazos atinentes ao procedimento arbitral é aplicável o Código do Procedimento Administrativo e, aos prazos de natureza processual ou judicial, inscritos no quadro do processo tributário, é aplicável o Código de Processo Civil, não sendo, assim, tais normas aplicáveis à contagem do prazo relativo ao pedido de constituição do tribunal arbitral. Na verdade, o prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral reporta-se a um momento anterior à existência do processo, situando-se fora e aquém do procedimento e, necessariamente, do processo arbitral, cujo início ocorre, face ao disposto no art.º 15.º do RJAT, na data da constituição do tribunal arbitral. Dispõe o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. A este propósito cabe notar o que escreve o Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 174, quando refere que “No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10.º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3.º-A (do RJAT), mas sim, o regime do artigo 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT”. Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do art.º 279.º do Código Civil (CC) e do art.º 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

Nestes termos, e considerando que a notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa impugnada nos autos se presume feita no dia 8 de julho de 2022, o pedido de constituição de tribunal arbitral tinha de ser apresentado até ao dia 6 de outubro desse mesmo ano (quinta-feira), o que não aconteceu, na medida em que tal pedido apenas foi apresentado no dia 24 de novembro de 2022, ou seja, após o decurso do atrás mencionado prazo de 90 dias legalmente estabelecido para o efeito.

Antes de concluir importa, contudo, analisar dois pontos adicionais.

Em primeiro lugar, importa salientar que não tem razão o Requerente quando alega que “nos termos do número 3 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, quando o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo”.

Com efeito, e para além de o Requerente não explicitar qual o fundamento de nulidade arguido nos presentes autos (pedindo inclusiva e expressamente, no seu PPA, que “deverá V. Exa anular parcialmente a Nota de Liquidação controvertida”), importa salientar que não tendo o legislador previsto a possibilidade de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral nos termos consagrados no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT, por omissão de uma expressa remissão para tal possibilidade no artigo 10.º do RJAT, não se afigura possível que a contagem do prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral possa beneficiar da dilação prevista naquela norma legal. Assim o impõe não apenas a interpretação literal desta norma legal do RJAT, mas também a circunstância de, nos termos dos princípios e regras de interpretação geralmente aplicáveis, o intérprete dever presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (v. o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT e, por sua vez, do art. 29.º do RJAT).

Esta é, também, a posição de Carla Castelo Trindade in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2016, p. 244, quando esta Autora aponta que “a alínea a) do n.º 1 deste artigo 10.º do RJAT, remete apenas para os factos discriminados” nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. “Ou seja, esta remissão não permite a aplicação dos n.º 3 e 4 daquele artigo 102.º do CPPT”, o que significa no entender desta Autora que “o legislador não quis, no RJAT, que as regras de contagem de prazos para requerer a constituição do tribunal arbitral fossem as mesmas que as da impugnação judicial. A remissão para o 102.º do CPPT é assim unicamente para os factos elencados nas alíneas do n.º 1”.

Adicionalmente, e embora tal questão não tenha sido suscitada pelas Partes, o Tribunal Arbitral considera relevante esclarecer que o prazo de apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral também não poderia ser contado a partir da liquidação subsequente à decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa impugnada, i.e., a liquidação de IRS n.º 2022... .

Desde logo, porque não foi tal liquidação que fundamentou a apresentação do pedido do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente. Com efeito, embora o Requerente tenha vindo aperfeiçoar o seu Pedido de Pronúncia Arbitral explicitando “que, por lapso, foi referenciado a nota de liquidação errónea, i. e. foi erradamente redigido “notificado da nota de Liquidação de Imposto de Rendimento das Pessoas Singulares datada de 2020/08/14”, quando deveria ter sido redigido “notificado da Decisão de Deferimento Parcial de Reclamação Graciosa, referente á nota de Liquidação de Imposto de Rendimentos das Pessoas Singulares, datada de 2022/08/26”, o que se verifica é que tal aperfeiçoamento extravasou claramente os termos do convite de aperfeiçoamento do Pedido de Pronúncia Arbitral feito por este Tribunal a 24 de março de 2023 não podendo, como tal, ser agora considerado.

Mas também – e sobretudo –, porque nunca seria admissível uma alteração objetiva da instância nestes termos, na medida em que a liquidação de IRS subsequente à decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa configura um ato tributário de natureza meramente confirmativa que, como tal, não admite impugnação autónoma. Assim o entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido a 31 de maio de 2023 no âmbito do Processo n.º 030/17.3BCLSB, no qual se pode ler que a “liquidação correctiva limita-se a revogar parte de anterior liquidação, não possuindo natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, tratando-se antes de um acto que se confina a expurgar uma parte do acto primitivo e que, por isso, não inovando na ordem jurídica na parte não revogada, tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma. Por outras palavras, a liquidação correctiva não corporiza um acto novo mas apenas o apuramento de tributo na sequência de reforma parcial de anterior acto tributário "stricto sensu" decorrente, por exemplo, de uma decisão de deferimento parcial em sede de procedimento de revisão do acto tributário, tal como de procedimento de reclamação graciosa, a qual conduz, necessariamente, a um quantitativo de imposto inferior ao anteriormente exigido pela Fazenda Pública, mais consubstanciando a liquidação correctiva uma decisão não lesiva para o contribuinte” (sendo ainda este o sentido do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 8 de junho de 2022 no âmbito do Processo n.º 038/02.3BTPRT).

Em face do exposto, o prazo de 90 dias contado a partir do dia 8 de julho de 2022 teve o seu termo no dia 6 de outubro desse mesmo ano (quinta-feira). Assim, e uma vez que o Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral e o correspondente Pedido de Pronúncia Arbitral foram apresentados no dia 24 de novembro de 2022, devem os mesmos ser considerados intempestivos, procedendo, assim, a exceção de caducidade do direito de ação suscitada oficiosamente pelo Tribunal Arbitral, a qual constitui uma exceção dilatória nos termos previstos nos n.º 2 e n.º 4 alínea k) do CPTA (aplicável ex vi a al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT), tal como foi decidido, a título exemplificativo, nas decisões arbitrais proferidas a 3 de dezembro de 2014 no âmbito do Processo nº 314/2014-T, a 27 de dezembro de 2021 no âmbito do Processo n.º 691/2020-T e a 20 de junho de 2022 no âmbito do Processo n.º 530/2021-T.

Consequentemente, absolve-se a Requerida da instância, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas quer pelo Requerente, quer pela Requerida (ao abrigo do disposto no já referido n.º 2 do artigo 89.º do CPTA).

 

3. DECISÃO

De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral julga verificada a exceção dilatória de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, determinadora da caducidade do direito de ação, decidindo-se, em consequência, não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida da instância, assim se extinguindo esta.

Condena-se o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

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Valor: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 7.934,14 (sete mil, novecentos e trinta e quatro euros e catorze cêntimos).

 

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Custas: Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 612, as quais ficam a cargo do Requerente ao abrigo do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

*

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 2 de outubro de 2023.

A Árbitra,

 

 

Ana Paula Rocha