Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 748/2022-T
Data da decisão: 2023-08-03  IRS  
Valor do pedido: € 330.406,29
Tema: IRS – alienação de imóvel precedida de operação de loteamento – falta de fundamentação.
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SUMÁRIO:

I – O rendimento resultante da venda de um prédio (rústico) que foi objecto de loteamento antes da alienação, não possui a natureza de rendimento da categoria G, mas sim a natureza de rendimento da categoria B por ser um rendimento comercial ou empresarial que resulta de uma actividade urbanística e de exploração de loteamentos, nos termos conjugados dos artigos 3.º e 4.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.

II – Os rendimentos da categoria B não se encontram abrangidos pelo regime de exclusão da tributação em sede de IRS previsto no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422‑A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o código daquele imposto.

III – Verifica-se um vício de falta de fundamentação se o sujeito passivo, colocado na posição de um destinatário normal, não consegue apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para praticar o acto de liquidação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Pedro Guerra Alves e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., NIF ..., representada por B..., NIF..., com domicílio na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de cabeça de casal da herança (“Requerente”), apresentou, em 7 de Dezembro de 2022, pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“PPA”), ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), tendo em vista a anulação parcial do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), com o n.º 2020..., e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2016, no montante total a pagar de € 330.406,29.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 12 de Dezembro de 2022 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 31 de Janeiro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

  1. A venda do terreno, precedida da operação de loteamento levada a cabo pela compradora, não teve em momento algum carácter comercial, na medida em que o loteamento do terreno não foi realizado, em substância, pelos vendedores, ou, no sentido de obterem algum tipo de valorização do terreno, para posteriormente o vender por um maior valor;
  2. Os vendedores limitaram-se tão somente a aceitar as condições impostas pela compradora C..., S.A. (“C...”), para a concretização do negócio de compra e venda do terreno, entre as quais se incluía precisamente a necessidade de realização da operação urbanística de loteamento do terreno, pois era intenção da compradora ali construir um supermercado, sendo necessária, para esse propósito, aprovação por parte da Câmara Municipal de ...;
  3. A Sra. A... não procedeu a qualquer operação de loteamento, conforme alega a AT, pois apenas prometeu vender à C... uma parcela que resultasse de destaque do terreno de que era proprietária, para que esta pudesse avançar com a construção de um supermercado “...” no local;
  4. Foi a C..., enquanto empresa compradora, que desenvolveu toda a tramitação necessária junto da Câmara Municipal de ... para dar início à construção do supermercado naquele local, tendo sido esta que suportou todos os gastos com realização da operação urbanística em causa;
  5. A Sra. A..., à data com 95 anos de idade, acamada e com a saúde extremamente debilitada, limitou-se a passar uma procuração a favor do seu sobrinho B..., tendo este actuado enquanto seu representante aquando da celebração do contrato‑promessa e também no acto da assinatura da escritura pública de compra e venda;
  6. A realização do loteamento não influiu no valor de venda, uma vez que o valor de venda do terreno (um milhão e cem mil euros) ficou fixado em 11 de Abril de 2016, data em que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda;
  7. Nunca estiveram em causa, na perspectiva dos proprietários/vendedores, quaisquer “actos intencionais de valorização” do terreno, que legitimariam a AT a considerar que a sua actuação teve natureza comercial;
  8. Assim, a AT actuou em erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao considerar que está em causa um acto isolado de natureza empresarial de exploração de loteamentos e venda de lotes, enquadrável na categoria B do IRS;
  9. Pelo contrário, está em causa um acto fortuito, consubstanciando uma mais-valia isenta de tributação, porque o imóvel foi adquirido antes de 01.01.1989;
  10. Sem prescindir, invocou ainda a Requerente um vício de falta de fundamentação da liquidação em violação do disposto no artigo 77.º da LGT;
  11. Do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) resulta que o montante de rendimentos a corrigir seria de € 82.500,00, a acrescer à quantia já apurada de € 9.605,44, o que perfazia a quantia total de rendimento colectável de € 92.105,44;
  12. Nos termos do RIT, ao estarem em causa rendimentos da categoria B, ao ter o imóvel sido alienado por € 1.100.000,00 e ao ter a Sra. A... alienado a sua quota-parte na percentagem de 50%, esta teria obtido um ganho de € 550.000,00;
  13. A tal ganho, aplicou o AT um coeficiente de 0,15 sobre o valor das vendas de mercadorias e produtos, o que resultou na proposta de correcção aritmética na quantia de € 82.500,00 enquanto rendimento colectável apurado para o ano de 2016 (550.000,00 € x 0,15);
  14. Sucede que da nota de liquidação emitida e notificada consta como rendimento global a quantia de € 563.709,44, que resultou num valor de imposto a pagar de € 330.406,29;
  15. Sendo que a AT, em sede inspectiva, não forneceu qualquer explicação cabal e plausível que permita justificar tamanha discrepância de valores/rendimento;
  16. Por outro lado, a AT não fez qualquer menção ao regime de determinação do rendimento colectável que entendia ser aplicável a esta situação;
  17. No RIT não constam as disposições legais aplicáveis, assim como também não consta a qualificação e quantificação do facto tributário, nem os cálculos subjacentes às operações de apuramento da matéria tributável e do tributo;
  18. Sendo que a AT também não manifestou no RIT o entendimento de que, na presente situação, seriam aplicáveis as regras previstas para os sujeitos passivos com contabilidade organizada (artigo 32.º do CIRS), o que apenas veio a fazer na decisão de Reclamação Graciosa;
  19. Uma vez que é o RIT que serve de base/fundamentação à liquidação adicional emitida, conclui-se que a liquidação de IRS não respeita o dever de fundamentação legalmente exigido pelo artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), não cumprindo também os parâmetros mínimos de fundamentação do acto previstos no n.º 2 do artigo 77.º da LGT;
  20. O acto de liquidação de IRS e juros compensatórios está assim viciado por preterição de formalidade essencial, em concreto, por vício de falta de fundamentação;
  21. Além do vício da falta de fundamentação, verifica-se ainda uma manifesta errónea quantificação da matéria colectável, por excessiva, nos termos do disposto no artigo 99.º, alínea a), do CPPT.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 20 de Fevereiro de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            6. Em 24 de Março de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta, tendo-se defendido por impugnação e requerido a sua absolvição do pedido, com base nos seguintes argumentos:

  1. O n.º 1 do artigo 10.º do CIRS estabelece que constituem mais‑valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem dos factos geradores descritos nas várias alíneas desse n.º 1;
  2. Verifica-se, assim, o carácter residual das mais-valias, isto é, só são tributados como mais-valias os ganhos que não sejam considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais;
  3. Nas mais-valias incluem-se aqueles ganhos ou rendimentos ocasionais ou fortuitos, que não resultam de uma actividade do respectivo titular preordenada ou dirigida à sua obtenção;
  4. No presente caso não se pode considerar que estão em causa ganhos ocasionais ou fortuitos porque houve um conjunto de operações materiais e jurídicas, i.e., uma actividade dos sujeitos passivos, desenvolvida com o fim de obtenção de ganhos ou lucros: uma operação de loteamento;
  5. Muito embora a Requerente alegue ter sido o comprador que conduziu todo o processo junto das entidades oficiais, a verdade é que apenas o sujeito passivo, na qualidade de proprietário, poderia conduzir tais operações, quer o fizesse pessoalmente quer por interposta pessoa, com a necessária autorização;
  6. O comprador estava interessado num terreno para construção (e não num terreno rústico) e pagou o preço correspondente a essa pretensão, sendo que a Requerente alienou um terreno para construção (e não um terreno rústico);
  7. A Requerente teve de desanexar aquela parcela de terreno do terreno rústico maior (de que fazia parte), inscrever na matriz o imóvel (terreno para construção) e realizar o loteamento, bem como, solicitar as devidas licenças camarárias;
  8. Assim, existindo actividade da Requerente, não poderá deixar de considerar-se que estamos perante rendimentos da categoria B;
  9. Isto porque, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º, conjugada com a alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do CIRS, são tributáveis na categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), os rendimentos resultantes de actividade, habitual ou esporádica, que visa a obtenção do lucro através da revenda ou transformação de bens;
  10. Pelo exposto, conclui-se que o sujeito passivo, entre o momento em que adquiriu o imóvel e aquele em que o alienou, actuou de molde a valorizá-lo, a potenciar as suas utilidades, com o intuito de alcançar a maior disponibilidade financeira possível, estando reunidos os pressupostos da tributação em IRS, no âmbito da categoria B;
  11. E, assim sendo, um prédio rústico adquirido antes da vigência do Código do Imposto de Mais-Valias, mas que venha a ser objecto de loteamento após 1 de Janeiro de 1989 por iniciativa do próprio alienante, não se encontra excluído de tributação em IRS pelo n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS, por não possuir a natureza de rendimento da categoria G;
  12. Quanto à falta de fundamentação, a liquidação foi emitida na sequência do RIT, tendo todos os elementos sumários exigidos pelos artigos 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT;
  13. Questão diversa (embora com ela relacionada) é a de saber se a notificação da liquidação foi acompanhada da devida fundamentação, ou seja, se existiu falta de notificação da fundamentação (ou se é obscura, imperceptível ou insuficiente);
  14. Mesmo que tivesse existido falta de notificação da fundamentação, ou se a mesma fosse obscura ou insuficiente, a consequência nunca seria a de considerar que existe nulidade da notificação da liquidação em causa, porque nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 37.º do CPPT, se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento;
  15. Assim sendo, a falta dos elementos constantes no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT tem como consequência apenas a alteração da data a partir da qual se conta o prazo para reclamação, recurso ou impugnação judicial, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 37.º do CPPT;
  16. No presente caso, podia a Requerente ter requerido a sua notificação nos termos do 36.º, n.º 2, do CPPT, o que não fez, não tendo tal facto impedido a apresentação de reclamação graciosa, pelo que não há nada a censurar nesta temática.

 

            7. Em 28 de Abril de 2023, foi proferido despacho a designar o dia 23 de Maio de 2023, pelas 10:30 horas, para efeitos de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. A referida reunião realizou-se naquela data, tendo sido inquirida a testemunha arrolada pela Requerente e, bem assim, concedido prazo para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que a Requerente e a Requerida vieram exercer, respectivamente, em 5 e 6 de Junho de 2023, sem que tivessem avançado argumentos diferentes face aos que já constavam das peças processuais juntas aos autos.

 

II. SANEAMENTO

 

            8. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados 

 

            9. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 1943, A... adquiriu a título oneroso 25% de um prédio rústico denominado ..., da ..., ..., ou ..., situado no limite do ..., inscrito na matriz predial sob o número ..., Secção I (...) (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha .../..., da freguesia do ... (“Prédio Rústico”);
  2. A... adquiriu outra quota de 25% do Prédio Rústico por via sucessória, a título de herança do seu marido, que faleceu em 29 de Junho de 1988;
  3. B..., E..., F... e G..., sobrinhos de A..., detinham a restante quota de 50% do Prédio Rústico;
  4. Em 11 de Abril de 2016, A... (conjuntamente com os seus quatro sobrinhos referido na alínea anterior), celebrou um contrato‑promessa de compra e venda do Prédio Rústico com a sociedade C..., S.A.;
  5. No contrato-promessa constam, ao que importa, os seguintes considerandos:

b) (…) a Promitente Compradora tem interesse em adquirir uma parcela do PRÉDIO, com uma área de 9.970m2, (...) desde que nela se possa construir e instalar um estabelecimento comercial de venda a retalho, nos termos urbanístico-edificativos constantes do processo de licenciamento que correrá termos na Câmara Municipal de ... (de ora em diante PARCELA);

c) (…) o interesse da Promitente Compradora é condicionado à emissão pela Câmara Municipal de ... do alvará de licença de construção do estabelecimento comercial sem quaisquer condicionantes ou com condicionantes que esta não possa ou não queira aceitar;

d) (…) Promitente Compradora através do seu empreiteiro deu entrada na Câmara Municipal de ... de um Pedido de Informação Prévia (PIP) para confirmar a viabilidade da construção do referido estabelecimento comercial (…);

i) (…) os Promitentes Vendedores obrigam-se a obter do Credor Hipotecário a documentação necessária e que venha a ser exigida pela Câmara Municipal de ... para efeitos de instrução do requerimento de cedência ao domínio público da área referida (…);

j) (…) os Promitentes Vendedores têm interesse em vender e a Promitente Compradora tem interesse em comprar a PARCELA melhor identificada nos Considerando a) e b) supra;

k) (…) o interesse da Promitente Compradora na aquisição da PARCELA é subordinado i) à emissão de licença de construção ou admissão/não rejeição de comunicação prévia com condicionantes que a Promitente Compradora não possa ou não queira aceitar para além dos já previstos no PIP (ii) ao destaque da PARCELA (iii) à cedência pelos Promitentes Vendedores a título gratuito, ao domínio público camarário de parte do prédio (…) para efeitos de construção de acessos viários e rotunda de acesso à PARCELA)”;

  1. No contrato-promessa constam, ao que importa, as seguintes cláusulas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

(Objecto)

1. Pelo presente contrato os Promitentes Vendedores prometem vender à Promitente Compradora e esta reciprocamente promete comprar-lhes a PARCELA com 9.970m2 melhor identificada no considerando a) e c) supra.

2. A PARCELA destina-se à construção urbana pela Promitente Compradora

3. A PARCELA será vendida livres de quaisquer ónus ou encargos formais ou materiais, designadamente hipotecas, penhoras e inteiramente devoluto de pessoas e bens.

4. Os Promitente Vendedores, se necessário, para efeitos do direito de preferência previsto no art 1380º do C.Civil, efectuarão as devidas notificações, aos proprietários dos prédios confinantes no prazo de 30 dias após a celebração do presente contrato e informarão a Promitente Compradora, no prazo máximo de 5 dias após conhecimento das respostas dos proprietários dos prédios confinantes se estes preferiram na compra.

CLÁUSULA SEGUNDA

(Preço)

O preço da compra e venda prometida é de €1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros) a ser pago a totalidade na escritura pública de compra e venda.

(…)

CLÁUSULA QUARTA

(Condições e termo resolutivo)

1. A aquisição da PARCELA pela Promitente Compradora fica condicionada a verificação cumulativa das seguintes condições suspensivas e termo resolutivo:

a) Emissão de informação prévia favorável sem condicionantes à realização da operação urbanística de construção requerida pela Promitente Compradora ou com condicionantes que esta possa ou queira aceitar, sendo que do PIP deverá constar obrigatoriamente parecer favorável das Infraestruturas de Portugal, S.A. e da APA

b) Admissão ou documento de não rejeição pela CM... da comunicação prévia ou emissão de licença de construção necessária para a realização das obras de construção do estabelecimento comercial na PARCELA após a emissão da informação prévia favorável nos exactos termos do processo de arquitectura ou comunicação prévia apresentada pela Promitente Compradora na CM ... .

c) Criação de um novo prédio registado na conservatória do registo predial e na matriz na sequência da obtenção pelos Promitentes Vendedores de certidão de destaque da PARCELA emitida pela CM... com a área de 9.970m2, e demais condições previstas no presente contrato.

d) Cedência ao domínio público camarário pelos Promitentes Vendedores da área de 240m2 do prédio confinante e melhor descrito no considerando g) supra para que neste seja construído os acessos viários de acesso à PARCELA, designadamente uma rotunda.

2. A Promitente Compradora obriga-se a apresentar o pedido de licenciamento ou comunicação prévia nos termos do art.º 35 do Regime Jurídico da urbanização e Edificação, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a notificação pela CM... da emissão do PIP no termos do n.º 1 supra.

3. Os Promitentes Vendedores obrigam-se a dar início ao processo de destaque da PARCELA no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data de assinatura do presente contrato.

4. A Promitente Compradora deverá dar imediato conhecimento por escrito, aos Promitentes Vendedores das decisões emitidas pela CM... sobre o pedido de informação prévia e licença de construção ou comunicação prévia apresentados naquela Edilidade, bem como os Promitentes Vendedores darão conhecimento imediato à Promitente Compradora sobre a conclusão do processo de destaque e da cedência ao domínio público da área de 240m2.

5. A não verificação de alguma das condições ou a sua não verificação no prazo de 06 (seis) meses a contar da data de assinatura do presente contrato, por motivos não imputáveis a qualquer das partes, implica que o presente contrato fique sem efeito. O prazo para a verificação das condições poderá ser prorrogado por igual período de seis (meses) caso as Partes o acordem por escrito até 15 dias antes do termo do prazo inicial de seis meses.

6. A Promitente Compradora dará apoio à Promitente Vendedora na instrução dos pedidos de destaque da Parcela e de cedência ao domínio público do prédio contíguo através nomeadamente da entrega das plantas necessárias à instrução dos referidos pedidos.

CLÁUSULA QUINTA

(Acesso à PARCELA)

1. A Promitente Compradora pode aceder à PARCELA para efeito de elaboração de levantamentos e sondagens ou outros estudos relevantes para a instrução dos requerimentos e projectos necessários aos procedimentos de informação prévia, comunicação prévia.

2. Os promitentes Vendedores obrigam-se a assinar todos os documentos, requerimentos e autorizações necessários à instrução dos competentes processos de licenciamento e afins junto das entidades oficiais.

3. Fica claramente entendido entre as Partes que o custo de todos os pedidos de licenciamento e autorizações correm por conta da Promitente Compradora.”;

  1. Os promitentes vendedores procederam ao destaque da parcela conforme previsto no contrato‑promessa de compra e venda;
  2. A parcela em causa foi objecto de loteamento e deu origem ao terreno para construção (prédio urbano) sito em ..., da ..., ... ou..., ..., união de freguesias de ... e ..., concelho de Alenquer, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o número ... ‒ ... (“Prédio Urbano”);
  3. Em 14 Dezembro de 2016, foi celebrada a escritura de compra e venda do Prédio Urbano;
  4. Em 28 de Maio de 2017, foi apresentada a Declaração Modelo 3 de IRS n.º ...‑2016‑..., referente período de 2016, no âmbito da qual a Requerente não declarou quaisquer rendimentos de mais-valias no Anexo G ou Anexo G1;
  5. A Declaração Modelo 3 de IRS n.º ...-2016-... deu origem à Liquidação n.º ..., que apurou um valor de imposto a pagar de € 3.655,06, e à nota de cobrança n.º 2017..., regularizada em cobrança voluntária;
  6. Em 30 de Maio de 2017, faleceu A..., no estado de viúva, conforme consta do Assento de Óbito n.º ... do ano de 2017;
  7. A... deixou como únicos herdeiros legítimos os seus quatro sobrinhos referido na alínea c);
  8. B... foi nomeado cabeça de casal da herança de A...;
  9. Em 30 de Maio de 2017, foi detectada a divergência n.º ... por “[a]lienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados. afetação a atividade profissional”, tendo sido encerrada com correcções por entrega de declaração de substituição;
  10. Em 12 de Junho de 2017, foi apresentada a declaração de substituição n.º ...‑2016‑..., referente ao período de 2016, no âmbito da qual a Requerente declarou rendimentos de mais-valias não tributadas no “Quadro 6 – IMÓVEIS ALIENADOS EXCLUÍDOS OU ISENTOS DA TRIBUTAÇÃO (N.º 4 do Art.º 4.º e Art.º n.º 5 do DL n.º 442-N88, de 30 de novembro e Regime Tributário dos FIIAH e SIIAH - Art.º n.º 102.º da Lei n.º 64-N2008, de 31 de dezembro) do Anexo G1”:

Identificação Matricial –...-U-...

Código – 2

Data de Aquisição – 1961-01-01

Valor de Realização – € 550.000,00

Valor de Aquisição – € 687,85

  1. A Declaração de Substituição n.º ...-2016-... deu origem à Liquidação n.º 2017.5005177946, que apurou um valor de imposto a pagar de € 3.655,06;
  2. Em 19 de Fevereiro de 2019, foi emitida a Ordem de Serviço n.º 012019..., em nome de A..., para abertura do procedimento de inspecção tributária interno de âmbito parcial, em sede de IRS/2016, “relativamente à alienação onerosa de imóveis excluídos ou isentos de tributação, nos termos do n.º 4 do Art.º 4.º e Art. N.º 5 do DL n.º 442-N88, de 30 de novembro e Regime Tributário dos FIIAH e SIIAH - AT.º 102º da Lei n.º 84-A/2008, de 31 de dezembro”;
  3. O cabeça de casal da herança de A... foi notificado, através do ofício n.º ... de 2020-10-02, para exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do RIT, no qual constava a seguinte fundamentação:

III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas

1. Descrição dos factos

 

1.1 Os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira constataram que o sujeito passivo declarou no campo 5 do anexo G1 (mais valias não tributadas) da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, do ano de 2016, a alienação de um imóvel excluído de tributação, (cfr. anexo 1).

 

1.2 No âmbito do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária, através do ofício n.º ... de 2020/07/01 (anexo II), o cabeça de casal da herança do sujeito passivo, foi notificado, para, ao abrigo do disposto no artigo 128.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), no prazo de 15 dias, remeter aos Serviços de Inspeção Tributária, a escritura pública de aquisição a título oneroso ou gratuito ou qualquer outro documento que titule a respetiva aquisição bem como o respetivo documento de alienação referente ao imóvel alienado inscrito no quadro 5 do anexo G1 da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, do ano de 2016.

 

1.3 Em resposta à notificação referida no ponto anterior, o cabeça de casal da herança do sujeito passivo envia um email (anexo III) com os documentos abaixo indicados e designa resumidamente, como o sujeito passivo adquiriu os 50% do prédio alienado, dizendo que:

  • “1988 por morte do seu marido adquire 1/2”, tendo por isso adquirido 50% do prédio rústico antes do ano de 1989 e continua declarando, “Ora se à data de 1.1.1989 o terreno ainda era um prédio rústico, não releva o facto de aquando da sua venda, já ter sido vendido já como terreno urbano” e diz ainda que, pela análise que fez da jurisprudência, verificou que os tribunais superiores têm muitos casos de contencioso, pelo facto de as finanças quererem enquadrar estas vendas como não isentas de IRS.

Juntou em anexo os seguintes documentos:

  • Habilitações de herdeiros por óbito do sujeito passivo;
  • Escritura de alienação do prédio em causa neste relatório;
  • Caderneta do prédio rústico.

 

1.4 O prédio alienado é o prédio urbano – artigo ... da União das freguesias de ... e ... – é um terreno para construção, sito ou denominado ..., ... ou ..., no ... . Ainda que a sua aquisição, como prédio rústico, tenha ocorrido antes de 01-01-1989, à data da sua alienação é um lote de terreno para construção, não se aplicando aos ganhos obtidos com a sua alienação, a exclusão tributária prevista no artigo 5.º do decreto lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, porque não é considerado um ganho de mais valia.

Conforme entendimento da AT e Aduaneira, a venda de um terreno precedida de uma operação de loteamento, com a intenção de valorização do mesmo, deixa de ser um ganho de natureza casual, que carateriza os ganhos de mais valias, passando a ser um ato de natureza comercial, sujeita a sua tributação em sede da categoria B, face ao estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Código de IRS, que diz, são considerados de natureza comercial ou industrial as atividades urbanísticas e de exploração de loteamentos.

 

Assim, como o bem alienado corresponde a um lote de terreno para construção, resultante de uma operação de loteamento sobre o prédio rústico, será o ganho obtido com a respetiva alienação sujeito a tributação em sede da Categoria B do Código de IRS, enquadrado no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRS. Porém, sendo apenas a alienação de um terreno, e o sujeito passivo não estar inscrito no exercício dessa atividade, vai ser considerado como um ato isolado, por enquadramento no artigo 3.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS.

 

2 ‒ Correções Meramente Aritméticas

 

2.1 ‒ Pelo exposto nos pontos anteriores, verifica-se que a alienação do lote de terreno, realizada pelo sujeito passivo, no ano de 2016, respeita a uma atividade empresarial e como tal enquadrável na categoria B “Rendimentos empresariais e profissionais”, nos termos do artigo 3.º e alínea a), n.º 1 do artigo 4.º do CIRS.

 

2.2 - Apuramento do Rendimento Coletável

Assim sendo, de acordo com o exposto nos pontos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, propõe-se a correção do rendimento tributável do ano de 2016, no montante de €82.500,00 alterando o rendimento coletável de €9.605,44 para €92.105,44 conforme se discrimina:

 

  1. O direito de audição foi exercido através de exposição com registo de entrada n.º 2020..., de 22 de Outubro de 2020;
  2. O RIT final foi notificado através do despacho n.º..., de 17 de Novembro de 2020, tendo sido mantida a fundamentação e as correcções propostas no projecto de conclusões do RIT;
  3. Em 11 de Novembro de 2020, foi emitida a Declaração Oficiosa de IRS n.º ...‑2016‑..., no âmbito da qual foi indicado o montante de € 550.000,00 no Quadro 4 A do Anexo B;
  4. A Declaração Oficiosa referida na alínea anterior deu origem à Liquidação n.º 2020..., que apurou um valor de imposto a pagar de € 334.061,35, e à nota de cobrança n.º 2020..., no valor de € 330.403,29, com data limite para pagamento voluntário em 4 de Janeiro de 2021;
  5. Em 21 de Abril de 2021, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa daquele acto de liquidação de IRS, que deu origem ao processo n.º ...2021...;
  6. Através do ofício n.º..., datado de 22 de Julho de 2022, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição relativamente à proposta de indeferimento do pedido de reclamação graciosa, no qual constava a seguinte fundamentação:

V. ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

 

19- Analisada toda a documentação do processo e, depois de feta a consulta à base de dados do sistema informático, informa-se que:

 

20- No Relatório de Inspeção Tributária, proferido no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2019... e com despacho datado de 2020-11-17, designadamente no Capítulo III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas, consta que:

“1.4 O prédio alienado é o prédio urbano ‒ artigo ... da União das freguesias de ... e  ...‒ é um terreno para construção (…) Ainda que a sua aquisição, como prédio rústico, tenha ocorrido antes de 01-01-1989, à data da sua alienação é um lote de terreno para construção, não se aplicando aos ganhos obtidos com a sua alienação, a exclusão tributária prevista no artigo 5.º do decreto lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, porque não é considerado um ganho de mais valia. Conforme o entendimento da AT e Aduaneira, a venda de um terreno precedida de uma operação de loteamento, com a intenção de valorização do mesmo, deixa de ser um ganho de natureza casual, que carateriza os ganhos de mais valias, passando a ser um ato de natureza comercial, sujeita a sua tributação em sede da categoria B, face ao estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Código de IRS, que diz, são considerados de natureza comercial ou industrial as atividades urbanísticas e de exploração de loteamentos.

 

Assim, como o bem alienado corresponde a um lote de terreno para construção, resultante de uma operação de loteamento sobre o prédio rústico, será o ganho obtido com a respetiva alienação sujeito a tributação em sede da Categoria B do Código de IRS, enquadrado no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRS. Porém, sendo apenas a alienação de um terreno, e o sujeito passivo não estar inscrito no exercício dessa atividade, vai ser considerado como um ato isolado, por enquadramento no artigo 3.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS.”

 

21- O enquadramento jurídico da situação em apreço, constante no Relatório de Inspeção Tributária, encontra-se de acordo com o entendimento da AT vertido na Circular 16/92, de 14 de setembro, e na Informação Vinculativa n.º 3383/2018, com despacho concordante da Diretora de Serviço do IRS, de 2018-12-19, pelo que não merece qualquer reparo.

 

22- Quanto ao apuramento do rendimento coletável, a Liquidação n.º 2020..., ora reclamada, foi emitida com um rendimento global total de €563.709,44, um rendimento coletável de € 559.605,44 e um montante de imposto a pagar de € 334.061,35.

 

Vejamos:

23- Conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária, “sendo apenas a alienação de um terreno, e o sujeito passivo não estar inscrito no exercício dessa atividade, vai ser considerado como um ato isolado, por enquadramento no artigo 3.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS.

 

24- O regime de determinação do rendimento tributável dos atos isolados encontra-se previsto no artigo 30.º do CIRS, que consagra no seu n.º 2 que “[n]a determinação do rendimento tributável dos atos isolados: a) Aplicam-se os coeficientes previstos para o regime simplificado, quando o respetivo rendimento anual ilíquido seja inferior ou igual a € 200.000; b) Sendo o rendimento anual ilíquido superior a € 200.000, aplicam-se, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis aos sujeitos passivos com contabilidade organizada”.

 

25- Ora, sendo o rendimento global ilíquido apurado de € 550.000,00, o mesmo é superior a € 200.000,00, pelo que se aplicam as regras previstas para os sujeitos passivos com contabilidade organizada, ou seja, são aplicáveis as regras previstas no Código de IRC, por força do artigo 32.º do CIRS.

 

26- Pelo exposto, a Liquidação n.º 2020... encontra-se em conformidade com as normas legais em vigor.

 

27- Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, até à presente data, não há conhecimento que tenha sido prestada, no PEF ...2021..., pelo que fica prejudica a análise do mesmo.

 

28- Por fim, por não se verificarem, in casu, os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, encontra-se prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

 

VI. CONCLUSÃO E PROJETO DE DECISÃO

 

29- Pelo exposto, propõe-se o INDEFERIMENTO do presente pedido de reclamação graciosa, devendo a Reclamante ser notificada para o exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.”;

  1. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia quanto à proposta de indeferimento do pedido de reclamação graciosa;
  2. Através do ofício n.º ..., datado de 13 de Setembro de 2022, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento do pedido de reclamação graciosa;
  3. Em 7 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

§2 – Factos não provados

 

            10. Com relevo para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:

  1. A Requerente pagou o IRS liquidado pela AT que consta da nota de cobrança n.º 2020..., no valor de € 330.403,29, com data limite para pagamento voluntário em 4 de Janeiro de 2021.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

12. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            13. Os factos dados como provados e não provados resultam da análise da prova produzida nos presentes autos, que foi apreciada pelo Tribunal de acordo com a sua íntima e prudente convicção, formada de acordo com as regras da experiência e segundo o princípio da livre apreciação dos factos, tal qual resulta do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            14. No que em concreto respeita à prova testemunhal produzida, sublinha-se que a testemunha D... não evidenciou um conhecimento pessoal e directo dos factos subjacentes à operação de loteamento do imóvel e à respectiva alienação, mas tão só um conhecimento indirecto obtido através do contacto com B... que, enquanto cabeça de casal da herança de A..., é parte interessada na causa. Tal circunstância foi tida em consideração pelo Tribunal na valoração da força probatória daquele depoimento, que foi confrontado com a restante prova constante dos autos.

 

15. Relativamente aos factos dados como não provados, regista-se apenas que do acervo probatório constante do processo inexiste prova que permitam certificar a respectiva efectividade e veracidade.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Ordem de conhecimento dos vícios

 

            16. No PPA a Requerente invocou, em primeiro lugar, um vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3.º e alínea a), n.º 1 do artigo 4.º do Código do IRS e, subsidiariamente, a preterição de formalidade essencial que resulta num vício de falta de fundamentação e, ainda, uma errónea e excessiva quantificação da matéria colectável. Por força do disposto no artigo 124.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, é esta a ordem de apreciação que será seguida.

 

§2 – Errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3.º e alínea a), n.º 1 do artigo 4.º do CIRS

 

             17. O objecto do litígio quanto a este ponto centra-se no enquadramento para efeito de IRS dos rendimentos obtidos por A... com a alienação da quota-parte que detinha no Prédio Urbano melhor identificado na matéria de facto dada como provada.

 

            18. Por um lado, entende a Requerente que não procedeu a qualquer operação de loteamento e que apenas vendeu uma parcela que resultou do destaque do terreno de que era proprietária, pelo que estava em causa um rendimento de mais-valias (categoria G), excluído de tributação por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, já que o imóvel havia sido adquirido antes da entrada em vigor do código do IRS.

 

            19. Por outro lado, considera a Requerida que a venda do Prédio Urbano foi precedida de uma operação de loteamento com a intenção de valorização do mesmo, pelo que não está em causa um ganho fortuito ou de natureza causal característico dos rendimentos qualificados como mais-valias, mas um rendimento resultante de uma actividade urbanística e de exploração de loteamentos, isto é, um rendimento de natureza comercial (categoria B), conforme estabelecido nos artigos 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g) do CIRS.

 

            20. Relativamente à qualificação para efeitos de IRS dos rendimentos resultantes da alienação de terrenos para construção que tenham sido objecto de prévias operações de loteamento, é neste momento jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, expressa por exemplo no acórdão proferido em 8 de Junho de 2022, no âmbito do processo n.º 0340/09.3BESNT, que:

a qualificação dos rendimentos derivados da alienação de terrenos para construção precedidos de atos conducentes ao loteamento (v.g., pedido de licenciamento de loteamento) pelo próprio vendedor [deve ser feita] como rendimentos da Categoria B.

Tal qualificação deriva da tomada de iniciativa empresarial ou comercial por parte do alienante, a qual impede que a alienação do terreno para construção possa configurar-se como um rendimento de mais-valias, abrangido pela Categoria G (Incrementos Patrimoniais) do Código do IRC; o rendimento em causa não pode mais qualificar-se como um rendimento passivo (um “windfall gain”), enquadrável na Categoria G, precisamente por ter sido objecto de uma iniciativa de valorização e promoção do mesmo por parte do sujeito passivo. E, enquanto rendimento ativo, é abrangido pela Categoria B, ainda que enquanto “rendimento de ato isolado”.

É o que nos recorda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Março de 2019, onde se pode ler: “Se a actividade dos comproprietários de dois prédios rústicos anteriormente à venda dos lotes de terreno resultantes daqueles imóveis se limitou à apresentação do pedido de licenciamento de loteamento (não se comprovando a realização de qualquer actividade de urbanização dos prédios, com a realização de infra-estruturas urbanísticas, que permita inferir a intenção dos comproprietários se associarem em ordem a prosseguirem uma actividade económica), os ganhos resultantes daquela venda dos lotes devem considerar-se como rendimentos obtidos com a prática de acto isolado de comércio e, por isso, a serem tributados na esfera jurídica dos comproprietários, como rendimentos empresariais, subsumíveis à categoria B para efeitos de IRS [cfr. art. 3.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea h), do CIRS].”; e, em 9 de Setembro de 2015, podia igualmente ler-se, em acórdão lavrado no Processo n.º 810/14: “Os ganhos com a venda de terrenos, no seguimento das respectivas operações de loteamento, enquadram-se no conceito de rendimento proveniente de actividade comercial, ainda que o loteamento tenha resultado de uma actividade ocasional do loteador (impugnante).” (disponíveis em www.dgsi.pt, sublinhado nosso)

Também por aqui andou bem a sentença recorrida, como se vê, quando sublinhou que: “Ou seja, ainda que, após a celebração do contrato-promessa de compra e venda tenham sido, no essencial, os sócios da sociedade “C............” quem diligenciou junto da CMS no sentido da conclusão do processo de loteamento, tendo procedido à realização das necessárias obras relacionadas com infraestrutura, suportando os custos inerentes, apresentando requerimentos em nome do ora impugnante marido (por vezes, alegadamente, com a sua assinatura feita por mão de outrem), tal circunstancialismo não afasta a configuração de uma atividade industrial (impulso do impugnante marido com vista à operação de loteamento e disponibilidade, ao longo do processo, com vista à respetiva conclusão, como promotor do mesmo) seguida de uma atividade comercial, consubstanciada na venda de parte do prédio rústico, já sem essa natureza, por ter sido transformando em urbano por via da operação de loteamento.”.

 

            21. No presente caso a Requerente pretende afastar a natureza comercial do rendimento através da negação do seu interesse na operação de loteamento que foi realizada antes da alienação do terreno para construção. Acontece que não se verifica essa falta de interesse.

 

            22. Com efeito, resulta dos considerandos e clausulado do contrato-promessa descritos na matéria de facto dada como provada, que era pressuposto sine quo non da alienação que a Requerente e demais co-proprietários promitentes-vendedores procedessem ao destaque de parcela do prédio rústico que detinham, assegurando a criação de um novo prédio urbano registado na conservatória do registo predial.

 

            23. Prédio esse que seria destinado a operação urbanística pela C..., S.A. (promitente‑compradora), sendo a possibilidade de construção e instalação na parcela destacada de um estabelecimento comercial de venda a retalho outro pressuposto sine quo non para a realização da venda.

 

            24. Resulta também do contrato-promessa que a Requerente (enquanto promitente-vendedora), para além da obrigação de garantir o destaque da parcela prometida vender, vinculou-se ainda a assinar todos os documentos, requerimentos e autorizações necessários à instrução dos processos de licenciamento da construção do estabelecimento comercial.

 

            25. Se aquelas eram condições essenciais para que o contrato definitivo fosse celebrado não é verosímil, dentro das regras da lógica e da experiência comum, que à Requerente fosse indiferente o loteamento do terreno e a obtenção da licença de construção, ao ponto de nem sequer ter intervenção em tal processo. Muito pelo contrário.

 

            26. De resto, é a própria Requerente que no PPA admite a sua vinculação à operação de loteamento ao referir que “(…) quando os vendedores foram abordados, enquanto proprietários, pela C... S.A., enquanto interessada em adquirir o terreno, uma das condições impostas foi a da aprovação de uma licença camarária para a realização da operação urbanística de construção do estabelecimento comercial, que os vendedores se limitaram a aceitar atenta a urgência em vender o referido terreno” e que “[o] que era verdadeiramente determinante era estar assegurada a possibilidade de, naquele local, construir um supermercado, o que teria de passar pela realização dos loteamentos e outros atos que foi necessário promover junto das entidades competentes, para atingir o objetivo pretendido”.

 

            27. Por fim, sublinha-se que é irrelevante que as operações urbanísticas só tenham ocorrido em momento posterior ao da definição dos termos do negócio e ao da fixação do preço de venda, isto é, à celebração do contrato-promessa. O que importa é que existiu um acto intencional de valorização do prédio – o respectivo loteamento –, que foi estritamente necessário à celebração do contrato definitivo.

 

            28. O facto de o preço de compra e venda não se ter alterado em função daquela valorização não significa que para a promitente-compradora fosse “irrelevante adquirir ainda em estado de prédio rústico, por um valor inferior, ou por um preço superior já depois de convertido em terreno para construção”. A promitente-compradora celebrou o contrato‑promessa sob condição de ser possível a construção do estabelecimento comercial no prédio rústico em questão, sendo que se tal não viesse a ser possível nunca seria celebrado o contrato definitivo. Por conseguinte, se o preço não aumentou em resultado do loteamento do prédio é porque, naturalmente, a sua “valorização” já tinha sido reflectida no valor fixado ab initio no contrato-promessa.

 

            29. Aqui chegados, não restam dúvidas que os rendimentos auferidos pela Requerente fruto da alienação do prédio urbano que resultou de operação de loteamento são rendimentos empresariais e profissionais que se enquadram na categoria B, porque decorrentes do exercício de uma actividade comercial urbanística e de exploração de loteamentos, conforme previsto nos artigos 3.º e alínea a), n.º 1 do artigo 4.º do CIRS.

 

            30. Por conseguinte, ao não estarem em causa rendimentos de mais-valias (categoria G), não era aplicável aos rendimentos resultantes da alienação do prédio o regime de exclusão previsto no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS.

 

            31. Foi também este o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão anteriormente citado, cujas considerações também são aqui aplicáveis:

 

Importa, de seguida, apreciar do alegado erro de Direito imputado à sentença recorrida na parte respeitante à aplicação da norma transitória do Código do IRS, constante do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou aquele Código.

Ora, sob a epígrafe “Regime transitório da categoria G”, aí se estabelece, no que interessa ao presente caso: “1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.”

Para afastar a aplicação desta norma, concluiu a sentença recorrida que, pese embora o terreno em causa tivesse sido adquirido enquanto “terreno rústico” (em 1964 e 1986, respectivamente) e tivesse mantido essa condição à data da entrada em vigor do Código do IRS, o facto de, por ato imputável ao impugnante (pedido de licenciamento), tais terrenos terem, no fim da década de 90 e previamente à alienação, passado a qualificarem-se como “terrenos para construção” impediria, sem mais, a aplicação de um tal dispositivo.

Ora, andou mais uma vez bem a sentença recorrida a este respeito.

Contrariamente – como veremos – ao que fez quando considerou, sem atenção ao enquadramento sistemático da respectiva norma, como aplicável à Categoria B o disposto no artigo 45.º do Código do IRS (nitidamente destinado a regular situações da Categoria G), a este respeito foi rigorosa e considerou inaplicável àquela Categoria B o disposto neste regime transitório – claramente disposto e pensado para a categoria G.

Na verdade, além do argumento não irrelevante no sentido da não aplicação que se traduz na epígrafe daquele artigo, basta atender ao respectivo teor para se ter por assente que os factos tributários aqui excluídos de tributação são aqueles que vêm elencados no artigo 10.º do Código do IRS (Mais-Valias). E a referência feita nesse artigo do Diploma Preambular ao Código do Imposto de Mais-Valias (IMV) – diploma que, precisamente, primeiro previu a tributação dos ganhos ocasionais pela alienação de ativos não correntes – mais aponta nesse sentido.

Ora, pese embora uma leitura literal desta norma de Direito Transitório parecesse apontar em sentido contrário, vimos como a qualificação do ganho aqui em causa reconduz o mesmo à Categoria B, o que inviabiliza a aplicação do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro: tal regime transitório apenas tem validade para as mais-valias da Categoria G e não para as mais-valias comerciais da Categoria B.

 

VII. E idêntica conclusão se impõe retirar de um outro facto enunciado pela Recorrente, ainda a respeito do regime transitório do Código do IRS.

Respeita ao facto de metade do imóvel transmitido em 2004 ter sido adquirido mortis causa em 1964, ou seja, antes da própria vigência do Código do Imposto de Mais-Valias (IMV), de 1965.

Ora, numa primeira análise, um tal facto não parece irrelevante, porquanto no Diploma preambular que aprova aquele Código do IMV (Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965), se estabelece no respectivo artigo 2.º/§ 1 que: “Art. 2.º …

§ 1.º Os ganhos a que respeita o n.º 1.º do artigo 1.º do código [terrenos para construção] só ficam sujeitos a imposto quando o terreno tiver sido adquirido após a data deste diploma.”

Quer dizer, tais ganhos nunca poderiam ser sequer sujeitos a imposto á luz do Código do IMV, à luz da respectiva legislação; e, por isso, nunca o seriam à luz do Código do IRS que faz pressupor – como condição mínima de tributação – a admissibilidade da respectiva tributação à condição de o Código do IMV prever a tributação daquele evento. E não prevê.

Porém, este raciocínio – perfeitamente válido para a Categoria G – não é válido para rendimentos da Categoria B, como vimos.”.

 

            32. Perante o exposto, julga-se improcede o presente vício de violação de lei invocado pela Requerente.

 

§3 – Falta de fundamentação do acto de liquidação de IRS

 

            33. Quanto a este vício, cumpre aferir se o acto de liquidação de IRS padece ou não de falta de fundamentação no que respeita ao apuramento do rendimento colectável.

 

            34. Enquanto ponto de partida, cabe densificar o conteúdo do dever de fundamentação de modo a identificar as exigências que dele emanam para a AT e a extrair o critério de aferição do respectivo cumprimento. Para o efeito, transcreve-se nesta sede aquele que tem sido o entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, expresso, entre tantos outros, no acórdão proferido em 10 de Março de 2022, no âmbito do processo n.º 1490/11.1BELRA:

 

O dever de fundamentação dos actos de liquidação decorre do princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

 

Ao nível dos actos tributários, tal dever encontra-se consagrado nos nºs 1 e 2 do artigo 77.º, da LGT ao determinar que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

A fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem, de forma reiterada, considerado que a fundamentação do acto tributário, visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

 

A fundamentação do acto deve ser expressa, clara, congruente e contemporânea desse acto.

 

“Como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto”. (cfr. Acórdão do STA de 12/03/2014 – proc. 01674/13)

Quanto aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. Acórdão do STA, de 06/07/2017- proc.º 0723/15).”.

 

            35. No presente caso, o acto de liquidação de IRS impugnado pela Requerente refere o seguinte no campo da fundamentação: “[a]puramento proveniente de liquidação de IRS decorrente do procedimento de Inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º 0I2019..., no âmbito da qual foi remetida a respectiva fundamentação, constante no relatório de inspecção tributária”. Quer isto dizer que, por remissão expressa, aquele acto de liquidação acolhe como sua a fundamentação das correcções meramente aritméticas constantes do RIT.

           

            36. No RIT, a AT propôs uma correcção de € 82.500,00 quanto aos rendimentos da categoria B, justificando o apuramento daquela quantia com base na aplicação ao valor tributável de € 550.000,00, do coeficiente 0,15 previsto no artigo 31.º do CIRS para as vendas de mercadorias e produtos (€ 550.000,00 x 0,15 = € 82.500,00).

 

            37. Em virtude desta correcção, a AT apurou no RIT um rendimento colectável global de € 92.105,44, sendo este o valor a considerar para efeitos de liquidação do imposto.

 

            38. Sucede que no acto de liquidação de IRS em apreço, a AT determinou um rendimento global de € 563.709,44, que deu origem a um rendimento colectável de € 559.605,44 e que resultou num valor a pagar de € 334.061,35, com um saldo final em dívida apurado na demonstração de acerto de contas de € 330.406,29.

 

            39. Esta divergência entre os valores que constam do acto de liquidação e os valores que constam do RIT não foi de modo algum explicada pela AT. De facto, em nenhum daqueles actos se encontra fundamentação (ainda que sumária), que permita à Requerente, enquanto destinatária dos actos, apreender quais foram as operações aritméticas de quantificação dos factos tributários e de apuramento da matéria tributável realizadas pela AT para apurar o quantum de imposto em dívida constante do acto de liquidação de IRS aqui impugnado. O que se impunha em face das exigências que resultam do artigo 268.º, n.º 3, da CRP e do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

 

            40. Tal explicação apenas é passível de ser alcançada, em certa medida, através da fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa, onde a AT defendeu a legalidade do acto de liquidação de IRS com base no regime dos actos isolados e nas regras da contabilidade organizada previstas nos artigos 30.º e 32.º do CIRS, e já não com recurso às regras do regime simplificado previstas no artigo 31.º, n.º 1, alínea a) do CIRS para as vendas de mercadorias e produtos, que foram aplicadas – diga-se incorrectamente face ao valor do rendimento – no âmbito do RIT.

 

            41. A deficiente fundamentação do acto de liquidação de IRS não é passível de ser sanada pela teor decisório do acto de indeferimento da reclamação graciosa, já que a respectiva fundamentação não pode ser feita a posteriori, tendo antes de resultar de forma expressa, clara, congruente e contemporânea ao mesmo.

 

            42. Acresce que mesmo que fosse admissível uma fundamentação a posteriori, a fundamentação do acto de liquidação continuaria a ser insuficiente para compreender o quantum de imposto que foi liquidado. Isto na medida em que continuariam por demonstrar os concretos cálculos subjacentes às operações de apuramento da matéria tributável, não se tratando aqui apenas de uma mera alteração da forma de cálculo, como invoca a AT, mas sim da aplicação de um regime distinto, com regras próprias e específicas. Regras essa, que exigem, a mero título de exemplo, a imputação prévia da quota-parte do Prédio Urbano vendido do património particular da Requerente para a sua esfera empresarial ou, também, a consideração dos gastos suportados para a obtenção do rendimento.

 

            43. Esta mesma conclusão relativa à aplicabilidade de regras próprias e específicas na determinação dos rendimentos resultantes da alienação de imóveis precedidas de operações de loteamento resulta evidente das seguintes considerações feitas pelo Supremo Tribunal Administrativo, no já citado acórdão proferido em 8 de Junho de 2022, no âmbito do processo n.º 0340/09.3BESNT:

não vislumbramos como se pode falar de uma actividade empresarial que tem por objecto um bem imóvel sem se explicar como o bem entra para a esfera empresarial do sujeito passivo. Cabe, pois, fixar um momento para tal afectação (em última análise, o ano em que se promoveu o licenciamento do loteamento – e, em seguida, fixar um valor de mercado para o mesmo (mais não seja, por aproximação com o valor de transacções registadas nessa data).

E a AT não o faz – não fixando, designadamente, um valor para essa afectação – limitando-se, antes, a considerar como valor de aquisição do terreno para construção alienado os valores históricos de aquisição considerados para aquisições gratuitas, aplicando directamente o artigo 45.º do Código do IRS.

Ora, não se pode dar este salto lógico.

Previamente à determinação do ganho da Categoria B pela alienação de um imóvel, esse mesmo imóvel carece de ser deslocado da esfera privada para a esfera empresarial. A AT não o fez.

Em paralelo, esta afectação carece de ser acompanhada de um valor para a mesma. E a AT não o fez.

Isso significa que a formação do ganho (latente) da categoria G resultante da afectação não foi, pura e simplesmente, considerado. E isso é extraordinariamente relevante porque, como veremos, esse ganho se encontra excluído de tributação, precisamente pelo regime transitório que acabámos de referir.

 

IX. Que a AT não tem fundamento para a prática que adotou – e confirmando que o artigo 33.º (actual artigo 29.º) do Código do IRS é indiscutivelmente aplicável ao presente caso – é algo demonstrado pela redacção actual dada ao actual artigo 29.º do Código do IRS, pela alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro: “No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo à sua actividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado à data da afetação, com exceção dos bens imóveis, em que o valor de aquisição corresponde ao valor do bem à data em que este foi adquirido pelo sujeito passivo, de acordo com as regras previstas nos artigos 45.º ou 46.º, consoante o caso.” (sublinhado nosso).

Quer dizer, até à salvaguarda feita por meio de tal alteração legislativa, impunha-se que a AT determinasse a data da afectação do bem imóvel em causa da esfera privada para a esfera empresarial do sujeito passivo e, nesse cálculo, levasse em consideração o valor de mercado do bem afectado, à data da afectação.

A aplicação do artigo 45.º do Código do IRS, tal como fez a AT, não tinha, como hoje fica inquestionavelmente demonstrado por força da alteração legislativa levada a cabo, qualquer cabimento legal. A sua aplicação foi, por isso, ilegal.

 

X. Este caminho trilhado pela AT tem consequência sérias, viciando a liquidação aqui em causa, por força não só do valor tributado na Categoria B (sujeito a tributação e excluído do regime transitório, como vimos), mas igualmente por força da exclusão de tributação da Categoria G, associada à afectação ocorrida muito após 1989.

Na verdade, uma tal afectação encontra-se, igualmente nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Diploma Preambular, claramente excluída de tributação, bastando recordar a redacção daquela norma de Direito Transitório: “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes [prédios rústicos] a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.” (sublinhado nosso).

Assim, e sendo o valor do acréscimo patrimonial associado a uma tal afectação excluído de tributação, os ulteriores ganhos produzidos na Categoria B e sujeitos a imposto teriam de ser completamente reconsiderados.

Daqui decorre, como inevitável, a conclusão de que todo o cálculo do rendimento tributável realizado pela AT se encontra comprometido, viciando irreparavelmente a liquidação.

O que significa que a quantificação dos rendimentos líquidos qualificados como pertencentes à Categoria B e a subsequente liquidação de IRS se mostram indevidamente calculados, afectando assim a legalidade da mesma.”.

 

            44. Perante o exposto, conclui-se que a Requerente, colocada na posição de um destinatário normal, não consegue extrair da fundamentação do acto de liquidação de IRS as razões de facto e de direito que levaram à sua emissão, isto é, não conseguiu apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para praticar aquele acto.

 

            45. Nestes termos, julga-se procedente o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente, impondo-se a anulação parcial do acto de liquidação de IRS aqui contestado, na parte referente aos rendimentos da categoria B resultantes da alienação do Prédio Urbano melhor identificado na matéria de facto acima fixada.

 

§4 – Restituição do imposto e juros indemnizatórios

 

            46. No PPA a Requerente solicitou ainda a restituição do imposto que “venha a pagar”, acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

            47. Ora, quer a restituição do IRS quer o pagamento de juros indemnizatórios pressupõem o pagamento indevido de imposto, o que não resultou provado nos presentes autos, pelo que se indeferem os pedidos formulados pela Requerente a este respeito.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e em consequência:

  1. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  2. Anular parcialmente o acto de liquidação de IRS contestado nos presentes autos;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 330.406,29.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 5.814,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Agosto de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Pedro Guerra Alves

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Ricardo Rodrigues Pereira