Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2014-T
Data da decisão: 2014-11-14  Selo  
Valor do pedido: € 11.542,45
Tema: Imposto do Selo – verba 28 TGIS; propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.                   Relatório

 

1. A, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de B, NIF …, com domicílio na Rua … Lisboa (adiante designada “Requerente”), veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, requerer a constituição do tribunal arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo referentes à aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a prédios de que é proprietária, relativamente ao ano de 2012, e constantes dos Documentos de Liquidação com os números 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013… e 2013…. Com o Pedido inicial juntou diversos documentos apresentados com numeração de 1 a 26 e 18 (dezoito) documentos de cobrança.

2. Aceite o pedido, e tendo a Requerente optado por não designar árbitro, foi, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 16 de Maio de 2014.

4. Notificado o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária e Aduaneira (também designada AT ou Requerida) nos termos do artigo 17º do RJAT, foi apresentada Resposta, em 17 de Junho de 2014, pelos juristas designados para o efeito.

5. Em 18 de Junho de 2014, a Requerida apresentou um requerimento, propondo a dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT, que foi notificado à Requerente para pronúncia, mas esta nada respondeu.

6. Em 23 de Abril e 30 de Junho de 2014, a Requerente solicitou junção aos autos de documentos relativos à apresentação no Serviço de Finanças Lisboa … de garantia bancária com vista à suspensão dos processos de execução fiscal aí instaurados para cobrança das dívidas em causa.

7. Por despacho arbitral de 12 de Setembro de 2014, as Partes foram notificadas de que, na ausência de manifestação de vontade em sentido contrário, o tribunal entendia que dispensavam alegações, marcando como data limite para proferir a decisão o dia 16 de Novembro de 2014.

 

  8. O pedido de Pronúncia arbitral

     Sintetizando, os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes:

-          As liquidações de Imposto do Selo em causa, emitidas em 14 de Julho de 2013 para pagamento até final de Dezembro de 2013, referem-se ao prédio urbano sito na …, tornejando para a …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do …, em Lisboa, sob o artigo matricial …, e respeitam ao período tributário do ano de 2012.

-          De acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, “o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011” e, nos termos do nº 1 do artigo 113º do CIMI, “O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”, pelo que “o valor patrimonial tributário que serve de base à liquidação do imposto correspondente à verba 28.1 da TGIS, por remissão do CIMI, é o valor patrimonial vigente a 31 de Dezembro do ano a que respeita”.

-          A 31 de Dezembro de 2012, e ainda em Abril de 2013, o valor patrimonial tributário do referido prédio era de € 131.320,03, inferior portanto a € 1.000.000,00, quando a verba 28.1 da TGIS incide sobre a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000”, pelo que as liquidações do imposto sofrem de manifesto erro sobre os pressupostos de facto, com violação grosseira das disposições legais em vigor, estando feridas de nulidade.

-          A Requerente foi notificada em 19 de Fevereiro de 2013 para reclamar da avaliação efectuada, conforme demonstrado pelos documentos 3 a 25 juntos.

-          O prédio, composto de 2 blocos, um com 4 pisos e estabelecimentos no piso térreo e outro com cinco andares, encontra-se em propriedade vertical e contém 8 andares e divisões com utilização independente dos quais uma grande parte se destina a habitação, mas nenhum dos fogos ultrapassa o valor fixado na norma de incidência - artigo 28º da TGIS, nos termos do artigo 4º da lei nº 65-A/2012.

-          O legislador nesta inovação legislativa considerou elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto, ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, ou seja, com VPT superior àquele montante.

-          A inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI obedece às mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, pelo que o critério legal para definir a incidência do imposto tem de ser o mesmo.

-          O legislador considerou que a imputação de valor de € 1.000.000,00 a uma habitação (casa, fracção, ou andar) traduz uma capacidade contributiva acima da média, susceptível de determinar um contributo especial para garantir uma justa repartição do esforço fiscal pelo que seria ilegal e inconstitucional considerar como referência, no caso, o somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão;

-          Constituiria uma discriminação arbitrária, uma violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, porque se o prédio estivesse em propriedade horizontal nenhuma das fracções sofreria incidência de imposto.

-          A tributação das partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global, não é coerente com a consagração no artigo 12º, nº 3, do CIMI, à semelhança do artigo 232º do CCPIIA, como relevante para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das partes, económica e funcionalmente independentes.

-          A posição da AT é totalmente contraditória ao considerar para efeitos de liquidação o valor do prédio como um todo e instaurar processos de execução para cada fogo avaliado como unidade autónoma.

-          Nada na lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, sendo a discriminação entre os dois tipos de propriedade arbitrária e ilegal (com violação do princípio da legalidade fiscal – art. 103º, nº 2 da CRP) para mais quando se sabe que muitos prédios em propriedade vertical são antigos com utilidade social inegável porque acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, sendo que este prédio esteve inicialmente sujeito ao regime de rendas condicionadas.

-          A taxa de imposto para o ano de 2012 é de 0,5% (art. 7º da Lei nº 55-A/2012) mas nas liquidações objecto de apreciação a taxa aplicada ao ano de 2012 foi de 1%, existindo duplicação de colecta e aplicação de uma taxa não prevista na lei.

-          As liquidações enfermam de nulidade e caso assim não se entenda, os actos tributários devem ser anulados por preterição de formalidades legais, erro sobre os pressupostos e falta de fundamentação.

-          Devem ainda ser anulados os processos executivos decorrentes das liquidações e deve a AT ser condenada a suportar todas as despesas com garantias pedidas pela requerente para suspender os 18 processos executivos entretanto existentes pelo não pagamento das liquidações cuja legalidade é objecto de apreciação nos autos.

 

8.      A Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira

  A Requerida respondeu, em síntese:

-       A tese defendida pela Requerente não tem sustentação legal porque, embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente;

-       Embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade; as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, a não ser as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.

-       A entrada em vigor do regime da propriedade horizontal (Código Civil de 1966), e a sua referência expressa na delimitação do conceito de “prédio” previsto no art.2º nº4 do CIMI determinam a relevância de tal figura, em matéria de incidência tributária e o constituindo o art.2º do CIMI a reafirmação da importância atribuída ao regime de propriedade horizontal na classificação de prédio, para efeitos de tributação, em sede de IMI e de Selo.

-       E o que expressamente resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.

-       A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio constitucional da igualdade nem qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

-       A verba 28.1 que incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, é uma norma geral e abstracta, aplicável de uma forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito.

-       Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

-       A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem nos termos do nº 2 do artigo 4º do CIMI e artigo 1414º e seguintes do CC, ao passo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária, não existindo violação do princípio da igualdade por se tratar de realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.

-       Finalmente, a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não habitacionais.

-       A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.

-       A medida procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes, estando a opção por este mecanismo de obtenção da receita legitimada; apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável, mas isso não se verifica porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.0000,00.

-       Os vícios de falta de incidência e inconstitucionalidade devem ser julgados improcedentes, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos;

-       Por outro lado, as liquidações de imposto de selo em causa foram efectuadas ao abrigo do disposto no nº2 do art.6º da Lei 55-A/2012 de 29.10 e não, como é invocado, a coberto do regime transitório previsto no nº1 do citado diploma.

-       Deste modo, trata-se de liquidação de imposto de selo efectuada em 2013, que incidiu sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI a efectuar em 2013, e cujo facto tributário ocorreu em 31.12.2012, aplicando-se a taxa prevista na verba 28 da TGIS anexa ao CIS.

-       Quanto ao pedido de indemnização, para além da confusão entre juros indemnizatórios (art. 43º da LGT) e indemnização por prestação de garantia (art. 53º da LGT) a Requerente não apresenta o cálculo e/ou valor da indemnização pretendida para que o tribunal decida se é o montante correcto ou não e qual é o montante que deveria ser pago a título de indemnização, e na formulação do pedido apenas é requerido que o tribunal “declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de Selo sobre a Verba 28 da Tabela Geral, para o ano de 2012”, não podendo o tribunal ir além desse mesmo pedido.

 

9.Objecto do pedido

As questões que a Requerente pretende ver decididas, todas relativas à interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS (aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), são:

·    Nulidade das liquidações de Imposto do Selo por erro sobre os pressuposto de facto quanto ao VPT dos prédios em 31 de Dezembro de 2012.

·    Legalidade das liquidações do Imposto do Selo relativamente ao valor patrimonial tributário global de um edifício, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários de diversos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

·    Ilegalidade na aplicação da taxa de imposto e duplicação de colecta.

 

10. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

11. Factos provados

Com base nas peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral, Documentos numerados de 1 a 26 e dezoito DUCs, juntos com esse pedido, assim como os documentos posteriormente trazidos aos autos, em 24 de Abril e 2 de Julho de 2014) e pela Requerida (Resposta), fixa-se a seguinte factualidade, sendo que os factos provados se mostram suficientes para emissão de pronúncia:

11.1. A Requerente, viúva de B, é cabeça de casal da herança deste, falecido em 1 de Janeiro de 2010, cujos herdeiros são a própria Requerente, que foi casada com o falecido sob o regime de comunhão geral de bens, e seus filhos, C, D e E (Documento nº 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

11.2. É parte da herança o prédio sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, com o artigo matricial … (antes …, artigo …[1]), sito na …, tornejando para .. (Caderneta predial, documento nº 2 junto com o pedido, e os 18 DUCS juntos com o Pedido).

11.3. O prédio objecto dos autos encontra-se em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto de lojas, rés de chão e 4 andares, com habitação de porteira, num total de 22 divisões com utilização independente: loja 12C; loja 12D, Loja 12E; 1ºD; 1ºE-12; 2ºE; 2ºD-12; 3ºE-12; 3ºD-12; 4ºE;-12; 4ºD-12; R./c D; r/c E; 1º D- 13; 4ºE-13; 4ºD-13; 3ºE-13; 3ºD-13; 2ºE-13; 2ºD-13; 1ºE-13; Loja 12B (Caderneta predial, documento nº 2 junto com o pedido, e os 18 DUCS juntos com o Pedido).

11.4. O prédio em causa foi inscrito na matriz em 2006 e o valor patrimonial constante em 2012 na caderneta predial emitida pelo serviço de finanças … Lisboa eram, respectivamente, de: € 8.381,05; € 11.933,21; € 6.256,85; € 6.818,33; € 6.700,83; € 6.503,41; € 1.429,41; € 6.306,19; € 4.776,41; € 1.348,75; € 6.227,73; € 6.585,19; € 2.940,21; € 6.700,83; € 6.227,74, € 5.110,44; € 6.425,15; € 1.392,21; € 6.622,57; € 6.503,41; € 6.951,64; € 8.148,47, perfazendo o total das 22 divisões o montante de € 131.320,03 (valores determinados em 2012, nos termos do CCPIIA, segundo doc. nº 2, junto aos autos com Pedido, “obtido via Internet em 02-04-2013).

11.5. A Requerente recebeu as liquidações emitidas em 14 de Julho de 2013, para pagamento até final de Dezembro de 2013, respeitando ao período de tributação ano de 2012, relativas às 18 divisões susceptíveis de utilização independente como habitação: com os números de DUC 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …; 2013 …, respectivamente (Documentos de liquidação juntos aos autos com o Pedido).

11.6. Os valores patrimoniais tributáveis indicados para as fracções em causa e as colectas apuradas eram respectivamente de: 1D-12- VPT € 65.190,00, colecta € 651,90; 1E-12 – VPT € 60.300,00, colecta € 603,00; 2E– VPT de € 60.300,00 e colecta de € 603,00; 2D-12-VPT € 65.190,00, colecta € 651,90; 3D-12–VPT € 65.840,00, colecta € 658,40; 3E-12–VPT € 60.910,00, colecta de € 609,10; 4D-12– VPT € 65.840,00, colecta € 658,40; 4E-12 - € 60.910,00, colecta de € 609,10 ; R/C D – € 48.240,00, colecta de € 482,40; R/C E– € 57.650,00, colecta de € 576,50; 1E-13 - VPT € 65.190,00, colecta € 651,90; 1D-13-VPT de € 60.300,00 e colecta de € 603,00; 2E-13-VPT € 65.190,00, colecta € 651,90; 2D-13, VPT € 60.300,00, colecta de € 603,00; 3D-13-VPT € 60.910,00, colecta de € 609,10; 3E-13-VPT € 65.840,00, colecta € 658,40; 4D-13-VPT € 60.910,00, colecta de € 609,10; 4E-13-VPT € 65.840,00, colecta € 658,40, indicando-se sempre o “valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: € 1.114.850,00” (Documentos de liquidação juntos aos autos com o Pedido).

11.7. Foram instaurados 18 processos de execução fiscal correspondentes às liquidações descritas nos números anteriores, os processos …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; …2014…; (Pedido, art. 56, e documentos 3 a 25, juntos com o pedido).

11.8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 10 de Março de 2014.

11.9. Em 17 de Abril de 2014, a Requerente dirigiu ao Serviço de Finanças de Lisboa …, um requerimento a solicitar a aceitação de garantia bancária emitida pela F e suspensão da cobrança coerciva das importâncias liquidadas em dívida, objecto dos processos referidos no número anterior (Documento junto pela Requerente aos autos).

11.10. Com o documento referido no número anterior, foi junto um documento designado “garantia bancária nº …”, datado de 15 de Abril de 2014, em que a F declara “prestar a favor da Direcção-geral das Contribuições e Impostos” (...) “uma garantia bancária até ao montante de € 15.153,48 (quinze mil cento e cinquenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) destinada a garantir o bom cumprimento do processo de impugnação nº …2014… e apensos”, comprometendo-se a entidade emitente a pagar até ao montante garantido (...) qualquer verba que a beneficiária reclame com a alegação de incumprimento contratual por parte da Cabeça de Casal da Herança de B no referido contrato (...), sendo o pedido por escrito ser apresentado “pela beneficiária no prazo máximo de trinta dias após a data em que o cumprimento da obrigação contratual deveria ter sido efectuado, limite para além do qual a reclamação do pagamento não poderá ser aceite”. A “garantia é válida por três meses, a contar da data da sua emissão, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos, podendo ser denunciada pela CEMG, com uma antecedência de trinta dias sobre o termo do prazo ou das suas renovações, não sendo exigível após aquela data qualquer responsabilidade ainda que referente a obrigações vencidas antes da mesma, podendo ainda ser denunciada a qualquer momento pela beneficiária (…)”.

11.11. Em comunicação endereçada a Cabeça de Casal da Herança B, a …informou que os custos inerentes à operação de emissão e gestão de garantia bancária nº … perfazem um encargo anual de € 633,63 euros (€ 23,64, de despesas de emissão; € 63,71 de contratação e € 546,28 de comissão).

11.12. Por despacho arbitral de 12 de Setembro de 2014, as Partes foram notificadas de que, na ausência de manifestação de vontade em sentido contrário, o tribunal entendia que dispensavam alegações, marcando como data limite para proferir a decisão o dia 16 de Novembro de 2014.

 

12. Factos não provados

12.1. Não provado que em Dezembro de 2012 os valores patrimoniais dos prédios abrangidos pelas liquidações emitidas fossem os indicados nos respectivos DUCS. Esta conclusão baseia-se no Doc. nº 2 junto aos autos pela Requerente, com o Pedido.

12.2. Não provado que a Requerente tenha sido notificada em 19 de Fevereiro de 2013 para reclamar da avaliação efectuada (os documentos 3 a 25 referidos no pedido e juntos com o mesmo referem-se a notificação das execuções fiscais).

12.3. Não provado que os andares do prédio em propriedade vertical estivessem sujeitos a regime de renda condicionada (não foram juntas “certidões” referidas no pedido).

 

De qualquer modo, atendendo à interpretação da lei acolhida na decisão, a prova destes factos tornou-se irrelevante.

 

13. O Direito aplicável

13. 1. Questão prévia: a ordem de conhecimento dos vícios invocados 

Quanto ao invocado erro sobre os pressupostos de facto, não constitui vício gerador de nulidade mas de anulabilidade [2].

 

Sobre o apontado erro, no que concerne ao VPT constante da caderneta predial junta aos autos, alegadamente obtida em 2013, verifica-se, efectivamente, que a situação não foi objecto de resposta esclarecedora por parte da AT.

 

Contudo, e independentemente de o valor patrimonial tributário ser ou não o invocado pela Requerente, o tribunal considera que a apreciação da segunda questão identificada corresponde a uma mais eficaz tutela da posição jurídica da Requerente) pelo que passará à respectiva apreciação (artigos 29º, nº 1, alínea a) do RJAT e 124º do CPPT).

 

13.2. O âmbito de incidência da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

A questão fundamental de direito controvertida nos presentes autos consiste em saber se no caso de prédios em propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente mas não constituídos em regime de propriedade horizontal, o VPT a considerar para efeitos de incidência de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve corresponder ao VPT de cada andar ou divisão com e afectação habitacional e utilização independente ou à soma dos VPT correspondentes aos andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional. Ou seja, saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais. 

 

Esta questão já foi apreciada em vários processos no âmbito da Arbitragem Tributária [3], não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada nas decisões proferidas [4].

 

A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do art. 1º e nº 4 do art. 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS). 

 

O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o art. 1º do CIMI, consideram o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa.   

 

O disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à nova verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 30 de Outubro de 2012. O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012: o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro); o sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro; o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011; a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; o imposto deverá ser pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.

 

Quanto às taxas, a alínea f) do nº 1 do mesmo artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, prevê a aplicação em 2012 de uma taxa inferior à taxa de 1%, prevista na verba 28.1 da TGIS para prédios com afectação habitacional, distinguindo-se ainda entre os casos de prédios avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,5 %) e prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,8 %).

 

13.2. O conceito de prédio utilizado na verba 28 da TGIS

O conceito de “prédios com afectação habitacional” utilizado na verba 28.1 [5] não se encontra expressamente definido em qualquer disposição do CIS nem no CIMI, diploma para que remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS.

 

No caso dos autos, quer se tome em conta todo o prédio (edifício) da Requerente em propriedade vertical quer cada uma das respectivas divisões autónomas, trata-se (não vem contestado) de prédio classificado como urbano e habitacional de acordo com os critérios estabelecidos nos arts. 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, aplicáveis por remissão do art. 67º do CIS.

 

Assim, está apenas em causa o exacto sentido do segmento "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI", constante da norma de incidência do imposto do selo no corpo da verba 28 da TGIS: no caso de prédios em propriedade total mas com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, o VPT relevante corresponde à soma do VPT das diversas divisões/andares, como pretende a AT, ou o que há que ter em conta é o VPT de cada um dos respectivos andares ou divisões autónomas, como defende a Requerente?

 

Ora esse segmento está integrado num texto que define como objecto de incidência do imposto do selo a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI(bold nosso).

 

Como tem sido repetidamente invocado e admitido, o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente [6].

 

Assim, a cada prédio corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 82º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (registo do prédio, sua caracterização, localização, VPT e titularidade), "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário”, não se tomando como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

 

Quanto à liquidação do IMI - aplicação da taxa à base tributável - o art. 119.º, n.º 1 dispõe que “o competente documento de cobrança” contém a “discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta (…)”.

 

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente [7], de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fracção (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica (apresentação e sublinhado nossos). [8]

 

Assim, quando o nº 4 do artigo 2º dispõe que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, não consagra propriamente um regime excepcional ou especial para os prédios em propriedade horizontal.

 

Afinal, cada edifício em propriedade horizontal (artigo 92º) tem apenas uma só inscrição matricial (nº 1), descrevendo-se genericamente o edifício e mencionando-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (nº 2) e a autonomia matricial concretiza-se na atribuição a cada uma das fracções autónomas, pormenorizadamente descrita e individualizada, de uma letra maiúscula, segundo a ordem alfabética (nº 3). Esta parece ser a especificidade dos edifícios em propriedade horizontal; nos outros casos, de prédios em propriedade vertical ou total, as divisões ou andares com autonomia mas sem o estatuto de propriedade horizontal, a matriz consagra também a autonomia mas evidenciando as unidades com indicação do tipo de piso/andar.

 

Nem parece aceitável a argumentação que tem vindo a ser apresentada pela AT baseada na importância da propriedade horizontal e incentivo legislativo ao seu desenvolvimento. Com efeito, não são identificáveis, na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quaisquer elementos de interpretação que permitam identificar e legitimar uma finalidade (extra-fiscal) no sentido defendido pela Requerida. Antes parece que tal discriminação, inesperada, se arriscaria a violar o princípio da confiança...

 

Nem a existência da crise financeira, também invocada, parece poder fundamentar por si um tratamento distinto de prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical. Uma incidência diferente para realidades em grande parte idênticas dificilmente fugiria à acusação de arbitrariedade, tanto mais que existe, efectivamente, o risco de situações geralmente relacionadas com menor capacidade tributária (são os prédios mais antigos, relacionados com rendas mais dificilmente actualizáveis, os que em geral mantém a forma de propriedade total ou vertical) serem as abrangidas por um tratamento fiscal mais gravoso.

 

Nem convence a argumentação da Requerida (ponto 6 da Resposta) de que embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (sublinhados nossos), em que apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente “para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.” (ponto 8 da Resposta). A questão é que, precisamente, carece de demonstração a razão pela qual devem ser aceites as “adaptações” às normas do CIMI, preconizadas pela AT. 

 

Tudo dito, não se encontra razão para, em matéria de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, dar às fracções de prédios em “propriedade vertical”, dotadas de autonomia, tratamento diferente do concedido aos prédios em propriedade horizontal, quando em qualquer dessas situações o IMI é aplicado ao valor patrimonial evidenciado na matriz para cada uma das unidades autónomas.

 

13.3. A ratio legis da verba 28 e 28.1 da TGIS

A interpretação acima sustentada, decorrente da análise da letra da lei e sua inserção no conjunto de outras normas tributárias aplicáveis, é a mais consonante com o espirito das alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

Como já foi evidenciado em outras decisões arbitrais, “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00”. (...) “A fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." [9]

 

E, como já referido, parece carecer totalmente de adesão à realidade a sustentação da tese de que a detenção de fracções desprovidas de estatuto de propriedade horizontal denuncia maior capacidade contributiva do que se forem providas daquela natureza….

 

Pelo contrário, na maioria dos casos, como evidenciado pela Decisão Arbitral nº 50/2013, “muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, fatores que necessariamente devem ser tidos em conta.”

 

Assim, considera-se correcta a interpretação de que a verba 28 da TGIS não abrange cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba.

 

Tal como decidido em outros processos arbitrais, este tribunal entende que no tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS.

 

Sujeitar ao novo imposto do selo partes autónomas sem o estatuto jurídico de propriedade horizontal e não sujeitar nenhuma das fracções habitacionais se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal constituiria violação do princípio constitucional da igualdade, tratando situações iguais de forma diferente.

 

Nem se pode desconhecer a incoerência, em termos de tributação de património, do diferente tratamento dado a detentores de fracções concentradas num mesmo prédio ou dispersos por prédios diferentes….

 

No caso dos autos, verificando-se que nenhuma das “fracções” de qualquer dos edifícios em causa apresenta, per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, não há lugar a incidência da verba 28 prevista na Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

14. Outras questões: inexistência do pressuposto do VPT, duplicação de colecta, erro na aplicação de taxa e anulação dos processos executivos

Tendo o tribunal arbitral decidido pela não aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios de que possam enfermar as contestadas liquidações.

 

Quanto aos processos executivos (cuja anulação a Requerente requer no final do Pedido arbitral) decorrentes das liquidações objecto de apreciação na presente decisão, ter-se-á em conta o disposto nos artigos 24º do RJAT, 176º, nº 1, b) e 270º do CPPT, e 142º do CPA[10].

 

15. Conclusão

Assim, o presente tribunal arbitral conclui que as liquidações de Imposto do Selo, com base na verba 28/28.1 da TGIS, relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, propriedade da Requerente, objecto dos presentes autos, estão feridas de ilegalidade, porque os referidos dispositivos não podem ser interpretados no sentido da sua aplicação a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

E, como resulta da factualidade fixada, nenhum dos andares destinados a habitação, do prédio em propriedade vertical objecto deste processo, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, não se verificando o pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS com consequente ilegalidade das liquidações objecto do Pedido de pronúncia arbitral.

 

16. Indemnização por garantia indevida

A Requerente, apesar de alguma ambiguidade no final do pedido inicial, requereu a condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida. O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que a “ indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

Como tem sido decidido em muitos processos no âmbito do CAAD [11], quando se discute a legalidade da dívida exequenda em processo arbitral este processo é adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida[12], ao abrigo dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT.

 

Tendo em conta que as liquidações em causa nos autos foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, em nada tendo contribuído para a respectiva realização a Requerente, esta tem direito a indemnização pelos encargos efectivamente suportados com a prestação da garantia, nos termos do nº 2 do artigo 53º da LGT, desde a data em que foram constituídas até ao dia em que forem libertadas, com o limite previsto no nº 3 do mesmo artigo, ou seja, “o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios”.

 

A Requerente apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa …, um pedido de suspensão dos processos de execuções dos montantes em dívida (factos provados, 11.8), juntando declaração, de 15 de Abril de 2014, da F de prestação de uma garantia bancária a favor da DGCI até à importância de € 15.153,48, válida por três meses renovável.

 

Estes elementos assim como a declaração da entidade bancária emitente também junta aos autos permitem verificar aspectos do regime da garantia e inclusivamente o seu custo anual mas, para além de não existirem dados sobre a evolução da situação no Serviço de Finanças, não se encontra devidamente comprovado qual foi efectivamente o encargo suportado pela Requerente com prestação de garantia.

 

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (arts. 609º do Código de Processo Civil de 2013 e 565.º do Código Civil).

 

17.Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo constantes dos Documentos de liquidação números 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…; 2013…, com todas as consequências legais.

b)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução relativa às liquidações referidas.

c)      Condenar a AT em custas.

 

18. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11.542,45 (onze mil, quinhentos e quarenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos)[13].

 

19. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Novembro de 2014.

 

 

A Árbitro

 

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990]

 

 

 

 



[1] Existe divergência com a referência no nº 6 do Pedido arbitral (freguesia do …e artigo matricial …), repetida no nº 2 do Resposta.

[2] Cf., por todos, Acórdão do STA de 07/05/2014, in proc. 01412 « (...) como é sabido e vem sendo afirmado de forma reiterada e uniforme pela jurisprudência desta secção, no domínio do contencioso tributário, por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (artigos 133.º e 135.º do CPA) – cf. neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos desta Secção de 23.11.2005, recurso 612/05, de 13.02.2008, recurso 886/07, de 21.05.2008, recurso 220/08, de 25.05.2011, recurso 91/11, de 21.09.2011, recurso 63/11, de 2.11.2011, recurso 158/11, e de 6.06.2012, recurso 611/11, todos in www.dgsi.pt. Também Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pág. 247, «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.° do CPA, segundo o qual são anuláveis os "actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção."Dispõe, por sua vez art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Porém, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como é o caso dos autos.» . Veja-se ainda, sobre conceito de nulidade em direito administrativo, Marcelo Rebelo de Sousa, considerando que a nulidade corresponde à falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, onde cabem os casos de inidentificabilidade orgânica mínima, e os casos de inidentificabilidade material mínima (Inexistência Jurídica, DJAP, volume V, página 242, citado designadamente por Acórdão do STA de 21/09/2011, proc.063/11).

[3]Sobre a aplicação da verba 28 da TGIS no caso de prédios em propriedade vertical, estão já publicitadas decisões no site do CAAD, designadamente, nos processos nºs 50/2013-T; 132/2013-T; 181/2013-T; 182/2013-T;183/2013-T; 185/2013-T; 240/2014-T; 248/2013-T; 268/2014-T; 280/2014-T.

[4] Reproduziremos, em grande parte, o texto da decisão proferida no âmbito do CAAD, no processo nº 194/2014-T julgado por colectivo com participação da signatária.

[5] A redacção deste número foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, passando a utilizar-se o conceito “prédio habitacional”, mas as liquidações objecto dos presentes autos têm por referência o ano de 2012.

[6] “Um outro aspecto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer referência a cada uma das partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas” (Silvério Mateus e Freitas Corvelo, Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto do Selo, Comentados e Anotados", Engifisco, Lisboa 2005, pags.159 e 160). E diziam ainda os mesmos autores (ibidem, p. 160): “Esta autonomização das partes autónomas de um prédio, aplicável sobretudo aos prédios urbanos, justificava-se no âmbito da antiga Contribuição Predial em que o rendimento colectável correspondia à renda ou valor locativo de cada uma dessas componentes, continuou a justificar-se no caso da Contribuição Autárquica em que o valor patrimonial tinha subjacente a renda efectiva ou potencial e continua a ser pertinente em sede do IMI, dado que os factores de valorização previstos nos artigos 38º e seguintes podem não ser os mesmos para todas essas componentes (...) o facto de um prédio estar ou não arrendado continua a ter relevância para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário quer para efeitos de IMI quer para IMT (vd. Artigo 17º do DL 287/2003)” (referiam-se à redacção original “regime transitório para prédios urbanos arrendados”, norma a rever, segundo o seu nº 5, quando se procedesse a revisão da lei do arrendamento urbano, o que aconteceu com a Lei nº 6/2006, de 27/02).

[7] Sobre este aspecto, e na linha do comentário citado na nota anterior, veja-se a fundamentação contida na decisão nº248/2013-T: “A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se com razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no art. 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.” Aí se menciona também o n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11 (prevendo que a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação) como confirmando a individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas dos prédios urbanos.     

[8]Como observado no Proc.132/2013 :“As normas (...) elencadas consagram o princípio da autonomização das partes independentes de um prédio urbano, mesmo quando não esteja constituído em propriedade horizontal. Ou seja, cada parte susceptível de utilização independente deve ser, para efeitos de IMI, valorizada em face das suas especificidades e afectação, resultando num VPT autónomo, individualizável e correspondente a cada parte susceptível de utilização independente.”

[9] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da Discussão da proposta legislativa na Assembleia da República.

[10] Sobre a extinção de processos de execução como exemplo de tarefas a realizar para eliminar actos consequentes às liquidações anuladas assim como a execução espontânea da Administração e outras eventuais diligências, cf. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina 2013, pp. 213/214.

[11] Cf., por exemplo, processos proferidos no âmbito do CAAD, nºs 28/2013-T; 69/2013-T; 224/2013-T; 202/2014-T.

[12] Tal como no processo de impugnação judicial, essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. O nº 3 do art. 53º do CPPT prevê que “A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

 

 

[13] Valor também indicado na Resposta da AT (ponto 1) como correspondente ao das liquidações efectuadas.