Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 699/2022-T
Data da decisão: 2023-06-09  IRC  
Valor do pedido: € 496.336,06
Tema: Dedutibilidade de gastos com juros em IRC; Fundamentação sucessiva; Ónus da prova.
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SUMÁRIO: 

I-Consistindo  as razões  apontada pela Requerida na fundamentação da decisão de desconsiderar gastos em juros  à  Sociedade B..., S.A , integrante, enquanto sociedade dominada,  do grupo de que a  Requerente é sociedade dominante, no facto daquela  ter concedido  financiamentos a esta sem juros e, em simultâneo, ter suportado juros decorrente  de empréstimo   contraído junto de um Sindicato bancário,  mas não invocando a falta de aplicação do empréstimo contraído na atividade económica da mutuária e, em concreto, na finalidade contratualmente prevista para aplicação do produto do empréstimo,  o vício apontado pela Requerida à contabilidade da B..., S.A é,  na realidade e em substância, dirigido aos proveitos que não teve e que a Requerida entende que deveria ter tido (juros) e não aos custos incorridos com juros dos empréstimos obtidos. 

 

II-A factualidade invocada pela Requerida poderia ser suscetível de suscitar uma correção ao nível dos proveitos, por aplicação do artigo 63º do CIRC, mas não uma correção ao nível dos custos com base na não subsunção dos gastos em causa ao art. 23º do CIRC, havendo, assim, um claro erro na determinação da consequência jurídica aplicável.

 

III-A contestação da concreta afetação dos gastos em causa às finalidades previstas no contrato de empréstimo celebrado pela sociedade dominada, apresentada  pela Requerida no presente processo, não pode ser considerada, uma vez que a legalidade do ato tributário deve ser aferida face à sua fundamentação, que deve ser coeva deste, não sendo válida a chamada fundamentação sucessiva.

 

IV- Acresce que, reconhecendo a Requerida no presente processo a genuinidade e veracidade do contrato de empréstimo donde consta a afetação contratual do produto do mesmo a concretos investimentos previstos naquele  contrato, e não tendo a Requerida alegado qualquer facto que consubstancie indício fundado de que o produto do empréstimo contraído não tenha sido aplicado na atividade da mutuária, antes expressamente referindo não questionar a transação que o contrato de empréstimo se destinava em exclusivo a financiar, sempre seria de considerar que a Requerida não afastou a presunção de veracidade da prevista no art. 75º, nº1, da Lei Geral Tributária.

 

V-Mesmo que que a referida presunção tivesse sido afastada, sempre seria de considerar que, resultando da conjugação  do  contrato de empréstimo e do  relatório de inspeção tributária a aquisição das sociedades que aquele  contrato de empréstimo visava financiar, foi efetuada  prova  bastante da dedutibilidade dos gastos, face ao art. 74º, nº 1, da LGT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e 
Dra. Ana Rita do Livramento Chacim, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 31 de janeiro de 2023, acordam no seguinte: 

 

I – Relatório

 

1. No dia 22.11.2022,  a Requerente, A... SGPS, S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do despacho de  25 de agosto de 2022, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2021..., bem como do ato tributário de liquidação adicional de IRC objeto daquela, com o n.º 2021..., com data de 22 de fevereiro de 2021, relativo ao exercício de 2016, e correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resultou um montante total a pagar de € 496.336,06.

 

A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do montante do imposto que alega ter pagado, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos. 

Em 13.01.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 31.01.2023.

 

3. A Requerente, em apoio da sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:

 

a.     Está em causa a ilegal desconsideração da dedutibilidade de juros pagos à banca, em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, com fundamento na errónea premissa de que o pagamento de juros pela B..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (“B...”), que integrava o perímetro do grupo de que a Requerente era a sociedade dominante em 2016, no âmbito de um financiamento à banca estaria, em parte, relacionado com a disponibilização de fundos à própria Requerente. 

b.     Tais encargos foram suportados pela B... para a obtenção de financiamento bancário canalizado em exclusivo para a aquisição do Grupo C..., concretizada em 2015. 

c.     Os financiamentos concedidos à Requerente resultam da aplicação dos excedentes de tesouraria gerados na esfera individual da B... e canalizados numa ótica de racionalização de recursos no contexto do Grupo D... ao abrigo do mencionado Contrato de Apoio à Tesouraria celebrado em 2 de janeiro de 2011.

d.     Ainda que fosse de acolher o entendimento da AT, algo que só se perspetiva por mera hipótese e sem conceder, cumpre referir que o raciocínio subjacente ao apuramento do montante de juros não dedutíveis por parte da AT apresenta, desde logo, diversas irregularidades, porquanto da análise ao referido Anexo 7 do RIT verifica-se que nos meses de março, junho, setembro e dezembro de 2016 considerou a AT o montante de juros bancários de € 377.483,25, € 378.733,25, € 386.014,07 e € 342.476,60, respetivamente, apurando um montante de juros não dedutíveis de € 291.291,36, € 306.164,55, € 361.565,31 e € 611.349,03.

e.     Ignorando a AT  por completo que o montante de juros reconhecido contabilisticamente nos meses acima referidos incluía os montantes de € 352.856,84, € 354.110,95, € 351.487,52 e € 342.477,16, respetivamente, relativos ao financiamento bancário contraído pela B... no âmbito da operação de aquisição e incorporação por fusão do negócio de retalho do Grupo C..., os quais, embora devidos trimestralmente, devem ser imputados aos meses a que respeitam, pois  conforme resulta dos n.ºs 6 e 7 da Cláusula Sexta do contrato de financiamento bancário ora junto como Doc. n.º 4, “Os juros são contados dia a dia com referência a períodos de contagem de juros trimestrais, sendo calculados na base dos dias efetivamente decorridos e de um ano de 360 dias”, sendo que “Os juros serão pagos postecipadamente com a periodicidade estabelecida no número anterior”.

f.      Assim, a proporção entre o montante de financiamentos obtidos e os financiamentos concedidos durante a quase totalidade do mês de dezembro de 2016 foi de 69,48%, e não de 89,58% como defende a AT no RIT.

g.     Na prática, ao ter desconsiderado os aspetos referidos supra, a AT acabou por imputar juros de financiamentos incorridos a financiamentos concedidos – assumindo por mera hipótese e sem conceder que havia alguma correlação entre esses financiamentos – numa proporção completamente distinta da real, na medida em que, a título de exemplo, relativamente aos juros contabilizados em dezembro de 2016 – mas respeitantes ao período de 1 de outubro a 30 de dezembro – imputou 89,58% quando apenas poderia ter imputado cerca de 69% em dezembro.

h.     Em face do exposto, e referindo uma vez mais que apenas por mero exercício teórico se poderá aceitar o entendimento da AT quanto à não dedutibilidade destes juros nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, porquanto é inequívoco que os mesmos foram incorridos no âmbito da atividade da B..., a correção promovida pela AT poderia ter ascendido, no máximo, a € 1.242.779,41. 

i.      Adicionalmente, importará referir que considerou a AT, no cálculo do valor de gastos com juros não dedutíveis, o montante de € 6.686,26 contabilizado na conta #691400 – Juros de contratos de locação financeira –, o montante de € 80.073,84 contabilizado na conta #691801 – Outros juros – e o montante de € 255.741,93 contabilizado na conta #691802 – Juros de Swaps –, que não respeitam a financiamentos bancários e nada poderiam ter a ver com os financiamentos concedidos à Requerente, sendo, sem qualquer margem para dúvida, dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código IRC, porquanto são juros incorridos no âmbito da atividade da B... .

j.      Admitindo que a AT não entenda pela aceitação dos financiamentos concedidos à Requerente sem colocar em causa a dedução dos gastos de financiamento incorridos pela B... (que, conforme já referido, não têm qualquer correlação com os financiamentos concedidos à Requerente), sempre será de reconhecer que estes financiamentos consubstanciam financiamentos entre entidades relacionadas.

k.     Não se impondo uma correção ao nível da (não) dedutibilidade dos encargos de financiamento incorridos, até porque não se encontram relacionados com os financiamentos concedidos, mas sim – por mera hipótese, porque tal não integra a fundamentação do ato de liquidação adicional de IRC de 2016 e é unânime na jurisprudência e na doutrina que não pode ser admitida uma fundamentação a posteriori – ao nível da aplicação das normas inerentes ao regime de preços de transferência, designadamente o disposto no artigo 63.º do Código do IRC. 

l.      Os SIT poderiam ter efetuado a respetiva correção no resultado fiscal em conformidade com o montante que teria sido obtido se as operações tivessem ocorrido em circunstâncias normais de mercado (de plena concorrência), o que na prática implicaria a consideração como rendimento, na esfera da B..., de um juro (de mercado) sobre o financiamento concedido à Requerente.

m.   Contudo, a AT limitou-se a considerar os encargos financeiros não dedutíveis na esfera da B..., não efetuando qualquer ajustamento sobre esta realidade na Requerente.  

n.     Tratando-se de financiamentos entre entidades relacionadas e tendo por base o preceituado no regime de preços de transferência, caso tivessem sido efetuados estes ajustamentos, os mesmos deveriam ter impacto em ambas as entidades envolvidas na operação (B... e Requerente), ou seja, o juro considerado como rendimento na esfera da B... deveria ser considerado reflexamente como gasto na esfera da Requerente.

o.     Sendo que ambas as sociedades em causa são tributadas no âmbito do RETGS, o não reconhecimento de rendimentos por parte da B... decorrente da não cobrança de juros nos financiamentos por si concedidos à Requerente corresponde necessariamente um não reconhecimento de gastos na esfera desta última, sem qualquer impacto ao nível do imposto suportado pelo grupo fiscal, salvo derramas, pelo que não é aceitável qualquer correção proposta pela AT a este nível.

 

 

4. A AT – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.     No âmbito de um procedimento de inspeção externo à B..., efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa ao abrigo Ordem de Serviço n.º OI2019..., que incidiu sobre o período de 2016, foi efetuada uma correção ao lucro tributável individual no montante de 1.703.284,50 €, relativa a juros de financiamentos obtidos, não dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC e na sequência desta correção foi efetuado um procedimento inspetivo na esfera da sociedade dominante, titulado pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., com o objetivo de refletir no lucro tributável do grupo a correção efetuada ao lucro tributável individual da B..., o que resultou na emissão da liquidação adicional de IRC controvertida.

b.     A inspeção tributária constatou que a sociedade dominada B... recorreu a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontra contabilizado nas diversas subcontas das contas 251 – Financiamento obtidos – Instituições de crédito, que a 31 de dezembro de 2016 apresentavam um valor total de 30.257.984,97 €, e pelo qual suportou encargos financeiros no montante de 2.104.629,55 € (juros de 1.992.408,32 € e imposto do selo de 112.221,23 €). 

c.     Por outro lado, verificou-se que as demonstrações financeiras apresentavam em 31.12.2016, um saldo devedor na conta 266001 – A..., SGPS, S.A., no montante de 27.105.911,08 €, correspondendo o montante a receber a um empréstimo concedido à A..., SGPS, S.A., sem prazo de reembolso e sem remuneração associada, conforme consta no ponto 26 do Relatório e Contas do exercício de 2016.

d.     Após analise da documentação contabilística e fiscal da Requerente, a inspeção considerou que parte dos encargos financeiros suportados pela B..., no montante de 1.703.284,50 €, não seriam dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, pois verifica-
-se «que em 2016, o sujeito passivo suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades bancárias e, simultaneamente, encontra-
-se a financiar terceiros, sem a obtenção do correspondente rendimento financeiro – juros, pelo que importa aferir a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros contabilizados pela B... no período em análise.».

e.     A Cláusula Terceira do contrato de financiamento refere que os fundos disponibilizados se destinam exclusivamente a dotar as mutuárias (B... e E...) dos montantes necessários ao pagamento do preço da transação (cfr. página 9 do contrato). 

f.      A referida transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património, não sendo, contudo, percetível o valor pago pela aquisição das participações sociais, nem existe evidência do valor pago com recurso ao contrato de financiamento. 

g.     Ora, a informação em falta, ou seja, a demonstração da concreta afetação do empréstimo à transação em causa, que terá necessariamente como suporte documentação que se encontra em posse da Requerente, não foi trazida ao conhecimento da AT, nem do Tribunal.

Por outro lado, 

h.     Quando em sede de ação inspetiva foi notificada para esclarecer a natureza e a aplicação do financiamento efetuado, no montante de 27.105.911,08 €, a B... informou que o empréstimo tinha sido concedido no âmbito do “Contrato de Apoio à Tesouraria”, celebrado em 02.01.2011 entre várias empresas do grupo D..., contrato que estabelece na Cláusula Terceira que os empréstimos serão remunerados a uma taxa de juro indexada à Euribor a 1 mês, apurada no último dia útil de cada ano civil adicionada de uma margem percentual (spread) a definir no início de cada ano. 

i.      Além disso, a Cláusula Quarta estabelece que os empréstimos não podem ultrapassar o período máximo de 1 ano, contado da data em que os montantes foram disponibilizados. 

j.      Ora, no caso em apreço, os empréstimos não geraram qualquer rendimento para a B..., sendo que o montante em causa foi concedido à A..., SGPS sem prazo de reembolso definido e a título gratuito.

k.     Pelo que, não foram cumpridas as condições do “Contrato de Apoio à Tesouraria”, tal como é reconhecido pela própria Requerente nos artigos 114.º e 115.º do pedido arbitral que a R Requerente justifica o incumprimento, mormente a decisão de não terem sido cobrado juros, com um lapso contabilístico e operacional. 

l.      Ora, o incumprimento de cláusulas contratuais, seja ou não por mero lapso, de natureza contabilística ou de natureza operacional não consubstancia justificação válida para aceitar a dedutibilidade fiscal de gastos, se os pressupostos determinados pelo legislador no CIRC não se encontrarem cumpridos, como acontece in casu.

m.   É manifestamente erróneo o entendimento da Requerente quando sustenta que uma vez que ambas as sociedades em causa são tributadas no âmbito do RETGS, o hipotético rendimento gerado na esfera da B... (em consequência de juros pagos pela A... SGPS) seria sempre balanceado com o gasto repercutido na esfera da A... SGPS.

n.     Constatando-se em sede de ação inspetiva na sua esfera individual que a B... contraiu um financiamento, suportou encargos financeiros que contabilizou como gastos e, simultaneamente, concedeu financiamento gratuito à Requerente, considera-se não ser de aceitar fiscalmente aqueles encargos, à luz do normativo que regula a dedutibilidade de gastos ou perdas, constante do artigo 23.º do CIRC. 

o.     Nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1 da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. 

p.     Contudo, tal presunção cessa quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo ou o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (cfr. al. a) e b) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT).

q.     Das normas transcritas resulta que os requisitos de dedutibilidade dos gastos não beneficiam, portanto, da presunção de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, atendendo à ressalva feita pelo legislador – «sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos». 

r.      Na realidade, a B... contraiu financiamento e suportou os encargos inerentes, mas não beneficiou de tal financiamento, pois o empréstimo obtido pela B... não foi utilizado para a obtenção dos seus rendimentos sujeitos a imposto.

s.     Foi, isso sim, aplicado na atividade de outras sociedades, em concreto da A..., SGPS. 

t.      Assim, é forçoso concluir que não se encontra demonstrada a conexão entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a IRC, em respeito pelo consignado no artigo 23.º do CIRC, incumprindo a Requerente o ónus da prova que sobre si recai, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT. 

u.     Quanto à determinação do montante de encargos suportados que não foram aceites fiscalmente, os serviços da inspeção calcularam, para o período em apreço (2016), mês a mês, a proporção que o valor dos empréstimos concedidos representava no total dos financiamentos obtidos, considerando para o efeito os saldos das referidas contas no último dia do mês, como é prática habitual, e não a 30 de dezembro como a Requerente defende.

v.     No que concerne às referências ao regime dos preços de transferência, consagrado no artigo 63.º do CIRC, dir-se-á, apenas, que a apreciação dos atos tributários impugnados deve debruçar-se, tão-só, sobre os elementos do caso concreto submetido ao julgamento do Tribunal arbitral e que se prendem com a fundamentação, de facto e de direito, aduzida pela Inspeção Tributária para sustentar as correções. 

w.   Não padece a correção contestada dos vícios que a Requerente lhe imputa. 

 

 

5. Não havendo lugar à produção de prova constituenda, e não tendo sido suscitada matéria de exceção, o Tribunal, por despacho de  12.03.2023, dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e determinou  a notificação de ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação, concedendo à Requerida a faculdade de, no  caso de assim o entender, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.

 

6. A Requerente apresentou alegações nas quais, além de reafirmar o já alegado na petição inicial sustentou, em síntese:

 

a.     No RIT é possível ler que “o sujeito passivo [B...] contrai financiamento e, simultaneamente, concede financiamento a outras empresas, suportando encargos financeiros, que contabilizou como gastos, não existindo a obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados, designadamente juros. Do exposto, não emerge da situação em apreço, que o montante contabilizado a título de juros e Imposto do Selo de empréstimos bancários, possui o caráter qualitativo de comprovadamente ser indispensável para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, pelo que não será de aceitar fiscalmente as importâncias contabilizadas pelo sujeito passivo, por não se encontrar cumprido o princípio basilar da dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23.º do CIRC.

b.     O que fundamenta a liquidação adicional de IRC ora contestada é, pois, única e exclusivamente a alegada não dedutibilidade, à luz da regra geral vertida no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, dos encargos suportados pela B... com o empréstimo bancário contraído na medida em que o mesmo estaria – hipoteticamente, claro – relacionado com financiamentos gratuitos concedidos à ora Requerente.

c.     Portanto, é apenas este fundamento, tal como foi enunciado e desenvolvido pela Requerida no RIT, cuja bondade – ou falta dela – compete a este tribunal arbitral avaliar para conceder provimento – ou não – ao pedido de anulação da liquidação de imposto.

d.     Constitui jurisprudência consolidada que “Nas liquidações adicionais praticadas após procedimento de inspeção tributária, o ato de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o conteúdo do relatório de inspeção” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0921/15.6BEPRT, de 16 de setembro de 2020. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 103/07.0BELRS, de 10 de fevereiro de 2022, entre muitos outros) e Igualmente pacífico entre nós é que a fundamentação a posteriori está vedada (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 02887/13.8BEPRT, de 28 de outubro de 2020, n.º 043/16, de 27 de janeiro de 2016, e n.º 01306/03, de 19 de abril de 2005, bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 785/07.3BESNT, de 16 de dezembro de 2020, onde se refere que “não são fundamentações contemporâneas do Relatório Inspetivo, revestindo, assim, fundamentação a posteriori, legalmente inadmissível”).

e.     Fundamentação a posteriori que é aquilo que, salvo o devido respeito, a Requerida procura fazer ao alegar, nos artigos 12.º e 13.º da sua resposta, que não existe prova do valor exato mutuado pelos bancos que foi utilizado pela B... para pagar o preço da aquisição de oito sociedades do negócio de retalho do Grupo C...,

f.      Ou, para utilizar as palavras da própria Requerida, a “ausência de demonstração da concreta afetação do empréstimo [bancário] à transação em causa”.

g.     Em nenhum momento os serviços de inspeção da Requerida questionaram a aquisição societária que motivou a contratação do empréstimo bancário, reconhecendo, ao invés, de forma expressa a sua ocorrência em 2015.

h.     Tão-pouco a Requerida impugnou a genuinidade do contrato de empréstimo, no qual ficou estipulado de forma expressa, na cláusula terceira, ponto 3.2, que “Os fundos disponibilizados, nos termos e condições previstos no Contrato, pelos Bancos às Mutuárias [B... e E..., nos montantes indicativos de € 38.160.000,00 e € 33.840.000,00, nesta ordem], destinam-se exclusivamente a dotá-las com os fundos necessários ao pagamento do preço da Transação.”

i.      A relação causal entre o empréstimo bancário titulado pelo contrato assinado em 15 de junho de 2015 e a aquisição do negócio do Grupo C... pelo Grupo D...– no qual a B... estava inserida – é evidenciada logo nos seus considerandos, de onde consta que a Requerente celebrou com os então detentores do primeiro grupo um memorando de entendimento com vista à sua compra pela B... e pela E... e que, “Para financiar a Transação, a A... SGPS iniciou com os Bancos uma negociação com vista à concessão de um empréstimo”.

j.      Relação que é densificada pelos anexos I (conjunto das sociedades abrangidas pela transação, aí se identificando a B..., então sob outra designação, e as oito sociedades do Grupo C... que nela viriam a ser incorporadas por fusão ainda em 2015) e II (perímetro da transação), sendo que neste último ficou estipulado, no que foi designado como “perímetro alargado” – aceite pelos bancos, conforme o considerando 1.12 –, que a “F...S.A. [B...] adquire as 8 sociedades operacionais de retalho do Grupo C...” e que, até 31 de dezembro de 2015, as “Sociedades adquiridas Grupo C... serão fundidas nas sociedades adquirentes F... S.A. [B...] e E... S.A.”,

k.     Bem vistas as coisas, o próprio contrato de empréstimo faz soçobrar a tese da Requerida segundo a qual a B... teria utilizado fundos mutuados pelos bancos para financiar gratuitamente a Requerente.

 

7. A Requerida, apresentou igualmente alegações nas quais, além reafirmar o alegado em sede de Resposta, fez constar o seguinte:

 

a.     O insinuado pela Requerente nas Alegações quanto à alegada fundamentação a posteriori, que constará dos artigos dos artigos 12.º e 13.º da Resposta não faz nenhum sentido. 

b.     A Resposta demostra cabalmente, ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer, que a fundamentação da liquidação de IRC está perfeitamente espelhada no RIT e é contemporânea do mesmo. 

c.     Limitando-se a Resposta da AT a apresentar a sua defesa, a contestar os factos e a argumentação invocados pela Requerente e a negar a sua pretensão no sentido da anulação dos atos tributários. 

d.     Com efeito, perante a invocação da Cláusula Terceira do contrato de financiamento, confirma o artigo 11.º da Resposta o conteúdo de tal cláusula; 

e.     E prosseguindo na apreciação do invocado pela Requerente, conclui o artigo 12.º da Resposta que a «transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património», pelo que a Resposta está em total consonância com o RIT; 

f.      Afigurando-se que a Requerente ao referir, no artigo 16.º das Alegações, que em «nenhum momento os serviços de inspeção da Requerida questionaram a aquisição societária que motivou a contratação do empréstimo bancário, reconhecendo, ao invés, de forma expressa a sua ocorrência em 2015 (cf. p. 17 do RIT)», não terá, com o devido respeito, interpretado o artigo 12.º na sua globalidade, pois também em sede de Resposta não foi questionada tal transação. 

g.     O que a Resposta questiona, e que também deverá ser questionado pelo Tribunal, é a inexistência de documentos de suporte aos registos contabilísticos que permitam confirmar o valor pago pela aquisição das participações sociais e o valor pago com recurso ao contrato de financiamento, o que impossibilita que a Requerente prove a relação exigida pelo artigo 23.º do CIRC entre os financiamentos obtidos e o gasto suportado com a aquisição de participações sociais das empresas pertencentes ao Grupo C... . 

h.     Sendo que a conclusão vertida no artigo 13.º da Resposta se limita, após análise da prova produzida nos autos, a confirmar o entendimento da AT que sustenta as correções controvertidas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no  sentido de que, como consta da Informação proferida neste último procedimento, «não foi possível estabelecer uma relação de causa/ efeito, entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado para obtenção de rendimentos futuros e, dado o não cumprimento deste requisito, não é possível a sua dedutibilidade fiscal». 

i.      Assim, conforme referido na Resposta, atendendo que a fundamentação da Inspeção Tributária para efetuar a correção dos encargos financeiros consiste no incumprimento do artigo 23.º do CIRC, foi nos termos deste preceito legal que se analisou e concluiu que, ao contrário do alegado, os gastos objeto de correção e resultantes do empréstimo contraído pela B..., não preenchiam os requisitos consagrados na norma.

j.      Provou-se na presente ação arbitral que o empréstimo obtido pela B... não foi utilizado para a obtenção dos seus rendimentos sujeitos a imposto, mas sim aplicado na atividade de outras sociedades, em concreto da A..., SGPS. 

k.     Devendo o Tribunal concluir, de acordo com a prova produzida, que não se encontra demonstrada a conexão entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a IRC, em respeito pelo consignado no artigo 23.º do CIRC, e que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que sobre si recai, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, julgando totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral. 

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

9. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo.

2) Direito da Requerente à restituição dos montantes pagos a título de imposto e juros compensatórios.

3) Direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

10. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

10.1. No período de tributação findo a 31 de dezembro de 2016, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do RETGS, previsto e regulado pelos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC.

10.2. Deste grupo faziam parte, no exercício de 2016, enquanto sociedades dominadas, a Sociedade B..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... e a Sociedade E..., S.A., anteriormente designada G..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ....

10.3.No âmbito de um procedimento de inspeção tributária externo à Sociedade B..., S.A levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa ao abrigo Ordem de Serviço n.º OI2019... e que incidiu sobre o exercício de 2016, foi elaborado, em 6 de novembro de 2019, o relatório de inspeção tributária que teve  despacho concordante da Chefe de Equipa datado de 7 de novembro de 2022, da Chefe de Divisão de 11 de novembro de 2019 e do Diretor de Finanças Adjunto de 12 novembro de 2019, por delegação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

 

(…)

(…).

(…)

 

 

 

(…)

(…)

(…)

 

 

10.4. Nesta sequência foi promovido pela AT um procedimento inspetivo externo e de âmbito parcial sobre a Requerente e a aplicação do RETGS no exercício de 2016, de cujo relatório final ­–que teve despacho concordante da Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa de 17 de fevereiro de 2021, em regime de delegação de competências–  consta, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

10.5. Na sequência deste relatório de inspeção tributária foi emitida pela AT o ato tributário de liquidação adicional de IRC do grupo com o n.º 2021..., com data de 22 de fevereiro de 2021, relativo ao exercício de 2016, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, de que resultou um montante total de € 496.336,06, o qual foi pago pela Requerente a 13 de abril de 2021.

10.6.A fim de financiar a aquisição do negócio de retalho do Grupo C..., referida no relatório de inspeção tributária da   B..., S.A. foi celebrado em 15 de junho de 2015 um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante máximo de € 72.000.000,00, entre, de um lado, um sindicato bancário constituído pelo Banco BPI, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Caixa Económica Montepio Geral, Montepio Investimento, S.A., Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L. e, do outro lado, a E... e a atual B..., enquanto sociedades mutuárias, e a ora Requerente, como responsável solidária, junto com o pedido de pronúncia arbitral  como documento nº 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 

10.7. Consta do n.º 1, da clausula segunda, do referido contrato, o seguinte:

Pelo contrato, e nos termos e condições, os Bancos concedem às Mutuárias, que aceitam, um Empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante máximo de € 72.000.000,00 (setenta e dois milhões de Euros), obrigando-se as Mutuárias e a A... SGPS, de forma solidária, a promover e assegurar o respetivo reembolso nos termos estipulados no presente instrumento”.

10.8. Na clausula terceira do contrato consta o seguinte:

“1.O Empréstimo vigorará pelo prazo total de 9 anos e três meses a contar da data do Contrato.

2.Os fundos disponibilizados, nos termos e condições previstas no contrato, pelos Bancos às Mutuárias, destinam-se exclusivamente a dotá-las com os fundos necessários ao pagamento do preço da Transação, conforme a estrutura da transação descrita no anexo III (…)”

10.9.A aqui Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional de IRC do grupo de 2016, bem como contra a liquidação de juros compensatórios, peticionando a sua anulação.

10.10. Na reclamação graciosa a Requerente alegou, além do mais, o seguinte:

 

(…)

 

 

10.11.Com a petição de reclamação graciosa a Requerente juntou o contrato de empréstimo  referido nos pontos 8.6., 8.7 e 8.8  do probatório.

10.12. Consta do parecer que fundamentou projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a ser convertido em definitivo, o seguinte: 

 

 

 

10.13.A AT indeferiu a reclamação graciosa em 25.08.2022 tendo notificado a Requerente desta decisão por ofício datado de 26.06.2022. 

 

 

Com interesse para a decisão da causa, à luz dos factos alegados pelas partes e da fundamentação de facto dos atos tributários objeto do processo, inexistem factos não provados.

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.

Em particular, relativamente ao contrato de empréstimo que constitui o documento nº 3 junto com a petição inicial acompanha-se H... quando, sobre o valor probatório do documento proveniente de terceiro, refere o seguinte:

“Os documentos provenientes de terceiros não possuem uma eficácia probatória própria, quer em função do conteúdo quer em função da proveniência. Colocam-se, assim, duas questões quanto a estes documentos: qual o seu valor probatório e se estão sujeitos a impugnação de genuinidade (art. 444º do CPC).

A jurisprudência italiana tem reconhecido a tais documentos um valor puramente indiciário de modo a que – ocorrendo certas circunstâncias tais como (i) a falta de impugnação pela parte  contra quem o documento  é produzido (ii) a presença de instrumentos que demonstram a sua atendibilidade e credibilidade e o concurso  com outros elementos probatórios designadamente testemunhais – tais documentos podem sedimentar o  convencimento do juiz. No que tange `veracidade das declarações contidas em tais tipos de documentos, haverá que aquilatar: (i)o momento em que foi formado o documento (antes ou depois da eclosão do lítigio); (ii) o conhecimento do declarante sobre a existência da controvérsia ; (iii)se a declaração é expontânea ou a pedido de alguma das partes; (iv) se a declaração está direcionada a uma das partes ou a terceiro.

A jurisprudência nacional tem afirmado que estes documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal nos termos do art. 366º.”(DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL COMENTADO, Almedina, 2020, pags. 165-166).

Nesta linha, também aqui se entende que os documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal.

No caso dos autos é a própria Requerida que em sede de reposta afirma que:

“A Cláusula Terceira do contrato de financiamento refere que os fundos disponibilizados se destinam exclusivamente a dotar as mutuárias (B... e E...) dos montantes necessários ao pagamento do preço da transação (cfr. página 9 do contrato). 

A referida transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património”  e em sede de alegações que “Afigurando-se que a Requerente ao referir, no artigo 16.º das Alegações, que em «nenhum momento os serviços de inspeção da Requerida questionaram a aquisição societária que motivou a contratação do empréstimo bancário, reconhecendo, ao invés, de forma expressa a sua ocorrência em 2015 (cf. p. 17 do RIT)», não terá, com o devido respeito, interpretado o artigo 12.º na sua globalidade, pois também em sede de Resposta não foi questionada tal transação. “

Assim, a própria Requerida não só não impugnou o documento em causa, como da apreciação que do mesmo faz em sede de resposta (no RIT e na decisão que indeferiu a reclamação graciosa o documento não foi apreciado) subjaz a consideração do mesmo como genuíno e verídico. Esta posição da Requerida é congruente com os demais factos relevantes para apreciação do documento: o mesmo é anterior à eclosão do litígio; as aquisições das sociedades que o empréstimo se destinava a financiar foram concretizadas, como é reconhecido pela Requerida; os mutuantes são entidades bancárias nacionais reconhecidas. Por outro lado, inexiste qualquer elemento probatório indiciante de que o contrato não seja verdadeiro.

São estas as razões pelas quais o Tribunal considerou provados os factos dos pontos 10.6 a 10.8 do probatório.

 

-III- O Direito aplicável

 

12. Constitui jurisprudência pacífica que a validade do ato de liquidação deve ser aferida face à sua fundamentação.

 

Com efeito, como se pode ler na decisão arbitral de 23/05/2016, proferida no processo 731/2015-T[1] [2]:

 

“(…)é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos”

 

Na mesma linha, considera-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1/06/2015, proferido no proc. 58/11, o seguinte:

“Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.”[3]

 

Do relatório de inspeção tributária consta que as razões pelas quais a AT considerou não dedutíveis os gastos em causa foram as seguintes:

Verifica-se assim que em 2016, o sujeito passivo suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades e, simultaneamente, encontra-se a financiar terceiros, sem a obtenção do correspondente rendimento financeiro – juros, pelo que importa aferir a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros contabilizados pela B... no período em análise.

(…)

No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contrai financiamento e, simultaneamente, concede financiamento a outras empresas, suportando encargos financeiros, que contabilizou como gastos, não existindo a obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados, designadamente juros.

Do exposto, não emerge da situação em apreço, que o montante contabilizado a título de juros e imposto do selo de empréstimos bancários, possui o carácter qualitativo de comprovadamente ser indispensável para obter ou garantir os rendimentos sujeito a imposto, pelo que não será de aceitar fiscalmente as importâncias contabilizadas pelo sujeito passivo, por não se encontrar cumprido o princípio basilar da dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23º do CIRC” 

 

Constata-se ainda que no RIT são identificados os débitos da B..., S.A. com os empréstimos a 31.12.2016 e os saldos mensais referentes aos empréstimos concedidos, não se fazendo qualquer referência, quer às datas dos contratos referentes ao financiamento contraído, quer às do financiamento concedido, não emergindo, portanto, do RIT, simultaneidade entre os mesmos. A simultaneidade que emerge do RIT é a de que a B..., S.A. “ suportou  encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades e, simultaneamente, encontra-se a financiar terceiros”. Face a esta situação adicionada ao facto de nos financiamentos concedidos a B..., S.A., não ter obtido o correspondente rendimento financeiro – juros, a AT decidiu que os gastos com os juros dos financiamentos obtidos, não eram de aceitar fiscalmente, à luz do art. 23º do CIRC. 

De seguida circunscreveu essa não dedutibilidade a € 1.703.274, 50 € do total de 1992.408,32 € de juros e encargos financeiros com a seguinte justificação:

 

Foram compulsados, mensalmente, para o período em análise, o valor dos empréstimos constantes nas subcontas anteriormente evidenciadas, assim como o valor dos encargos suportados com o nível de endividamento, tendo-se posteriormente apurado a percentagem mensal do montante de empréstimo considerados não necessários à atividade da empresa, e, consequentemente, o montante dos encargos não aceite fiscalmente.” (pag. 24 do RIT).

 

Não resulta deste discurso fundamentador, também sufragado pela decisão que indeferiu a reclamação graciosa, que a Requerida tenha invocado que os fluxos financeiros resultantes dos empréstimos contraídos a que se referem os pontos 10.6 a 10.8 do probatório, não tenham sido aplicados pela B..., S.A. conforme acordado contratualmente. Quanto a este aspeto é de observar, aliás, que o contrato celebrado com o sindicato bancário, não consta entre os anexos que integram o RIT, nem no mesmo lhe é feita qualquer referência. No que respeita à decisão que indeferiu a reclamação graciosa, muito embora tal documento aí tenha sido junto pela Requerente, também não se alega qualquer desvio dos fundos resultantes do contrato de  empréstimo celebrado à finalidade aí prevista com carácter de exclusividade.

A falta apontada pela Requerida na fundamentação dos atos tributários é diversa e consiste no facto de ter efetuado financiamentos à Requerente sem juros, sendo de inferir que nenhuma irregularidade apontaria caso os juros tivessem sido cobrados.

O vício apontado pela Requerida à contabilidade da B..., S.A é, pois, na realidade e em substância, dirigido aos proveitos que aquela sociedade não teve e que a Requerida entende que deveria ter tido (juros) e não aos custos incorridos com juros dos empréstimos obtidos, cuja afetação aos fins contratualmente estabelecidos não foi questionada nos atos tributários impugnados. 

 

Face à ausência de  qualquer apreciação, ponderação ou valoração  pela Requerida do contrato de empréstimo na fundamentação dos atos tributários conforme referido e resulta do probatório carece de base factual a afirmação da Requerida nas alegações no sentido de que “(…) prosseguindo na apreciação do invocado pela Requerente, conclui o artigo 12.º da Resposta que a «transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património», pelo que a Resposta está em total consonância com o RIT”. Na verdade, a apreciação que a Requerida faz do contrato de empréstimo na Resposta não pode estar em consonância com a apreciação do RIT desta matéria, uma vez que o RIT não fez qualquer alusão a este contrato que, de resto, dele não consta, conforme claramente resulta do probatório.

 

Assim sendo, a contestação da concreta afetação do empréstimo ao fim contratualmente previsto com caracter de exclusividade, formulada   pela Requerida no presente processo, não pode ser considerada, uma vez que a legalidade do ato tributário deve ser aferida face à sua fundamentação, que deve ser coeva deste, não sendo válida a chamada fundamentação sucessiva.

 

É certo que a factualidade invocada pela Requerida na fundamentação dos atos tributários, da qual foi elemento central e decisivo, não terem sido cobrados juros no financiamento concedido pela B..., S.A. à Requerente, poderia ser suscetível de suscitar uma correção ao nível dos proveitos, por aplicação do artigo 63º do CIRC, mas não uma correção ao nível dos custos com base na não subsunção dos gastos em causa ao art. 23º do CIRC, havendo, pois, um claro erro na determinação da consequência jurídica aplicável.

Assim sendo, os atos tributários em causa face à sua fundamentação, são ilegais, o que, desde logo, determina a sua anulação.  

 

Ademais, sempre se dirá que, caso se não considerasse que o ato naufraga desde logo face à sua fundamentação, sempre haveria que considerar que o ónus da prova dos gastos dedutíveis pertence ao contribuinte, (arts. 74º, 1º, LGT e 23º-3 do CIRC) mas que este beneficia, porém, da presunção prevista no art. 75º, nº 1, da LGT. 

Ora “Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (art. 350º, nº 1, do Código Civil) pelo que se companha o entendimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul de 8 de julho de 2021 proc. 311/03.3BTLRS, onde se pode ler:

“o art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.). Não obstante, aquela presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele preceito legal, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção.”

 

Também na decisão arbitral proferida no processo 579/2021-T, de 10 de Maio de 2022 referente a liquidação adicional de IRC do período tributário de 2015, em que foi também impugnante a aqui Requerente, se pode ler: 

“Lembremos que, nos termos do art. 74º, 1 da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

E lembremos também que a Requerente beneficia da presunção legal de veracidade consagrada no artigo 75º, 1 da LGT, nos termos do qual “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.[4]

 

Entendemos, à luz dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nº1, do Código Civil que, estando os gastos comprovados documentalmente e inscritos na contabilidade, é a Requerida que tem o ónus de provar qualquer das situações elencadas naquele no n.º 2 do artigo 75º da LGT, que possa obstar à verificação da presunção constante do nº 1.

Acontece, porém, que a Requerida não demonstrou qualquer das situações elencadas no n.º 2, do artigo 75º, da LGT e, em bom rigor, nem sequer as invocou na fundamentação dos atos tributários impugnados.

Mas mesmo que a Requerida tivesse afastado a presunção legal do art. 75º, nº 1, da LGT, regressando-se às regras do ónus da prova, a consequência da aplicação do  art. 74º do mesmo diploma seria a de a Requerente ter que provar os requisitos da dedutibilidade dos gastos à luz do nº 1 daquele artigo. Ora, sempre seria de considerar que essa prova resulta do  contrato junto pela Requerente como doc. nº 4 onde consta expressamente a finalidade do empréstimo objeto de expressa vinculação contratual (cláusula 1ª, pontos 1.3,1.4 ou 1.32, cláusula 3ª, nº 2, ou anexo III - doc. nº 4 junto ao PPA), não tendo sido produzida pela Requerida qualquer contraprova que tornasse duvidoso o cumprimento da  destinaçãocontratual do produto do empréstimo, resultando, ao invés, do próprio relatório de inspeção tributária,  a aquisição das sociedades que o contrato de empréstimo visava financiar, o que aponta no sentido da efetiva execução da mencionada destinação contratual. 

Donde resulta que, mesmo que se considerasse que a Requerida, na fundamentação dos atos tributários, tivesse posto em causa a afetação do produto dos empréstimos bancários aos fins contratualmente estabelecidos – o que, como supra referido não ocorreu, dado que o contrato de empréstimo não foi sequer objeto de qualquer ponderação, nem sequer consta do relatório de inspeção tributária– como o faz na Resposta apresentada neste processo, ainda assim, pelas razões expostas, os atos sempre enfermariam de ilegalidade.

Assim sendo, é manifesto que, também por estas razões, não pode, também, deixar de ser declarada a ilegalidade dos atos tributários sub judice, com a sua consequente anulação. 

Atento o decidido, fica prejudicado o conhecimento dos vícios condicentes à anulação parcial dos atos tributários, alegados subsidiariamente pela Requerente.

 

13. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir ao Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão da Requerente à restituição, por força dos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial pararestabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da LGT.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice” é manifesto que os atos tributários em causa, praticados pela Requerida, sofrem do vício de violação de lei, da exclusiva responsabilidade da Requerida, conforme supra exposto, pelo que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios, que devem ser contados à taxa legal de 4 % ao ano (arts. 43º, nº 4, 35º, nº 10, da LGT e 559º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, nº 5, do CPPT).

 

 

IV- Decisão

            Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

a) Decretar a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários impugnados.

b) Condenar a Requerida a devolver às Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal de 4 % ao ano, contados desde 13 de abril de 2021 até integral pagamento.

 

Valor da ação: € 496.336,06 (quatrocentos e noventa e seis mil trezentos e trinta e seis euros e seis cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. 

 

Custas pela Requerida no valor de 7650 € (sete mil seiscentos e cinquenta euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 9.06.2023.

 

Os Árbitros

 

 

(Fernanda Maçãs) 

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

(Relator)

 

 

Ana Rita do Livramento Chacim

 



[1] https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, Relator Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.

[2] Em linha com jurisprudência e doutrina referida na nota nº 6 do acórdão referido na nota anterior e com a jurisprudência referida pela Requerente nas suas alegações.

[3] Consultável em “www.dgsi.pt”

[4] Acrescenta-se ainda   nesta decisão arbitral o seguinte:

“Isso significa que caberia à AT fazer prova, nos presentes autos, de que os capitais alheios não foram utilizados pela Requerente para a realização de proveitos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora.

Recorde-se, a propósito do ónus da prova que cabia à AT fazer, a jurisprudência do CAAD:

Recorde-se, a propósito do ónus da prova que cabia à AT fazer, a jurisprudência do CAAD:

 No acórdão n.º 932/2016-T do CAAD concluiu-se que “competiria à AT alegar e provar factos que permitissem concluir no sentido de que parte dos fundos mutuados à Requerente teriam sido efectivamente utilizados na exploração e na actividade das suas participadas e não da Requerente, uma vez que esta beneficia da presunção legal de veracidade e correcção da sua contabilidade e das declarações de rendimento apresentadas.”

No acórdão n.º 198/2018-T do CAAD concluiu-se que “assiste razão à Requerente quando alega que não é possível estabelecer uma ligação causal, direta, entre os financiamentos bancários e as prestações realizadas e que a AT não demonstrou os pressupostos da sua atuação, como lhe competia, de acordo com o preceituado no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, em concretização do princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil”.