Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 658/2017-T
Data da decisão: 2018-06-11  Selo  
Valor do pedido: € 44.117,80
Tema: IS - Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo e «terrenos para construção».
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DECISÃO ARBITRAL

 

  • RELATÓRIO

 

  • A..., S.A. em representação do B...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...– ... Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 18/12/2017 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante ao despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo (2014), do prédio inscrito  na matriz predial urbana sob o artigo ..., freguesia de ..., concelho de ... e do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo (2014), do prédio inscrito  na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de ... .

 

  • O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 07/02/2018 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

  • No dia 27/02/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  • Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 27/02/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).

 

  • Em 06/04/2018 a Requerida apresentou a sua resposta na qual alega a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o pedido de declaração de inconstitucionalidade material da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) e subsidiariamente a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade das liquidações.

 

  • No dia 09/04/2018 o tribunal, por despacho, determinou a notificação da Requerente para querendo pronunciar-se quanto à matéria de excepção.

 

  • A Requerente nada disse.

 

  • Por despacho datado de 26/04/2018 o tribunal remeteu o conhecimento da matéria de excepção para a decisão final e decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou data limite para proferir a decisão arbitral.

 

  • A Requerente em 27/04/2018 apresentou requerimento renunciando à produção de alegações.

 

  • A Requerida não apresentou alegações finais escritas.
  • POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega que, com a previsão da verba 28 da TGIS, o legislador pretendeu instituir uma tributação especial que incide apenas sobre prédios de valor superior a um milhão de euros, tributando a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes.

Contudo, a tributação alcançada com referência aos prédios inscritos matricialmente como «terrenos para construção» não é, no seu juízo, aplicável ao caso sub judice. Exigir-se-á, para que tal suceda, a efetiva edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

Para formular essa conclusão refere que a verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, prevê a tributação de «terrenos para construção» cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e que o valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a 1 000 000,00 €. Isto é, o facto tributário gerador de Imposto do Selo é constituído por três pressupostos cumulativos: i) a titularidade do direito real sobre o prédio; ii) o VPT do prédio e iii) uma edificação autorizada ou prevista para habitação.

A tributação em análise apenas será aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efectiva edificação do «terreno» no caso concreto e que tal edificação se destine a «habitação». Assim, a mera inscrição matricial do prédio como «terreno para construção» não legitima a aplicação da verba 28 da TGIS; exigir-se-á sempre a existência de um processo administrativo associado à construção,uma licença/autorização de construção (válidas) e um projecto (aprovado), sendo que este se deve destinar a habitação.

            Se os prédios aqui em causa não tinham em 2014 uma edificação autorizada ou prevista para habitação, não poderia ter sido aplicada a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS, pois não estavam verificados todos os pressupostos de aplicação. Ou, dito de outro modo, o indeferimento dos pedidos de revisão e as liquidações subjacentes são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.

            Subsidiariamente, a Requerente invoca a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS quando aplicada a «terrenos para construção», por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Na partitura argumentativa observa que: i) a violação do princípio constitucional da igualdade  decorre de o facto tributário relevante restringir-se apenas a uma parcela do património imobiliário afecto ou destinado a habitação de valor superior a  1 000 000,00 €, estando excluído do âmbito da tributação todo o restante património de elevado valor que se encontre afecto a outros fins; ii) a tributação especial, nos moldes em que foi implementada – ao incidir sobre prédios urbanos, isoladamente considerados – não logra agravar de forma efectiva todos os proprietários que têm um património de elevado valor, pois caso um proprietário detenha apenas um único prédio urbano e o mesmo tenha um valor patrimonial superior a 1 000 000,00€ será sujeito à tributação especial, diversamente, caso um proprietário detenha múltiplos prédios urbanos de valor unitário inferior a  1 000 000,00 €, mas que no seu total perfaçam um valor muito superior àquele, não está sujeito a esta tributação especial; iii) a verba 28 da TGIS configura uma dupla tributação do mesmo facto tributário, a titularidade de um direito real, circunstância que gera uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos face a outros que, sobre o mesmo facto tributário, apenas viram incidir um único tributo e iv) a verba 28.1 da TGIS, no que respeita a «terrenos para construção», não prevê qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das «habitações» autorizadas ou previstas, a sua aplicação apenas depende do VPT do «terreno» em si, sendo desconsiderado o valor das edificações ali previstas ou autorizadas.

            Termina requerendo o reembolso do valor das liquidações de Imposto do Selo que tempestivamente pagou, atenta a sua ilegalidade e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que estima existir «erro imputável aos serviços».

            A Requerida apresenta uma defesa com fundamentos subsidiários e da seguinte forma:

  1. Incompetência material do tribunal arbitral

O tribunal arbitral é incompetente para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material, visto que a competência dos tribunais arbitrais constituídos sobre a égide do CAAD não compreende a apreciação da conformidade constitucional de actos legislativos ou das suas normas.

  1. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito

            Defende-se por impugnação quando sustenta que as liquidações objecto dos autos foram praticadas por aplicação direta da norma legal e os «terrenos para construção» estão afectos a habitação. Se no âmbito das respectivas avaliações foi atribuída afectação habitacional, constando das matrizes, há sujeição a Imposto do Selo.

 

  1. Inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS

 

Não se verifica a alegada inconstitucionalidade, na medida em que a opção pelo mecanismo é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a 1 000 000,00 €, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

  1. Reembolso das quantias de Imposto do Selo pagas e condenação no pagamento de juros indemnizatórios

 

As liquidações objeto do pedido de revisão do acto tributário dever-se-ão manter na ordem jurídica, pelo que não há fundamento para o reembolso das quantias de Imposto do Selo entregues.

Por outro lado, se a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) fez uma aplicação da lei nos termos em que, como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro imputável aos serviços e, assim, também não há direito a juros indemnizatórios.

 

Nesta sequência, são as seguintes questões que o tribunal deve apreciar:

 

  1. Se o tribunal é competente para apreciar o pedido de inconstitucionalidade material da verba 28 da TGIS;
  2. Se o indeferimento expresso/rejeição dos pedidos de revisão dos actos tributários e as liquidações objecto destes padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
  3. Se deve ser desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da TGIS, por violação do princípio constitucional da igualdade;
  4. Se a AT deve ser condenada a reembolsar a Requerente do valor de Imposto do Selo pago relativamente às liquidações objecto dos pedidos de revisão dos actos tributários;
  5. Se a AT deve ser condenada no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios.
  • QUESTÕES PRÉVIAS E SANEAMENTO
    • Incompetência do tribunal arbitral

 

A Requerida defende que o tribunal não tem competência para aferir ou declarar a (in)constitucionalidade da verba 28 da TGIS, visto que a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional.

Terá a Requerida razão?

A este respeito é pacífico admitir que a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional em sede de liquidação de um imposto determina a sua anulação, por padecer do vício de violação de lei emergente de erro sobre os pressupostos de direito.

Ora, o que a Requerente coloca em causa é a aplicação de uma norma que reputa por inconstitucional, a verba 28 da TGIS e não a fiscalização abstracta da constitucionalidade.

Assim, julga-se improcedente a excepção invocada pela Requerida.

Por outro lado, nos processos de revisão números ...2016... e ...2017... a AT determinou a sua rejeição liminar. Pelo que é legítimo questionar: será o tribunal competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral interposto dos despachos de rejeição liminar dos pedidos de revisão oficiosa?

A incompetência absoluta configura uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, como determina o art. 576.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, que o tribunal deve conhecer oficiosamente.

            Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA[1] a propósito da impugnação judicial: «Há actos em matéria tributária que são impugnados através de acção administrativa especial, como resulta da alínea p) e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT. Destas normas resulta que a acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Deste artigo resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou  um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que a aprecie ou acto de apreciação de pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 78.º da LGT) o meio adequado é o processo de impugnação».

            A posição supra referenciada é aplicável aos tribunais arbitrais constituídos sobre a égide do CAAD, isto é, por aplicação do art. 2.º do RJAT fica excluída da competência destes tribunais a apreciação da legalidade de actos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento por parte da AT, como também os actos administrativos respeitantes a questões tributárias que não comportem a apreciação do acto de liquidação, a que alude o art. 97.º, n.º 1, al. p) do  Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Ou, dito de outro modo, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da legalidade dos actos de liquidação dos tributos.

            Deste modo, é necessário indagar se ao caso concreto é adequado o meio processual – pedido de pronúncia arbitral, enquanto meio de reacção aos actos de rejeição dos pedidos de revisão oficiosa. A resposta consiste então em saber se nessas decisões a AT apreciou ou não a legalidade das liquidações de Imposto do Selo objeto dos autos.

Analisando a questão verifica-se que a AT não se limitou a rejeitar os pedidos de revisão, pelo contrário, conclui mesmo que não se verificou qualquer erro imputável aos serviços, isto é, apreciou a legalidade das liquidações de Imposto do Selo. Ora, se assim é, não se verifica a excepção dilatória supra referida.

  • Saneamento

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência daqueles depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT. Por outro lado, o objecto dos autos integra o mesmo imposto, o do Selo.

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente foi notificada dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014 em relação aos seguintes prédios:

i)  artigo ..., urbano, da freguesia de..., concelho de ..., com um VPT de 3 281 570,00 €.

ii) artigo ..., urbano, da união de freguesias de ... e ..., concelho de ..., com um VPT de 1 130 210,00 €.

4.1.2. Em 31/12/2014 os prédios descritos em 4.1.1. estavam matricialmente inscritos como «terrenos para construção».

4.1.3. A Requerente apresentou em 07/12/2007 declaração modelo 1 do IMI com o n.º ... relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... concelho de ... sob o artigo ..., tendo-o identificado como «terreno para construção».

4.1.4. No dia 31/12/2014, a Requerente submeteu nova declaração modelo 1 do IMI com o n.º..., relativamente ao mesmo prédio, com o seguinte fundamento «pedido de avaliação-VPT desatualizado».

4.1.5. O Serviço de Finanças de ... submeteu no dia 23/01/2013 declaração modelo 1 do IMI com o n.º..., com o motivo de avaliação geral, relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e ... sob o artigo ... .

4.1.6. A Requerente foi notificada das avaliações aos referidos prédios, não tendo apresentado qualquer reclamação ou formulado um pedido de segunda avaliação.

4.1.7. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014 relativamente ao prédio identificado em 4.1.1. – i), no montante de 32 815, 70 €.

4.1.8. O referido montante foi pago em três prestações com os seguintes valores: i) 14 007,54 €; ii) 9 404,08 € e iii) 9 404,08 €.

4.1.9. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014 relativamente ao prédio identificado em 4.1.1 – ii), no montante de 11 302, 10 €.

4.1.10. O referido montante foi pago em três prestações com os seguintes valores: i) 3 767,38 €; ii) 3 767,36 € e iii) 3 767,36 €.

4.1.11. A Requerente não procedeu à impugnação judicial ou solicitou a constituição de tribunal e de pronúncia arbitral no prazo de 3 meses ou 90 dias, relativamente a cada uma das liquidações.

4.1.12. No dia 21/12/2016 apresentou pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação respeitante ao prédio identificado em 4.1.1. - i), ao qual foi atribuído o número ...2016... .

4.1.13. No dia 21/12/2016 apresentou pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação respeitante ao prédio identificado em 4.1.1. - ii), ao qual foi atribuído o número ...2017... .

4.1.14. Por despacho de 10/11/2017 o pedido de revisão oficiosa do acto tributário número ...2016... foi liminarmente rejeitado.

4.1.15. Por despacho de 26/10/2017 o pedido de revisão oficiosa do acto tributário número ...2017... foi liminarmente rejeitado.

4.1.16. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 18/12/2017.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

           

5. MATÉRIA DE DIREITO

 

Considerando que o processo arbitral tem por fonte dois pedidos de revisão oficiosa do ato tributário, comecemos pelo respeitante ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., da freguesia de .... concelho de ... .

A primeira questão que o tribunal deve conhecer consiste em determinar se existe, no caso em apreço, erro imputável aos serviços, uma vez que daqui decorre a determinação do prazo de impugnação.

Para tanto é necessário identificar, desde logo, a norma aplicável, isto é, o art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual dispõe o seguinte:

 

«1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».

 

O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar actos ilegais e, como tal, a AT deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de impostos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a actividade da AT impõem essa correcção oficiosa.

Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode promover a denominada «revisão oficiosa».

Neste sentido afirma a jurisprudência[2] que: «Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”».

O pedido de revisão também tem de se alicerçar em «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de quatro anos. Ora, esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito.

Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência[3] que: «…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei,…».

A «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT. 

Assim, ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o art. 78.º, números 1, 3 e 4 da LGT estabelece como requisito essencial da «revisão oficiosa» que o erro seja imputável aos serviços. O «erro imputável aos serviços» admite a patologia de facto e de direito, contudo a ilegalidade não pode ser imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à AT.

É esta a posição do Supremo Tribunal Administrativo quando afirma que: «… qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro,…» [4]. E, no mesmo sentido: «…é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte»[5].

A doutrina, para além de concordar com a posição jurisprudencial supra referida, ensina que o «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à Administração Tributária[6]. Como também observa que existirá «erro imputável aos serviços» quando, apesar de a liquidação ter sido efectuada com base na declaração do contribuinte, este tenha adoptado uma orientação genérica da AT devidamente publicada, por cumprimento defeituoso do dever de colaboração por parte desta[7]. Acontece que, não é manifestamente o que se verifica na presente hipótese, na medida em que as modelos 1 do IMI não foram apresentadas com suporte em qualquer informação genérica, matéria que nem se encontra alegada.

Revertendo a referida posição para o caso concreto foi a Requerente que apresentou a declaração modelo 1 do IMI com o n.º ... na qual declarou que o terreno se destinava à construção. Bem como, em 31/12/2014 submeteu nova declaração modelo 1 do IMI n.º..., com o seguinte fundamento «pedido de avaliação-VPT desatualizado». E não se olvide que à data do facto tributário, o art. 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo (CIS) determinava que: «Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI». Diploma este que no seu art. 113.º, n.º 1 prevê que: «O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita». Ora, a liquidação respeitante ao referido prédio foi praticada a partir do teor das declarações modelo 1 do IMI, confirmadas após avaliação. Ou, dito de outro modo, com base na declaração do contribuinte. Razão pela qual, não se preenche o requisito essencial à revisão, isto é, que o erro seja imputável aos serviços.

            E quanto ao pedido de revisão respeitante ao prédio inscrito sob o artigo ..., urbano, da união de freguesias de ... e ...?

Adiantamos desde já que a conclusão é semelhante, isto é, não se verifica o erro imputável aos serviços. Com efeito, no dia 23/01/2013 o Serviço de Finanças de ... submeteu a declaração modelo 1 do IMI com o motivo – avaliação geral. Ora, a inscrição matricial que determinou a liquidação de Imposto do Selo tem por fonte uma avaliação geral e, em tais hipóteses, o sujeito passivo fica obrigado a entregar a declaração modelo aprovado, art. 67.º, n.º 2 do CIS e art. 16.º, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). Para além do mais, a Requerente foi notificada do conteúdo da avaliação, não tendo reclamado. Por isso, há negligência imputável à Requerente que impede a revisão.

Em suma, já se encontrava esgotado em 18/12/2017, data de apresentação do pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, o prazo para utilização da via arbitral, gerando a excepção peremptória da extemporaneidade e a consequente absolvição dos pedidos, nos termos do art. 576.º do CPC, aplicável ex vi art. 29.º do RJAT.

6. DECISÃO

Nestes termos decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 44 117,80 €, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a suportar pela Requerente, no montante de 2142 €, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 11 de Junho de 2018

 

O árbitro,

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 



[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 53.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0771/08, de 21/01/2009, relatado pelo Conselheiro LÚCIO BARBOSA.

[6] PAULO MARQUES, A revisão do acto tributário. Do mea culpa à reposição da legalidade., 2.ª edição, Cadernos do IDEFF, n.º 19, Almedina, 2017, p. 218 e 219.

[7] PAULO MARQUES, A revisão do acto tributário. Do mea culpa à reposição da legalidade., 2.ª edição, Cadernos do IDEFF, n.º 19, Almedina, 2017, p.  219.