Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2018-T
Data da decisão: 2019-01-02  IRS  
Valor do pedido: € 309.342,43
Tema: IRS – Retenção na fonte. Adiantamento por conta de lucros. Presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

                                 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Profª. Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Miguel Luís Cortês Pinto de Melo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 4 de julho de 2018, acordam no seguinte:

 

 

  1.  Relatório

 

A..., Lda., adiante designada por “Requerente”, pessoa coletiva identificada sob o n.º..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, , todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria  Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A Requerente deduz o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação dos atos de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios relativos aos anos de 2014 e 2015, na importância global de € 309.342,43, emitidos na sequência de procedimento inspetivo. Peticiona também a restituição do valor pago, acrescido dos juros indemnizatórios a que se referem os artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

 É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega os seguintes vícios, de ordem formal e substantiva:

           

  1. Vício formal de falta de fundamentação, por omissão da base legal para a cobrança do imposto à Requerente, na qualidade de substituta tributária, e não dos sócios, substituídos e sujeitos passivos de IRS – cf. artigos 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, 62.º, n.º 3, alínea i) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”), 125.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e 268.º, n.º 3 da CRP;

 

  1. Inexistência do dever acessório de substituição tributária da Requerente, em virtude de os rendimentos alegadamente colocados à disposição dos seus sócios o terem sido a título de mútuos e não como distribuição de lucros, inexistindo norma de incidência objetiva. Mesmo que tivesse sido convocada a norma geral anti-abuso, a tributação só poderia incidir sobre os sócios e não na esfera de um terceiro, resultando assim violados os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição (“CRP”), da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP), da capacidade contributiva (artigos 13.º e 104.º da CRP) e da justiça;

 

  1. Erro sobre os pressupostos de direito, pois a AT ao reconhecer a existência de mútuos celebrados entre a Requerente e os seus sócios não podia fazer valer a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, que depende de não existir “justificação” para as quantias escrituradas, não podendo, pelo facto de os empréstimos não obedecerem aos requisitos legais, concluir-se pela sua inexistência. Assim, é inaplicável a referida presunção e não cabe sequer à Requerente afastá-la;

 

  1. Erro sobre os pressupostos de facto, pois a ausência de prova dos “exfluxos financeiros em favor dos sócios” não permite concluir pela inexistência dos contratos de mútuo que estão evidenciados na contabilidade da Requerente (movimentos na conta #121 por contrapartida da #26), nem para tal contribui não estar previsto o pagamento de juros ou a prestação de garantia pessoal ou real e não ter sido pago o correspondente Imposto do Selo. De igual modo, não prejudica a existência dos mútuos, a circunstância de a sua deliberação pela Requerente apenas ter ocorrido em 31 de março de 2014;

 

  1. Ao desconsiderar a existência dos contratos de mútuo e proceder à requalificação dos rendimentos como distribuição de lucros aos sócios, a AT procedeu à aplicação “encapotada” da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, e para tanto, devia ter seguido o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, o que não sucedeu no caso. Deste modo, violou os requisitos de fundamentação previstos no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT e o direito de audição prévia relativo à aplicação da disposição antiabuso (n.ºs 4 a 6 da mesma norma), para além de que não foi precedida de autorização do dirigente máximo dos serviços (n.º 7);

 

  1. A existência de discrepâncias entre a contabilidade e a realidade, no que respeita aos registos contabilísticos relativos aos saldos da conta#121, impedem a presunção de veracidade do artigo 75.º da LGT para aquele segmento concreto da contabilidade da Requerente, pelo que a AT não pode suportar-se naqueles registos contabilísticos para legitimar a tributação. Tendo em vista o princípio da tributação pelo rendimento real a AT devia ter procurado reconstituir a situação real, pelo que a correção enferma de erro sobre os pressupostos de facto por errónea quantificação dos rendimentos;

 

  1. Face à não verificação do retardamento de retenções na fonte, são ilegais as correspondentes liquidações de juros compensatórios, por violação do disposto no artigo 35.º da LGT.

 

            A Requerente conclui pelo pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação de retenções na fonte (IRS) e de juros compensatórios respeitantes aos períodos de tributação de 2014 e 2015, com a consequente devolução do valor que considera indevidamente pago, de € 309.342,43, acrescido de juros indemnizatórios e demais consequências legais. Juntou 5 (cinco) documentos.  

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 4 de julho de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Segundo a Requerida, não tem sustentação a tese da Requerente relativa à falta de fundamentação dos atos impugnados, tendo esta perfeita compreensão dos atos tributários em crise e da sua motivação.  Por outro lado, considera que a Requerente aponta vícios totalmente alheios à liquidação adicional, em concreto os referentes à cláusula geral anti-abuso que não foi aplicada pela AT. As correções tributárias tiveram arrimo na previsão legal do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS e consequente enquadramento no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) desse Código, e não no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

 

Entende ainda a Requerida que os rendimentos colocados à disposição dos sócios não encontram suporte nos contratos de mútuo, pelo que a Requerente estava obrigada a reter na fonte o imposto, a título definitivo, das importâncias que lhes foram entregues, nos termos dos artigos 71.º, n.º 1, alínea c) e 98.º, n.º 3 do Código do IRS, o que não aconteceu. Assinala que segundo o disposto nos artigos 20.º e 34.º da LGT e 21.º do Código do IRS, a responsabilidade principal pela retenção na fonte e respetiva entrega do imposto nos cofres do Estado cabe ao substituto tributário, sendo o substituído apenas subsidiariamente responsável – cf. artigo 28.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.

 

Sustenta ainda que a Requerente não só confessou reiteradamente a falta de conformidade dos seus registos contabilísticos com a realidade, como não logrou fazer a prova que lhe competia, nos termos do artigo 74.º da LGT, nem afastou a presunção ínsita no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, pelo que é inevitável o entendimento de que os montantes distribuídos a ambos os sócios o foram a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Assim sendo, também é improcedente a alegada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

 

Por fim, entende não se verificar o erro imputável aos serviços constante da hipótese normativa do artigo 43.º, n.º 1 da LGT devendo, por essa razão, considerar-se infundado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios. Termina pela improcedência do pedido arbitral, com a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários e a absolvição do pedido.

 

Por entender desnecessária, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do artigo 16.º, alínea c) do mesmo diploma, uma vez que não foram suscitadas exceções, nem requerida a produção de prova adicional. 

 

            Notificadas para alegações, Requerente e Requerida remeteram para os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, respetivamente.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A cumulação de pedidos é admissível, porquanto se trata de apreciar as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos princípios ou regras de direito, relativos ao enquadramento dos rendimentos como lucros ou adiantamento dos lucros, ao abrigo da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, embora respeitantes a exercícios distintos.

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que este Tribunal julga provados:

 

            A.  A A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade por quotas registada desde 3 de julho de 1996, cujo objeto é a prestação de cuidados médicos e clínicos, realizando em concreto prestações de serviços médicos de cirurgia oftalmológica, com o CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana. Está enquadrada no regime de isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e no regime geral de tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) como documento 3 e constante do PA.

 

            B.  Foi realizada uma ação inspetiva externa à Requerente, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017..., OI2017... e OI2017..., respeitantes aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, com o âmbito parcial de IVA, IRC e retenções na fonte (IRS), para verificação da natureza das variações permutativas verificadas na composição do património da sociedade, nomeadamente em ativos como “Depósitos Bancários” e “Acionistas/Sócios”, “Outras contas a receber” – cf. RIT.  

 

            C.  Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório, por ofício datado de 17 de outubro de 2017, remetido por carta registada, que continha uma proposta de correção de retenções na fonte de IRS nos seguintes valores (cf. RIT):

            i) € 74.340,00, com referência ao exercício de 2014; e

            ii) € 207.984,00, relativamente ao exercício de 2015.

 

            D.  A base de incidência das mencionadas retenções na fonte são as importâncias de € 265.500,00 (2014) e € 742.800,00 (2015) colocadas pela Requerente à disposição dos sócios – cf. RIT.  

 

            E.  A Requerente exerceu o direito de audição, na sequência do que a AT manteve as correções preconizadas (alínea C supra), procedendo à notificação, em dezembro de 2017, do Relatório de Inspeção Tributária definitivo, cujo teor se dá por reproduzido e do qual se extrai a seguinte fundamentação com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos arbitrais:

 

“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

3.1 – CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE DE RETENÇÕES NA FONTE (IRS)

[...]

E) Analisados os balancetes analíticos recolhidos na contabilidade do SP, confirmámos a necessidade de efetuar uma análise retrospetiva dos saldos evidenciados nas contas correntes da contabilidade do SP identificadas no quadro 3 seguinte (cfr. ANEXO 3), declarados pelo SP na IES/DA dos respetivos exercícios, exigindo-se a sua conciliação com os restantes elementos contabilísticos da sociedade:

Quadro 3

Saldos das contas correntes da contabilidade do SP

Balancete c/ saldos Iniciais 2013 (€)

31-12-2013 (€)

31-12-2014 (€)

31-12-2015 (€)

12 – Depósitos à Ordem

1.284.317,88

155.773,40

91.822,49

122.556,17

121 B...

1.284.317,88

155.773,40

41.570,64

57.606,99

122 C...

---

---

50.251,85

50.662,59

124 D...

---

---

---

983,92

125 Bancos por Reconciliar

 

 

 

11.855,64

126 E...

---

---

---

1.447,03

13 – Depósitos a Prazo

434.000,00

434.000,00

435.000,00

435.000,00

14 – Outros Instrumentos Financeiros

---

0,00

208.456,66

215.306,66

1 – Meios Financeiros Líquidos

1.718.317,88

589.773,40

735.279,15

772.862,83

552 – Outras Reservas

1.682.382,02

1.824.423,81

2.008.020,52

2.252.764,65

268511 – Empréstimos a Sócios/F...

---

380.000,00

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---

2786 Outros Devedores e Credores/F...

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965.000,00

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26811 Ativo Não Corrente – Empréstimos a Sócios

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---

1.053.000,00

1.053.000,00

26821 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios

---

---

557.500,00

888.022,32

 

 

 

Dos valores apresentados no quadro 3, importa realçar o seguinte:

  1. Saldos de bancos em depósitos à ordem (DO) que na abertura de 2013 se encontram muito elevados, diminuíram significativamente;
  2.  Em 2015, a conta corrente DO – “125 Bancos por reconciliar” – não é suportada por nenhuma conta em qualquer entidade bancária;
  3. Do balancete de abertura de 2013 não consta qualquer saldo devedor em conta de Empréstimos a Sócios, passando aquela rubrica a evidenciar no final de 2013 (conta 268544 + conta 2786), de 2014 (conta 26811 + conta 26821) e de 2015 (conta 26811 + 26821) um saldo devedor de € 1.345.000,10, € 1.610.500,00 e € 1.941.022,32, respetivamente, com uma evolução crescente.

 

F) Na sequência dos elementos até então recolhidos, o sócio-gerente da sociedade foi ouvido em Termo de Declarações (cfr. ANEXO 4), no dia 03/07/2017, nas instalações do cliente, cujo depoimento reproduzimos de seguida.

 

Declarações prestadas pelo sócio-gerente, Dr. F..., pelas 11:00 h

«1 – Identifique os meios de pagamento utilizados pelos seus clientes nos exercícios em análise (numerário, cheque ou transferência bancária).

R: Maioria por cheque.

2 – Os montantes recebidos dos clientes eram processad[o]s para as contas bancárias da sociedade ou particulares dos médicos?

R: Parte dos cheques eram depositados nas contas da sociedade e outra parte nas contas particulares dos médicos.

3 – Porque não eram os cheques recebidos dos clientes todos depositados nas contas bancárias da sociedade A...? Os valores depositados noutras contas bancárias eram depois, de alguma forma, transferidos para as contas bancárias da sociedade?

R: Não eram depositados na conta da sociedade por uma questão logística e por desconhecimento legal que era necessário. Pontualmente eram transferidos se fossem necessários.

4 – Como era efetuada essa transferência? Pelo valor total ou parcial?

R: Pel[o]s diversos métodos de transferência (transferência bancária ou cheque).

5 – Nos exercícios em análise, os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos ou a sociedade possuía valores em caixa? No caso de a sociedade possuir valores em caixa naqueles exercícios concretize os locais onde estes se encontravam e se eram elaboradas folhas de caixa?

R: Não havia caixa.

6 – Nos anos em análise, a sociedade possuía ativos financeiros líquidos (meios financeiros líquidos) não refletidos na contabilidade. Em caso afirmativo, identifique-os e justifique.

R: Não tinha.

7 – Nos exercícios em análise foram celebrados contratos de mútuo entre a sociedade e os sócios que justificam os saldos devedores em contas correntes de empréstimos a sócios em 31/12/2013, 31/12/2014 e 31/12/2015, referente a dívidas dos sócios à sociedade. Em caso afirmativo deverá identificá-los temporalmente e precisar os valores mutuados.

R: Confirmo a celebração de mútuos mas não tenho presente os valores.

8 – Os empréstimos aos sócios foram feitos de uma só vez ou parcialmente? Por que meios foram feitos os pagamentos ou as retiradas de dinheiro da sociedade (numerário, cheque ou transferência bancária), ficando desde já notificado para juntar cópia dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes, no prazo de 10 (dez) dias e à ordem dos processos supra identificados?

R: Os mútuos foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas da sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios.

9 – Foram realizados pagamentos de imposto de selo, pela sociedade com referência àquele(s) mútuo(s)?

R: Paguei.

10 – Foi realizada escritura pública do mútuo, tal como é exigível nos termos dos artº1143.º do Código Civil, para mútuos superiores a € 25.000,00, conforme redação em vigor?

R: Não.

11 – Analisado o livro de Atas da Assembleia Geral da sociedade, pudemos constatar que na Ata da Assembleia Geral nº... de 31/03/2014 é aprovado por unanimidade a realização de empréstimos aos sócios F... e G... a título de mútuos, tendo o sócio F... justificado a sua necessidade «…de modo a suprir compromissos financeiros a curto prazo otimizando assim os encargos suportados pelos financiamentos a entidades externas….». Neste sentido, especifique os compromissos financeiros decorrentes de financiamentos a entidades externas a que se referiu.

R: Surgimento de uma oportunidade de negócio que para a qual seria necessário uma disponibilidade financeira imediata, mas que infelizmente não se concretizou.

12 – Alguma vez foi efetuada uma distribuição de lucros por parte da sociedade?

R: Não.

13 – Concretize para os anos em análise e para os anos anteriores, qual a sua função na sociedade, bem como da sócia G..., e como foram remunerados pela sociedade (forma de pagamento), pelo exercício da prestação de trabalho dependente ou pelo exercício de cargos sociais, se for caso disso?

R: F... era sócio-gerente e não era remunerado. A G... era sócia-gerente e era remunerada como trabalhadora dependente, sendo remunerada por cheque e, posteriormente, pelo valor líquido da sua remuneração foi creditada a sua conta de mútuos.

14 – Quem é que estava autorizado a movimentar as contas bancárias da sociedade nos exercícios em análise e em exercícios anteriores?

R: F... .

15 – Como foram pagos os gastos da sociedade respeitantes aos valores faturados pela I... em 31/12/2015 pela “utilização de Blocos e equipamentos de janeiro a dezembro”, apenas ocorridos em 2015, no valor total de € 228.000,00 (faturas nºs 5 e 6), ficando desde já notificado para apresentar cópia dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes, no prazo de 10 (dez) dias e à ordem dos processos supra identificados?

R: Houve encontro de contas.

16 – Relativamente às faturas nºs 137 e 138, ambas de 26/05/2014, respetivamente de €11.395,00 e €750,00, emitidas pela sociedade H..., Lda (NIF...), relativamente ao evento «jantar no restaurante ... a realizar no dia 24 maio de 2014 (Proc. R82 – 2014)», deverá justificar a natureza do referido evento, os seus beneficiários e a sua utilidade empresarial.

R: Tratou-se de uma reunião médica patrocinada pela A... .

17 – Como foi paga a fatura recibo nº 3 de 31/01/2015 no valor de €296.642,00, emitida pela A... à I...?, ficando desde já notificado para apresentar cópia dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes, no prazo de 10 (dez) dias e à ordem dos processos supra identificados?

R: Não sei.»

 

G) Ainda dentro das diligências efetuadas, importa sublinhar que foram efetuados pedidos de colaboração ao principal cliente do SP, J... LDA (NIF...), através de notificação sob os ofícios nºs ... de 15/05/2017 e ... de 12/07/2017, tendo-se solicitado cópia dos meios de pagamento e dos mapas de apuramento dos valores pagos ao SP em análise, respeitantes aos honorários médicos prestados pelos Drs. F... e G... nos exercícios de 2014 a 2015. Analisadas as respostas obtidas, pudemos confirmar que a faturação emitida pelo SP nestes dois exercícios foi sempre paga por este cliente através de cheque emitido em nome do médico Dr. F... . Importa notar que a circularização efetuada junto da sociedade cliente do SP, através de notificação, também serviu para confirmar o correto enquadramento do SP em sede de IVA.

H) […]

 

I) Analisados os registos contabilísticos dos fluxos financeiros e os extratos bancários da sociedade para os exercícios em análise, verificou-se que a maioria dos fluxos financeiros à ordem da sociedade se encontra espelhada na instituição bancária do B..., confirmando-se a falta de correspondência entre ambos, não tendo sido feita pela contabilidade a necessária reconciliação bancária. Para atestar este facto, salientam-se as fragilidades encontradas a este nível:

  • Em setembro de 2015, foi criada na contabilidade do SP a conta 125 Bancos por Reconciliar, uma conta que registava movimentos de fluxos financeiros sem qualquer suporte bancário, assegurando a débito, recebimentos de clientes, pagamentos de mútuos dos sócios à sociedade ou meras regularizações contabilísticas (entradas de dinheiro) e a crédito, pagamentos variados (fornecedores). A propósito deste facto, inserido num pedido de esclarecimentos, em 04/05/2017 foi solicitado, através de email, ao sócio-gerente e ao contabilista certificado/representante nomeado pelo SP nos termos do artº52º do RCPITA, que explicitasse por escrito a natureza da consta corrente “125 Bancos por reconciliar” na contabilidade de 2015 (vide questão E) do email de 04/05/2017, integrado no ANEXO 7). Em 18/05/2017, o contabilista certificado da sociedade entregou pessoalmente a competente resposta, que se transcreve: «A conta 125 – Bancos por Reconciliar é utilizada quando existem despesas em nome da sociedade cujos valores são pagos pelas contas pessoais dos sócios ou quando, eventualmente não são apresentados atempadamente os extratos bancários. Posteriormente esta conta é reconciliada com as contas bancárias ou com «Mútuos» (integrada no ANEXO 7).
  • O registo dos fluxos financeiros na contabilidade da sociedade é assegurado maioritariamente pela conta corrente 121 Depósitos à Ordem/B... (integrado no ANEXO 6), estando evidenciados a débito, os recebimentos provenientes das prestações de serviço médicas da sociedade (e em 2015 regularizações contabilísticas de forma a provisionar o saldo bancário por contrapartida da conta 125 Bancos por Reconciliar, entradas de dinheiro) e a crédito, os pagamentos a terceiros (fornecedores, Estado) e aos sócios (mútuos da sociedade aos sócios, documentados com os contratos de mútuo e recibos de mútuo);
  • Na «declaração de responsabilidade final de exercício», respeitante ao exercício de 2014, emitida a pedido do contabilista certificado da sociedade, o sócio-gerente da sociedade, o Dr. F..., em 31/12/2014, assume “Não foram apresentados os movimentos financeiros adequados” (cfr. ANEXO 8);

 

  • Analisando os extratos bancários da sociedade respeitantes à conta ordem e a prazo no banco B... (integrados no ANEXO 9), conclui-se que:

- Os lançamentos contabilísticos efetuados na conta 121 Depósitos à Ordem/B..., respeitantes à conta à ordem no B..., em nome da sociedade (conta nº...), não são confirmados pelos movimentos bancários. Os quadros 4, 5 e 6 destacam a análise em termos de saldos mensais em 2013, 2014 e 2015, evidenciando bem a diferença entre o valor registado pela contabilidade e pelo banco:

 

 

 

 

Quadro 4

 

 

 

Quadro 5

2013

Extrato bancário conta ordem […] Banco B... (€)

Conta 121 Depósitos à Ordem/B...

Geral (€)

 

2014

Extrato bancário conta ordem […] Banco B...(€)

Conta 121 Depósitos à Ordem/B..

 (€)

Saldo inicial/

abertura

46.415,65

1.284.317,88

 

Saldo inicial/

abertura

82.145,60

155.773,40

saldo final 2013

82.145,60

155.779,60

 

saldo final 2014

41.549,00

41.570,64

saldo final jan13

36.899,51

1.291.468,45

 

saldo final jan14

93.904,44

183.617,77

saldo final fev13

57.723,49

1.301.307,38

 

saldo final fev14

64.103,17

137.459,95

saldo final març13

42.780,12

1.303.791,68

 

saldo final març14

38.163,22

91.790,42

saldo final abr13

53.434,00

1.300.802,13

 

saldo final abr14

3.651,34

44.485,76

saldo final maio13

88.150,51

1.257.977,99

 

saldo final maio14

23.965,17

16.703,72

saldo final jun13

91.815,64

1.280.745,62

 

saldo final jun14

61.653,68

16.871,91

saldo final jul13

91.383,38

1.265.150,48

 

saldo final jul14

73.716,78

91.443,27

saldo final agost13

119.019,17

1.280.280,40

 

saldo final agost14

45.680,38

86.905,50

saldo final set13

77.072,34

1.701.522,05

 

saldo final set14

70.299,92

87.562,90

saldo final out13

32.593,76

1.710.559,73

 

saldo final out14

19.234,65

348.053,05

saldo final nov13

124.756,08

1.644.669,54

 

saldo final nov14

53.756,05

900.624,47

saldo final dez13

82.145,60

155.773,40

 

saldo final dez14

41.549,00

41.570,64

 

 

 

 

Quadro 6

2015

Extrato bancário conta ordem […] Banco B...(€)

Conta 121 Depósitos à Ordem/B...

(€)

Saldo inicial/abertura

41.549,00

41.570,64

saldo final 2015

57.746,74

57.606,99

saldo final jan15

36.456,10

226.406,63

saldo final fev15

49.805,32

323.855,57

saldo final març15

18.509,18

448.949,75

saldo final abr15

83.000,95

526.341,95

saldo final maio15

86.149,01

598.052,55

saldo final jun15

34.901,19

710.236,38

saldo final jul15

96.968,93

772.000,73

saldo final agost15

47.708,72

758.679,56

saldo final set15

111.587,96

111.519,28

saldo final out15

39.205,02

84.949,50

saldo final nov15

59.510,28

80.735,16

saldo final dez15

57.606,99

57.606,99

 

 

 

 

 

- Os extratos bancários das contas de depósitos à ordem da sociedade nos bancos C..., D... e E... revelam mensalmente poucos movimentos, algumas contas com saldos reduzidos;

- A nível dos influxos das contas bancárias de depósitos à ordem, concluímos que os recebimentos dos clientes da sociedade (suportados com cheques emitidos pelo cliente em nome do médico Dr. F... e não em nome da sociedade, conforme resposta obtida ao pedido de colaboração efetuado junto do principal cliente, J..., Lda, NIF...) não estão integralmente evidenciados nas contas bancárias da sociedade. […]

- Apenas se identificam alguns fluxos de entrada na conta bancária à ordem do B..., respeitantes a transferências bancárias das contas particulares do sócio-gerente ou depósitos de cheques (alguns emitidos pelo cliente principal I... ao médico Dr. F...), para assegurar os débitos automáticos da conta ou outras responsabilidades da sociedade perante terceiros, influxos de entrada esses que ficam muito aquém do valor das prestações de serviços contabilizadas pela sociedade ou pagas ao médico nos exercícios em fiscalização, confirmadas no pedido de colaboração efetuado junto do principal cliente;

- A nível dos exfluxos das contas bancárias de depósitos à ordem no B..., identificaram-se pagamentos respeitantes a alguns fornecedores (comunicações, seguradoras, combustíveis, restauração e hotelaria, portagens/parques, gás, reparação de viaturas, contabilista, livros, cartão de crédito, acessórios/artigos de moda, artigos de casa, colégio de ensino particular, café ..., supermercados, entre outros), ao Estado ou à Segurança Social e inúmeros levantamentos de multibanco de € 200,00, não se detetando nas datas dos contratos de mútuo e dos recibos de mútuos, que titulam os empréstimos da sociedade aos sócios, fluxos de saída nas contas bancárias que correspondam aos valores mutuados aos sócios nos exercícios em análise, € 1.345.000,00 em 2013, € 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015;

- Note-se que as contas bancárias à ordem da empresa apenas eram providas dos recursos financeiros necessários para o cumprimento das obrigações por ela assumidas. As entradas do sócio-gerente não são reposições das entregas efetuadas pela sociedade ao sócio, mas sim dotações de liquidez que a empresa necessitava para cumprir com as responsabilidades, as quais também poderiam ser repostas ao sócio-gerente, assim que a empresa gerasse liquidez;

- Uma boa parte dos lançamentos contabilísticos registados na conta 121 Depósitos à Ordem/B... não passam de meras regularizações contabilísticas do saldo bancário, sem estarem suportadas por evidências da entrada de todos os recursos financeiros na esfera da sociedade (provenientes dos rendimentos da sociedade/pagamentos efetuados pelos clientes ao médico ou dos pagamentos dos empréstimos de mútuos por parte dos sócios à sociedade contabilizados a partir de 2015), nem das entregas efetivas de recursos financeiros das contas bancárias da sociedade para os sócios ao longo dos exercícios em análise (de 2013 a 2015), alegadas nos contratos e recibos de mútuo que suportam os empréstimos da sociedade aos sócios contabilizados naqueles anos.

 

J) Ao longo dos exercícios em análise, na contabilidade do SP, identificam-se registos contabilísticos assumindo empréstimos da sociedade aos sócios […].

 

- Em 2013, face ao elevado saldo de “depósitos à ordem” a empresa formalizou na contabilidade a existência de um empréstimo ao sócio-gerente F..., creditando a conta corrente 121 Depósitos à Ordem/B... (através do lançamento nº 2 do diário de Operações Diversas, em dezembro de 2013) por contrapartida das contas correntes dos sócios 268511 Outras Operações/Empréstimos a Sócios/F... (no montante de € 380.000,00) e 2786 Outros Devedores e Credores/F... (no montante de € 965.000,00).

Com este lançamento, no final do exercício de 2013, a conta 121 Depósitos à Ordem/F... foi reduzida, no montante total de € 1.345.000,00, passando as duas contas indicativas de créditos concedidos aos sócios a ter um saldo devedor global, em 31/12/2013, precisamente no mesmo valor.

Este registo dos mútuos da sociedade aos sócios em 2013 está suportado documentalmente por dois contratos de mútuo celebrados nos termos do artº1142º do Código Civil, em 30/12/2013, um no valor de € 965.000,00 e outro no valor € 380.000,00, entre a sociedade e o sócio-gerente F..., prevendo na cláusula 1ª de cada contrato que «O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 965.000,00€ (Novecentos e sessenta e cinco mil euros) a título de mútuo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedor» e «O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 380.000,00€, (Trezentos e oitenta mil euros) a título de mútuo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedor”. Definem ambos os contratos como prazo de amortização dos empréstimos 36 meses e que os mútuos não tinham caráter oneroso, não sendo sujeitos ao pagamento de qualquer juro, nem estariam sujeitos a Imposto do Selo. Assumem ainda na cláusula 6ª o não reconhecimento notarial das assinaturas e as partes dispensam das formalidades previstas no artº1143 do Código Civil. Ambos os contratos foram assinados pelo Dr. F..., como primeiro outorgante (mutuante) e novamente, mas em nome pessoal, como segundo outorgante (mutuário).

De notar que a deliberação por unanimidade da decisão de realização de empréstimos aos dois sócios a título de mútuo, em reunião de Assembleia-geral da sociedade, só veio a ocorrer posteriormente, em 31/03/2014, conforme Ata n.º ...da Assembleia-geral (integrada no ANEXO 10);

- Em 2014, […] a sociedade continuou a registar na contabilidade a concessão de empréstimos aos seus sócios-gerentes F... e G..., creditando a conta corrente 121 Depósitos à Ordem/B... por contrapartida de várias contas correntes de sócios, as contas 268211 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/F... e 268212 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/G... (cfr. ANEXO 11), sendo que, ao longo do exercício de 2014, a conta 121 Depósitos à Ordem/B...  foi desta forma reduzida, no montante global de € 265.500,00.

[…] no exercício de 2014 foram adaptados os registos contabilísticos que titulam os créditos concedidos aos sócios, reclassificando as contas que os titulam, promovendo para o efeito transferências apenas de valores entre contas (da conta 2786 Outros Devedores e Credores/F... para as contas 268111 Ativo Não Corrente – Empréstimos a SóciosF... e 268112 Ativo Não Corrente – Empréstimos a Sócios/G...; da conta 268511 Outras Operações/Empréstimos a Sócios/G... para as contas 268111 Ativo Não Corrente – Empréstimos a Sócios/F..., 268112 Ativo Não Corrente – Empréstimos a Sócios/G..., 268211 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/G...).

No sentido dos factos que descritos, importa destacar que a colocação à disposição dos sócios das importâncias que dispunha em “Depósitos à Ordem” ocorreu no momento em que na contabilidade as contas correntes de “empréstimos aos sócios” foram movimentadas por contrapartida da conta 121 Depósitos à Ordem/B... . Deste modo, no exercício de 2014, a contabilidade indica que foram mobilizados recursos financeiros da sociedade registados na conta 121 Depósitos à Ordem/B..., no montante total de € 265.500,00, transferindo-os para a esfera dos seus sócios, com a natureza de empréstimo ou mútuo aos sócios.

Estes registos dos mútuos da sociedade aos sócios em 2014 estão titulados pelos seguintes documentos (integrados no ANEXO 11):

  • Dois contratos de mútuo no valor de € 482.500,00 cada, celebrados em 30/01/2014, nos termos do artº 1142º do Código Civil, entre a sociedade e cada um dos seus sócios, que referem na sua cláusula 1ª, «O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 482.500,00€ (Quatrocentos e oitenta e dois mil e quinhentos) a título de mútuo, quantia que este/a recebe e da qual se reconhece e confessa devedor/a». Definem ambos como prazo de amortização do empréstimo 36 meses e as partes acordam que o mútuo não tinha caráter oneroso, não sendo sujeito ao pagamento de qualquer juro, nem estaria sujeito a Imposto do Selo. Referem ainda na cláusula 6ª o não reconhecimento notarial das assinaturas e dispensam as partes das formalidades previstas no artº1143 do Código Civil. Ambos os contratos foram assinados pelo Dr. F..., como primeiro outorgante (mutuante) e novamente, mas em nome pessoal, como segundo outorgante (mutuário). De notar que, no contrato de mútuo celebrado com a sócia-gerente G..., assinaram os dois sócios-gerentes na qualidade de mutuário (F... e G...).  
  • 14 recibos de mútuo assinados por cada um dos sócios, num total de 28 recibos de mútuo, assumindo mensalmente ao longo do exercício de 2014 um valor pago ao mutuário (ao sócio em questão) inferior a € 25.000,00, quantia que cada um reconhece ter recebido e da qual se confessa devedor, assinando o respetivo recibo de mútuo. Tal como nos contratos de mútuo, os mútuos concretizados sob a forma de “recibo de mútuo” também não estariam sujeitos ao pagamento de qualquer juro, nem estariam sujeitos a Imposto do Selo.

Tal como ilustra o quadro 7, cada lançamento contabilístico de registo dos mútuos da sociedade aos sócios tem como documento suporte um “contrato de mútuo” ou um “recibo de mútuo”. De notar que, através destes documentos assinados pelos sócios-gerentes, os mesmos assumem que foi transferido para a sua esfera pessoal um fluxo financeiro. Contudo, alguns deles (ex. contratos de mútuo de 31/01/2014 e alguns recibos de mútuos) estão associados a meras reclassificações contabilísticas entre contas correntes de empréstimos a sócios, desvirtuando por completo a sua natureza.

- Em 2015, […] a sociedade registou na contabilidade novos empréstimos ao seu sócio-gerente, F..., creditando a conta corrente 121 Depósitos à Ordem/B... por contrapartida da conta corrente de sócios, a conta 268211 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/F... (cfr. ANEXO 12).

Esse registo dos mútuos da sociedade aos sócios de 2015 está suportado documentalmente por 2 “recibos de mútuo”, datados de 30/09/2015, assinados pelo sócio F..., assumindo valores pagos ao mutuário (ao sócio F...) de € 39.800,00 (recibo de mútuo nº1) e de € 703.000,00 00 (recibo de mútuo nº2), quantias essas que aquele reconhece ter recebido e da qual se confessa devedor, assinando os respetivos recibos de mútuo (integrados no Anexo 12). Estes mútuos concretizados sob a forma de “recibo de mútuo” não tinham caráter oneroso, não estando assim sujeitos ao pagamento de qualquer juro, nem estavam sujeitos a Imposto do Selo.

O SP foi questionado através de email […] que explicitasse por escrito a natureza do lançamento contabilístico nº... de 30/09/2015 associado aos recibos de mútuos de € 39.800,00 e € 703.000,00 […] rececionou-se a resposta, a que corresponde o registo de entrada nº 2017... (integrada no ANEXO 13), onde consta que:

«Lançamento nº ... de 30/09/2015 – nos valores de € 703.000,00 e € 39.800,00 contabilizados para acertar a conta bancária do B...».

Desta forma, o SP confirmou que no lançamento contabilístico nº ... de 30/08/2015, a contabilização a débito na conta 268211 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/F..., por contrapartida da conta 121 Depósitos à Ordem/B..., constituiu uma mera regularização contabilística com vista a “acertar” o saldo da conta 121 Depósitos à Ordem/B... com o saldo efetivo da conta bancária à ordem que detém naquela instituição bancária. Para o efeito, reduziu contabilisticamente aquela conta no montante total de € 742.800,00, fazendo parecer que a sua “verdadeira” natureza era a de “empréstimos ao sócio”, emitindo os dois recibos de mútuo já apresentados.

 

L) Acresce ainda que o sócio-gerente, em declarações prestadas no dia 03/07/2017 (ANEXO 4), conforme Termo de Declarações que assinou naquela data, justificou que «Os mútuos foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas da sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios». Na mesma data em que prestou declarações o SP foi notificado para apresentar os documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos alegados mútuos da sociedade aos sócios. Contudo, não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos (vide ANEXO 4, questão 8 do Termo de declarações de 03/07/2017 e competente resposta do sócio-gerente).

 

M) No exercício de 2015, verifica-se que as contas correntes de sócios 26821 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios (268211/268212, cfr. ANEXO 12), comportam os seguintes movimentos a débito e a crédito:

- Para além dos saldos iniciais de cada conta, a débito da conta 268211 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios/F..., em 30/09/2015, identificou-se o lançamento nº... do diário de Pagamentos, respeitante à contabilização dos dois “recibos de mútuo”, datados de 30/09/2015, emitidos pela sociedade e assinados pelo sócio F..., assumindo um valor total de € 742.800,00 pago pela sociedade ao mutuário, o sócio-gerente F...(€ 39.800,00 - recibo de mútuo nº1;  € 703.000,00 00 - recibo de mútuo nº2), a título de mútuos, conforme já se explicitou anteriormente;

- A crédito das mesmas contas, verifica-se a contabilização de 14 «recibos de pagamento de mútuo» (integrados no ANEXO 12), emitidos pela sociedade aos sócios (3 «recibos de pagamento de mútuo» do sócio F..., 11 «recibos de pagamento de mútuo» da sócia G...), evidenciando o valor recebido do mutuário (identifica o sócio) «… para amortização da sua conta de mútuos.» ou «…para amortização da sua dívida à sociedade.», que assina, sem os correspondentes influxos financeiros nas contas bancárias da sociedade […].

 

N) Pelos elementos da contabilidade do exercício de 2015, verificou-se que em 22/12/2015 a sociedade celebrou dois contratos de mútuos, no valor de € 300.000,00 cada, com cada um dos sócios, nos termos do artº1142º do Código Civil, referentes a alegados mútuos aos sócios, não onerosos, reconhecidos por um advogado e registados na sua Ordem, tendo sido pago Imposto do Selo, estabelecendo na sua cláusula 1ª,  «O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 300.000,00€ (Trezentos mil euros) a título de mútuo, quantia que este/a recebe e da qual se reconhece e confessa devedor/a». Definem ambos os contratos como prazo de amortização do empréstimo 6 meses (integrados no ANEXO 12). Contudo, estes contratos de mútuo não se encontram relevados na contabilidade do SP, não existindo qualquer exfluxo financeiro das contas bancárias da sociedade, nos montantes previstos nos contratos. A ausência de contabilização dos referidos contratos assegurou a sua nulidade contabilística.

[…]

 

O) Sobre os alegados pagamentos de mútuos pelos sócios à sociedade em 2015, vertidos a crédito nas contas correntes 26821 Ativo Corrente – Empréstimos a Sócios, importa salientar as seguintes particularidades:

  • Sobre o lançamento contabilístico respeitante ao pagamento dos mútuos nº1 de 31/01/2015 do Diário de Recebimentos, registado a crédito na conta 268211 Empréstimos a Sócios/F..., no montante de € 296.642,19, por contrapartida da conta 121 Depósitos à Ordem/B..., confirmou-se que diz respeito à fatura/recibo nº3 de 31/01/2015 emitida pelo SP ao seu principal cliente I... […], naquele valor, com o descritivo «Serviços, cirurgias, Consultas e Exames». Tratando-se de um ganho da atividade do SP deste exercício, questiona-se a sua contabilização, uma vez que o influxo financeiro contabilizado já deveria ser pertença da sociedade por força da prestação de serviços associada. Mais, apurámos que a referida fatura não foi contabilizada como ganho do exercício em 2015 pelo SP, ainda que a tenham comunicado à AT. Na análise efetuada às contas bancárias da sociedade, não se encontrou aí refletido quer o influxo financeiro respeitante ao pagamento da fatura pelo cliente, quer do pagamento do sócio à sociedade naquele montante. Perante estes factos, este lançamento contabilístico de amortização dos mútuos constitui um mero lançamento não suportado por qualquer movimento bancário e que não segue as regras contabilísticas e fiscais;
  • Sobre os restantes pagamentos dos mútuos registados a crédito nas contas 26821 Empréstimos a Sócios, atendendo aos esclarecimentos prestados pelo SP sobre esta matéria, conclui-se que se tratam de meras regularizações contabilísticas circunstanciais, sem que tenham existido quaisquer influxos financeiros associados nas contas bancárias da sociedade, constituindo lançamentos contabilísticos com o objetivo de reduzir os alegados empréstimos da sociedade aos sócios. Sobre o argumento apresentado para alguns pagamentos de mútuos, que transcrevemos, “Vencimentos que a Dra. K... não recebeu”, importa clarificar que a contabilidade, nos exercícios em análise, regista os fluxos financeiros do pagamento da remuneração líquida, bem como das importâncias associadas aos encargos com retenções na fonte/sobretaxa e Segurança Social, podendo ainda visualizar-se o pagamento destes encargos no extrato bancário processado a partir da conta bancária à ordem do B...

Efetuado o levantamento documental, propõe-se a apreciação dos documentos que titulam os mútuos da sociedade aos sócios (contratos de mútuo, recibos de mútuo), analisando os movimentos contabilísticos subjacentes em contas correntes de sócios e de depósitos à ordem, acompanhando a sua coerência com os extratos bancários da sociedade.

Análise dos factos

[…]

2) Da análise dos valores declarados pelo SP nas IES/DA, resulta que:

  • Nos anos anteriores a 2013, verifica-se que, em anos sucessivos e com uma tendência crescente, foram sempre declarados no balanço da sociedade saldos finais acumulados na conta de “Depósitos bancários e caixa”, não sendo declarado qualquer saldo na conta de empréstimos a sócios, nas rubricas “Outros contas a receber” ou em “Acionistas/Sócios”;
  • Na IES do exercício de 2013, foram declarados no balanço da sociedade, um saldo devedor na conta de empréstimos a sócios, em “Outros contas a receber”, de €1.350.000,00, um saldo final de “Caixa” nulo e saldos devedores de “Depósitos à ordem” de € 155.773,40 e de “Outros depósitos bancários” de € 434.000,00;
  • No exercício de 2014, foram declarados no balanço da sociedade, um saldo devedor na conta de empréstimos a sócios, em “Acionistas/sócios – Ativo Não Corrente” e “Acionistas/sócios – Ativo Corrente”, de € 1.053.000,00 e € 557.500,00, respetivamente, um saldo final de “Caixa” nulo e saldos devedores de “Depósitos à ordem” de € 91.822,49 e de “Outros depósitos bancários” de € 435.000,00;
  • No exercício de 2015, foram declarados no balanço da sociedade, um saldo devedor na conta de empréstimos a sócios, em “Acionistas/sócios – Ativo Não Corrente” e “Acionistas/sócios – Ativo Corrente”, de € 1.053.000,00 e € 888.022,22, respetivamente, um saldo final de “Caixa” nulo e saldos devedores de “Depósitos à ordem” de € 122.556,17 e de “Outros depósitos bancários” de € 435.000,00;
  • O SP praticou uma política de retenção de lucros (nunca distribuiu lucros), acumulando-os em “Outras Reservas” e “Resultados Transitados” ao longo dos vários anos de existência da sociedade;
  • Nos exercícios em análise, os gastos com pessoal declarados dizem respeito aos encargos suportados com o vencimento da sócia-gerente G..., bem como gastos respeitantes a formação/congressos/viagens ao estrangeiro. 

3) Dos elementos contabilísticos recolhidos na contabilidade do SP dos exercícios em análise verificámos o seguinte:

- A liquidez da sociedade deixou de ser assegurada por elevados valores na conta «12 Depósitos à Ordem» […] que não tinham aderência às contas bancárias da sociedade, efetuando para o efeito diversos lançamentos contabilísticos ao longo do ano […].

- Ou seja, a contabilidade dos exercícios em análise alterou os procedimentos contabilísticos seguidos nos anos anteriores (acumulação de saldos devedores em “depósitos bancários” com uma tendência crescente), transferindo diretamente os montantes de € 1.345.000,00 em 2013, € 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, de “Depósitos à Ordem” para o património dos sócios, como uma «dívida» dos sócios à sociedade, apenas documentados por «contratos de mútuo» e «recibos de mútuo.»

4) Com efeito, a verificação contabilística efetuada aos exercícios em análise confirma que:

         […]

- Não existe na contabilidade dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes às entregas efetivas de liquidez da sociedade para os sócios alegadas nos contratos e recibos de mútuos firmados. Da análise dos extratos bancários da sociedade destes exercícios, verifica-se que apenas ficavam depositados os recursos financeiros estritamente necessários para assegurar o cumprimento das obrigações da sociedade;

- Nos exercícios analisados, as receitas da sociedade não eram processadas na totalidade para as contas bancárias da sociedade, mas sim para contas particulares dos sócios, tal como reconheceu o sócio-gerente no Termo de Declarações de 03/07/2017 (ANEXO 4), onde assumiu que os cheques emitidos pelos clientes, sempre em seu nome pessoal, «não eram depositados nas contas da sociedade por uma questão logística e de desconhecimento da lei», sendo transferidos pontualmente se fosse necessário liquidez nas contas da sociedade;

- Apenas se identificaram nestes exercícios, fluxos de entrada nas contas bancárias à ordem da sociedade respeitantes a transferências bancárias das contas particulares do sócio-gerente, para assegurar os débitos automáticos das contas ou outras responsabilidades da sociedade perante terceiros, influxos de entrada esses que ficam muito aquém do valor das prestações de serviços contabilizadas em cada exercício e dos pagamentos efetuados pelo cliente principal ao Dr. F... nos exercícios de 2014 e 2015 que confirmámos;

- De notar que essas entradas bancárias de recursos financeiros, provenientes de contas pessoais do sócio-gerente, não são reposições das entregas efetuadas pela sociedade ao sócio, mas sim dotações de liquidez que a empresa necessitava, para cumprir com as responsabilidades, as quais poderiam ser repostas ao sócio-gerente, assim que a empresa gerasse liquidez.

5) […]

- Não podemos deixar de mencionar que os alegados «contratos de mútuo», celebrados entre entidades relacionadas, deveriam tê-lo sido por escritura pública, como dispõe o artº1143 do Código Civil, ficando assim atacada a sua validade. Assim, verificados os alegados contratos de mútuo, e atento o seu valor, não tendo sido os mesmos sujeitos a escritura-pública, conclui-se que se tratam de contratos em que a falta de forma legal implica a nulidade do negócio jurídico, conforme prevê o artº220º do Código Civil;

[…]

 

Enquadramento legal dos rendimentos atribuídos aos sócios em 2013, 2014 e 2015

[…]

 

O que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, com origem em “Depósitos à ordem”, é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos. […] apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros.

  • Tendo-se demonstrado a inexistência de mútuos da sociedade aos sócios, face à inexistência de outro fundamento válido para fazer afastar a presunção prevista no artº6, nº4 do CIRS (como resultarem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), terão que prevalecer as datas de lançamento expressas pela contabilidade;
  • […]

Conclui-se que o SP procurou fazer sair da sociedade a favor dos sócios, os seus resultados, evitando a tributação dos mesmos, quer ao nível da sociedade, quer dos sócios.

A distribuição de lucros e de adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que, de uma forma objetiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito dos «depósitos à ordem» por débito dos sócios.

No seguimento do que se referiu anteriormente, conclui-se que os rendimentos assim distribuídos aos sócios constituem rendimentos de capitais (categoria E) por força do nº 1 do artº 5º do CIRC, cujo enquadramento está especificado na alínea h) do nº 2 do mesmo artº 5º do CIRS. Segundo este normativo, estão sujeitas a IRS, por enquadramento na categoria E, os «Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros…».

Assim, com base na alínea h) do nº2 do artº5º do CIRS, a disponibilização da sociedade aos sócios de importâncias que a empresa tinha registado em «depósitos à ordem» e que totalizaram o montante de € 1.345.000,00 em 2013, € 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, será de considerar que ocorreram a título de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros.

Recolhida a prova contabilística, deu-se por preenchido o fundamento legal base da presunção estatuída no artº6, nº4 do CIRS, segundo o qual “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” (redação em vigor à data dos factos tributários – 2013 e 2014, anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro). Neste sentido, os montantes de € 1.345.000,00 em 2013, € 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, constituem os montantes dos rendimentos lançados na contabilidade do SP, de cada exercício, em contas correntes dos sócios, que tiveram por base transferências de valores de contas de «depósitos à ordem», assumindo a natureza de distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros enquadráveis como rendimentos da categoria E (artº5, nº2, al. h) do CIRS).

A distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, em sede de IRS, conforme dispõe o artº71º, nº1, al. c) do CIRS (atual artº71º, nº1, al. a) do mesmo diploma legal), que conforme indicado no nº3 do artº98º do mesmo diploma deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.

Note-se que a sociedade inspecionada não procedeu à retenção do IRS devido, a que estava obrigada nos termos do artº101º, nº2, al. a) do CIRS.

 

Momento da tributação e repartição dos rendimentos de capitais a tributar por período

 

Sintetizando, os montantes das entregas totais da sociedade aos sócios, em cada exercício em análise, que foram considerados pelo SP como empréstimos aos sócios, qualificação essa que deve ser desconsiderada, tal como se comprovou anteriormente, por configurarem uma distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros (facto tributário), enquadráveis no disposto artº5, nº2, al. h) e no artº6, nº4, ambos do CIRS, são os seguintes:

  • Ano 2013: € 1.345.000,00
  • Ano 2014: € 265.500,00
  • Ano 2015: € 742.800,00

Os factos descritos traduzem a existência de valores contabilizados em contas de «depósitos à ordem» que indubitavelmente foram entregues aos sócios, consumando-se a transferência de propriedade dos mesmos em benefício dos sócios, que assim viram o seu património aumentar.

 

No que respeita aos montantes sujeitos a tributação, foi fixado o valor correspondente às importâncias colocadas à disposição dos sócios, conforme relevam as contas da contabilidade da sociedade, como se de empréstimos aos sócios se tratassem.

 

O artº7º, nº1 e nº3, alínea c), nº2 do CIRS consagram que o momento a partir do qual ficam sujeitos os rendimentos de capital (categoria E) corresponde à data de colocação à disposição.

 

Assim, em função dos factos já apresentados e comprovado o facto tributário, todas as eventuais dúvidas quanto ao momento da entrega dos rendimentos de capitais aos sócios são dissipadas tendo em conta que a informação constante nas demonstrações financeiras declaradas pelo SP ao longo dos anos […] constitui uma informação aprovada e certificada pelos sócios anualmente, em Assembleia-geral e comunicada a várias entidades.

 

Assim, atendendo a todas as evidências anteriormente expostas, considera-se que a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, registando as entregas efetivas dos saldos de contas de «depósitos à ordem» em contas específicas de empréstimos aos sócios. Ou seja, quanto ao momento da tributação foi fixado o mês em que as entregas de valores ocorreram – artº7º do CIRS, definindo-se esse momento em que o imposto se torna exigível.

 

O quadro seguinte apresenta a repartição dos rendimentos de capitais – lucros e adiantamento por conta de lucros – distribuídos aos sócios, por período (mês), sujeitos a uma taxa de retenção na fonte à taxa de 28%, sem que tivesse sido efetuado pelo SP, apurando-se o respetivo montante de retenção em falta.

 

                    Quadro 10

Período/mês

Distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros (1)

Retenção na fonte

(2) = (1) x 28%

dezembro 13

1.345.000,00

376.600,00

Total de 2013

1.345.000,00

376.600,00

fevereiro 14

41.500,00

11.620,00

março 14

43.000,00

12.040,00

abril 14

45.000,00

12.600,00

junho 14

44.000,00

12.320,00

julho 14

45.000,00

12.600,00

novembro 14

47.000,00

13.160,00

Total de 2014

265.500,00

74.340,00

setembro 15

742.800,00

207.984,00

Total de 2015

742.800,00

207.984,00

 

Do quadro acima, concluímos que os montantes de retenção em falta apurados em cada exercício em análise, por terem sido colocados à disposição dos sócios, enquanto rendimentos de capitais, ascendem a € 376.600,00 em 2013, € 74.340,00 em 2014 e € 207.984,00 em 2015.

 

Referência a Jurisprudência relacionada com os factos em apreço

 

              […]

 

 VIII -           OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

 

Em resultado das correções ora propostas, conjuntamente com a liquidação adicional de imposto a entregar ao Estado, serão igualmente liquidados os juros compensatórios que se mostrarem devidos, nos termos do disposto nos artºs 102º do CIRC, 91º do CIRS e 35º da LGT, conforme nota demonstrativa de cálculo, cujo teor será oportunamente notificado ao Sujeito Passivo.

 

 IX – DIREITO DE AUDIÇÃO

             

              […]

 

Sobre as alegações do contribuinte apresentadas e que constituem o exercício do Direito de Audição prévia, conclui-se que não reproduzem fielmente as conclusões da Inspeção Tributária. Neste sentido, seguindo os argumentos do SP anteriormente sintetizados, procurar-se-á clarificar os pontos dissonantes.

 

Pontos 1, 2 e 3)

Os serviços de Inspeção Tributária, no projeto de relatório de correções elaborado, nunca invocaram que a contabilidade do SP evidencia uma distribuição de lucros.

Da contabilidade do SP dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 decorre:

- A contabilização em contas correntes dos seus sócios de alegados empréstimos aos sócios, mobilizando para o efeito valores de contas de depósitos à ordem da sociedade, suportados por contratos de mútuo e recibos de mútuo, conforme ilustra o quadro 7 do projeto de relatório e do presente relatório final;

- Os contratos e os recibos de mútuo foram assinados pelos sócios beneficiários ao longo dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, documentos esses que pretendem titular um fluxo financeiro que teria sido transferido naquelas datas para a esfera de cada sócio.

 

Quando o SP refere na sua petição do Direito de Audição que «(…) os referidos montantes de €1.345.000,00, € 265.500,00 e € 742.800,00, os quais foram mutuados aos sócios ao longo de vários anos (…)», importa sublinhar que não logrou demostrar e comprovar essa afirmação, uma vez que nunca apresentou documentos que confirmem esses fluxos financeiros. Sem essa prova, o que permanece é a realidade expressa pela contabilidade dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, que evidencia que em vários momentos foram lançados valores em contas correntes dos sócios, que a AT demonstrou exaustivamente não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

 

A contabilidade constitui um elemento fulcral e legalmente obrigatório na esfera societária, determinante para apurar a situação patrimonial e fiscal da sociedade, conforme dispõe os artigos 3º e 17º do CIRC, existindo ainda uma presunção legal de boa-fé, quer quantos aos dados inscritos na contabilidade, executada e aprovada pela gerência, quer nas declarações fiscais entregues pelo SP ao longo dos anos, conforme dispõe o artº75º, nº1 da LGT. Desta forma, a AT baseou-se em todos os documentos contabilísticos dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 e em elementos extra contabilísticos para elaborar a sua análise e respetivas conclusões, tendo como objetivo a descoberta da verdade material, na observância do princípio do inquisitório previsto no artº58º da LGT e na sua relevância como princípio constitucional da tributação.

 

Pontos 4, 5, 6 e 7)

Dentro do cumprimento do dever de fundamentação dos factos que sustentam as correções propostas, a AT elencou e explicitou, em diversos pontos do relatório, várias fragilidades associadas aos contratos e recibos de mútuos celebrados entre a sociedade e os sócios beneficiários ao longo dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, e cuja análise não pode ser feita isoladamente, como optou por fazer o SP na sua petição do exercício do Direito de Audição.

Sobre as alegações do SP apresentadas nestes pontos, eis alguns considerandos:

  1. Quando o sócio-gerente justifica que os cheques dos clientes não eram integralmente depositados na conta bancária da sociedade «…por uma questão logística e por desconhecimento legal que era necessários…», importa lembrar que, tendo em conta o disposto no artº6º do Código Civil, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”;
  2. Na petição em análise, o SP veio admitir que “…nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integram o seu ativo…»;
  3. Sobre os mútuos firmados, sem que o SP beneficiasse de juros (que lhe permitiria compensar a indisponibilidade do dinheiro e o risco associado) e sem a prestação de qualquer garantia real ou pessoal, importa sublinhar o seguinte:
  1. No objeto social da sociedade em análise não está incluída a concessão de crédito a terceiros;
  2. O fim de uma sociedade comercial é o escopo lucrativo, o intuito de obter lucros para poder atribuí-los aos sócios;
  3. Ao não beneficiar de juros no caso de conceder empréstimos aos sócios, o SP estaria a descurar o seu próprio interesse por não fixar juros e por não exigir que lhe fosse prestada qualquer garantia. Ao praticar estes atos, os mesmos não são convenientes à sociedade, nem à prossecução do seu fim lucrativo, para além de serem alheios ao seu objeto social.
  1. Em matéria de Imposto do Selo, o SP reconheceu não ter sido pago este imposto, uma obrigação legal decorrente do Código do Imposto do Selo, aplicável quer pela formalização dos contratos de mútuo, quer pela utilização de crédito concedido decorrente dos contratos firmados.

 

Ponto 8)

Sobre o alegado pelo SP neste ponto, sublinha-se mais uma vez que a concessão de empréstimos aos sócios a título gratuito constitui um ato que se afasta do objeto social da sociedade e, pelas características dos mesmos, em que não foi acautelado o interesse próprio da sociedade, afastando-se do fim lucrativo adstrito a uma sociedade comercial, como previsto no Código das Sociedades Comerciais.

Trata-se de um ato que só foi deliberado pela sociedade na Ata nº34 de 31/03/2014, que se impunha que acontecesse anteriormente, uma vez que o que está em causa diz respeito a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade.

 

Ponto 9)

Na petição do SP é referida a falta de cumprimento dos requisitos formais no caso de contratos celebrados superiores a € 25.000,00, onde só a escritura pública cumpriria essa exigência formal à luz do estabelecido no artº1143º do Código Civil. Contudo, é erróneo que o SP tenha concluído que aquele incumprimento formal só por si tenha sido suficiente para que a AT tenha afirmado que não estaríamos perante “verdadeiros contratos de mútuo”.

Com efeito, a AT apreciou todos os documentos que titulam os mútuos firmados entre a sociedade e os sócios beneficiários, ao longo dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 (contratos e recibos de mútuo), à luz do preceituado no artº1143º do Código Civil.

Do relatório da Inspeção Tributária ficou demonstrado que o cumprimento formal previsto no artº1143º do Código Civil embora obrigatório, não é suficiente para validar os contratos e os recibos de mútuos apresentados. Veja-se o caso dos mútuos titulados com recibos de mútuos, de valor inferior a € 25.000,00, ou os contratos de mútuos firmados em 22/12/2015, no valor de € 300.000,00 cada, que embora formalmente cumpram os requisitos do artº1143º do Código Civil, não foram relevados na contabilidade.

 

Para a desconsideração dos contratos e recibos de mútuo firmados em 2013, 2014 e 2015, no âmbito do ónus da prova que lhe cabia, a AT fez prova de que aquela documentação pretendia apenas aparentar a existência de empréstimos aos sócios, elencando-se novamente os factos principais considerados que fundamentam essa conclusão, que não devem ser tomados isoladamente:

  • A impossibilidade de confirmar nos extratos bancários da sociedade daqueles exercícios os exfluxos financeiros a favor dos sócios beneficiários dos mútuos, alegados nos contratos e recibos de mútuos firmados ao longo destes exercícios;
  • Validade formal ferida nos contratos e recibos de mútuo de valor superior a € 25.000,00 à luz do artº1143º do Código Civil (só a escritura pública cumpriria essa exigência formal);
  • Inexistência de fixação de juros e de prestação de garantia pessoal e real, não acautelando o interesse próprio da sociedade, afastando-se do fim lucrativo da sociedade e do seu objeto social;
  • Não pagamento de Imposto do Selo, como decorre do respetivo Código;
  • O reconhecimento do sócio-gerente quando declarou que «Os mútuos foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas da sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios» (ANEXO 4), ou em esclarecimentos adicionais prestados de que os lançamentos contabilísticos de suporte de recibos de mútuo serviram para «acertar a conta bancária do B...» (ANEXO 13).

Da argumentação exposta, conclui-se que a interpretação vertida no Direito de Audição prévia exercido pelo SP não reproduz fielmente as conclusões da Inspeção Tributária.

 

Por outro lado, na argumentação apresentada, o SP não ilidiu, como lhe competia, a presunção legal prevista no artº6º, nº 4 do CIRS, ou seja, demonstrar que os lançamentos efetuados em contas de sócios resultam efetivamente de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais para justificar o não cumprimento da obrigação fiscal de retenção de IRS na fonte (artigos 71º, nº1 al. c) e 98º, nº3 do CIRS).

O SP, para justificar a não retenção de IRS na fonte, procurou demonstrar que os lançamentos contabilísticos registados nos exercícios de 2013, 2014 e 2015 e as respetivas entregas aos sócios ocorreram na sequência de contratos de mútuo firmados entre a sociedade e os sócios.

Contudo, estando provado que as entregas aos sócios não ocorreram na sequência de mútuos, nem de qualquer outro fundamento válido para se poder considerar ilidida a presunção prevista no artº6º, nº 4 do CIRS, tem que prevalecer essa presunção legal conjugada com o facto de a contabilidade evidenciar que ao longo dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 foram efetuados lançamentos em contas correntes dos sócios, perfazendo respetivamente os montantes totais de €1.345.000,00, € 265.500,00 e € 742.800,00, respetivamente.

 

A AT ao longo do relatório de Inspeção Tributária descreveu e provou exaustivamente a base da presunção legal estatuída no artº6º, n.º 4 do CIRS e os fundamentos para a desconsideração dos mútuos da sociedade aos sócios, fazendo prevalecer a natureza real das quantias colocadas à disposição dos sócios e a sua própria contabilização, em detrimento da forma documental que envolveu essa transferência. [...]” – cf. RIT.

 

            F.  Sobre esse Relatório recaiu, em 29 de novembro de 2017, Despacho concordante do Chefe de Divisão, por subdelegação da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa – cf. RIT.

 

            G.  A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios enumeradas de seguida:  

a) Exercício de 2014 – n.º 2017..., de 13 de dezembro de 2017 (retenções na fonte), no valor de € 74.340,00, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017...; 2017...; 2017...; 2017...; 2017... e 2017..., no valor conjunto de € 9.923,86, perfazendo o total a pagar de € 84.263,86, com data limite de pagamento fixada em 22 de janeiro de 2018;

b)  Exercício de 2015 – n.º 2017..., de 13 de dezembro de 2017 (retenções na fonte), no valor de € 207.984,00, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor de € 17.094,57, perfazendo o total a pagar de € 225.078,57, com data limite de pagamento fixada em 22 de janeiro de 2018,

– cf. documentos 1 e 2 juntos com o ppa.

 

            H.  A Requerente procedeu ao pagamento da importância de € 84.263,86, em 16 de janeiro de 2018, e de € 225.078,57, em 22 de janeiro de 2018 – cf. documentos 4 e 5 juntos com o ppa.

 

I. Em discordância com as liquidações de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios acima identificadas, a Requerente apresentou no CAAD, em 23 de abril de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental adquirida processualmente e nas posições assumidas pelas partes.

 

Não se provou o alegado no artigo 19.º do ppa, segundo o qual os montantes de € 265.500,00 e € 742.800,00 foram mutuados aos sócios.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. DO DIREITO

 

2.1. Delimitação do Objeto

 

As questões fundamentais a decidir respeitam aos seguintes vícios, de ordem formal e substantiva:

 

  1. Falta de fundamentação imputada aos atos de liquidação, por alegadamente não ter sido demonstrada a razão e a disposição legal com base na qual o imposto (IRS) foi exigido à Requerente, em vez de o ter sido aos beneficiários do rendimento (os sócios);
  2. Erro nos pressupostos na aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, por falta de verificação do facto base previsto na norma, uma vez que, na tese da Requerente, os lançamentos efetuados na contabilidade em contas-correntes dos sócios o foram a título de empréstimos aos sócios e não de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta destes;
  3. Erro na aplicação “dissimulada” da norma geral anti-abuso, sem que para tal tivesse sido empregue o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT e sem que se verifiquem os respetivos requisitos legais;
  4. Erro nos pressupostos na imputação de responsabilidade tributária à Requerente, pois ainda que fosse aplicável a presunção do citado artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, ou a recaracterização dos rendimentos ao abrigo da norma geral anti-abuso constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, tal apenas legitimaria uma liquidação adicional de IRS aos sujeitos passivos pessoas singulares e não a ficção de uma obrigação acessória de um terceiro; e, por fim,
  5. Erro nos pressupostos de facto, por errónea quantificação dos rendimentos.

 

Por fim, cabe apreciar os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.2. Sobre o Vício Formal de Falta de Fundamentação

 

            Entende a Requerente que as liquidações de retenções na fonte objeto da presente ação arbitral se encontram inquinadas de vício formal de falta de fundamentação, em virtude de a AT não ter demonstrado a razão pela qual o imposto deve ser suportado pela Requerente, nem a base legal de imputação da responsabilidade pelo seu pagamento à Requerente, em vez dos sócios.

 

Para tanto, invoca o princípio constitucional consagrado no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, concretizado disposto no artigo 77.º da LGT que determina que a decisão do procedimento tributário é sempre fundamentada e, apesar de poder ser efetuada de forma sumária, deve “sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (n.ºs 1 e 2). De igual modo, o artigo 62.º do RCPIT estabelece que o relatório de inspeção deve conter “a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados, ou a declarar, sujeitos a tributação, com a devida menção e junção dos meios de prova, bem como a fundamentação legal de suporte das correções efetuadas” (n.º 3, alínea i)).

 

Refere ainda a Requerente que equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato (indica, certamente por lapso, o artigo 125.º, n.º 2 do CPA, uma vez que este regime decorre desde a entrada em vigor do novo CPA, em abril de 2015, do artigo 153.º, n.º 2 deste Código).

 

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa.

 

Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdão do STA, processo n.º 01114/05, de 2 de fevereiro de 2006).

 

A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, processo n.º 42180, de 20 de novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, de forma direta ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de março de 2001).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que são percetíveis as razões que conduziram a AT à decisão do procedimento tributário, e que a Requerente compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance, rebatendo de forma circunstanciada os respetivos argumentos. 

 

Com efeito, o Relatório de Inspeção é cristalino ao explicitar a aplicação da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS e respetivas razões, com a consequente qualificação dos pagamentos efetuados como enquadráveis na categoria de rendimentos de capitais na esfera dos sócios (artigos 5.º e 7.º). A partir daqui, alicerçado nos artigos 71.º, 98.º e 101.º do Código do IRS, o Relatório conclui que estando os rendimentos de capitais em questão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, a entidade pagadora [a Requerente] deveria ter procedido à mesma, como naqueles preceitos se dispõe.

 

É certo que existem mais normas para além das citadas no Relatório que constituem sustentáculo da responsabilidade tributária da Requerente, podendo referir-se, a título de exemplo, o artigo 28.º da LGT, também assinalado pela Requerida na sua resposta. Porém, os preceitos referidos no Relatório de Inspeção, especificamente os relativos à responsabilidade tributária no domínio do IRS e ao caso específico da retenção na fonte a título definitivo incidente sobre rendimentos de capitais, a cargo da entidade devedora, são mais do que suficientes para constituir suporte legal adequado à decisão de liquidação de retenções na fonte na esfera da Requerente.

 

Não se constatam, deste modo, as deficiências apontadas pela Requerente à fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária – insuficiência, obscuridade, ou incongruência –, pelo que improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

 

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados e que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014). Neste caso, não se trata de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que será de seguida apreciada. 

 

2.3. Sobre a Aplicabilidade da Presunção do Artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS

 

            A primeira questão material que importa dilucidar respeita à qualificação, como rendimentos de capitais, das quantias colocadas pela Requerente à disposição dos sócios e lançadas em contas correntes com o descritivo “empréstimos a sócios”.

 

A norma geral de incidência dos rendimentos de capitais (categoria E) consta do artigo 5.º, do Código do IRS que dispõe, para o que aqui releva, o seguinte:

 

Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E

 

1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 – Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

[...]

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º; […]”

 

            Acresce que o artigo 6.º do mesmo Código, sob a epígrafe “Presunções relativas a rendimentos da categoria E “, institui um conjunto de presunções relativas a rendimentos de capitais, e determina, em concreto no seu n.º 4 que “[o]s lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

 

            Como salienta a jurisprudência, “com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja «causa» jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos” – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, de 5 de fevereiro de 2015, processo n.º 8216/14.

 

            No mesmo sentido, refere a doutrina que “[a] previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de fácil sonegação” e “[o] que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja «causa» jurídica não foi expressamente declarada” – cf. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 338 e 340).

 

            O mérito da solução legal é fácil de explicar. Como assinala Sérgio Vasques:

 

“A experimentação dos novos impostos sobre o rendimento mostrou-nos ao longo dos últimos anos os vícios que podem rodear o modelo da tributação de rendimentos reais e a necessidade que há de o temperar quando se trata de gerir uma fiscalidade de massas. Ainda que tenham uma função residual no sistema, as presunções tributárias são empregues hoje como ferramenta elementar na simplificação do sistema, no combate à evasão mais grosseira e no tratamento dos esquemas mais sofisticados de planeamento abusivo.

 

A doutrina ultrapassou também a glorificação do rendimento real e reconhece agora que o uso de presunções, absolutas ou relativas, não contraria por definição o princípio da capacidade contributiva, sendo por vezes o que lhe garante eficácia mínima. […] A tributação do rendimento real, diz-nos Xavier de Basto, é compatível com alguma «normalização» do apuramento da matéria coletável.”, relembrando que o Tribunal Constitucional se pronunciou, no Acórdão 452/2003, sobre a não inconstitucionalidade da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS – cf. Sérgio Vasques, IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias: a Jurisprudência do CAAD, Cadernos IVA 2017, Almedina, 2017, p. 481-483.

 

Deste modo, estando assegurado, como está, que a norma constante no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS não consagra uma presunção inilidível, é manifesta a improcedência da pretensa ofensa deste preceito a princípios constitucionais, como o da capacidade contributiva (ínsito no princípio da igualdade), da justiça ou da proporcionalidade. Pelo contrário, é através de presunções desta natureza que é viável alcançar, na verdade, a igualdade e justiça na tributação, pois permitem de forma efetiva e praticável, em certas áreas mais propícias à evasão, como sucede com os rendimentos de capitais, a imposição do dever fundamental de pagar impostos[1] que impende sobre os contribuintes relativamente à generalidade das manifestações de capacidade contributiva e não apenas sobre os exauridos rendimentos do trabalho, porque (tão-só) mais fáceis de capturar.

 

            O juízo presuntivo em que assenta a norma do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, depende da comprovação do facto base que é, neste caso, o de serem (terem sido) lançados valores em contas correntes dos sócios sujeitos à condição negativa de não resultarem (terem resultado) de outra causa jurídica, especificamente não derivarem de “mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais”.

 

O artigo 349.º do Código Civil define as presunções como “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” e estas consubstanciam um meio de prova, pois invertem o ónus que resultaria da previsão do artigo 342.º do mesmo Código, segundo o qual “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Assim, demonstrado que esteja o facto base, o facto presumido não tem de ser comprovado, como atesta o disposto no artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil que prescreve que “[q]uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz”. Não obstante, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil), o que em matéria de incidência fiscal resulta não só do artigo 73.º da LGT, como da própria conformação constitucional do princípio da igualdade tributária na sua manifestação de capacidade contributiva, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional.

 

Desta forma, e como sufragado no Acórdão do TCA Norte, de 27 de novembro de 2014, no processo n.º 279/09.2BEPRT, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil). Mas para que o beneficiário de uma presunção legal a possa invocar - e assim ficar dispensado de provar o facto a que ela conduz –, tem previamente de provar determinado facto – o facto base”.

 

No caso dos autos, é pacífico que foram lançados valores nas contas correntes dos sócios, pelo que está preenchida a primeira condição do facto base. Surge, porém, a divergência a propósito da segunda condição, respeitante à causa jurídica dos mesmos. Para a Requerente, a existência de contratos de mútuo assinados e a contabilização dos referidos valores em contas de “empréstimos a sócios” não deixam dúvidas de que na origem das transferências para a esfera patrimonial dos sócios estão esses contratos de mútuo, ficando, portanto, afastada a presunção, por não estarem verificados ou reunidos os respetivos pressupostos de aplicação. Assim na perspetiva da Requerente, a AT não logrou fazer a demonstração do facto base, alicerce constitutivo da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.

 

Concorda-se com a Requerente relativamente ao caráter não relevante dos argumentos relativos ao não pagamento do Imposto do Selo devido pelos contratos de mútuo, à inexistência de garantia das obrigações, e à não previsão de juros, por não se afigurarem passíveis de pôr em causa a existência e validade dos alegados “mútuos”.

 

No entanto, a análise contextual e circunstanciada do quadro factológico demonstra que:

  1. A Requerente foi constituída em 1996 e a sua atividade tem correspondido essencialmente aos serviços médicos de cirurgia oftalmológica prestados pelo seu sócio-gerente F... a uma clínica;
  2. Eram emitidas faturas em nome da Requerente pelos serviços prestados por F... a essa clínica, geradoras de centenas de milhares de euros de proveitos ou rendimentos anuais que nem sempre foram reconhecidos ou contabilizados como tal e cujos recebimentos não estão integralmente evidenciados nas contas bancárias da sociedade [Requerente];
  3. O sócio-gerente F... não recebia qualquer remuneração a título de trabalho dependente ou de membro de órgão social da Requerente. A cônjuge G..., também sócia-gerente, auferia um salário;
  4. A Requerente nunca distribuiu formalmente lucros aos seus sócios, praticando uma política de retenção de lucros, acumulando-os em “Outras Reservas” e “Resultados Transitados” ao longo dos vários anos de existência;
  5. Ao longo destes anos, a faturação dos serviços era efetuada pela Requerente, mas os cheques eram, passados em nome pessoal de F... e depositados nas suas contas bancárias particulares, apesar de esses valores serem registados na contabilidade da Requerente como estando depositados à sua ordem [da Requerente] numa conta do B..., quando na verdade tal não sucedia;
  6. Como justificação para tal procedimento o sócio F... invoca razões logísticas (e também desconhecimento da lei), não se percebendo bem quais poderiam estas ser, pois a logística do depósito de cheques não se afigura complexa, nem distinta pelo facto de ser efetuada numa conta da Requerente ou numa conta do sócio, a não ser que com “logística” se pretenda significar dispor de imediato dos fundos da Requerente, sem pelos mesmos pagar imposto, nem a título de rendimentos do trabalho, pois, como referido, este sócio não auferia remuneração como trabalhador ou membro dos órgãos sociais da Requerente, nem a título de distribuição de lucros, pois estes não eram objeto da respetiva deliberação e formalização. Prática que se antecipa pode ter sido bem sucedida durante quase duas décadas;
  7. Acresce a dissonância de o cliente a quem foram prestados os serviços receber sempre faturas em nome da sociedade aqui Requerente e emitir sistematicamente o respetivo meio de pagamento à ordem de outra entidade distinta [o sócio, pessoa individual], procedimento que não deixa de causar perplexidade;
  8. Apesar de o dinheiro da atividade realizada em nome da Requerente entrar diretamente nas contas bancárias do sócio, pelo que a Requerente não dispunha dos respetivos fundos / liquidez, do ponto de vista dos registos contabilísticos desta, tal situação gerou a acumulação de saldos elevadíssimos na conta de depósitos à ordem, em especial a conta # 121 Depósitos à Ordem/B... (porque assentava apenas na informalidade de circulação dos fluxos financeiros que não tinha reflexo formal), sem qualquer correspondência com os valores que efetivamente lá estavam depositados e sem que tenha sido feita a necessária reconciliação bancária pela contabilidade;
  9. A partir de um certo momento (2013) foi alterado o procedimento contabilístico e os saldos da conta #121 foram sendo regularizados “a posteriori” através da celebração de contratos de mútuo ou da assinatura de recibos de mútuo que, conforme afirmado pelo próprio sócio F..., “foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas da sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios(negrito nosso);
  10. Sobre a justificação da ata da Assembleia Geral n.º 34 da Requerente, de 31 de março de 2014, que autoriza a realização de empréstimos aos sócios F... e G..., o primeiro refere que se ficou a dever a uma “oportunidade de negócio” para a qual seria necessária uma “disponibilidade financeira imediata, mas que infelizmente não se concretizou”. Porém, apesar de não se ter concretizado tal oportunidade, a Requerente continuou a colocar à disposição dos sócios F... e G... uma parte substancial dos valores que eram gerados pela faturação efetuada em seu nome e que deviam dar entrada na sociedade, mas que na prática não davam. Pelo que, de acordo com essa justificação, ter-se-iam verificado várias oportunidades de negócio que sucessivamente não se concretizavam, o que, como é evidente, não convence;
  11. Os contratos de mútuo são de valor superior a € 25.000,00 euros não tendo sido celebrados por escritura pública, existindo alguns “recibos de mútuo” de valor inferior a € 25.000,00;
  12. Foram celebrados dois contratos de mútuo por escritura pública, outorgada em 22 de dezembro de 2015, no valor de € 300.000,00 cada, que, embora cumpram os requisitos de forma previstos no artigo 1143.º do Código Civil, não foram relevados na contabilidade da Requerente;
  13. Apesar de os contratos de mútuo referirem que os meios financeiros foram colocados à disposição dos sócios na data em que foram celebrados, não se constatam fluxos de saída das contas bancárias da Requerente que correspondam aos valores declarados mutuados aos sócios, nem sequer de forma aproximada;
  14. Aliás, as contas bancárias da Requerente eram apenas provisionadas dos meios estritamente necessários aos pagamentos/cumprimento das obrigações assumidas relativas às suas despesas gerais de funcionamento;
  15. Uma parte significativa dos lançamentos contabilísticos registados na conta # 121 Depósitos à Ordem/B... corresponde a meras regularizações contabilísticas do saldo bancário, não suportadas na entrada (influxos) dos recursos financeiros na esfera da sociedade (provenientes dos rendimentos da faturação da sociedade ou da restituição pelos sócios de valores mutuados), nem nas entregas efetivas (exfluxos) de recursos financeiros das contas bancárias da sociedade para os sócios, em 2014 e 2015, invocadas nos contratos e recibos de mútuo que suportam os alegados empréstimos da Requerente aos sócios contabilizados naqueles anos;
  16.  Existem alegados pagamentos (parciais) de mútuos à Requerente, designadamente no valor € 296.642,19, que se constata que mais não são do que proveitos da própria sociedade de uma fatura emitida em janeiro de 2015 (e não correspondentes a valores pertença do sócio que os estaria a restituir para amortização parcial das quantias alegadamente mutuadas pela Requerente). Aliás, esta fatura nem sequer tinham sido levada a contas de resultados, pelo que os rendimentos também não tinham sido dados à tributação em IRC. Adicionalmente, constatou-se que alegados vencimentos não recebidos pela sócia-gerente e que foram considerados como pagamento (parcial), por parte desta, de mútuos à Requerente, afinal tinham sido recebidos pela sócia-gerente, conforme evidencia a contabilidade, confirmada pelos extratos bancários da conta do B..., o que consubstancia uma indevida duplicação;
  17. Apesar de a Requerente ter sido notificada para apresentar comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos empréstimos aos sócios, nunca apresentou tais documentos comprovativos.

 

As circunstâncias factuais descritas permitem concluir com segurança que os “contratos de mútuo” e os “recibos de mútuo” que a partir de um dado momento (2013) passaram a ser celebrados ou emitidos não visavam a finalidade que lhes é própria, mas pura e simplesmente outra, a de dar cobertura formal a uma regularização continuada de saldos contabilísticos, derivados de uma prática, incorreta e sem suporte legal, de depósito direto das receitas que eram devidas à Requerente nas contas particulares do seu sócio-gerente F... . Os valores em causa nunca chegaram a dar entrada nas contas bancárias da Requerente. Estes factos e circunstâncias são consensuais e foram confirmados por declarações do próprio sócio-gerente F... . 

 

Por outro lado, o facto de tais importâncias, após as ditas regularizações contabilísticas, passarem a figurar em contas denominadas de “empréstimos a sócios” também não se mostra determinante. Como salientado pelo Acórdão do TCA Norte, de 7 de julho de 2016, no processo n.º 00446/11.9BEBRG, “deixar ao critério do sujeito passivo a «classificação» como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios.

É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afetado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de «lucros distribuídos» ou «adiantamentos por conta dos lucros».

Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respetivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efetuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respetiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.”

 

Acresce que, para além de as apropriações continuadas de fundos (pelos sócios) ocorridas no caso dos autos não serem passíveis de configurar verdadeiros mútuos, atentas as circunstâncias descritas, se o fossem estariam feridos de invalidade (nulidade), pois não se alcança que a Requerente tivesse capacidade para celebrar negócios jurídicos com essa configuração, atento o disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) que limita a capacidade das sociedades à prossecução do seu fim e interesse social (e não estritamente pessoal dos seus sócios), ponto que foi também assinalado no Relatório de Inspeção, embora sem referência ao artigo do Código.

 

Essa invalidade, sob a forma de nulidade, também deriva da violação da forma legalmente prescrita no artigo 1143.º do Código Civil, nos casos (a expressiva maioria) em que os valores em causa foram superiores a € 25.000,00, não podendo ser sanada por documento particular. Isto, sem prejuízo de o contribuinte se poder fazer valer de outros meios de prova para demonstrar a verdadeira existência de empréstimos o que, no entanto, não fez. Pelo contrário, as declarações do sócio-gerente da Requerente foram claras na confirmação do facto-base da presunção, pois afirmou que o que estava em causa eram regularizações dos lançamentos contabilísticos que, acrescentamos o implícito, estavam em divergência com a realidade.

 

Neste sentido, acompanhamos o entendimento das decisões arbitrais n.ºs 130/2012-T, de 14 de junho de 2013, e 131/2012-T, de 25 de junho de 2013 e ainda a declaração de voto no processo n.º 165/2013-T, de 6 de janeiro de 2014, segundo o qual o princípio da legalidade impõe que nestes casos se faça atuar a presunção que determina que a disponibilização de fundos se presume feita a título de lucros ou adiantamento de lucros.

 

Assim, confirma-se que a AT demonstrou os pressupostos de aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, dado que para além de terem sido efetuados lançamentos nas contas correntes dos sócios, estes não têm uma causa jurídica que a afaste, pois não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

 

2.4. Sobre a Alegada Recaracterização de Rendimentos e Ilegal Aplicação da Norma Geral Anti-Abuso Constante do Artigo 38.º, n.º 2 da LGT

 

            Não é de acompanhar o entendimento da Requerente de que a aplicação da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS consubstanciaria uma aplicação encapotada da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

 

Interessa relembrar que esta cláusula geral parte do princípio da plena validade dos atos ou negócios jurídicos, funcionando como última ratio nas situações em que os sujeitos passivos conseguem habilmente contornar a previsão normativa de forma a que o seu espírito resulta violado e são alcançados resultados não intencionados – anti-jurídicos e anti-sistemáticos – por recurso a meios ou processos pelo menos aparentemente lícitos. 

 

            A tributação dos rendimentos na situação sub iudice não resulta, explícita ou implicitamente, de uma recaracterização de rendimentos ou da estatuição da cláusula geral abuso. Decorre, tão-só de uma norma de incidência direta (artigo 5.º do Código do IRS) que assenta numa presunção legal que preenche a sua hipótese normativa de sujeição (artigo 6.º do Código do IRS), não estando naturalmente o aplicador do direito vinculado ao enquadramento tributário preconizado pelo contribuinte, nem para tal tem de invocar a aplicação de uma cláusula anti-abuso, geral ou específica, bastando-lhe o preenchimento dos pressupostos legais[2].

 

            Por esta razão, resultam prejudicados os vícios invocados cuja razão de ser se prenda com esta argumentação hipotética, inaplicável à situação vertente.

 

2.5. Da Pretensa Ilegalidade da Substituição Tributária (Retenção na Fonte) da Requerente

 

            Tendo ficado assente a natureza de rendimentos de capitais colocados pela Requerente à disposição dos seus sócios, são aplicáveis as normas gerais de liquidação e cobrança do imposto (IRS) incidente sobre rendimentos de capitais, independentemente de a qualificação dos rendimentos se ter alcançado por comprovação direta ou por juízo presuntivo alicerçado em dados da experiência comum que o legislador tomou por adequados como índices de capacidade contributiva.

 

            Neste domínio, como bem refere a AT, a distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, aplicável à data, em sede de IRS, conforme prescreve o artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do Código deste imposto (atual alínea a)), incumbindo às entidades devedoras dos rendimentos proceder à retenção do correspondente imposto devido, nos termos do artigo 101.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRS que, conforme indicado no artigo 98.º, n.º 3 do mesmo diploma, deve ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.

 

            É correta a afirmação da Requerente de que a retenção na fonte é sujeita ao princípio da legalidade, mas não procede a sua arguição de que os rendimentos não poderiam ser tributados na sua esfera por falta de norma de incidência objetiva. Esta incidência está legalmente prevista nas normas supra indicadas e abrange a definição do dever acessório de retenção que, por determinação legal, impende sobre o devedor dos rendimentos, i.e., a Requerente, tratando-se de retenção a título definitivo a que se aplica o seu regime próprio (cf. artigo 71.º do Código do IRS). 

 

            À face do exposto, não se constata a alegada violação do princípio da legalidade. Esta violação decorreria sim da não aplicação do regime descrito.

 

            De igual modo, não se considera violado o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança pois não só o regime tributário aplicado resulta de normas legais vigentes e consolidadas na ordem jurídica, como a Requerente não é um “terceiro”, no sentido de “alheio”, relativamente às circunstâncias em que ocorreu a apropriação pelos sócios dos montantes de receitas de faturação que lhe pertenciam e que se encontravam incorretamente refletidas na sua contabilidade, nem as podia ignorar.

 

            Nestes termos, não procedem os alegados vícios de violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, nem os da proporcionalidade e da capacidade contributiva, não se alcançando, quanto a estes últimos, os concretos fundamentos em que a Requerente sustenta a sua alegação.

 

2.6. Do Alegado Erro sobre os Pressupostos de Facto – Errónea Quantificação

 

            Como referido pela AT, perante a falta de colaboração da Requerente que, apesar de notificada para o efeito, não procedeu à junção de documentos comprovativos dos fluxos financeiros, respetivas datas e valores, tomou-se em consideração para efeitos de determinação do quando e do quantum da tributação dos rendimentos de capitais os elementos expressos pela contabilidade daquela.

 

            Assim, quanto ao momento da tributação, alicerçada no artigo 7.º do Código do IRS, a AT entendeu, e bem, que a distribuição dos adiantamentos por conta de lucros ocorreram no momento em que, de uma forma objetiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito da conta de “depósitos à ordem” por débito das contas dos sócios.

 

            Relativamente aos montantes sujeitos a tributação, foram considerados aqueles que de acordo com a contabilidade da Requerente foram por esta colocados à disposição dos sócios, conforme relevam as contas da contabilidade da sociedade, embora denominadas como se de empréstimos aos sócios se tratassem.

 

            Afigura-se insubsistente a alegação de que a AT não poderia ter em conta os valores que a Requerente declarou na sua contabilidade que em parte tinham por objetivo a regularização de situações pretéritas incorretas. Este entendimento deriva não só da força probatória das declarações do contribuinte (artigo 75.º da LGT) como da ilegitimidade de a Requerente vir esgrimir um argumento quando, em momento próprio, se escusou a contribuir para o esclarecimento dos valores e datas dos fluxos financeiros apesar de notificada para o efeito, violando o seu dever de colaboração.

 

Para além de que, vindo agora questionar incompreensivelmente o facto de a AT ter em conta a sua contabilidade, não apresenta qualquer alternativa de quantificação, nem demonstra erro por parte daquela.

 

            Conclui-se, em face do exposto, atento o quadro fático traçado e as normas legais citadas, que as correções realizadas são devidas, não se encontrando os atos tributários de liquidação de retenções na fonte de IRS inquinados dos vícios suscitados pela Requerente, pelo que se devem manter. 

 

2.7. Atos de liquidação de juros compensatórios

 

            Os juros compensatórios integram a relação jurídica tributária e constituem um acessório desta, dispondo o artigo 35.º, n.º 1 da LGT que os mesmos são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” (vide também o artigo 30.º, n.º 1, alínea d) da LGT).

 

            Na situação sub iudice, os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de retenções na fonte de IRS, cuja validade, pelas razões expostas, se confirma, mantendo-se os respetivos atos tributários. A conduta da Requerente, que não procedeu dentro do prazo legal, à retenção na fonte que se impunha, padece de ilicitude e merece censura, pois as circunstâncias em que a mesma se verificou são-lhe imputáveis e tiveram a sua participação ativa. Com efeito, convém recordar que foi a Requerente que disponibilizou os valores em causa aos seus sócios e foi na sua esfera que foram praticadas as irregularidades contabilístico-financeiras ao longo dos anos.

 

            Não tendo sido suscitados outros vícios autónomos por referência aos atos de liquidação dos juros compensatórios, improcede a pretensão da sua invalidade, por parte da Requerente, encontrando-se reunidos os pressupostos da respetiva liquidação, nos termos do mencionado artigo 35.º da LGT.

 

            2.8. Juros indemnizatórios 

 

            O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

            Os atos de liquidação de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios objeto desta ação não enfermam dos vícios, de ordem formal e material, suscitados pela Requerente, pelo que não se verifica o pressuposto de verificação necessária relativo ao “erro imputável aos serviços”.

 

            Nestes termos, não estão reunidas as condições ou requisitos legais constitutivos do direito a juros indemnizatórios, nos termos do preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, pelo que também improcede neste segmento o pedido da Requerente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

 

  1.  Decisão

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em decidir pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a manutenção dos atos tributários de liquidação de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios acima identificados, no valor global de € 309.342,43, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

 

* * *

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 309.342,43 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 5.508,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 2 de janeiro de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 

Miguel Luís Cortês Pinto de Melo

 

 



[1] Expressão retirada da obra de José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos – Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, 2004.

[2] Aliás se algum enquadramento alternativo fosse de equacionar seria, atentos os contornos da situação, o de operações simuladas e não o da cláusula geral anti-abuso.