Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 655/2018-T
Data da decisão: 2019-06-18  IRC  
Valor do pedido: € 634.397,82
Tema: IRC - Tributação autónoma - Benefícios fiscais - Pagamento especial por conta.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

 

                1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede no..., ..., ... ... - ... ...,  sociedade dominante Grupo Fiscal B..., sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa deduzido contra o acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2010, no montante de € 634.397,82, na parte em que não admite a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e dos pagamentos especiais por conta (PEC), requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

                Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

                A Requerente é a sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., que se encontra sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e segs. do Código do IRC, e, nessa qualidade, apresentou a declaração agregada de IRC (modelo 22) referente ao ano de 2010, tendo procedido à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano no montante de € 694.826,54.

 

                Na autoliquidação ficou impedida de deduzir os montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do sistema de incentivos fiscais designados como SIFIDE, que ascendiam a € 278.652,75, bem como os montantes acumulados de PEC que ascendiam a € 355.745,07, e que correspondiam a créditos fiscais em montante superior à colecta das tributações autónomas.

 

                A Requerente dispunha ainda dos requisitos necessários para deduzir os benefícios fiscais, na medida em que o lucro tributável não foi apurado através de métodos indirectos e a sua situação fiscal e contributiva encontrava-se regularizada.

 

                Acresce que a colecta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC compreende a colecta das tributações autónomas em IRC, estando sujeita, como tal, ao modo de apuramento previsto no artigo 90.º desse Código, pelo que havia que efectuar, em relação ao montante apurado, as deduções relativas aos benefícios fiscais e ao pagamento especial por conta nos termos das alínea b) e c) do n.º 2 desse preceito, na redacção então vigente.

 

Do mesmo modo, a Requerente poderá deduzir à colecta do IRC resultante das tributações autónomas os montantes desembolsados a título de pagamentos especiais por conta por se tratar de créditos fiscais que poderão permitir a compensação do imposto devido.

 

Não sendo relevante o estipulado no n.º 12 do artigo 88.º do CIRC que apenas permite que o imposto retido na fonte seja deduzido à parte da colecta em IRC produzida pelo n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

 

A Requerente refere ainda que a norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, tem natureza inovadora, apesar da sua qualificação expressa como norma interpretativa, tornando-se inaplicável à situação dos autos por efeito do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal e por violação do princípio da separação de poderes e interdependência dos órgãos de soberania e o princípio da independência do poder judicial.

 

E caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação de tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efectivação, atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

Pede em consequência a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, bem como da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2010, por vício de violação de lei, na medida em que veda a dedução dos benefícios fiscais e dos pagamentos especiais por conta à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma, e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da liquidação de tributações autónomas por ausência de base legal.

 

 A Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a excepção da incompetência do tribunal para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, por considerar que a vinculação à jurisdição arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, se encontra circunscrita à “declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Em matéria de impugnação, a Requerida sustenta que a inclusão das tributações autónomas no Código de IRC, pela sua natureza e finalidade, tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias desse imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência, conferindo uma natureza dualista ao sistema normativo do imposto que se corporiza no apuramento separado das respectivas colectas de acordo com diferentes regras.

 

Havendo assim lugar a dois cálculos distintos, que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, são efectuados com base na aplicação de diferentes taxas às respectivas matérias colectáveis que são determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

 

A liquidação do IRC opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada nos termos do capítulo III do Código, ao passo que em relação à liquidação da tributação autónoma são apuradas diversas colectas de acordo com as taxas previstas no artigo 87.º, resultantes do disposto nos artigos 88.º e 89.º, consoante a diversidade dos factos que originam a liquidação da tributação autónoma, não podendo, por conseguinte, falar-se num sistema unitário de tributação em IRC.

 

E nesse sentido o “montante apurado nos termos do número anterior”, a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, deve entender-se como abrangendo o somatório do montante de IRC apurado de acordo com as regras do capítulo III do Código por aplicação das taxas previstas no artigo 87.º e do montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º

 

De outro modo, a dedução de benefícios fiscais à colecta resultante da tributação autónoma teria um efeito contraditório, permitindo que a concretização de objectivos de incentivo fiscal viesse a eliminar a tributação autónoma em relação a despesas que o legislador pretende desincentivar.

 

Do mesmo modo, para a base do cálculo dos pagamentos por conta, definida no artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, apenas é considerado o IRC apurado pela matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º, que se identifica com o lucro/rendimento do sujeito passivo.

 

Sendo que a natureza jurídica do pagamento especial por conta, como instrumento ou garantia do pagamento do tributo com uma função associada ao combate à evasão e fraude fiscal, exclui que as quantias entregues a esse título possam ser afectas à extinção da dívida resultante das tributações autónomas.

 

Acrescenta que qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016 que aditou o n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, do princípio da separação dos poderes, do princípio da protecção da confiança e do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva.

 

Conclui no sentido da procedência da excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral e da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal.

Em alegações, a Requerente respondeu à matéria de excepção e desenvolveu a argumentação exposta no pedido arbitral. A Autoridade Tributária, por considerar inexistirem novos factos, reiterou a sua anterior posição.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28 de fevereiro de 2019.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e foi suscitada a excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:

               

a) O “Grupo Fiscal B...” composto pela C..., S.A. (actualmente designada D..., S.A.), E..., S.A., F..., S.A., G..., S.A. (actualmente designada H..., S.A., I..., S.A. (actualmente designada J..., S.A.), K..., S.A., encontra-se sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);

b) Na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente apresentou uma declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2010, procedendo à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano no montante global de € 694.826,54;

 

c) O sistema informático não permitiu a dedução à colecta de IRC dos montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), com referência ao exercício fiscal de 2010, no valor de € 278.652,75, bem como os montantes acumulados de pagamentos especiais por conta, no valor de € 424.306,00;

 

                d) A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa relativamente à autoliquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2010, que foi objecto de indeferimento, por despacho de 20 de Setembro de 2018 da Subdirectora-Geral, ao abrigo de subdelegação de competência;

                e) A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa baseou-se na não dedutibilidade de quaisquer montantes à colecta produzida pelas tributações autónomas por ser contrário ao espírito do sistema que, por força das deduções a que se refere o artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRS, se eliminasse o carácter anti-abusivo que presidiu à implementação dessas tributações.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

 

                Matéria de direito

                Incompetência do tribunal arbitral

 

5. A Autoridade Tributária suscita a questão da incompetência material do tribunal arbitral por considerar que se encontram excluídas do âmbito da arbitragem tributária as decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

 

Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com excepção das relativas à “declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No entender da Requerida, o recurso à via administrativa a que se refere a norma regulamentar apenas abrange qualquer dos meios de impugnação administrativa que se encontram especificamente previstos nas mencionadas disposições do CPPT, a que não poderão equiparar-se os procedimentos de revisão oficiosa. E, nesse sentido, referindo-se a falada norma do artigo 131.º do CPPT à impugnação administrativa necessária de actos de autoliquidação, sob a forma de reclamação graciosa, não se encontra abrangida pela arbitragem tributária a apreciação de litígio que resulta do indeferimento parcial de um pedido de revisão oficiosa.

 

A Autoridade Tributária qualifica ainda como inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, bem como do direito de acesso à justiça e da legalidade, como corolário o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, uma interpretação extensiva que amplie a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral para além dos casos legalmente previstos.

 

A questão em análise foi já dirimida em sentido negativo por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, o acórdão de 22 de fevereiro de 2016, Processo n.º 617/2015-T), que veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do Tribunal Central Administrativo do Sul (Processo n.º 08599/17), e não há motivo para alterar esse entendimento.

 

Segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras pretensões, a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a), ainda que a lei faça depender a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos (artigo 4.º, n.º 1).

 

Esta última disposição veio a ser regulamentada pela Portaria n.º 112-A/2011 que, no seu artigo 2.º, define como objeto da vinculação a apreciação das pretensões referidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, com excepção - na parte que agora interessa considerar - das “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

As mencionadas disposições dos artigos 131.º a 133.º do CPPT pretendem identificar as situações em que, em matéria de autoliquidação, substituição tributária e pagamentos por conta, há lugar à impugnação administrativa necessária. No caso de erro na autoliquidação, o artigo 131.º especifica que a impugnação judicial “será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração”. Essa disposição, como todas as demais para que remete a Portaria n.º 112-A/2011, tem o sentido inequívoco de  tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e está em plena consonância com o princípio expresso no artigo 185.º do CPA, segundo o qual as reclamações e recursos administrativos são necessários ou facultativos, conforme dependa ou não da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido (n.º 1). O mesmo preceito esclarece que as reclamações e recursos têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários (n.º 2).

 

Como tudo leva a concluir, a reclamação graciosa necessária prevista nas citadas disposições do CPPT constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa do acto tributário, caracterizando-se como pressuposto processual atípico, que, como tal, se torna aplicável independentemente de a impugnação jurisdicional vir a ser deduzida perante um tribunal arbitral ou um tribunal estadual.

 

Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do acto impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial. Assim se compreendendo que a impugnação administrativa necessária suspenda automaticamente os efeitos do ato (artigo 189.º, n.º 1, do CPA) e que a sua utilização constitua, para o particular, um ónus processual de que depende a garantia de acesso à via contenciosa.

 

É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

 

O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do acto tributário, e que pode desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.

 

Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o acto tributário com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.

 

Como se deixou esclarecido, a previsão do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 não tem em vista restringir a arbitragem tributária às situações específicas em que tenha havido lugar à reclamação graciosa do ato tributário. O que se pretende é impedir que o recurso ao tribunal arbitral possa vir a ocorrer quando não se encontre verificado o pressuposto processual da impugnação administrativa prévia, quando esta seja exigível, e evitar, portanto, que a pretensão seja deduzida perante a jurisdição arbitral ainda antes de uma tomada de posição definitiva pela Administração.

 

Mas, como vimos, esse não é um condicionalismo específico da arbitralidade dos litígios em matéria tributária, mas um requisito processual atinente à própria providência judiciária, significando que não é possível deduzir um pedido de impugnação jurisdicional contra o acto de autoliquidação, em qualquer jurisdição, antes de se encontrar preenchido esse pressuposto.

 

Em todo este contexto, torna-se claro que não há qualquer obstáculo à sujeição de um litígio tributário à arbitragem quando a Administração tenha podido pronunciar-se, num procedimento de segundo grau, sobre a matéria da impugnação jurisdicional.

 

                E nesse sentido aponta também o disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que não há lugar a reclamação prévia quando a questão constitua “exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária”, evidenciando que a submissão de um litígio a um tribunal não depende de impugnação administrativa necessária quando tiver havido já uma pronúncia definitiva sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação, ainda que essa pronúncia se traduza na mera emissão de instruções genéricas.

 

A Autoridade Tributária suscita ainda a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, quando interpretada de modo a ampliar o âmbito de vinculação da Administração à jurisdição arbitral para além dos casos legalmente previstos, imputando-lhe a violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, bem como do direito de acesso à justiça e da legalidade, como corolário o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

 

A invocada violação dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes e do direito de acesso à justiça e da legalidade, por referência aos artigos 2.º, 20.º, 202.º, 203.º e 266.º, n.º 3, da Constituição, sem qualquer outro desenvolvimento ou explicitação, faz supor que a Requerida entende a sujeição de um litígio a um tribunal arbitral, fora dos casos legalmente tipificados, como correspondendo à violação de reserva de jurisdição, com a consequente descaracterização da própria actividade jurisdicional do tribunal arbitral.

 

Importa começar por fazer notar, a esse propósito, que a Constituição, no seu artigo 202.º, a instituiu uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais, podendo aí distinguir-se entre a reserva absoluta de jurisdição, constituída por aquelas situações que são substancialmente jurisdicionais e não poderão ser dirimidas por órgãos administrativos ou entidades não judiciais, e a reserva relativa de jurisdição, integrada por aquelas outras situações em que a garantia de justiça se basta com a possibilidade de um reexame judicial através de uma via de impugnação ou recurso para os tribunais.

Como o Tribunal Constitucional tem sublinhado, a existência de uma reserva de jurisdição é ainda o corolário da aplicação dos princípios da separação e interdependência de poderes: sendo a competência dos órgãos de soberania definida na Constituição e devendo estes observar a separação e a interdependência nela estabelecidas (artigos 110.°, n.º 2, e 111.0, n.º 1), haverá de concluir-se que a atribuição constitucional de determinada competência a um certo órgão de soberania exclui a possibilidade de ela poder vir a ser legalmente atribuída a qualquer outro, salvo explícita ou implícita autorização constitucional (acórdão n.º 71/84).

 

Ora, os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais expressamente consagrada na Constituição (artigo 209.º, n.º 2), e, como tem sido reconhecido pela jurisprudência constitucional, ainda que não sejam órgãos estaduais nem se enquadrem na definição de órgãos de soberania, “nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais” (acórdãos n.ºs 230/86, 52/92 e 250/96). E enquanto categoria de tribunais constitucionalmente consagrada, eles estão sujeitos aos mesmos limites que impendem sobre os tribunais estaduais, as suas decisões têm natureza jurisdicional, e os árbitros estão submetidos a um estatuto similar ao dos tribunais judiciais, sendo-lhes aplicáveis as exigências constitucionais de independência e imparcialidade como forma de assegurar a confiança na jurisdição arbitral.

 

Por outro lado, como tem sido afirmado repetidamente, o recurso à arbitragem constitui um direito fundamental, que, como tal, se encontra coberto pelo disposto no artigo 20.º da Constituição, e a possibilidade de resolução de litígios através de um tribunal arbitral escolhido pelas partes é ela própria uma concretização da garantia de acesso ao direito e aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (cfr. FAUSTO QUADROS, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada: breve nótula sobre a interpretação do artigo 182.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. II, Coimbra, 2012 pág. 258, e RUI MEDEIROS, “Arbitragem necessária e Constituição, in Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, pág.1318, e, em idênticos termos, os acórdãos TC n.ºs 250/96 e 506/96).

 

E, nesse plano, não há motivo para estabelecer qualquer diferenciação em relação à arbitragem necessária, visto que a Constituição, ao reconhecer a possibilidade de existência tribunais arbitrais, não distingue entre tribunais arbitrais voluntários e necessários, legitimando o entendimento de que esses tribunais poderão ser constituídos pelos cidadãos no exercício da autonomia de vontade, como também podem ser criados pelo próprio legislador para o julgamento de uma determinada categoria de litígios, como meio de impor aos cidadãos o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos (acórdãos n.°s 52/92, 757/95 e 262/98).

 

                 Acresce que, como decorrência do princípio geral de direito que resulta do artigo 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção da arbitragem ou a sua aplicabilidade ao caso concreto, sendo que a decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência está apenas sujeita ao controlo dos tribunais estaduais por via do pedido de impugnação (cfr. artigo 18.º, n.º 9, da LAV). E esse mesmo princípio, não pode deixar de ser aplicado mesmo nos casos em que o elenco de matérias sobre as quais o tribunal arbitral se pode pronunciar se encontra legalmente definido, como é o caso da arbitragem tributária.

 

A impugnação pode ter também como fundamento a incompetência do tribunal arbitral, com base em pronúncia indevida, quando a sentença arbitral se tenha pronunciado sobre litígios que não sejam passíveis de arbitragem à face da lei (neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, que julgou inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.° do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de "pronúncia indevida" não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento em incompetência do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.° e 209.°, n.º 2, da Constituição).

 

Como é de concluir, o tribunal arbitral, quando decide sobre a sua competência para apreciar um litígio que lhe é submetido, está ainda exercer a sua função jurisdicional. E se o tribunal entende que é competente para apreciar a questão com base numa certa interpretação de uma disposição legal – no caso a disposição do artigo 131.º do CPPT -, essa interpretação, ainda que susceptível de ser impugnada perante um tribunal estadual por via de um pedido anulatório, não viola qualquer dos princípios constitucionais que são invocados pela Requerente.

 

                Dedução do benefício fiscal à colecta da tributação autónoma

 

                6. A questão a decidir é a de saber se há lugar em sede de IRC à dedução à  colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE).

 

                Esta questão tem vindo a ser decidida pela jurisprudência arbitral maioritária em sentido positivo, utilizando como principal argumento o modo de liquidação de IRC mesmo quando esteja em causa a tributação autónoma. A colecta proporcionada pela tributação autónoma – afirma-se – constitui colecta de IRC e a  dedução dos benefícios fiscais é efectuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, o que leva a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta do falado artigo 90.º, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respectiva matéria colectável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a colecta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

                Em todo o caso, a análise da questão justifica uma mais precisa caracterização das chamadas tributações autónomas, na linha do que se decidiu, entre outros, nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 641/2017-T, 7/2018-T e 492/2018-T, que aqui se seguirá de perto.

 

                Deve começar por dizer-se que a tributação autónoma constitui  a principal excepção à tributação do rendimento segundo o princípio do rendimento líquido ou rendimento real, pelo qual o rendimento das pessoas singulares é apurado depois de deduzidas as despesas feitas para a sua obtenção e a tributação das sociedades é determinada de acordo com o lucro apurado pela contabilidade (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 406).

 

Como tem sido frequentemente assinalado, a tributação autónoma começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação.

 

Com a Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500. Entretanto, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, aditou um n.º 14 ao artigo 88.º, prevendo a elevação das taxas de tributação autónoma previstas nesse artigo em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.  

 

A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, ob. cit., pág. 407).

 

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

No entanto, através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”. Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.

 

Neste contexto, analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, subscreveu o seguinte entendimento.

 

“(…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.

 

Em idêntico sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012 chamou a atenção para a natureza materialmente distinta da tributação autónoma em relação ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que essa imposição fiscal se encontre formalmente inserida no Código de IRC.

 

A esse propósito, esse aresto sublinhou:

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.

Entende-se, nos termos acabados de expor, que a base de incidência da tributação autónoma se não traduz num rendimento líquido, mas num custo dedutível transformado excepcionalmente em objecto de tributação, correspondendo a uma sanção legal que se destina a reduzir a vantagem fiscal que poderia resultar de despesas injustificadas ou excessivas. E, neste enquadramento, seria inteiramente contrário à unidade do sistema jurídico que os benefícios fiscais a atribuir aos contribuintes em sede de IRC venham a ser deduzidos à colecta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma.

Como se assinalou, as taxas de tributação autónoma tem a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial. Além disso, o sistema normativo do imposto tem uma natureza dualista na medida em que integra, de um lado, a matéria colectável baseada no lucro tributável, e, de outro lado, a matéria colectável resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma incidente sobre certo tipo de despesas.

Ainda que a liquidação do imposto seja efectuada de forma agregada, com base nessas duas diferentes componentes, não faz sentido que as deduções gerais a efectuar relativamente ao montante apurado de imposto incidam sobre a colecta devida pela aplicação das taxas de tributação autónoma. De facto, as deduções à colecta constituem uma das formas de dar corpo ao princípio da capacidade da contributiva que tem como um dos seus corolários a tributação segundo o rendimento real. Tratando-se de impostos sobre o rendimento, as deduções objectivas a contemplar são as correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento e que se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos, havendo de entender-se, no caso das actividades empresariais, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 299).

Certo é que a lei admite ainda deduções ao lucro tributável e, entre elas, as relativas a benefícios fiscais (artigo 90.º, n.º 2, alínea c)). Não tem cabimento, no entanto, que essas deduções possam ocorrer em relação à colecta da tributação autónoma.

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efectuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afectam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa.  

Admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.

Pela sua própria natureza, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, correspondendo a situações em que o legislador fiscal desagrava, por razões técnicas ou de política fiscal, certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). O benefício fiscal é considerado, por outro lado, como uma despesa fiscal na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.

 

Não faz qualquer sentido, neste condicionalismo, que as deduções à colecta do imposto que resultem de benefícios fiscais incidam não apenas sobre o lucro tributável, mas sobre despesas que o legislador pretendeu tributar por razões de transparência fiscal. O que conduziria a permitir que o benefício fiscal fosse utilizado para frustrar o objectivo que se pretende atingir com a tributação autónoma que é justamente o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

 

                Dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas

 

                7. Baseando-se essencialmente na mesma ordem de considerações, a Requerente sustenta ainda a ilegalidade da autoliquidação do imposto na parte em que não admite a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas. O pagamento especial por conta constitui – segundo afirma – um adiantamento por conta do imposto devido pelo que não pode deixar de deduzido à colecta do IRC, incluindo a resultante das tributações autónomas, através da compensação dos créditos fiscais que tais pagamentos antecipados representam.

 

                Também neste caso interessa começar por caracterizar a figura do pagamento especial por conta, seguindo a orientação consolidada da jurisprudência arbitral.

 

                O pagamento especial por conta foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março, mediante o aditamento do artigo 83.º-A ao CIRC, mostrando-se justificado através da respectiva nota preambular como uma medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” entendidas como “manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais” e das quais “resulta uma injusta repartição da carga tributária”.

 

                A provisoriedade do pagamento do imposto residia na possibilidade de deduzir as quantias pagas como pagamento especial por conta ao IRC, apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente, embora essa dedução só fosse possível se, apesar dessa operação, o valor do imposto a pagar fosse positivo (artigo 71º, n.º 6, do CIRC/1998).

 

Não havendo imposto a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (artigo 74º-A, n.º 1) ou reembolsado mais tarde (artigo 74º-A, n.º 2). Procurava-se garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (artigo 83º-A).

No fundo, ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta se assim não fosse.

A reforma do IRC operada em 2000-2001, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, reduziu o carácter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em actividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (artigo 74º-A, n.º 1, do CIRC/2001).

Desta norma restritiva resulta, pela primeira vez, a possibilidade do PEC se transformar em colecta mínima quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por se esgotar o período de reporte (neste sentido, TERESA GIL, “Pagamento Especial por Conta”, Revista Fisco, Ano XIV (Março 2003) n.º 107-108, pág. 12).

Em síntese, é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha motivado a introdução do PEC. Contudo, apesar de nessa ocasião já subsistirem as tributações autónomas não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.

A terceira configuração do PEC foi introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que no seu artigo 27.º estabeleceu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87.º, n.º 3, do CIRC, repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de PEC e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o carácter de medida de combate da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de colecta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.

A ulterior evolução legislativa – ainda que não já aplicável à situação em presença – não alterou a caracterização típica do pagamento especial por conta.

Referindo-se ainda ao pagamento especial por conta, o artigo 93.º, na redacção vigente à data dos factos, esclarece que a “dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 4.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 [pretendendo-se referir à dupla tributação internacional e ao pagamento especial por conta] e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º”

Isto é, a dedução relativa ao pagamento especial por conta – tal como a dedução relativa a benefícios fiscais – é efectuada sobre o montante de IRC apurado nos termos desse artigo 90.º, tendo por base a declaração de rendimentos do sujeito passivo. E, por outro lado, as deduções relativas ao pagamento especial por conta apenas são consideradas após as deduções correspondentes à dupla tributação jurídica internacional e aos benefícios fiscais, e, em qualquer caso, delas não pode resultar um resultado negativo, sendo essa a ressalva que justamente resulta do n.º 7 do artigo 90.º do CIRC.

Como se vê, o pagamento especial por conta mantinha a sua função anti-abusiva. Não só a dedução é efectuada subsidiariamente, como também só é considerada – depois de descontadas outras deduções - até ao limite da colecta de IRC apurada no período de tributação, implicando que as deduções possam ocorrer até aos quatro exercícios económicos seguintes.

Em última análise, o pagamento especial por conta pode não ser reembolsado ou porque o sujeito passivo demonstra resultados fiscais negativos ou porque apresenta sucessivamente resultados insuficientes para absorver a dedução, isto porque – como foi dito – a dedução não pode dispensar o contribuinte de um pagamento de imposto que, no mínimo, se consubstancia no próprio pagamento especial por conta.

8. Como é sabido, os pagamentos por conta correspondem a um mecanismo de antecipação do imposto que venha a ser devido a final, permitindo aproximar o momento da percepção dos rendimentos do momento do pagamento do imposto e evitar a vantagem financeira que resultaria para o sujeito passivo se o pagamento apenas ocorresse após o encerramento do exercício económico. E independentemente de procederem aos pagamentos por conta ao longo do ano a que o imposto respeita, que constitui o modelo comum de pagamento, o contribuinte está ainda sujeito ao pagamento especial por conta no montante  correspondente a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com um limite mínimo de €1000 e um limite máximo de €70000, de acordo com as regras do n.º 2 do artigo 106.º

Ainda que os pagamentos por conta correspondam a uma técnica tributária de antecipação de receita fiscal, importa ter presente - conforme já se expôs – a finalidade     específica do pagamento especial por conta como um meio de evitar a evasão fiscal e garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade.

Esse propósito foi assinalado no acórdão do Tribunal n.º 494/2009, onde se consignou:

 

Não obstante essa matriz genérica, uma leitura do regime jurídico do PEC que esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta – ou seja, primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa "anestesia" fiscal –, antes estando indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais.

 

Nesse mesmo sentido, aponta a doutrina que nesse aresto surge amplamente referenciada: TERESA GIL, “Pagamento especial por conta”, Fisco, n.º 107-108, Ano XIV, Março, 2003, pág. 11; LUÍS MARQUES, “O pagamento especial por conta no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, Fisco, n.º 107-108, Ano XIV, Março, 2003, pág. 3; JOSÉ JOÃO DE AVILLEZ OGANDO, “A constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta”, Revista da Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, pp. 806 e ainda 821); SALDANHA SANCHES/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional, Revista de Direito e Gestão Fiscal, Julho, 2003, pág. 10.

 

A questão que se coloca, em todo este contexto, é a de saber se os pagamentos especiais por conta poderão ser deduzidos na colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas, em aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC.

 

E a resposta afigura-se não poder ser diversa da considerada relativamente à dedução de benefícios fiscais.

 

Com efeito, o método de apuramento do IRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário, ao passo que a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que a operação de liquidação se traduz apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma.

 

Como impressivamente se declara no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, “contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação”.

 

Além de que a tributação autónoma, que começou por ser contemplada avulsamente em legislação extravagante (Decreto-Lei n.º 192/90) e veio depois a ser integrada no IRC por razões de praticabilidade fiscal (Lei n.º 30-G/2000, que aditou o artigo 69.º-A ao CIRC), constitui, ela própria, uma medida anti-abusiva no ponto em que visa incentivar as empresas a reduzir despesas que não tenham racionalidade económica e que possam favorecer a evasão e a fraude fiscal.

 

E, por outro lado, a introdução do pagamento especial por conta através do Decreto-Lei n.º 44/98, que aditou o artigo 83.º-A ao CIRC, teve o efeito paralelo de evitar “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou empolamento de custos”, sujeitando as empresas a uma colecta  mínima e limitando a possibilidade de reembolsarem o pagamento antecipado de impostos por via da apresentação de resultados fiscais negativos ou insuficientes.

 

  E, como se ponderou na decisão arbitral proferida no Processo n.º 113/2015, seguida por diversa outra jurisprudência arbitral (entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 535/2015, 504/2016 e 704/2016), admitir a dedução dos pagamentos especiais por conta à colecta da tributação autónoma correspondia a frustar a ratio legis que inspirou o legislador a fixar esse regime jurídico particular, permitindo que as quantias entregues à Fazenda Pública a esse título, para assegurar a angariação de uma colecta mínima, fossem afectas à extinção da dívida fiscal resultante da tributação autónoma, neutralizando o propósito legislativo que está subjacente à introdução do novo mecanismo do pagamento especial por conta.

 

                E – acrescenta-se agora – essa possibilidade teria também o efeito negativo de anular os interesses de política fiscal que presidiram à criação da tributação autónoma, que – como se viu – teve em vista reduzir a vantagem fiscal que o sujeito passivo poderia obter através de gastos excessivos ou desprovidos de racionalidade económica. Isto é, o contribuinte poderia fazer extinguir a sanção legal que a tributação autónoma representa afectando à satisfação da obrigação tributária daí resultante os pagamentos especiais por conta que era suposto integrarem o montante de imposto apurado sobre o lucro tributável.

 

                Justifica-se, por isso, uma interpretação restritiva das normas dos artigos 90.º, n.º 2, alínea c), e 93.º, n.º 1, do CIRC de modo a considerar que as deduções relativas ao pagamento especial por conta incidem sobre o montante de imposto directamente apurado sobre o rendimento declarado, com a exclusão dos custos que sejam objecto de tributação autónoma.

 

                9. A Requerente alude ainda à natureza inovadora da norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com a consequente inaplicabilidade à situação dos autos por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

                A referida norma veio estabelecer que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. E o subsequente artigo 135.º da mesma Lei confere à citada disposição do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC natureza interpretativa.

 

                A invocação da apontada disposição poderia suscitar a questão de saber se a norma, no condicionalismo do caso, poderia ser qualificada como interpretativa e se o efeito retroactivo dessa qualificação poderia pôr em causa o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

                No entanto, o tribunal, para chegar à solução do caso, limitou-se a interpretar as disposição do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição  do falado artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, pelo que, não tendo sido utilizada essa disposição como ratio decidendi, não é invocável a violação de qualquer parâmetro de constitucionalidade que se reporte ao pretenso carácter interpretativo da lei, seja por referência ao princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal ou a qualquer dos demais princípios constitucionais invocados  (cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/94 e 524/98).

 

Por tudo, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

                10. A Requerente deduz ainda um pedido subsidiário em vista a obter a anulação do acto tributário de liquidação das tributações autónomas, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC se não aplica a esse tipo de tributação, por considerar que inexiste base legal para a sua efectivação, invocando o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

                Se bem se entende, a Requerente parte do pressuposto de que, não havendo lugar à dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais, não há também base legal para efectuar a tributação autónoma.

 

                O argumento baseia-se num evidente equívoco.

 

                As taxas de tributação autónoma estão previstas no artigo 88.º do CIRC e é essa disposição que permite a liquidação do correspondente imposto, embora essa liquidação surja agregada à liquidação de IRC. Ao considerar que os benefícios fiscais não são dedutíveis ao montante de imposto apurado que resulte da aplicação das taxas de tributação autónoma, o tribunal não está a afirmar que a disposição do artigo 90.º não é aplicável à tributação autónoma, mas antes a efectuar uma interpretação do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), no sentido de que a dedução à colecta de benefícios fiscais não incide sobre a tributação autónoma.

 

                Sendo certo que a tributação autónoma não deixa por isso de ter sustentação legal.

 

                Termos em que improcede o pedido da Requerente, sendo de manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa impugnada, ficando necessariamente prejudicados os restantes pedidos de devolução das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2015, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido relativamente ao acto de autoliquidação;

 

b) Julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do CPC, do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 634.397,82.

 

Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em

€ 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de Junho de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Carla Castelo Trindade

 

O Árbitro vogal

Maria do Rosário Anjos