Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 652/2018-T
Data da decisão: 2019-05-31   Outros 
Valor do pedido: € 395.088,23
Tema: Tributações autónomas – SIFIDE; CFEI.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues (na qualidade de árbitro vogal) e Dr. Alexandre Andrade (na qualidade de árbitro vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, Tribunal este que foi constituído em 28 de Fevereiro de 2019, acordam o seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A. (adiante designada apenas por Requerente), NIF..., Pessoa Coletiva n.º..., com sede no..., ..., ..., ...-... Sintra, com o capital social de € 86.962.868,00, apresentou, no dia 21 de Dezembro de 2018, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).

 Pretende a ora requerente que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação supra identificados – e que sejam consequentemente anulados –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do SIFIDE e do CFEI, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no exercício de 2015 no valor de € 395.088,23, ou, subsidiariamente, na medida em que reflete tributação autónoma indevida no mesmo valor de € 395.088,23.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 21 de Dezembro de 2018 e automaticamente notificado à Requerida.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo todos comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 8 de Fevereiro de 2019, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28 de Fevereiro de 2019.

 

3. A fundamentar, o pedido, a Requerente sustenta essa sua pretensão, no essencial, nos seguintes fundamentos: i. vasta jurisprudência arbitral qualifica as tributações autónomas como IRC, por isso, requer o abate destes créditos de IRC peticionados à parte da coleta de IRC produzida pelas tributações autónomas porquanto, no seu entendimento, nada existe na lei que afaste aquele abate; ii. se a coleta do IRC prevista na alínea) do n.º 1 do art.º 45.º do Código do IRC compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a coleta das tributações autónomas, há-de entender-se que os n.ºs 1 e 2 do art.º 90.º do mesmo Código também abrangem a coleta das tributações autónomas; iii. a AT já firmou entendimento favorável sobre a possibilidade de as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, com exceção da relativa à dupla tributação internacional, serem efetuadas à coleta das tributações autónomas; iv. o sistema informático da AT impede que a Requerente inscreva o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC, não permitindo a dedução, para efeitos de apuramento do IRC por si devido, do montante das tributações autónomas apuradas ao SIFIDE, RFAI e CFEI.

Defende ainda a Requerente que, em 30 de Maio de 2016, procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2015, e apresentou ainda declaração de substituição, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2015, no montante final de € 395.088,23. Sucede, contudo, que a requerente apresentava créditos fiscais disponíveis para utilização naquele exercício de 2015 e que, por alegada insuficiência de coleta, não foram deduzidos. Em concreto, ficaram por deduzir créditos a título de Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação & Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), no montante total de € 939.677,07, repartidos entre créditos apurados e não deduzidos, com referência ao período de tributação de 2013 (€ 607.308,52), créditos apurados e não deduzidos, com referência ao período de tributação de 2014 (€ 210.594,06) e créditos apurados e não deduzidos, com referência ao período de tributação de 2015 (€ 121.774,49). Adicionalmente, permanecem disponíveis para utilização, no exercício fiscal de 2015, créditos a título de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”) gerados em 2013 no montante de € 414.661,12. Os quais, segundo entende a requerente, poderiam ter sido deduzidos à coleta de tributações autónomas em IRC apuradas nesse mesmo ano, no montante final de € 395.088,23. Razão pela qual a requerente optou por apresentar uma reclamação graciosa do ato tributário de autoliquidação de IRC do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2015. Na sequência de apresentação da referida reclamação graciosa, foi a requerente notificada legalmente do seu indeferimento em 26 de Setembro de 2018, por despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto, atuando ao abrigo de delegação de competências, datado de 19 de Setembro de 2018. Percorrida que foi, sem sucesso, a via administrativa, na tentativa de deduzir aqueles créditos de SIFIDE (€ 939.677,07) e CFEI (€ 414.661,12) a requerente vem por este meio apelar a outras instâncias.

A Requerente invoca, ainda, a seu favor o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, “que julgou inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2ª parte, do Código do IRC – número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei- segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016”.

Para a Requerente “configura uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa.

“Encontra-se também violado o princípio da separação entre poderes legislativo e judicial e do princípio da independência do poder judicial, reforçados que são sempre que se esteja perante matéria sujeita à proibição constitucional de retroactividade de novas leis, violação, pois, também, em articulação com a proibição de retroactividade, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.”

A Requerente termina pedindo:

a)            ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que recusou a anulação, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC nas partes produzidas pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2015, com isso violando o princípio da legalidade;

b)           ser declarada a ilegalidade desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 395.088,23;

c)            ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago, contados, sobre € 395.088,23, até integral reembolso, desde 1 de Setembro de 2016 no que respeita ao montante de € 394.717,20 e desde 1 de Fevereiro de 2017 no que respeita aos remanescentes € 371,03;

d)           subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), o que se traduz igualmente no reembolso do montante de € 395.088,23 e no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 1 de Setembro de 2016 quanto a € 394.717,20 e desde 1 de Fevereiro de 2017 no que respeita aos remanescentes € 371,03.

 

 4. Em 2 de Abril de 2019, a Requerida apresentou resposta em que defendeu: deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

A seu favor a Requerida invoca jurisprudência do Centro de Arbitragem Administrativa, refutando as inconstitucionalidades suscitadas pela Requerente.

Por outro lado, argumenta, entre o mais, que “ainda que o art.º 10.º do EBF admita interpretação extensiva e proíba a analogia na interpretação das normas sobre benefícios fiscais, não proíbe o recurso à interpretação restritiva e, por isso mesmo, em situações objectivamente fundamentadas não está afastada a sua utilização”.

“E, justamente, neste caso, a interpretação restritiva até encontraria respaldo e plena justificação na preservação dos objectivos e da filosofia que subjazem aos benefícios fiscais ao investimento em geral e ao SIFIDE em particular, dados os efeitos perversos que podem ser alcançados com a possibilidade de dedução do crédito de imposto às colectas das tributações autónomas em IRC.

“Sendo que a interpretação restritiva é consentida sempre que subsistam razões ponderosas para concluir que o sentido e alcance que resultariam de considerar que as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º, onde se inclui o SIFIDE, poderiam ser efectuadas ao somatório das colectas das tributações autónomas, apuradas nos termos da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, atraiçoariam a ratio legis ou que se torna necessário conciliar os interesse conflituantes que duas normas visam tutelar.

 

5. Em 3 de Abril de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral: “1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda nem tendo sido suscitada matéria de exceção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. 2. Notifiquem-se ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. 3. Designa-se o dia 28 de Agosto de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. (…)”

Apenas a Requerente apresentou alegações, reiterando no essencial a argumentação aduzida no Pedido Arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas exceções.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. Do Mérito

III. 1. Matéria de Facto

§1. Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, analisada a prova documental produzida no âmbito do presente Processo, o Tribunal Arbitral Coletivo considera provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, dando como assentes os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial anónima de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, tendo iniciado a atividade de “consultoria em informática”(CAE 62020), em 11-12-1995, sendo dominante do perímetro do Grupo de sociedades “Grupo Fiscal B...”, tributada de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (cfr. documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral e cfr. consta do processo administrativo remetido aos autos nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT que se dão por integralmente reproduzidos);

b)           Por referência ao período de tributação de 2015, o perímetro do Grupo era constituído pelas seguintes sociedades (cfr. declarações periódicas de rendimentos modelo 22 juntas ao pedido de pronúncia arbitral e que se dão por integralmente reproduzidas):

 

Sociedade dominante:  NIPC

A…, SA ...

               

Sociedades dominadas:

C...         ...

D..., SA ...

E..., SA  ...

F..., SA  ...

G..., Lda               ...

H..., SA ...

 

c)            Na sequência da candidatura da sociedade dominada “H..., SA” ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, foram deferidos pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais os seguintes créditos fiscais: € 298.326,92 (relativo ao exercício de 2013); € 131.700,96 (relativo ao exercício de 2014); e € 121.774,49 (relativo ao exercício de 2015), no montante total de € 551.802,37 (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

d)           Na sequência da candidatura da sociedade dominada “D..., S.A.” ao Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, foram deferidos pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais os seguintes créditos fiscais: € 308.981,60 (relativo ao exercício de 2013) e € 78.893,10 (relativo ao exercício de 2014, no montante total de € 387.874,70 (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

e)           Às sociedades dominadas antes referidas foram-lhes atribuídos créditos fiscais ao abrigo do SIFIDE II, no montante total de € 939.677,07, assim discriminado (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido):

 

Sociedades beneficiadas do SIFIDE II       2013 (€)               2014 (€)               2015 (€)               SOMA (€)

D…, SA  308.981,60          78.893,10            0             387.874,70

H…, SA

                298.326,92          131.700,96          121.774,49          551.802,37

TOTAL (€)            607.308,52          210.594,06          121.774,49          939.677,07

 

f)            No exercício de 2015 permanecem disponíveis para utilização, créditos de SIFIDE II no montante de € 939.677,07, (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

g) No exercício de 2013, foram concedidos à Requerente e às sociedades dominadas a seguir identificadas bem como às sociedades “I..., SA” e “J..., SA”, que em 2015 deixaram de integrar o perímetro de aplicação do RETGS do qual a Requerente é a sociedade dominante, os seguintes créditos fiscais ao abrigo do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, no montante de € 1.083.572,97, correspondente a 20% do valor das despesas de investimento efetuado entre 01-06-2013 e 31-12-2013 (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido):

 

Sociedades beneficiadas do CFEI              Montante (€)

A…, SA  96.463,94

C..., Lda 3.510,24

D..., SA 123.437,60

F..., SA  824.114,59

I…, SA   34.534,41

J…, SA   1.512,20

Total (€)              1.083.572,97

 

h) Na sequência da execução da decisão proferida no âmbito do processo arbitral n.º 216/2017-T foi deduzido, a título de CFEI, no exercício de 2013, o montante de € 377.511,52 (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

i) No ano de 2014, e atento o critério de dedução de benefícios fiscais refletido na Ficha Doutrinária proferida no âmbito do Processo n.º 2014..., foi solicitada a dedução do montante de € 277.131,35, uma vez que o pedido se encontra em apreciação no processo arbitral n.º 497/2018-T (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

j) No exercício de 2015 permanecem disponíveis para utilização, créditos de CFEI, apurados em 2013, no montante de € 414 661,12, assim determinados (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido):

 

CFEI apurado em 2013, cfr. n.º 7 supra  € 1.083.572,97

CFEI utilizado no exercício de 2013 em execução da decisão proferida no processo arbitral n.º 216/2017-T           - € 377.511,52

CFEI a utilizar no exercício de 2014, em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral respeitante ao processo n.º 497/2018-T  - € 277.131,35

Estimativa do CFEI que, em 2015, seria utilizado pela sociedade “I..., SA” se, nesse ano, não tivesse deixado de integrar o Grupo Fiscal B...           - € 13.670,37

Estimativa do CFEI que, em 2015, seria utilizado pela sociedade “J..., SA” se, nesse ano, não tivesse deixado de integrar o Grupo Fiscal B...           - € 598,60

CFEI disponível para utilização no exercício de 2015 (1.083.572,97 € – 668.911,84 €)      € 414.661,12

 

k) O Grupo Fiscal B... dispõe de créditos no montante global de € 1.354.338,19, correspondentes a:

Benefício Fiscal Exercício              Montante (€)

CFEI       2015      414.661,12

SIFIDE   2013      607.308,52

SIFIDE   2014      210.594,06

SIFIDE   2015      121.774,49

 

l) Nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, as sociedades do grupo submeteram, por via eletrónica, a declaração periódica de rendimentos (Modelo 22), a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do mesmo código, relativa ao exercício de 2015 (cfr. documento n.º 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido).

m) Em 30 de maio de 2016, a “A..., SA”, enquanto sociedade dominante, submeteu, por via eletrónica, uma declaração de rendimentos de IRC modelo 22 (declaração n.º...) respeitante ao exercício de 2015, nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo código, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido).

n) Em 23 de outubro de 2016 a mesma sociedade submeteu, por via eletrónica, uma declaração de substituição à apresentada anteriormente (declaração n.º...) respeitante ao exercício de 2015, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do mesmo código, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido).

o) Nessa declaração foram inscritos os seguintes montantes com relevância para a decisão a proferir:

Quadro 09, campo 382 - Resultado fiscal do grupo (REGS) - € 6.690.239,77 (Prejuízo fiscal);

Quadro 10:

Campo 355 - € 0,00 (Benefícios fiscais); 

Campo 359 – € 16.661,20 (Retenções na fonte):

Campo 360 – € 432.986,00 (Pagamentos por conta – art.º 105.º);

Campo 374 – € 8 271,00 (Pagamentos adicionais por conta – artº 105.º-A);

Campo 364 – € 4.764,44 (Derrama municipal);

Campo 365 – € 395.088,23 (Tributações autónomas);

Anexo D - Quadro 07:

Campo 073 – SIFIDE-SISTEMA DE INCENTIVOS FISCAIS EM INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL (Lei n.º 40/2005, de 3/8) E SIFIDE II (art.º 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, art.s 33.º e 40.º do CFI (revogado) e art.ºs 35.º a 42.º do CFI aprovado pelo Dec.-Lei n.º 162/2014, de 31/10) 

Campo 703 – € 932.571,90 (Saldo não deduzido no período anterior);

Campo 710 – € 210.594,06 (Dotação do período);

Campo 711 – € 0,00 (Dedução do período);

Campo 712 - € 1.143.165,96 (Saldo que transita para período(s) seguinte(s))

 

Campo 076 – CRÉDITO FISCAL EXTRAORDINÁRIO AO INVESTIMENTO (Lei n.º 49/2013, de 16/7)

Campo 722 – € 1.047.526,37 (Saldo não deduzido no período anterior);

Campo 723 – € 0,00 (Dotação do período);

Campo 724 – € 0,00 (Dedução do período);

Campo 725 – € 1.047.526,37 (Saldo que transita para período(s) seguinte(s).

p) A liquidação foi efetuada pela sociedade declarante na referida declaração (autoliquidação), de harmonia com o disposto na alínea a) do artigo 89.º e n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, sendo apurado imposto a recuperar no montante de € 58.065,53, cfr. quadro 10, campo 368.

q) As tributações autónomas constantes da declaração modelo 22 (quadro 10, campo 365), no montante de € 395.088,23, têm as seguintes proveniências (cfr. documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido).

Natureza             Tributação autónoma (€)

Despesas documentadas             1.968,76

Encargos com viaturas   106.178,32

Despesas de representação       19.703,31

Encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria          129.268,94

Encargos com indemnizações    137.968,91

TOTAL   395.088,23

 

r) Quer a Requerente, enquanto sociedade dominante do “Grupo Fiscal B...”, quer as sociedades dominadas, à data da concessão dos créditos fiscais ao abrigo do SIFIDE II, não eram devedoras ao Estado nem à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (cfr. documento n.º 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

s) A Requerente, em 30-05-2018, apresentou reclamação graciosa dirigida ao Diretor de Finanças de Lisboa, cujo processo recebeu o n.º ...2018..., para anular a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2015, por não se conformar com a impossibilidade de dedução do CFEI e SIFIDE à coleta de IRC resultante das tributações autónomas (cfr. consta do processo administrativo remetido aos autos nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT);

t) Sendo a mesma indeferida, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 19-09-2018, no uso de competência delegada pelo Diretor de Finanças de Lisboa (cfr. documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

u) O referido despacho foi notificado à Requerente através de ofício da Direção de Finanças de Lisboa, de 20-09-2018, constando do mesmo que a contagem dos prazos para a interposição de recurso hierárquico ou dedução de impugnação judicial se inicia no dia útil seguinte àquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja no quinto dia posterior ao registo de disponibilização da notificação na caixa postal eletrónica do destinatário, que ocorreu em 21-09-2018 (cfr. documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido);

v) Em 20-12-2018 a Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual deu origem ao presente processo.

 

§.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. Objeto do litígio

 

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se deve ser reconhecido à Requerente o direito a deduzir os benefícios fiscais, a título de SIFIDE e CFEI, à coleta produzida por tributações autónomas.

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

A)           Da (i)legalidade da liquidação impugnada

Na análise da questão suscitada pela Requerente impõe-se começar por explicar a diferenciação entre as figuras da tributação autónoma e do IRC. Depois, verificar se no cálculo das tributações autónomas cabem ou não quaisquer deduções e como se efetua a respetiva liquidação. Por fim, verificar se os regimes de apoio ao investimento, que são concretizados em deduções à coleta, nomeadamente os regimes do CFEI e do SIFIDE, se reportam ou não à coleta de IRC stricto sensu e para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas.

Vejamos.

Relativamente à questão decidenda acima enunciada o Tribunal sufraga a posição adotada pela Decisão Arbitral n.º 111/2018-T, de 10 de janeiro de 2019, acórdão cujo coletivo foi presidido pelo aqui também Árbitro Presidente (e para cujo teor da decisão desde já aqui remetemos).

Quanto à diferenciação de natureza entre as figuras da tributação autónoma e do IRC este Tribunal reitera a posição adotada de forma uniforme pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo e da Doutrina no sentido de que as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que é um imposto sobre o rendimento.

A este respeito a Decisão Arbitral n.º 111/2018-T afirma: “As tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não natureza – semelhanças – com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes.

Esta jurisprudência foi iniciada há já 7 anos no tribunal constitucional com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010. No Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11 aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes.

Esta jurisprudência foi mais tarde reafirmada pelo Plenário, no Acórdão

n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.

No mesmo sentido tem andado o Supremo Tribunal Administrativo como se confirmará, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.

A doutrina também acompanha esta posição.

De Sérgio Vasques, em nota de rodapé 60, página 342, do seu Manual de Direito Fiscal Almedina, 2015, a Rui Morais nos Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203, passando pelo Professor Casalta Nabais no seu Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 542 e pela Professora Ana Paula Dourado nas Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 ss.,  todos reiteram a posição já sufragada pelos tribunais portugueses. A tributação autónoma e o IRC são impostos diferentes.

Tem sido este o entendimento seguido em várias decisões, nomeadamente a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 7/2018-T de 3 de Julho de 2018: “A tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas)”.

Esta tese foi transposta para a lei de forma inequívoca pelo próprio legislador quando na redacção introduzida ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se passa a dizer que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas”. Que sentido faria deixar claro na lei que a tributação autónoma e o IRC não são dedutíveis ao lucro tributável se as tributações autónomas fizessem parte do IRC? Se assim fosse os Acordos para Evitar a Dupla Tributação teriam as tributações autónomas incluídas onde se refere o IRC o que, como se sabe, não sucede. Essa é de resto a razão pela qual Portugal tem vindo a incluir as tributações autónomas na lista de impostos abrangidos. Assim, em face do exposto pode desde já concluir-se, de forma singela, que se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não teria tido necessidade de distinguir as duas realidades, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas.

E não é pelo facto de a tributação autónoma estar inserida no Código do IRC que as duas realidades se devem confundir.

Recorde-se que a tributação autónoma foi introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, não tendo sido imediatamente inserida no Código IRC. O legislador só 10 anos depois do surgimento da tributação autónoma decidiu introduzi-la no Código IRC através da Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro. O que o legislador procurou com esta sistemática foi um efeito anestesiador, já que, não obstante as tributações autónomas serem liquidadas independentemente do IRC, são autoliquidadas juntamente com a declaração do IRC, através do modelo 22. Quanto a esta questão o Tribunal Constitucional considerou, nos Acórdãos n.ºs 18/2009 e 85/2010, que a tributação autónoma poderia estar inserida em qualquer outro código ou diploma autónomo.

E as realidades são diferentes desde logo porque os objectivos são diferentes.

No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva.

Já a tributação autónoma teve, pelo menos originariamente, dois objectivos bem diferentes sempre sob a legitimação do princípio da igualdade tributária.

O primeiro o de tributar na esfera das empresas o que não se consegue tributar em sede de IRS e o segundo o de desincentivar a realização de certas despesas ou de certos comportamentos. A este propósito o professor Saldanha Sanches chegou mesmo a afirmar que “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial” acrescentando ainda que na “«(...) designação de “tributações autónomas", escondem-se realidades muito diversas (...)»” (Manual de Direito Fiscal, 3.“ edição (2007), Coimbra Editora, pág. 406/7). O Professor Guilherme de Oliveira Martins afirma que as tributações autónomas “(…) cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo antiabusivo.”.

Neste sentido, a decisão arbitral proferida pelo colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Carlos Alberto Cadilha no âmbito do processo n.º 641/2017-T: “as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial”.

A tributação autónoma visa apenas certas despesas tipificadas na lei fiscal, e não a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respectivo exercício económico, visam então tributar uma vantagem patrimonial obtida, via de regra, através da realização destas despesas e que se traduz, consequentemente, na diminuição do lucro tributável. O IRC visa, por seu turno, tributar o rendimento real do sujeito passivo atendendo à sua capacidade contributiva.

Há que lembrar que é unanimemente aceite quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, que as taxas autónomas de IRC (e IRS) são um tributo de obrigação única distinto dos próprios IRC e IRS, impostos de formação sucessiva. Há também que relembrar que a autonomia das taxas autónomas resulta de possuírem um facto gerador radicalmente distinto do IRS/IRC, de obedecerem a regras de liquidação próprias e de servirem finalidades muito específicas.

O legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”.

Com efeito, as finalidades das tributações autónomas são hoje variadas mas, no que têm de mais importante, insista-se, elas servem para garantir a igualdade tributária garantindo a sujeição a imposto de valores que, sendo despesa na esfera das empresas, prefiguram rendimento na esfera de terceiros e prevenindo o planeamento abusivo pelo recurso a paraísos fiscais. Estes objectivos são de superlativa importância para garantir a justa distribuição dos rendimentos e da riqueza a que apela o artigo 103.º, n.º 1, CRP.”

Consequentemente, a dedução à coleta é uma realidade inerente ao IRC enquanto imposto enformado pelos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real. Já o mesmo não acontece em relação à coleta devida por tributações autónomas, aliás a dedução de tais encargos, caso se verificasse, eliminaria o sentido anti abusivo que as caracteriza.

Apesar da inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, se descaracterizarem e perderem sua raiz dogmática própria.

Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo do IRC ao tributar rendimentos.

No desenvolvimento desta posição a Decisão Arbitral n.º 111/2018-T refere, de forma pertinente, o seguinte: “Nada se diz na lei se o que está no artigo 90.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Procedimento e Forma de liquidação” se aplica às duas realidades – IRC e tributação autónoma – ou a uma só e a qual. Porém, no entender deste Tribunal duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do CIRC, ou seja, ao IRC.

Para melhor compreender esta conclusão será necessário perceber que foi estabelecido no então n.º 6 do artigo 109. ° do Código do IRC, actual artigo 117.°, que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma. E para determinados efeitos – designadamente para efeitos das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (artigo 92.°) - ficou, então, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC. Isto extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. Pois bem, é aqui que há que ter cautela.

Quando se trata das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.° do Código IRC, parece defender a Requerente que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.° do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.°. Ora, o resultado desta interpretação implicaria desde logo e de uma forma muito singela que na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do artigo 105.º do Código do IRC, e em termos idênticos aos utilizados no n.º 2 do artigo 90. °, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º do respectivo Código. E aqui não há qualquer diferendo nem na Doutrina nem na jurisprudência. Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do artigo 33.° da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte”. Portanto, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

Aqui, este Tribunal acompanha o que defende a Requerida insistindo-se de que a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC, relativas a:

-              créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));

-              benefícios fiscais (actual alínea c));

-              pagamento especial por conta (actual alínea d));

-              e retenções na fonte (actual alínea e)).

Na realidade, faz-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do artigo 90. ° do Código do IRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.”

Para este Tribunal afigura-se claro que no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a respetiva liquidação efetuada nos termos dos artigos 88.º e 89.º e do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC. O legislador no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC refere-se apenas à matéria coletável constante do artigo 15.º do CIRC. O facto do procedimento de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se aplicar também às tributações autónomas não implica direta e necessariamente que o mesmo ocorra com o n.º 2 do referido artigo 90.º.

 

Finalmente impõe-se analisar agora se os regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à coleta do IRC, nomeadamente os regimes do CFEI e do SIFIDE, se reportam ou não à coleta de IRC stricto sensu.

Primeiro, em termos de enquadramento, importa referir que a Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho aprovou o CFEI com o intuito de promover o investimento e internacionalização das empresas nacionais por intermédio da concessão de um crédito fiscal, na forma de dedução à coleta, pela realização de certos investimentos. O CFEI correspondeu a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração realizadas, até à concorrência de 70% daquela coleta. O investimento elegível para a obtenção deste crédito fiscal tinha que ser realizado entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013, sendo que o montante máximo das despesas de investimento elegíveis era de € 5 000 000,00 por sujeito passivo. O CFEI não é cumulável, relativamente às mesmas despesas de investimentos elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais da mesma natureza

Já o SIFIDE II foi primeiro aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e sucessivamente previsto nos artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro e nos artigos 35.º a 42.º do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.

O SIFIDE II permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido. Assim, o benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas: Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício; Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000. Os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.

Como salienta a Decisão Arbitral citada “(…) o legislador do regime do SIFIDE, ao fazer essa referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, está a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado.

É perceptível que, apesar do artigo do SIFIDE se referir ao artigo 90.º como um todo refere-se ao montante apurado nos termos do n.º 2 do artigo 90.º, e este só se aplica, como já se sabe, ao IRC.

A dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do artigo 90.°), quando se trata de benefícios ao investimento - como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução. E é esta a lógica do benefício fiscal do SIFIDE que justifica e legitima a derrogação ao princípio da igualdade tributária.

Assim, não subsiste qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de o regime do SIFIDE estabelecer que os mesmos são concretizados em deduções à colecta dos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, i.e., do IRC. É porque no entender deste tribunal quer as tributações autónomas quer o IRC são liquidados nos termos do n.º 1 do artigo 90.° do Código do IRC. Porém das duas realidades a única que é passível de dedução à colecta – isto é de concretização do benefício é, quer por razões literais (porque o n.º 2 do artigo 90.º se aplica unicamente ao IRC) quer por razões materiais (o benefício só se efectiva se houver lucro de modo a premiar a rendibilidade do investimento), é a colecta do IRC que como vimos é diferente e distinta da tributação autónoma. O resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma/independente/separada não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente. Note-se a este propósito que são desde logo devidas tributações autónomas (agravadas) no caso de sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais.”

Atendendo à natureza e razão de existência das tributações autónomas não é possível admitir a dedução de benefícios fiscais à coleta de tributação autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária.

Se um sujeito passivo pudesse efetuar a dedução a título de SIFIDE ou outros benefícios fiscais ao montante de tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas a função dessas tributações na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados ficaria subvertida.

Ora, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, este Tribunal não encontra razão justificativa para esse desincentivo poder desvanecer-se em prol de um benefício fiscal. Seria admitir que os créditos fiscais resultantes de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma, desvirtuando o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.

Tal como a Decisão Arbitral supra citada refere“(…) o Tribunal realiza não uma interpretação restritiva do artigo 4.º do SIFIDE II mas tão só uma interpretação teleológica e sistemática do previsto quer no SIFIDE quer no Código do IRC de forma a salvar o regime do teste de conformidade constitucional designadamente no que em concreto respeita à violação do princípio da igualdade tributária. É que não nos podemos nunca olvidar que as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente.

Não vale, portanto, a pena entrar na discussão, por despicienda, de saber se estamos ou não perante um benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais. Claro que sim, caso contrário não se teria aprovado o regime do SIFIDE. A questão é a de saber que receita fiscal é que foi cedida em função de investimento? Receitas decorrentes de um imposto que admite deduções e que obedece ao princípio de capacidade contributiva e que premeia quem investe, mas quem gera imposto admitindo que quem mais lucro obtiver mais pode investir. Ou o que se quis (e se admitiu) foi ceder receita decorrente de um imposto sobre a despesa que sob a alçada do princípio da igualdade tributária obriga a quem tem comportamentos desviantes – como pagamento com ajudas de custo ou despesas de representação, ou mesmo pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais – deixe de pagar esse imposto em virtude de ter despesas de investimento?

Não restam dúvidas que foi o primeiro.

Tanto assim é que a alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2018 alterou a redacção do artigo 88.º do Código do IRC no sentido de que não são efectuadas quaisquer deduções ao montante devido das tributações autónomas ainda que estas provenham de legislação especial como o SIFIDE. Ora, mesmo sem se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo legislador novamente ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é claro que o legislador – que relembre-se, é sempre o mesmo, a Assembleia da República –, quis elucidar o que de resto já resultava da lei.

E até aqui, se não havia qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II, é agora claro com a nova redacção do n.º 21 do artigo que não são permitidas quaisquer deduções à colecta das tributações autónomas mesmo que estas provenham de legislação especial.

Na tese que este Tribunal sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes.”

Por tudo o quanto vai exposto, não faz sentido invocar a inconstitucionalidade do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, por violação do princípio da retroatividade da lei, proibida pelo artigo 103.º, n.º 3, da CRP, na medida em que tal normativo não é convocado sequer na resolução do caso em apreço. Pela mesma razão improcedem as alegadas inconstitucionalidades por violações dos princípios constitucionais do Estado de direito democrático, da separação de poderes e da independência dos tribunais.

Por outro lado, note-se que o Tribunal não precisou para fundamentar a sua decisão de levar a efeito qualquer interpretação restritiva das normas aplicáveis, mesmo as relativas aos benefícios fiscais, sendo que se tal fosse necessário a mesma não é proibida como bem refere a entidade Requerida.

Este Tribunal entende que relativamente à questão da dedutibilidade das despesas de investimento previstas no CFEI aplica-se o entendimento que se deixou exposto relativamente ao SIFIDE, não havendo motivos que fundamentem uma posição distinta

No mesmo sentido foram proferidas, entre outras, decisões arbitrais nos seguintes processos a funcionar sob a égide do CAAD, que acompanhamos na íntegra: 406/2018, de 08-04-2019; 402/2018, de 19-02-2019; 242/2018, de 10-01-2019; 110/2018, de 20-09-2018; 41/2018, de 24-09-2018; 9/2018, de 03-10-2018; 542/2017, de 02-07-2018; 473/2017, de 08-04-2018; 241/2017, de 19-01-2018; 203/2017, de 30-11-2017; 192/2017, de 31-01-2018; 66/2017, de 11-09-2017; 638/2016, de 08-05-2017; 629/2016 de 15-03-2017; 605/2016, de 31-05-2017; 575/2016, de 21-04-2017; 443/2016, de 23-02-2017; 302/2016, de 28-03-2017; 174/2016, de 19-11-2016; 785/2015, de 09-08-2016; 752/2015, de 30-08-2016; 757/2015, de 07-10-2016; e 722/2018, de 28-06-2016.

Assim, pelas razões expostas, este Tribunal nega provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2015, na parte produzida pelas tributações autónomas, sendo da manter o indeferimento da reclamação graciosa a que respeita o Processo n.º ...2018... .

 

B. Pedido subsidiário

 

Caso o Tribunal Arbitral entenda que o pedido principal, ou seja, que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente formula pedido subsidiário solicitando a ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efetivação, de acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, cfr. artigo 234.º, alínea d) do pedido de pronúncia arbitral.

Com efeito refere aquele preceito da LGT: “2. Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: a) A liquidação e cobrança dos tributos, inclui os prazos de prescrição e caducidade”.

Por sua vez refere o n.º 3 do artigo 103.º da CRP: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Para Diogo Leite e Campos e outros  “O princípio constitucional da legalidade em matéria de impostos que entre nós vigora exige que sejam definidos por lei os seus elementos essenciais (incidência, isenções e taxas incluídas) e que tais domínios não fiquem à mercê do Poder Administrativo, muito menos para ele os definir através de circular dirigida aos Serviços (acórdão do STA de 14-6-95, proferido no recurso n.º 16651, publicado em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128, página 363 e em Acórdãos Doutrinais do STA, n.º 411, página 320).

Como refere José Casalta Nabais , “Todavia, tendo em conta o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 8.º da LGT, que veio estabelecer o princípio da legalidade tributária à liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade, temos de concluir que, em virtude dessa exigência legal, a liquidação e cobrança dos impostos não podem ter a sua disciplina jurídica em regulamentos, com a excepção, claro está, dos regulamentos das autarquias que podem versar inclusivamente matéria essencial dos impostos”.

Porém, face ao que vem de se expor, não vislumbra o Tribunal de que modo o princípio da legalidade tributária se mostra violado, uma vez que as tributações autónomas encontram-se previstas na alínea a), n.º 1 do artigo 23.º-A; as taxas no artigo 88.º; e a competência e forma de liquidação nos artigos 89.º e 90.º, todos do CIRC, como ficou demonstrado.

No artigo 30 do pedido de pronúncia arbitral a Requerente refere: “O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, os créditos de SIFIDE ou de CFEI ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas”.

Porém é precisamente por não ser reconhecido à Requerente o direito a deduzir os benefícios fiscais, a título de SIFIDE e CFEI, à coleta produzida por tributações autónomas, que tal se mostra irrealizável na autoliquidação através da competente declaração modelo 22.

Assim, pelas razões expostas, este Tribunal nega provimento ao pedido subsidiário.

 

III.2.2 Pedidos prejudicados      

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação impugnada de IRC respeitante ao exercício de 2015, ficam igualmente prejudicados os pedidos feitos pela Requerente quanto à devolução das quantias pagas e ao pagamento de juros indemnizatórios. (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

 

***

 

IV. DECISÃO

Termos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração da ilegalidade da autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2015, no que respeita à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais relativos ao SIFIDE e CFEI à coleta das tributações autónomas;

b)           Manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2018..., por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 19 de setembro de 2018, por delegação de competências do Diretor de Finanças de Lisboa;

c)            Julgar improcedente o pedido subsidiário constante do petitório;

d)           Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de IRC em apreciação nos autos e pago pela Requerente, respeitante ao exercício de 2015 acrescido de juros indemnizatórios, porquanto este pedido se encontra prejudicado pela improcedência do pedido arbitral referido em a), absolvendo-se a Requerida do respetivo pedido e, em consequência,

e)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 395.088,23 (trezentos e noventa e cinco mil, oitenta e oito euros e vinte e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.426,00 (seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de maio de 2019.

 

O Árbitro Presidente

(Conselheira Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Vogal

(Dr. Rui Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Dr. Alexandre Andrade)