Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 510/2018-T
Data da decisão: 2019-06-18  Selo  
Valor do pedido: € 45.664,86
Tema: Imposto do selo – comissões – artigo 7.º, n.º 1, alínea e) e n.º 7 do CIS.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral constituído em 27.12.2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e sede na ..., n.º..., ..., em Lisboa, na qualidade de gestora e representante do Fundo de Pensões do B..., do Fundo de Pensões da C... e do Fundo de Pensões D..., respetivamente pessoas coletivas números ..., ... e ..., doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral no dia 12.10.2018, o qual foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na qualidade de Requerida.

 

A Requerente contesta a legalidade dos seguintes atos:

1.            Ato tributário de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016..., no valor de € 40.440,85;

2.            Atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., no valor total de € 5.004,01.

 

A Requerente pede ainda ao Tribunal uma indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 171.º do Código do Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”).

 

A Requerente fundamenta o seu pedido na tese da inconstitucionalidade da norma em que se basearam os atos tributários impugnados, por violação da regra da não retroatividade da lei fiscal, prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, consubstanciada na aplicação do artigo 7.º, n.º 7 do Código do Imposto do Selo (CIS) na redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que a Requerente entende consagrar uma solução inovadora para a interpretação da norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 06.12.2018, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 27.12.2018.

 

No dia 12.02.2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

As Partes apresentaram alegações em que reiteraram os pedidos e respetivas fundamentações.

Resumo da posição da Requerente

No presente processo está em discussão saber se as comissões cobradas por uma sociedade gestora de fundos de pensões aos fundos por si geridos, estando sujeitas a imposto do selo de acordo com a verba 17.3.4 da TGIS, beneficiam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto de Selo (CIS).

 

A AT baseou as liquidações efetuadas não apenas na citada alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, mas também no n.º 7 introduzido por via da LOE 2016. e ao qual o artigo 154.º da mesma lei conferiu caráter interpretativo, determinando, assim, a sua aplicação mesmo a exercícios anteriores aos da entrada em vigor da referida Lei.

 

Entende a Requerente que as alterações concretizadas pelo referido diploma têm carácter inovador, porquanto concretizam uma delimitação do âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS em termos que de modo algum correspondiam ao seu sentido literal ou, até mesmo, às circunstâncias históricas em que a norma foi elaborada.

 

Assim, sustenta que a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na medida em que restringe o âmbito da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições e sociedades financeiras e outras instituições financeiras, reveste-se de natureza inovadora, passando a delimitar o âmbito material da isenção prevista na falada norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, em termos que não correspondiam ao sentido literal e às circunstâncias históricas em que a norma foi elaborada.

 

E é justamente esse caráter inovador, defende a Requerente, que deverá impedir a sua aplicação, porquanto dela decorre a manifesta e grosseira violação de preceitos constitucionais totalmente consolidados no sistema constitucional português, salientando o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

Resumo da posição da AT

 

Sobre a norma introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2016, entende a AT que esta veio apenas clarificar o alcance da isenção em causa, perante divergências interpretativas existentes, e que, portanto, a sua aplicação ao caso concreto não consubstancia uma aplicação retroativa da lei.

 

A este respeito, considera-se que tem carácter interpretativo «a lei que sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida vem consagrar uma solução a que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado» (Baptista Machado, in Aplicação das Leis no Tempo no Novo Código Civil, pág. 286 e segs.).

 

O que significa que, para se poder afirmar que uma lei tem aquela natureza é necessário que, de substancial, ela nada tenha trazido em relação à lei interpretada e se tenha limitado a resolver uma incerteza ou controvérsia jurídicas, dando-lhe um entendimento que a jurisprudência, se o tivesse querido, já poderia ter adotado.

 

A norma interpretativa visa, pois, pôr fim à controvérsia que se instalou sobre o sentido que se devia dar a determinada lei, fixando ela própria o sentido que esta deve ter, a qual será vinculante.

 

No presente caso, não pode considerar-se que não havia divergência interpretativa a resolver, pois a jurisprudência do STA e do TCA Sul (o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02754/08, de 21-09-2010 e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0770/15, de 06/17/2016, propugnam interpretação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS no sentido defendido pela AT), bem como os pedidos de parecer apresentados nos autos, provam exatamente o contrário.

 

Assim, a lei do Orçamento de Estado para 2016, em concreto os seus artigos 152.º e 154.º, constituem um subsídio interpretativo que não deve (não pode) ser ignorado na tarefa de apurar o sentido do preceito em análise, vindo o artigo 7.º, n.º 7 do CIS, aditado por aquela lei, apenas clarificar aquele que sempre foi o espírito da norma a propósito do âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 daquele artigo 7.º do CIS, em conformidade com o entendimento perfilhado pela jurisprudência de Tribunais superiores, revelando-se assim como solução não-inovatória, a que o julgador ou o intérprete podem chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.

 

Além de discordar da Requerente pelas razões expostas supra, a AT defende-se ainda dizendo que, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, do artigo 8.º da LGT e do artigo 3.º, n.º 1 do CPA, então a sua posição, quer no relatório de inspeção tributária, quer nos autos, face ao agora legalmente determinado na Lei do Orçamento de Estado para 2016, não pode ser diversa da adotada, por não poder a AT desaplicar normas com base em inconstitucionalidade.

 

Não podendo a atuação da AT ser diferente, tal tem repercussões ao nível do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, não havendo suporte legal para tal pedido, face à inexistência de erro imputável aos serviços (cf. neste sentido, a jurisprudência uniforme do STA, espelhada no seu acórdão de 03/04/2015, processo n.º 01529/14).

 

Pelas razões expostas, a AT conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

A ação é tempestiva e o processo não enferma de nulidades.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos provados

 

A.           A Requerente é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IRC e IS.

 

B.            Em concreto, a Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões (“SGFP”), desenvolvendo a sua atividade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro.

 

C.            No âmbito da referida atividade, a Requerente é a entidade responsável pela gestão dos fundos de pensões, de benefício definido, dos trabalhadores da E... (F...), que se destinem a financiar responsabilidades com benefícios de reforma de natureza complementar, mais precisamente os Fundos de Pensões do B..., da C... S.A. e o Fundo de Pensões D..., abrangendo os trabalhadores oriundos das referidas empresas.

 

D.           Os fundos de pensões em causa encontram-se validamente constituídos e registados, operando sob supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASSFP”).

 

E.            Nos termos da Cláusula 8.ª dos Contratos de Gestão celebrados entre a E..., S.A., atualmente designada por F... S.A. (F...) e a Requerente, esta última cobrou os seguintes valores:

(i) Até 2013, uma comissão de gestão pela administração dos Fundos, a qual se dividia em duas parcelas: (a) comissão de gestão financeira, correspondente à aplicação de uma percentagem fixa sobre o valor do FUNDO; e (b) diferencial de gestão, correspondente ao produto do montante que corresponde à diferença entre a prestação de serviços que permite à Requerente obter o resultado liquido objetivo e as comissões de gestão (de todos os Fundos) faturadas e o peso relativo, no início do exercício, do Fundo, no conjunto dos Fundos sob gestão;

(ii) Depois de 2013, e a cada um dos Fundos, uma comissão de gestão pela administração dos fundos (remuneração de gestão), a qual se divide em três parcelas: (a) comissão de gestão fixa, correspondente ao valor anual, dividido mensalmente em duodécimos; (b) comissão de gestão variável, correspondente à aplicação e uma percentagem fixa sobre o valor do fundo; e (c) diferencial de gestão, correspondente ao produto do montante que corresponde à diferença entre a prestação de serviços que permite à Requerente obter o resultado líquido objetivo e as comissões de gestão, fixa e variável (de todos os fundos) faturadas e o peso relativo, no final de cada exercício, do valor do Fundo no conjunto dos Fundos sob gestão.

 

F.            No exercício da sua atividade, a Requerente recorre a serviços prestados pelas empresas do GRUPO E.../F... pelo que, considerando a gestão centralizada das contas bancárias, a cobrança das comissões de gestão é ocasionalmente efetuada tendo por base um encontro de contas, razão pela qual nem sempre os valores efetivamente cobrados correspondem aos valores dos movimentos bancários, sem que isso ponha em causa a cobrança efetiva das comissões.

 

G.           Na sequência da alteração dos contratos de gestão celebrados entre a F... e a Requerente, efetuada a 12.06.2013 e com efeitos a 01.01.2013, foi emitida a nota de crédito N.º ... para anulação das faturas já emitidas no decorrer de 2013 ao abrigo do anterior contrato, tendo sido devolvidos à F... os montantes já pagos.

 

H.           No dia 16.08.2013, foram emitidas três faturas (.../96/97) destinadas aos três FUNDOS identificados supra, tendo-se procedido à faturação das comissões de remuneração e gestão desde janeiro e a agosto de 2013, tendo estas sido pagas em 20.08.2013.

 

I.             A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, referente ao imposto do selo, credenciado pela ordem de serviço OI2016..., de 13-04-2016, com o objetivo de verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos fundos de pensões em sede de imposto de selo, durante o exercício de 2013.

 

 

J.             Concluída a prática dos atos inspetivos, os serviços de inspeção tributária elaboraram o projeto de relatório e deram cumprimento ao determinado pelos artigos 60.º do RCPITA e 60.º da LGT.

 

K.            Foi exercido o direito de audição por parte da Requerente.

 

L.            Posteriormente, foi elaborado o relatório final da ação inspetiva onde, ao abrigo dos artigos 1.º, n.º 1 e artigo 2.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIS e em conjugação com a Verba 17.3.4 da TGIS, foi efetuado o apuramento do Imposto do Selo em falta.

 

M.          No relatório de inspeção tributária concluiu-se que:

«No que concerne à isenção da alínea e) do artigo 7.º do CIS que dispõe que são também isentos do imposto, “(...) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;” esta apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, deveria entender-se que o legislador quando diz, "e, bem assim a utilização de crédito concedido", identifica e delimita a relação intrínseca existente entre aquelas realidades perfeitamente identificadas e o crédito, e fá-lo no sentido de que este deve ser considerado como um elemento essencial e prévio em relação aos demais; o fundamento utilizado pelo legislador para justificar o reconhecimento da isenção em relação aos juros, comissões cobrados e às garantias prestadas será o mesmo para o crédito, por e quando aqueles sejam acessórios deste, ou seja, só os juros, comissões e garantias que resultem da existência prévia de um crédito concedido que com aqueles se encontra direta e intrinsecamente relacionado cabem na previsão legal.

No entanto, como existiam dúvidas acerca das situações que abarcava, o legislador no Orçamento de Estado para 2016, Lei n.º 7-A2016 de 30.03, cfr. artigo 152º, introduziu um n.º 7 naquele artigo 7°, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. Artigo 154.º da aludida Lei. O legislador, com a natureza interpretativa do n.º 7, veio restringir a sua aplicação às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito. E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13.º n.º 1 do Código Civil. […]

Na realidade, apesar das sucessivas alterações da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, da sua leitura só poderemos concluir que, na realidade, a vontade do legislador sempre foi, e deve entender-se que assim permanece, no sentido de limitar a aplicação da norma de isenção precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados. Esta isenção tem como elemento catalisador o crédito concedido nos termos do mencionado normativo, e que vai de encontro à redação do n.º 7 do referido normativo, a que lhe foi atribuída natureza interpretativa.

Toda a norma jurídica encerra em si uma estatuição e uma previsão, e decompondo a al. e) do n.º 1, do art.º 7.º na ótica da estrutura referida, obtemos o seguinte resultado, por um lado, o âmbito de aplicação da isenção nela corporizada não é toda e qualquer comissão mas apenas as que se referem à concessão de crédito e operações financeiras, por outro lado o universo dos sujeitos envolvidos encontra-se limitado às instituições financeiras, instituições de crédito e sociedades financeiras.

A única leitura que se nos afigura legitima, por coerente, do preceito em questão, é que o mesmo se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise. Assim como a lei interpretativa correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo suscetível de frustrar expetativas seguras e legitimamente fundadas por parte do contribuinte, pelo que não poderá ser considerada retroativa como arroga o contribuinte, no seu exercício de direito de audição.

Como ficou patente, a natureza interpretativa da norma não determinou que os sujeitos passivos fossem confrontados com um encargo fiscal não previsto, nem na letra da lei, nem no espírito do legislador, com o qual não contavam, nem poderiam de alguma forma prever, como alegou o sujeito passivo no § 20.º do exercício do direito de audição.

No que toca ao alegado pelo sujeito passivo nos § 21.º a 23.º do exercício do direito é ainda de referir que a vontade do legislador sempre foi, e deve entender-se que assim permanece, no sentido de limitar a aplicação da norma de isenção precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados.

O legislador entendeu que o sentido interpretativo a dar às alíneas e) e f) estava clarificado, tendo, através da Lei de Orçamento para 2003, reposto no n.º 2 o texto inicial introduzido com Lei n.º 150/99 que aprovou o Código do Imposto do Selo: o legislador acabara por fazer a interpretação autêntica da norma de forma a precisar qual foi a sua vontade, e que só uma interpretação extensiva admitida pelo artigo 10.º do EBF conseguiria desvirtuar. […]

Não se deve qualificar a eliminação do n.º 2 e renumeração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 6.0 (atual artigo 7.0 como um ato revogatório; em momento algum resulta que o legislador se tenha manifestado num sentido diverso do anterior. Apenas se deve considerar que a vontade do legislador não necessitava de qualquer norma que esclarecesse o seu sentido. O limite à isenção desejado pelo legislador, antes e depois da nova redação do preceito, é o mesmo, ou seja, a isenção prevista na atual alínea e), n.º 1, do artigo 7.º do CIS só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo, encontrando-se assim afastada a repristinação corno arroga o contribuinte no exercício do direito de audição.»

 

N.           Na sequência do relatório final da ação inspetiva foram emitidas, por um lado, a liquidação de imposto do selo n.º 2016..., no valor de € 40.440,85 e, por outro lado, as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., no valor total de € 5.004,01.

 

O.           A Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações referidas no parágrafo anterior a 11.05.2017.

 

P.            A Requerente prestou uma garantia bancária com vista à suspensão do processo executivo de que foi citada em 18.01.2017.

 

Q.           Notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente exerceu o respetivo direito de audição prévia.

 

R.            Foi proferida decisão de indeferimento através de despacho de 10.07.2018 do Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

 

S.            Da decisão de indeferimento consta que:

«25. Somos então a concluir que a vontade do legislador sempre foi, e deve entender-se que assim permanece, no sentido de limitar a aplicação da norma de isenção precisamente à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados.

26. O n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000 introduz um preceito novo e renumera o anterior n.º 2 do artigo 6.º que passou a n.º 3 e, por se entender que sempre foi esta a vontade do legislador, a técnica legislativa empregue manteve-se na Lei de Orçamento para 2002 que não tocou nos preceitos indicados e ainda, decorridos dois anos sobre a alteração introduzida ao artigo 6.º entendeu o legislador que o sentido interpretativo a dar às alíneas e) e f) estava clarificado, tendo, através da Lei de Orçamento para 2003, reposto no n.º 2 o texto inicial introduzido com Lei n.º 150/99 que aprovou o Código do Imposto do Selo, ou seja, o legislador acabara por fazer a interpretação autêntica da norma de forma a precisar qual foi a sua vontade, e que só uma interpretação extensiva admitida pelo artigo 10.º do EBF conseguiria desvirtuar.

27. Diga-se ainda que a revogação da lei, consiste na "forma de cessação de vigência da lei, que resulta de uma nova manifestação legislativa em sentido diverso ao da anterior, podendo ser total ou parcial, expressa ou tácita, consoante a nova lei diz quais as disposições que ficam revogadas ou não o faz, resultando a revogação da incompatibilidade entre os regimes que respetivamente se estabelecem" (Ana Prata, in "Dicionário Jurídico- Vol. I, 5.ª Edição", Almedina, 2008, pág. 1232).

28. Nestes termos, não se deve qualificar a eliminação do n.º 2 e renumeração dos números 3 e 4 do artigo 6.º como um ato revogatório, pois que em momento algum resulta que o legislador se tenha manifestado num sentido diverso do anterior: apenas se deve considerar que a vontade do legislador não necessitava de qualquer norma que esclarecesse o seu sentido e o limite à isenção desejado pelo legislador, antes e depois da nova redação do preceito, é o mesmo, ou seja, a isenção prevista na atual alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.

29. Em conclusão será correto afirmar que inexiste preceito que tenha revogado uma norma que se poderá considerar interpretativa, e que apenas pretendeu esclarecer/precisar a vontade do legislador relativamente a essa matéria; esclarecido pelo legislador, se é que era sequer necessário esse esclarecimento, o alcance por si aceite relativamente aos atos/operações isentas na alínea e) do artigo 6.º, verificou-se ser desnecessária a inclusão desse preceito específico, e, por esse facto, foi recuperado o texto anteriormente presente no n.º 2, sem que, na realidade, se tivesse observado qualquer ato revogatório conducente a esse resultado.

30. O fio condutor na evolução da norma de isenção estaria, assim, definido, num primeiro momento, os juros (que pressupõem sempre a existência do crédito); depois, juros e crédito de que aqueles resultem e, por último, o crédito, e os juros e comissões decorrentes daquele, pelo que se deve assim manter o entendimento proposto de que a isenção em apreço só é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.

31. Na realidade, apesar das sucessivas alterações da redação da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS (anterior artigo 6.º do CIS) e da leitura à mesma, só poderemos concluir que esta isenção não se pode aplicar a qualquer comissão cobrada, mas apenas àquelas que tenham subjacente, operações destinadas à concessão de crédito.

32. Não podemos assim concordar com a posição assumida pela Reclamante, concluindo-se que as comissões de gestão cobradas não poderão estar isentas de imposto do selo ao abrigo daquela norma, porquanto na realidade, a isenção concedida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º (anterior artigo 6°) do CIS com a redação dada pela Lei n.º 107-8/2003, de 31 de dezembro, tem como elemento catalisador o crédito concedido nos termos concedidos nos termos mencionados em tal normativo, entendimento confirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 02754/08, de 21.09.2010 […]»

 

T.            A decisão de indeferimento foi notificada à Requerente a 18.07.2018.

 

U.           A 12.10.2018 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

A.2. Factos não provados

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção da árbitra fundou-se nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Enquadramento normativo

 

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIS:

«O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.»

 

Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo 1.º do CIS determina que não são sujeitas a imposto de selo as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas. No presente caso, as operações estão isentas de IVA nos termos da alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, pelo que resulta da norma citada a sujeição das mesmas a imposto do selo.

 

Em concreto, é a verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto de Selo que prevê a sujeição a IS destas operações - “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» -, à taxa de 4 %.

 

Contudo, importa atender também às normas de isenção previstas no artigo 7.º do CIS, nomeadamente ao disposto na alínea e), que estabelece o seguinte:

[São também isentos do imposto]:

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 

Quanto ao âmbito de aplicação desta norma, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, veio, com carácter interpretativo atribuído pela norma constante do respetivo artigo 154.º, aditar a seguinte norma, atualmente constante do n.º 7:

“7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

 

Importa, assim, decidir se, no caso concreto, a norma de isenção é aplicável às operações realizadas pela Requerente ou não.

 

B.2. Aplicação do direito no caso concreto

 

Importa decidir nos presentes autos se a isenção do Imposto de Selo prevista no artigo 7.°, número 1, alínea e) do Código de Imposto de Selo é aplicável às comissões de gestão e administração cobradas pela Requerente aos fundos de pensões por si geridos, as quais, para o que releva neste caso, foram cobradas durante o ano de 2013.

 

A decisão de tributação por parte da AT estriba-se não só nas normas de sujeição citadas – em vigor à data dos factos – mas também em duas normas posteriores à ocorrência dos factos tributários - o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, e o artigo 154.º, da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, que atribuiu caráter interpretativo àquele n.º 7.

 

Não são alvo de discussão nos presentes autos nem o facto de as comissões terem sido efetivamente cobradas aos fundos geridos pela Requerente, nem o facto de se verificar o âmbito subjetivo da isenção (os fundos de pensões e as respetivas sociedades gestoras são, no ordenamento jurídico português, considerados como instituições financeiras autorizadas ou reguladas – cf., nomeadamente, a alínea e) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários.

 

O que está em causa é saber se o tipo de comissão cobrado pela Requerente está incluído na norma de isenção por esta invocada para a não cobrança de imposto do selo, o que implica saber se o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela LOE 2016, que se reporta ao âmbito de aplicação daquela norma de isenção, se aplica in casu ou não.

 

A Requerente repudia a aplicação da norma interpretativa vertida no n.º 7 do artigo 7.º do CIS a exercícios anteriores aos da sua entrada em vigor, com fundamento em violação da proibição de retroatividade contida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.

 

O cerne da questão está, portanto, em decidir se a norma interpretativa o é realmente, ou se, tendo caráter inovador, deverá ser aplicada apenas a factos tributários ocorridos depois da sua entrada em vigor.

 

Para tal, importa elencar a sequência de redações das normas relevantes para a decisão.

 

Na versão originária (constante do então artigo 6.º), a isenção em análise reportava-se à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito.

«e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997. […]

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições, da mesma natureza a entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997».

 

A Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, aditou um número 2 ao artigo 6.º e, através da norma nele prevista, restringiu o âmbito da isenção às operações financeiras destinadas à concessão de crédito:

“Artigo 6.º [...]

1 - […].

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.”

 

Através do artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, o legislador juntou as duas modalidades de operações financeiras na mesma alínea, fundindo as alíneas e) e f). Ao mesmo tempo, eliminou a norma que constava do n.º 2 e substituiu-a pela do anterior n.º 3:

«Imposto do selo

O artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 6.º

Outras isenções

1 - Ficam também isentos do imposto: […]

e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças; […]

2 - (Anterior n.º 3.)

3 - (Anterior n.º 4.)»

 

Com o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, o regime do art. 6.º, n.º 1, al. e) do CIS migrou para o art. 7.º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma, e, posteriormente, a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, alterou a formulação legislativa da alínea em apreço, alargando o âmbito da isenção às «garantias prestadas»:

“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

 

O art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS manteve, desde então, a seguinte redação: “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

 

Posto isto, o que dizer do caráter interpretativo atribuído ao n.º 7 do artigo 7.º do CIS pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março?

 

Parece-nos inequívoco que a restrição do âmbito de aplicação da isenção operada pelo n.º 7 do artigo 7.º do CIS só voltou a ser expressamente instituída, depois de ter sido expressamente eliminada em 2002, pela Lei n.º 7-A/2016. E que, assim, sendo, a norma não tem caráter verdadeiramente interpretativo, mas sim inovador.

 

Mas ainda que se tivesse essa interpretação como controvertida, sempre seria de aplicar a doutrina seguida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 267/2017: “do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva de novo direito e, como tal, substancialmente retroativa, é condição suficiente a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído.” (sublinhado nosso)

 

Concluímos, assim, que a Lei do Orçamento para 2016 [– a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março –] veio, assim, expressamente restringir o campo de aplicação da isenção em Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo caracterizada pelo legislador como interpretativa, isso determinaria a sua aplicação desde a vigência da norma interpretada, com a consequência de os sujeitos passivos serem confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas restringido pelas normas sobre caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.

 

No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequentemente, o legislador não pode nem criar impostos com tal natureza nem introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem.

 

Quanto a esta matéria, o Tribunal Constitucional já teve, aliás, oportunidade de se pronunciar no Acórdão n.º 644/2017, Processo n.º 519/17, 2.ª Secção, cujo Relator foi o Conselheiro Pedro Machete.

 

Em conclusão, entendemos que assiste razão à Requerente ao suscitar a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do CIS, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos. Por esse motivo, este tribunal arbitral entende ser de recusar a aplicação desta norma do artigo 154.º da º 7-A/2016 (artigo 204.º da CRP) a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, designadamente no ano de 2013 a que se reportam as liquidações impugnadas.

 

Verificam-se, deste modo, todos os pressupostos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que todas as comissões em causa nas liquidações impugnadas, cobradas por uma sociedade gestora de fundos de pensões aos fundos que gere, são abrangidas pela isenção.

 

Consequentemente, as liquidações impugnadas são ilegais, por violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. Entendem-se abrangidas nesta consequência as liquidações de juros compensatórios, na medida em que as mesmas têm como pressuposto as liquidações de Imposto do Selo, pelo que, tendo-se concluído pela ilegalidade destas, aquelas liquidações enfermam dos mesmos vícios, justificando-se a sua anulação concomitante.

 

Pedido de indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Conforme já foi abundantemente referido em decisões arbitrais em matéria tributária deste Centro de Arbitragem Administrativa, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

 

Decorre da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que a arbitragem foi instituída para ser uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária - «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

E, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

 

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento uma indemnização por prestação de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação que constitui o fundamento inicial para a constituição da garantia.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

 

Analisemos, pois, o pedido formulado pela Requerente.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

No caso em apreço, o erro de direito que afeta as liquidações impugnadas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as mesmas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

 

Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da prestação de garantia bancária n.º ………. para suspender o processo de execução fiscal n.º …2017… (cf. documentos 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigo 609.º no Código de Processo Civil e artigo 565.º do Código Civil).

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

(a)          Julgar procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016..., no valor de € 40.440,85;

(b)          Julgar procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., no valor total de € 5.004,01.

(c)          Determinar a restituição integral do montante de imposto e juros compensatórios liquidados;

(d)          Julgar procedente o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização pela prestação da garantia bancária n.º... destinada a suspender o processo de execução fiscal n.º ...2017..., cujo montante deverá ser determinado em execução da presente decisão.

 

V – Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 45.664,86 (quarenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI – Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros) nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida. 

 

VII - Notificação ao Ministério Público

 

Sendo o Ministério Público representado nos demais tribunais nos termos da lei [artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público] e não estando prevista na lei a representação do Ministério Público junto dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, notifique-se a presente decisão à Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, atendo o disposto no n.º 3 do artigo 280.º da CRP.

 

Lisboa, 18 de junho de 2019

 

 

A Árbitro

 

(Raquel Franco)