Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 678/2018-T
Data da decisão: 2019-05-27  Selo  
Valor do pedido: € 588.633,37
Tema: IS - Operações financeiras. Fundo de investimento imobiliário. Instituição financeira. Isenção. Ónus da prova
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Dr. Nuno Maldonado Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2019, acordam no seguinte:

      

                1. Relatório

 

                A.... S.A. (doravante, “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – B... (doravante, “Fundo”), com o número de identificação fiscal ..., veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a anulação de liquidações de Imposto do Selo, no montante de € 588.633,37.

                A Requerente pede ainda que seja declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou, e pretende o reembolso da quantia de € 588.633,37 e juros indemnizatórios.

                É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-12-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 16-04-2019, a Requerente apresentou prova documental, que foi admitida por despacho de 24-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre este requerimento.

Nesse mesmo despacho foi dispensada reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

 Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           O Fundo aqui representado pela Requerente, nos termos do respectivo Regulamento de Gestão é um fundo aberto de investimento imobiliário, de duração indeterminada, sendo a respectiva actividade hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           A  administração, gestão e representação do Fundo são da competência da aqui Requerente, sendo as funções de entidade depositária asseguradas pelo C..., S.A, (doravante abreviadamente designado como “C...”);

C)           O Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do C..., designadamente, crédito sob a forma de descoberto bancário atribuído por este mesmo banco, sobre o qual são cobrados os respectivos juros;

D)           O Fundo ainda suporta comissões por serviços financeiros prestados pelo C...;

E)            O C... liquidou e entregou o Imposto do Selo, ao abrigo da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ("TGIS”),› devido com referência:

  à utilização de crédito sob a forma de descoberto bancário - operações abrangidas pela verba 17.1.4 da TGIS;

– aos juros devidos no âmbito de descobertos bancários detidos pelo Fundo – operações abrangidas pela verba 17.3.1 da TGIS;

– às comissões por outros serviços financeiros prestados - operações abrangidas -pela verba 17.3.4 da TGIS;

F)                      O Imposto do Selo sub judice, referente às operações acima referidas, foi objecto de liquidação por parte do C... através das correspondentes' declarações de pagamentos;

G)           O C... repercutiu o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo – enquanto utilizador do crédito em causa -, que suportou integralmente este imposto –   cfr. extractos bancários, que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

H)           No âmbito das operações de crédito utilizadas pelo Fundo, este suportou Imposto do Selo liquidado pelo C..., nos termos que se discriminam no quadro que segue:

 

 

I)             Em 20-08-2018, a Requerente, em representação do Fundo apresentou reclamação graciosa dos referidos actos de liquidação de Imposto do Selo, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

J)            Não foi proferida decisão sobre a reclamação graciosa até 22-12-2018, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. Matéria de direito

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), o Imposto do Selo incide, além do mais, sobre os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.

Na verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) prevê-se a incidência do Imposto sobre «operações financeiras», em que se incluem as «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» (verba 17.3).

O artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS estabelece na redacção da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, o seguinte:

 

1 – São também isentos do imposto:

 

(...)

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

A Requerente alega, em suma, que as liquidações impugnadas se referem utilização de crédito, juros e comissões por serviços financeiros cobradas por uma instituição de crédito, tendo as liquidações sido efectuadas aplicando as verbas 17.1.4, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS.

Estas verbas, prevêem as seguintes situações:

 

17.1.4                Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 .........................................0,04%

17.3.1                   Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação ............. 4%

17.3.4                   Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ........................4% (   )

 

A Requerente alega, em suma, que o crédito a que se referem as guias de pagamento do Imposto do Selo foi concedido ao Fundo por uma instituição de crédito/instituição financeira e que o Fundo também é uma instituição financeira pelo que se aplica esta isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1,alínea e), do CIS.

 

3.1 Qualificação do Fundo como instituição financeira

 

Não há controvérsia sobre esta qualificação do Fundo como instituição financeira, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que os fundos de investimento imobiliário são «Instituições financeiras», para efeitos da alínea e) do artigo 7.º do CIS.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita o entendimento da Requerente, que adoptou já em Informações Vinculativas, designadamente a 2017000303 - IVE n.º 11733, com despacho concordante de 07-07-2017, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, invocada pela Requerente. (   )

Nesta Informação Vinculativa refere-se o seguinte, além do mais:

 

Nas alíneas u) e aa) do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo – Decreto-Lei n.º 63-A/2013 - e à alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários; transpôs parcialmente as Diretivas n.ºs 2011/61/UE e 2013/14/EU) - são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes. Estes últimos são subdivididos em diferentes tipos de organismos, entre os quais se encontram:

"ii) «Organismos de investimento alternativo», que são os demais, designadamente os previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior e ainda:

1.º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento coletivo em valores mobiliários ou outros ativos financeiros, designados «organismos de investimento alternativo em valores mobiliários»;

2.º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário»".

Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5.º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o n.º 2 do artigo 6.º, ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.

Não são, assim, os OIC's qualificados como sendo "instituições financeiras" (o mesmo sucede no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro); apenas na alínea d) do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários (DL n.º 486/99, de 13 de novembro), conjugada com a alínea f) do mesmo código, o legislador parece qualificá-los como "outras instituições financeiras".

No entanto, a norma de isenção exige que a sua aplicação dependa da natureza jurídica que é reconhecida no direito comunitário ao sujeito sobre quem incide o encargo do imposto.

São qualificados na legislação comunitária como "Instituições Financeiras" os fundos de investimento imobiliário/OIC's?

 

1.2.2.1. A Diretiva 2005/60/CE - "Prevenção da Utilização do Sistema Financeiro para efeitos de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo" - (o artigo 66.º da Diretiva n.º 2015/849/EU, de 20 de maio de 2015, dispõe que as Diretivas 2005/60/CE e 2006/70/CE são revogadas com efeitos a partir de 26 de junho de 2017).

O n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva 2005/60/CE - definição de "instituição financeira"

Na previsão da alínea a) deste n.º 2, que nos remete para os pontos 2) a 12) e 14) do anexo I da Diretiva 2000/12/CE, não cabem os fundos de investimento imobiliário.

Na alínea d) são ainda qualificadas de "instituição financeira" as empresas de investimento coletivo que comercializem as suas unidades de participação ou ações.

 

1.2.2.2. Realce-se o facto de que o n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2015/849/EU, de 20 de maio de 2015, reproduz o n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva 2005/60/CE, qualificando "ipsis verbis" como «instituição financeira», nos termos da alínea d), "um organismo de investimento coletivo que comercialize as suas ações ou unidades de participação", não se fazendo qualquer distinção quanto à forma jurídica que os OIC´s possam revestir ou à composição da sua carteira de fundos.

Temos, assim, que na alínea d) de ambos os diplomas o legislador qualifica as empresas de investimento coletivo que comercializem as suas unidades de participação ou ações de instituição financeira. Estará o fundo de investimento imobiliário também aqui previsto?

 

1.2.2.3. Importa, ainda, referir a Diretiva 2011/61/EU (relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos) que no seu artigo 4.º, n.º 1, alínea a), define Fundo de investimento alternativo (FIA) como sendo um organismo de investimento coletivo que "reúna capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimento definida em benefício desses investidores" e "não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.º da Diretiva 2009/65/CE". Relativamente a este segundo requisito deve entender-se que o presente fundo de investimento também o preenche, porquanto não é um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e esta diretiva "coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários". Resulta do exposto, que o FII é assim qualificado uma subespécie de FIA, que, por sua vez, é uma subespécie de "empresas de investimento  coletivo".

 

1.2.2.4. Sobre a matéria relativa à qualificação dos fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, já objeto de estudo, considera-se que:

Existe, uma grande coincidência entre as atividades exercidas pelas SCR e as atividades que, nos termos da Diretiva 2006/48/CE e da Diretiva 2013/36/UE, habilitam uma entidade a qualificar-se como "instituição financeira", na medida em que tal definição abrange uma instituição "que não sendo uma instituição de crédito, tem como atividade principal a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15", das referidas diretivas, onde se incluem, nomeadamente, a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão, a consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas, a gestão de carteiras, a custodia e administração de valores mobiliários.

Os FCR, embora sejam qualificados organismos de investimento coletivo [A recente publicação do Regulamento (UE) n.º 345/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de abril de 2013 relativo aos fundos europeus de capital de risco veio responder à necessidade de definição de um quadro comum de regras relativas à utilização da designação «EuVEGA» para qualificar os fundos de capital de risco europeus, em especial no que se refere à composição da carteira dos fundos que operam sob esta designação, aos seus objetivos de investimento elegíveis, aos instrumentos de investimento que podem utilizar e as categorias de investidores elegíveis para neles investir, segundo regras uniformes em toda a União.» (cfr., Considerando 2)], não integram a categoria de instituições de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) por não serem abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, sendo incluídos na categoria de "Fundos de Investimento Alternativo" (FIA) [Nos termos do artigo 4.º. n." 1, alínea a) da Diretiva 2011/61/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos, um FIA é definido como: um organismo de investimento coletivo, incluindo os respetivos compartimentos de investimento que, (i) reúne capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimentos definida em benefício desses investidores: e (ii) não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.° da Diretiva 2009/65/CE.].

De qualquer modo, quanto a saber se os FCR podem caber na qualificação de instituição financeira, a nosso ver é possível incluí-los no elenco de entidades constante do n.º 2 do artigo 3.° da Diretiva 2005/60/CE, mas para dissipar qualquer dúvida, bastará remeter para a proposta de diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras [COM(2013)71 final, de 14.02.2013.], cujo artigo 2.° (8), alínea g) qualifica como instituição financeira "Um fundo de investimento alternativo (FIA) e um gestor de fundos de investimento alternativos (GFIA), na aceção do artigo 4.°, da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho", de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos.

Pelo exposto, no quadro da legislação comunitária relevante, pode considerar-se que, tanto as SCR como os próprios FCR, podem ser inseridos na categoria de "Instituições financeiras".

 

1.3. Do exposto, verifica-se que do mesmo modo que um fundo de capital de risco deve ser qualificado como FIA, e, como tal, é uma "Instituição Financeira", também o fundo de investimento imobiliário em análise deve, igualmente, ser qualificado como tal.

 

CONCLUSÃO

O fundo de investimento imobiliário … é qualificado como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estará isento de imposto do selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas.

 

Assim, pelos fundamentos referidos, é de entender que o Fundo constitui uma instituição financeira, para efeito da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

 

3.2. Questão da falta de prova de que as liquidações se reportam a Imposto do Selo liquidado ao abrigo das verbas 17.1.4. 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS

 

Os obstáculos essenciais colocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, à pretensão da Requerente são relativos à prova de que as liquidações de Imposto do Selo efectuadas pelo C... e debitadas ao Fundo se enquadram na referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente faz referência a um «contrato de empréstimo celebrado entre a Requerente e a instituição bancária», que não foi junto.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz que apenas foi junta «uma declaração da entidade bancária, mas sem qualquer suporte documental, sejam as guias de pagamento de IS aí mencionadas, seja outro documento que sustente as operações aí alegadas» e que «os extratos bancários juntos com o ppa não permitem identificar a que ato/operação respeita o pagamento aí referido».

Haverá, decerto, lapso da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a Requerente não faz referência a nenhum contrato de empréstimo.

Mas, na sequência da Resposta, a Requerente apresentou novos documentos relativos às condições da conta que tem no C... (documento n.º 1 junto em 16-04-2019) e facturas relativas às operações que invoca, com referências à liquidação de Imposto do Selo ao abrigo das verbas 17.1.4 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS (documento n.º 2 junto com esse requerimento).

Afigura-se que é de considerar provado que as liquidações a que se referem as guias se reportam a actos enquadráveis nas verbas da TGIS indicadas pela Requerente.

No que concerne às guias de pagamento são identificadas pela Requerente através dos seus números e, tratando-se de documentos entregues à Autoridade Tributária e Aduaneira, o  ónus da prova dos factos que delas constam  «considera-se satisfeito» nos termos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, pois o interessado procedeu à correcta identificação desses documentos e não é sequer aventado que os números indicados estejam errados ou não tenham sido efectuados os pagamentos.

Por outro lado, as facturas que juntas com o requerimento de 16-04-2019 e os movimentos bancários que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral confirmam que foram cobradas ao Fundo as quantias em causa.

Assim, é de considerar demonstrado que foram debitados à Requerente os valores em causa que foram entregues à Autoridade Tributária e Aduaneira através das guias identificadas nos autos e que se reportam a liquidações de Imposto do Selo efetuadas em cumprimento das verbas 17.1.4, 17.3.1 e 17.3.4 da TGIS.

Afinal, a prova de que as liquidações se reportam a actos enquadráveis nas verbas referidas foi implicitamente considerada suficiente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao receber as quantias liquidadas, sem efectuar qualquer correcção ou pedir quaisquer esclarecimentos ao Banco ou ao Fundo.

De qualquer modo, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem aventa sequer que os tributos não se reportem a comissões cobradas ao abrigo das verbas referidas pelo que, se existissem hipotéticas dúvidas, elas teriam de ser consideradas fundadas e, por isso, valoradas a favor do contribuinte, por força do preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, , o que se reconduz processualmente a considerar provada a alegação da Requerente.

Pelo exposto, as liquidações referidas estão abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que, sendo ilegais, devem ser anuladas, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, bem como o indeferimento tácito da reclamação graciosa. 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Como consequência da anulação das liquidações, o Fundo tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas (artigo 100.º da LGT).

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo e do indeferimento tácito da reclamação graciosa, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

                1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

                2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O indeferimento tácito da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que omitiu o seu deferimento, que deveria ter sido efectuado até ao termo do prazo legal de quatro meses, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.

No entanto, o erro que afecta as liquidações não é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois nenhuma intervenção teve para que fossem efectuadas.

Por outro lado, não se provou que existisse alguma orientação genérica da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da liquidação de Imposto do Selo nas situações referidas.

Por isso, quanto aos actos de liquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento tácito da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, dentro do prazo de quatro meses e esta omissão é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, através do não deferimento da reclamação graciosa, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. (   )

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 20-08-2018, pelo que deveria ser deferida até 20-12-2018, limite do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir do dia imediato, começam a contar-se juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 21-12-2018 (data em que o erro das liquidações passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

5. Decisão

 

                Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa;

c)            Anular as liquidações de Imposto do Selo a que se referem as guias indicadas no quadro que segue:

 

d)           Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 588.633,37 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo reembolso à Requerente;

e)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos que se referem no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 588.633,37.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 27-05-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Suzana Fernandes da Costa)

(Nuno Maldonado Sousa)