Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2019-T
Data da decisão: 2019-06-24  IRC  
Valor do pedido: € 418.005,93
Tema: Falta de fundamentação da liquidação - Juros compensatórios. Ajustamentos de justo valor – SGPS - Benefício fiscal
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

  

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Nuno Maldonado Sousa (árbitros vogais, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-12-2018), acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., SGPS, S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua..., ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada como “Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pede que seja anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, o acto de liquidação de IRC n.º 2017..., o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., que originaram um montante global a pagar por referência ao exercício de 2012, de € 418.005,93.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-01-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do encargo do exercício das funções de árbitro no prazo aplicável.

Em 12-03-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-04-2019.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 07-05-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou, em 2015, uma acção de inspeção à Requerente ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2015... e direcionada às SGPS, destinada a confirmar o tratamento fiscal das mais-valias e menos-valias obtidas com partes de capital (cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           Em resultado da inspeção foram realizadas correções à matéria coletável de IRC do exercício de 2011 no montante de € 2.801.228,95, tendo, em consequência das mesmas, o prejuízo fiscal declarado de € 229.614,79 passado para um lucro tributável de € 2.571.614,16;

C)           Após a notificação do relatório final de inspeção, a ora Requerente foi notificada da liquidação de IRC de 2011 com o n.º 2015..., no valor de € 68.809,50 (Documento n.º junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           A Requerente deduziu, num primeiro momento, reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios relativos ao exercício de 2011 e, posteriormente, deduziu, na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, um pedido de pronúncia arbitral, o qual correu termos, junto do Tribunal Arbitral, sob o n.º 392/2017-T e no qual foi proferido acórdão que decidiu a anulação dos actos de liquidação, a condenação da Administração Tributária e Aduaneira na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e em que foi afirmado que «caberá à AT. Nos termos legais, retirar as consequências do ora decidido, nomeadamente quanto a existência e prejuízos reportáveis para exercícios seguintes» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            Em execução deste acórdão arbitral, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu um novo ato de liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2011, do qual resulta imposto a reembolsar de € 89,44 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            Posteriormente, e por referência aos exercícios 2012 e 2013, a ora Requerente foi também objecto de uma acção de inspecção, a coberto das ordens de serviço n.ºs OI2016... e 012016..., da qual resultaram correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC dos exercícios de 2012 e 2013 no montante de € 1.558.571,09 e € 1.553.887,00, tendo, em consequência da mesma o prejuízo fiscal declarado de € 89.081,03 e de € 310.603,50, respetivamente, passado para um lucro tributável de € 1.469.490,06 e € 1.243.283,50 (Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Após a notificação do Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC e de Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2012 e de 2013, contra os quais a ora Requerente deduziu reclamação graciosa, as quais foram indeferidas, sendo os actos relativos ao exercício de 2012 os que são objecto do presente processo arbitral;

H)           Relativamente ao exercício de 2014, a ora Requerente foi também objecto de um procedimento de inspeção, o qual foi iniciado a coberto da ordem de serviço n.º 0I2017... e do qual resultaram correções meramente aritméticas ã matéria coletável de IRC daquele exercício no montante de € 1.547.919,56, tendo, em consequência da mesma, o prejuízo fiscal declarado de € 163.821,83 passado para um lucro tributável de € 1.384.097,73 (Documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Posteriormente, a ora Requerente foi notificada da liquidação de IRC e de Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2014, sendo que como a ora Requerente não se conforma com a ilegalidade daquelas liquidações, foi deduzido pedido de revisão oficiosa daquelas liquidações (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            Relativamente ao exercício de 2015 a Requerente foi notificada, através de Ofício emitido, em 28 de julho de 2017, pela Direção de Serviços de IRC, do qual resultava que “O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, evidenciado na declaração modelo 22 do período de 20/5, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo.”, que tem o seguinte teor:

 

(documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K)           Em 13-03-2017, a Requerente pagou a quantia de € 418.005,93, liquidada relativamente ao exercício de 2012 (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

L)            No RIT relativo aos exercícios de 2012 e 2013 refere-se, além do mais, o seguinte:

III.2. INVESTIMENTOS E INSTRUMENTOS FINANCEIROS: DO DIREITO E DA MATÉRIA DE FACTO RELEVANTE

III.2.1. Da valorização dos Investimentos e instrumentos financeiros

III.2.1.1 Da transição para o SNC e utilização do modelo de valorização peio justo valor

Decorrente das obrigações de Portugal, junto da União Europeia, por via legislativa, foi em 2009, introduzido, via Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), no ordenamento jurídico nacional, vigorando desde 1 de janeiro de 2010. Acolhendo este as novas orientações contabilísticas emanadas da UE, designadamente as que constavam do Regulamento CE n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de julho.

A Introdução do SNC veio, assim, substituir o então referencial contabilístico, assente no Plano Oficial de Contabilidade - POC. Concomitantemente, uma maior permissividade na aceitabilidade do modelo de valorização pelo justo valor. Com efeito, não obstante, este modelo já fosse utilizado, na vigência do POC, eram restritas as situações da sua utilização, por se dirigir a situações muilo especificas, num período em que o regime regra de mensuração assentava no custo histórico.

Por sua vez, o legislador fiscal, sentiu a necessidade de proceder a alterações no regime de tributação das pessoas colectivas, mormente no CIRC, por forma a acolher as alterações introduzidas pelo SNC. Com este desiderato foi aprovado o Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de julho.

Por via deste Decreto-Lei (DL), o legislador, passou a consagrar relevância fiscal à utilização do justo valor como critério de mensuração dos activos, nomeadamente dos instrumentos e investimentos financeiros.

Cumpre assim, extrair as consequências fiscais dessa mesma relevância. Desde já se adiantando, que a contrário do legislador contabilístico, o legislador fiscal, foi mais limitativo, na aceitabilidade das consequências fiscais, mormente na determinação do lucro tributável, resultante da utilização do critério do justo valor. Ciente da existência, ou probabilidade de existir, alguma subjetividade associada à utilização do critério do justo valor como base de mensuração e da dificuldade de concatenar a tributação dos ajustamentos do justo valor com o princípio da capacidade contributiva, conduziu a que, para efeitos fiscais, a sua aceitabilidade fosse parcial e limitada. Ciente de tudo o que se vem exposto, melhor se compreende, que legislador tributário lhe conceda relevância tributária-fiscal apenas nos casos expressamente identificados, mormente aos Instrumentos financeiros, quando, como se refere no preâmbulo do DL 159/2009, em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Excluindo assim, os instrumentos financeiros de capital próprio que não tenham o seu preço formado num mercado regulamentado e cujas partes de capital correspondam a mais de 5% do capital social [(al. b), al. a) do n.º 9, do artigo 18.º do CIRC].

Adicionalmente, com a aceitação fiscal do modelo do justo valor, em detrimento do custo histórico, o legislador fiscal, preconizou um regime transitório (artigo 5.º do DL 159/2009). A coberto deste, as sociedades comerciais tiveram, numa primeira fase, no início de 2010, de ajustar as suas demonstrações financeiras, antes, maioritariamente, elaboradas, em atenção ao disposto no Plano Oficial de Contabilidade e dos Princípios de Contabilidade Geralmente aceites - PCGA, ao custo histórico, por forma a refletirem as consequências do novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC). A relevação contabilística dos denominados efeitos de transição passaram, em síntese, pela inscrição numa conta SNC dos capitais próprios, dos valores (positivos ou negativos) decorrentes dos, necessários, ajustamentos efetuados nas diversas rubricas da contabilidade.

Ciente dos efeitos fiscais (positivos ou negativos), resultantes dos referidos ajustamentos do critério de mensuração dos ativos, em sede de determinação do lucro tributável, estatui o legislador (n.º 1 do artigo 5º do DL 159/2009), a possibilidade de a relevância fiscal se diluir ao longo de cinco exercícios. Concorrendo aqueles em partes Iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação (ie em 2010) em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes (ie em 2011 até 2014, inclusive).

 

III.2.1.2. Dos investimentos e da utilização do Justo Valor como modelo de valorização e dos ajustamentos de transição - efeitos fiscais.

Resulta da informação supra (ponto II.3.) que o SP possui, no exercício, contabilisticamente relevados, investimentos em instrumentos financeiros, partes de capital cujo valor (preço) é determinado num mercado regulamentado, seja na Bolsa de Valores.

No contexto do quadro legal uso referido e, bem assim, na convocação do preceituado na al. a) do n.º 9 do artigo 18º do CIRC, o legislador permitiu que, quanto aos ajustamentos positivos ou negativos das partes de capital, valorizadas ao justo valor, ao invés de serem, contabilisticamente registados, numa conta SNC de Ganhos /Perdas, sejam registados numa conta de capital próprio. Esta excepção é consentida pelo legislador fiscal, quando a entidade societária utiliza as normas internacionais de contabilidade, nomeadamente a IAS 32 e a IAS 39, para o cálculo dos ajustamentos contabilísticos das partes de capital, registando estes numa conta de capitais próprios e, por conseguinte, que não sejam, no exercício em que se verificam, considerados fiscalmente relevantes nos termos do IRC (artigo 5.º n.º 1 do decreto lei 159/2009 de 13 de Julho).

Atento ao inscrito no documento Anexo ao Balanço e à Demonstração de resultados dos exercícios findos a 31 de Dezembro, registamos que:

O SP refere:

2 2 Disposições do SNC derrogadas no exercício

A Norma Contabilística e de Relato Financeiro que trata do reconhecimento, mensuração e divulgação de instrumentos financeiros do SNC é a NCRF 27. No entanto ao abrigo da opção prevista no parágrafo 2 da NCRF 27 a Empresa optou por aplicar integralmente as Normas Internacionais de Relato Financeiro ("IAS / IFRS”) tal como adoptadas pela União Europeia em vigor em 31 de Dezembro de 2010, no tratamento contabilístico de todos os seus Instrumentos Financeiros.

Deste modo a Empresa aplica integralmente a todos os seus Instrumentos financeiros as normas IAS 32 - Instrumentos Financeiros Apresentação, a IAS 39 - Instrumentos Financeiros Reconhecimento e Mensure e a IFRS 7 - instrumentos Financeiros Divulgação de Informações.

Neste sentido, analisada a contabilidade, o SP registou os ajustamentos positivos ou negativos, nos termos da norma Internacional, supra referida.

 

III.2.1.2.1 - Quanto aos efeitos fiscais dos ajustamentos de Transição

Relativamente a este ponto, somos aqui a convocar o já manifestado, no procedimento inspetivo ao exercício de 2011, feito ao abrigo da OI 2015... e já encerrada, após submissão ao exercício de direito de audição por parte do SP.

No procedimento supra, aferiu-se que o SP relevou contabilisticamente, a título de ajustamentos relativos à transição do POC para o SNC e relativamente à participação de capital que detinha no Banco B..., a importância de 7.768.698,68 euros.

Aqui convocando a argumentação explanada no Relatório elaborado ao abrigo da OI 2015... para o exercício de 2011, que por uma questão do iter cognoscitivo, transcreve, nas partes que aqui relevam. Sempre se refira, que em 2011 o SP alienou ações representativas do capital social do Banco B... .

In pág. 10 e ss.

O SP oportunamente remeteu (via email) os elementos pedidos, discriminando os movimentos contabilísticos das ações do Banco B... . reportando aos exercícios de 2009 a 2011. Citando por ordem cronológica, destacamos o seguinte:

Email enviado em 2015.02.25

1) O valor de 9 117 151,50 Euros constante no Q.07 Campo 767, diz respeito as mais-valias realizadas no exercício de 2011, de acções detidas à mais de um ano: - Venda das Acções do Banco B...:

 

Nota: As acções adquiridas a 1/10/2010, resultaram da conversão de direitos adquiridos sobre acções que a Empresa detinha à mais de l ano.

As acções alienadas do Banco B... tinham associada uma operação de cobertura iniciada em 2009 que foi regularizada com a venda.

Email enviado em 2015.03.16

Movimentos contabilísticos das Acções do B... de 2009 até 2011:

Ano de 2009:

A empresa detinha 1 516 483 acções, valor de aquisição - 9 746 679,97 e valor de mercado 17 515 378,65 Euros, a variação de justo valor foi registada por reservas:

 

Ano de 2010:

A empresa detinha 1 535 974 acções de valor de aquisição – 9 927 570.92 e valor de mercado 12 177 201,97 Euros, neste exercício foi feita uma operação de cobertura sobre as acções existente, o que fez com que a variação de justo valor do ano fosse registada numa conta de resultados:

 

Ano de 2011:

A Empresa vendeu 1 531 876 acções valor de aquisição 9 926 710,30 e valor de mercado 13 210 069,49 Euros:

 

Remetendo para o resumo dos movimentos enviado pelo sujeito passivo, salientamos o seguinte: "Em suma, foram feitos os seguintes movimentos em 2011 relativos à venda das acções do Banco B...:

 

1) Diferença entre a rubrica mais valia contabilística (no valor de o valor € 3 283 359.19) e a anulação do justo valor contabilizado em 2010 (no valor de € 2 249 630,95), acrescido do valor de aquisição das 51 ações restantes, no exercício de 2011.

(2) 23 629 ações atribuídas à sociedade e vendidas em 2011.

(3) Variação do justo valor registado por reservas em 2009.

(4) O SP deveria querer dizer valor a deduzir no quadro 07 campo 767.

 

Assim, face aos factos descritos, importa realçar que a questão não seria o facto de as ações do Banco B... se encontrarem registadas ao justo valor e serem relevadas na contabilidade através de uma conta do SNC do capital próprio, mas o facto destas estas mesmas ações estarem indexadas a uma designada operação de cobertura, cujo instrumento financeiro derivado utilizado foi registado pelo justo valor através de resultados, influenciando, nomeadamente, o apuramento do resultado líquido do exercício anterior ao da alienação.

Tal como assumido pelo SP, devido à existência do instrumento financeiro derivado de cobertura (call option), para diminuir o risco de exposição à variação do justo valor das ações do Banco B..., a empresa tratou o instrumento de cobertura e o item coberto através de contas de resultados do exercício, como se comprova pelos lançamentos realizados em 2010, respetivamente, na conta do SNC 77 - Ganhos por aumentos de justo valor - em instrumentos financeiros, e na conta 66201 - Perdas por reduções de justo valor - em instrumentos financeiros -B... . Neste último caso, o valor do ajustamento de € 5.519.067,73, resulta da diferença entre o ajustamento realizado no ativo por ocasião da adoção do SNC e o realizado no final do exercício de 2010, ou, dito de outro modo, da diferença entre o justo valor no início e no final do exercício de 2010, determinado da seguinte forma:

 

Neste sentido, a circunstância referida evidência a não contabilização da operação de acordo com as NIC's, uma vez que o SP deixou de refletir em contas do capital próprio as variações de justo valor, para passar a influenciar o apuramento de resultados do exercido (deixou de prevalecer a alegada opção pelas NIC). Em concreto, no exercício que antecedeu a alienação do ativo (2010), a uma perda por redução do justo valor verificada no instrumento financeiro (ações), correspondeu uma variação de sinal contrário no justo valor do instrumento de cobertura.

 

III.1.2 Ajustamento de transição

[..-]

Assente neste quadro legal, e tendo por base os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento, 1/5 do montante de € 7 768 698,68, a que corresponde o montante de 1 553 739,74, deverá ter reflexos no apuramento do lucro tributável, nomeadamente, no Q.07 Campo 703, considerando que ficou demonstrada a relevância fiscal que no âmbito do SNC veio a ter o tratamento dado às acções do Banco B..., cujos ajustamentos foram realizados por contrapartida de resultados.

 

III.2.1.3. Proposta de Correção

No Q7 o SP acresceu, no exercício de 2012 e no de 2013, respetivamente, na linha 703 - Variações patrimoniais positivas (regime transitório previsto no art.º 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL n.º 159/2009, de 13/7) a importância de 8 468,98 euros, devendo acrescer, por tudo o supra transcrito, em ambos os exercícios, o valor correspondente a 11S de 7 763 693,68 euros, seja 1 553 739,74 euros.

Assim materializada:

 

 

III.2.2. Da utilização do modelo de valorização pelo MEP

De acordo com a informação prestada pelo SP, a sociedade comercial, utiliza como método de valorização, de parte, dos seus investimentos financeiros em entidades subsidiárias, associadas, ou conjunta mente controladas, o Método da Equivalência Patrimonial (MEP)

A utilização do MEP (disciplinado, na sua essência, na NCRF 13 §57 a § 63), enquanto método de contabilização das participações financeiras de capital próprio, caracteriza-se pelo facto da quota-parte dos resultados a que a empresa participante tem direito na participada ser contabilizada no exercício a que os resultados respeitam.

Contudo os ganhos/perdas contabilizados no âmbito da aplicação do MEP não relevam para efeitos fiscais, pelo que terão que ser acrescidos (perdas) ou deduzidos (ganhos) para efeitos de apuramento de lucro tributável, conforme disposto no n.º 7, do artigo 18.º do CIRC.

Assim, na sequência, da análise vertida aos lançamentos evidenciados no Balancete, mormente ao salde da conta SNC 6852 - Castos e Perdas em subsidiárias ...- MEP e 7851 - Rendimentos e Ganho: subsidiárias, ... -MEP. não se registam irregularidades,

Quanto ao exercido de 2012

 

(...)

 

III.3. ENCARGOS FINANCEIROS NÃO ACEITES FISCALMENTE - ARTIGO 32.º, n.º 2 DO EBF

III.3.1. Quadro legal do artigo 32.º n.º 2 do EBF

O regime fiscal especialmente aplicável às SGPS previsto no artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), determina, verificados os requisitos legais, e na redação em vigor à data dos factos ora sindicados pela Inspeção Tributária (dada pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro), que:

 

Artigo 32.º Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)

1 - (Revogado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro).

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital da que sejam titulares, desde que delidas por período não inferior a um ano e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades

 

Com este preceito o legislador quis consagrar a regra geral da exclusão da tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de partes de capital detidas pelas SGPS's (independentemente do negócio jurídico que lhe deu causa: se adquiriu as ações/quotas por compra ou por subscrição, se o seu valor aquisitivo foi ou não objecto de valorização, por incorporação de outros activos, nomeadamente fusão,...), por período igual ou superior a um ano, qualquer que seja o título por que a mesma se opere, e concomitantemente, entendeu o legislador que, não concorrendo as mais-valias para o lucro tributável, deixassem de concorrer os encargos financeiros suportados seja com a aquisição, reforço, dos capitais próprios das participações detidas em sociedades comerciais e bem assim das demais partes de capital detidas, nomeadamente em patrimónios autónomos sob a forma de Unidades de Participação (UP's) em Fundos de Investimento imobiliários.

Em cumprimento do legalmente disposto na Lei Geral Tributária - LGT, mormente no artigo 68.º A, e assente na necessidade de auxiliar o aplicador da norma, e de uniformizar procedimentos técnico -aritméticos resultantes da aplicação prática da norma acima referida, a Administração Fiscal, através da instrução n.º 7/2004 de 30/03/2004 da Direção de Serviços do IRC, vem esclarecer que:

- O novo regime, relativamente aos encargos financeiros, é aplicável 'nos períodos iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data" (ponto 5)

- O exercício em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercido a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2. do artigo 21.º do EBF. independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias ..." (ponto 8).

- No que diz respeito ao método de cálculo e respetiva imputação a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, que deverá a "imputação ser efectuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte os passivos remunerados das SCPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição"

A desconsideração dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consagrada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto e. do qual resulta que ( ) se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis (...)"'*, Princípio estabelecido no disposto no artigo 23.º n.º 1 do Código do IRC - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

 

III.3.2. Análise dos encargos financeiros suportados

A factualidade decorrente da análise efetuada às demonstrações financeiras do SP e documentos que lhe servem de suporte e, bem assim, da informação inserida no Portal Internet da AT (ex. declaração IES), em cumprimento das suas obrigações declarativas, implica que, se objetive que no exercício em causa, foram incursos encargos financeiros

 

III.3.2.1. Referente ao exercício de 2012 Juros suportados:

O SP no exercício registou em gastos, na conta snc 69.11 - Juros de Financiamento obtido, a importância de 202 249,11 euros.

Empréstimos obtidos:

Os encargos financeiros suportados pelo SP resultam de empréstimos/créditos obtidos e, concomitantemente, remunerados, no montante de 5 300 000,00 euros, conforme informação, infra, por este remetida.

 

Empréstimos concedidos:

Por sua vez, o SP não releva contabilisticamente, qualquer importância a título de empréstimos/créditos concedidos remunerados, conforme tabela infra, por este remetida:

 

Valor de aquisição das partes de capital

No cálculo a efetuar, concretamente no determinar do quantum do valor de aquisição das partes de capital, detidas pelo SP, e registadas nas contas SNC 14 e 41, temos de relevar para a sua concorrência, os elementos que integram o respetivo custo de aquisição.

Sendo que quanto a este temos de desconsiderar o efeito da utilização do MEP

Tendo presente os elementos remetidos pelo SP, elaborou-se a seguinte tabela:

 

Considera-se que o valor de aquisição, para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, é de 116 431 254.94, e não o valor considerado, pelo SP, seja 114 613 904.45 euros.

A diferença, resulta do facto de o SP não ter considerado a valor de 1 510 064,78 euros relativo às partes de capital ao justo valor.

Mas como este utiliza a norma internacional, em derrogação ao regime ínsito do CIRC, que conduz a que os ajustamentos de justo valor ocorridos no exercício, sejam relevados numa conta de capital ao invés de uma conta de gastos/proveitos, deve, em concordância com o efetuado, pelo SP, em 2013, ser de acrescer ao valor de aquisição das partes de capital a importância de 1 510 064,78 euros.

Determinação do valor dos "Outros Ativos"

No que concerne à determinação do montante desta rubrica, pondera-se, assente nas alterações introduzidas por via legislativa, nomeadamente do decreto-lei n º 158/2009, de 13 de julho, no sistema contabilístico nacional e nas regras de elaboração e apresentação das Demonstrações Financeiras. Atento às normas legais plasmadas no citado diploma legal, ao conteúdo vinculativo das NCRF's e ao escopo preconizado no que concerne às bases para a preparação e elaboração das Demonstrações Financeiras, mormente do balanço, optou o legislador, pela sua apresentação em "valores líquidos", a qual ergue, nomeadamente, na opção de relato ao "justo valor".

Ao valor do ativo, há que deduzir, entre outros, os valores de aquisição das partes de capital, dos empréstimos concedidos remunerados, de onde resulta um valor de outros activos de 36 177 395,55 euros

 

Apuramento do valor dos Encargos Financeiros a desconsiderar

Prosseguindo na determinação do valor dos encargos financeiros a desconsiderar no apuramento do lucro tributável, (na linha 779, ex. 752, do Q7 da DRM22.) vem:

 

Quantum do Valor Encargos Financeiros a desconsiderar • artigo 32.º n.º 2 EBF

Analisando o Q7 da DRM22 cp. 779/752, o SP acresceu 149.472,86 euros,

Atento ao supra referido, o valor a considerar para efeitos do n.º 2, do artigo 32.º do EBF, conforme cálculo demonstrado, resulta concomitantemente da necessidade de se efetuarem as necessárias correções fiscais, no apuramento do Lucro Tributável, na importância de 4.631,35 € euros, a acrescer ao valor indicado pelo SP no Q7 da DRM22 cp. 779, perfazendo 154 304.20 euros.

(...)

 

 

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

A audição do contribuinte compreende, dentro do procedimento, a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, corresponde a um conteúdo legal mínimo do Princípio da Participação, previsto no artigo 60.º da LGT.

Notificado, pessoalmente, no dia 9 de dezembro de 2016, nos termos e para os efeitos artigo 60 º do RCPITA, tomou o sujeito passivo, conhecimento (of. ... de 9 de dezembro de 2016 da Direção de finanças de Lisboa), do conteúdo do procedimento inspetivo, do respetivo enquadramento jurídico, das correções propostas e do prazo para. querendo, exercer o direito de audição.

A sociedade A... SGPS SA, devidamente notificada do projeto de correções do relatório de inspeção, não exerceu, o direito que legalmente lhe assiste e que, efetivamente, lhe foi dado.

Findo o prazo legal dos 15 dias, e perante o silêncio do S.P, somos a concluir pelo precludimento do aludido direito.

Mantendo-se as correções propostas no ponto III.3 do presente relatório.

 

X - PROPOSTA - CONCLUSÃO

Por todo o sobre referido, propõe-se:

a) nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 62.º RCPITA conjugado com o disposto no artigo 77.º da LGT, a notificação ao Sujeito Passivo do presente relatório.

b) era cumprimento ao preceituado no artigo 57º do Regime Geral das Infrações Tributárias, e para efeitos do disposto no artigo 67º do mesmo diploma, que se remetam os Autos de notícia (de 2012 e de 2013) para o Serviço de Finanças de Lisboa ... .

c) que seja elaborada a respetiva declaração oficiosa modelo 22, para o exercício de 2012 e para o de 2013, de forma a promover a correção proposta e a liquidação subsequente.

d) que se encerre o presente procedimento, após os registos tidos por necessários.

Superiormente melhor se decidirá

À Consideração Superior

 

M)          Sobre esta proposta foi emitido um parecer concordante do Chefe de Equipa nos seguintes termos:

Confirmo o teor e fundamentos do relatório de conclusões anexo, com referenda aos exercícios económicos dos anos de 2012 e 2013 em conformidade com os fundamentos mencionados verificaram-se os pressupostos legais para, mantendo-se a avaliação direta da matéria coletável, proceder a correções técnicas, nos termos do nº 9 do artigo 18º e do artigo 23º do CIRC, e bem assim do artigo 32º. nº 2 do EBF e artigo 5ºdo Decreto-Lei 159/2009, nos montantes globais anuais de € 1.558 571,09 (2012) e € 1 553 887,00 (2013), relacionada com o facto de não ter sido devidamente acrescida ao resultado do exercido a variação patrimonial positiva decorrente do regime transitório previsto no artigo 5º do DL acima referido, assim como o montante dos encargos financeiros não dedutíveis, imputáveis a partes de capital detidas peia sociedade. Notificado para o exercício do Direito de Audição Prévia, nos termos do artº 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA). o sujeito passivo não exerceu o respetivo direito - Capítulo IX do Relatório Foi elaborado o respetivo Documento de Correção e instaurado Auto de Notícia pela infração verificada, propondo-se a remessa deste para o Serviço de Finanças de Lisboa

Propõe-se ainda a notificação ao sujeito passivo do resultado da ação de inspeção.

 

N)           Sobre esta proposta foi emitido um parecer concordante do Chefe de Divisão nos seguintes termos:

 

Concordo com o parecer da Chefe de Equipa e com o relatório da ação inspetiva, em anexo.

Nos termos e com os fundamentos referenciados conduta se em resultado da aplicação das disposições legais referidas, que havia lugar a uma cerração aos resultados dos respetivos exercícios, nos montantes globais anuais de € 1.558.571,09 (2012) e € 1 553 667,00 (2013), conforme vem informado. Em virtude destes acréscimos os prejuízos fiscais declarados passaram para um lucro tributável de € 1.469.490.06 em 2012 e de € 1.243283,50 em 12013,

Assim, proponho a notificação ao contribuinte, conforme disposto nos artigos 77º da LGT e 62º do RCPITA,

Foi preenchido o [Documento de Correção e levantado Auto de Notícia, que. no caso

deste, proponho que seja remetido ao Serviço de Finanças de Lisboa ... .

À consideração superior

 

O)           Sobre este parecer foi proferido despacho em 28-12-2016, pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, nos seguintes termos:

Concordo.

Proceda-se como se propõe.

Notifique-se

 

P)           Em 30-12-2016, a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária e pareceres e despacho referidos através de ofício em que se refere, além do mais, o seguinte:

Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, das correções resultantes da ação de inspeção, cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório.

A breve prazo, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.

Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.

 

Q)           Posteriormente a Requerente foi notificada da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2012, que consta do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, como além do mais o seguinte:

 

(...)

Fica V. Ex.ª notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida.

 

R)           A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2012, que foi indeferida por despacho de 25-09-2018;

S)            O despacho de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

2 - As razões mais detalhadas daquelas correções constam nos pontos III.2.1 e 111.3 do relatório, que se dão aqui como reproduzidos e de que se sintetiza a seguir o sentido:

 

2.1 - Variação patrimonial positiva (€ 1.553.739,74):

 

A correção corresponde a 1/5 do montante de € 7.768.698,68, tendo por base o disposto no nº 1 do artº 5º do DL 159/2009, segundo o qual, na transição para o novo referencial contabilístico, os efeitos nos capitais próprios (reconhecimento ou desreconhecimento de ativos ou passivos, ou alterações na respetiva mensuração) que tenham relevância fiscal para efeitos do IRC, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação após essa transição e dos quatro períodos seguintes.

O referido montante de € 7.768.698,68 corresponde à variação do justo valor das ações do Banco B... (B...), ocorrida quando da transição para o SNC, sendo essa variação do justo valor considerada fiscalmente relevante para efeitos do IRC.

No relatório são descritos os movimentos contabilísticos dessas ações entre a data de aquisição das primeiras, em 2008, e a venda ocorrida em 2011. Com base nessa descrição elaborou-se o seguinte quadro-resumo:

 

 

É ainda referido no relatório que, embora o sujeito passivo tenha optado pela utilização das Normas Internacionais de Contabilidade (IAS 32, IAS 39 e IFRS 7) para mensuração/registo das variações verificadas nos investimentos financeiros (com respeito à mensuração Inicial, registou as variações de Justo valor das ações do B... por contrapartida de uma conta de capital próprio), passou depois a registar as variações do justo valor das ações em resultados, por motivo da existência de um derivado de cobertura.

 

2.2 - Encargos financeiros não dedutíveis (€ 4.831,35)

Diferença entre o valor de € 154.304,20, que devia ser acrescido ao lucro tributável por aplicação do nº 2 do artº 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação vigente em 2012, assim como da Circular nº 7/2004 de 30/2 da DSIRC, e o valor que foi acrescido peto sujeito passivo, ora Reclamante, no campo 779 do quadro 07 da declaração mod. 22, € 149,472,86.

O valor que deveria ser acrescido no campo 779 foi calculado segundo o método preconizado na referida circular, conforme o quadro abaixo (os valores nas linhas A E são os que constam no relatório, assim como os cálculos):

 

Conforme se verifica no quadro acima, a diferença de € 4.831,35 é explicada pelas diferenças entre alguns valores que serviram de base aos cálculos (cf. linhas B, D e):

Linha B: O valor de € 13.712.428,41 considerado no relatório resulta de empréstimos obtidos dos bancos B... e C... e da D..., nos valores de € 5.000.000,00, € 300.000,00 e € 8.412.428,41, respetivamente, conforme Informação remetida pelo sujeito passivo (saldos a 31-12-2012).

Linha D: É de acrescer o valor de € 1.510.064,78 ao considerado pelo sujeito passivo, pelo facto de este não ter considerado o valor relativo às partes de capital ao justo valor. A alteração é explicada por ter sido utilizada a norma internacional (IAS 39), em derrogação ao regime ínsito do CIRC, que conduz a que os ajustamentos de justo valor ocorridos no exercício, sejam relevados numa conta de capital ao Invés de uma conta de gastos/proveitos e corresponde aos quatro últimos valores da col "Valor Inicial de compra" do quadro na pág. 29/40 do relatório – fl. 80).

(...)

2 - Quanto à alegação de que a notificação da liquidação adicional objeto de reclamação não continha os fundamentos das correções que lhe deram origem e que não é exigível à Reclamante relacionar o relatório da ação Inspetiva com essa liquidação adicional, à de referir que na notificação do relatório é comunicado à Reclamante que se irá proceder à liquidação resultante das conclusões do relatório. Também no relatório, além das correções e da respetiva fundamentação, consta, no final, a informação de que se vai proceder à liquidação tomando como base essas correções.

Dado que, após a notificação do relatório, houve uma única liquidação de imposto relativa a IRC/2012, é de concluir que essa liquidação é a mencionada na notificação e a que resulta das correções mencionadas no relatório, além de que a matéria coletável que serviu de base a essa liquidação corresponde ao montante do lucro tributável corrigido apurado no relatório (conforme referido acima no ponto II-1, não houve qualquer prejuízo fiscal a deduzir no exercício de 2012).

Não se verifica, assim, a alegada falta de fundamentação.

3 - Quanto à alegação de que a Reclamante não foi notificada do projeto de conclusões do relatório de Inspeção, nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do nº 1 do artº 60" da LGT (audição prévia), verifica-se, conforme consta a fls. 182 a 165 dos presentes autos, que essa notificação ocorreu em 09-12-2016, na pessoa da contabilista certificada, a qual assumiu a qualidade de representante do sujeito passivo nas relações com a AT (cf. fls. 58 e 59), sendo a notificação feita nos termos do artº 40º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Não há, assim, razão para considerar que não houve lugar a audição provia do projeto de conclusões do relatório.

4 - A Reclamante alega que a contabilização das variações no justo valor das ações do B... (B...) através de resultados não se traduziu num desvio à opção pela aplicação das NICs, mas resultou da aplicação das NICs, em concreto de uma cláusula especial da IAS 39.

No entanto, a correção pela Inspeção Tributária não se fundamenta na aplicação incorreta de normas contabilísticas, mas no facto de que as ações foram contabilizadas pelo justo valor através de resultados.

A Reclamante alega, ainda, que, embora a norma da al. a) do nº 9 do artº 18º do CIRC incida sobre Instrumentos do capital próprio reconhecidos pelo justo valor através de resultados, a mesma não é aplicável no presente caso, porque está concebida para os títulos adquiridos com a finalidade de revenda a curto prazo (trading) e, no caso das ações do B..., não havia a Intenção de as vender no curto prazo, mas de rentabilizar o Investimento através do exercício indireto da atividade de gestão desse instrumento financeiro.

Quanto a essa alegação, é de referir que a distinção invocada pela Reclamante não está expressa na norma legal, que se afigura aplicável no caso presente.

A correção pela Inspeção Tributária fundamentou-se na não aplicabilidade do disposto no nº 2 do artº 32º do EBF, na redação vigente em 2012, por não haver lugar ao apuramento, para efeitos de IRC, de mais/menos-valias (pressuposto da aplicação dessa norma), visto que, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 46º do CIRC, não há lugar ao apuramento de mais/menos-valias no caso da venda dos Instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor a que se referem as exceções previstas no nº 9 do artº 18º.

Parece, assim, de manterá correção objeto de reclamação.

5 - Quanto à correção, no montante de € 4.631,35, relativa a encargos financeiros não aceites fiscalmente, é alegada falta de fundamentação por não serem compreensíveis as razões dessa correção.

Quanto a essa questão, é de referir que não parece haver discordância quanto à aplicação da Circular nº 7/2004, ou quanto ao modo de cálculo do valor a acrescer no campo 779-"Encargos Financeiros não dedutíveis (artº 32º nº 2 do EBF)", conforme preconizado nessa circular (valor que não concorre para a formação do lucro tributável).

Conforme referido acima no ponto II-2.2, a correção objeto de reclamação resulta de diferenças em alguns dos valores considerados nesse cálculo (linhas B, O e do quadro nesse ponto), Indicando-se aí, também, os fundamentos da correção, conforme constam no relatório.

A Reclamante não Indica como calculou os valores parcelares que considera correios. Assim, parece de manterá correção objeto de reclamação.

8 - A Reclamante alega, ainda, que na notificação da liquidação de juros compensatórios não são demonstrados os pressupostos de que depende essa liquidação.

Dado que não é questionado o cálculo, parece alegar-se que não foi demonstrado que os juros resultarem de facto imputável à própria Reclamante.

No entanto, tratando-se de correções efetuadas pela Inspeção Tributária aos valores inscritos no quadro 07-"Apuramento do lucro tributável" da declaração mod. 22 do exercido de 2012 apresentada pela Reclamante, parece evidente que as diferenças entre os valores declarados e os que o deveriam ter sido (corrigidos) só podem ser imputáveis à Reclamante, não sendo mencionada outra entidade a que coubesse essa imputabilidade.

Não parece, assim, que seja de anular os Juros compensatórios em questão.

7 - Dado que, conforme exposta nos pontos anteriores, não assiste razão à Reclamante, propõe-se o Indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação adicional objeto de reclamação.

Acrescenta-se, ainda, que por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artº 43º da LGT, não assiste à Reclamante o direito a juros indemnizatórios.

IV- AUDIÇÃO PRÉVIA

1 - A Reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento, conforme consta na fl. 193 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no art. 60º da Lei Geral Tributária. Com a notificação foi enviada cópia do projeto de decisão, conforme consta nas fls. 188 a 192 do processo e é reproduzido nos pontos anteriores.

2 - Em audição prévia, vem a Reclamante apresentar uma exposição (fls. 196 a 201) na qual reitera o alegado, apresentando, como único elemento novo, uma cópia da decisão arbitral Procº 392/2017-T, datada de 21-03-2018, resultante de um pedido de pronúncia arbitral, por si efetuado, o qual leve por objeto a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 (fls. 213 a 232) e foi decidido no sentido da procedência do pedido da Reclamante.

Alega que a AT deve retirar todas as consequências daquela decisão, Inclusivamente quanto à dedução dos prejuízos fiscais apurados nesse exercício nas liquidações dos exercícios seguintes, e, quanto às restantes questões, reitera o alegado na reclamação graciosa.

Dado que a mencionada decisão arbitral não se refere e liquidação de IRC mencionada no início desta informação, mas à do exercício anterior, não há lugar à alteração do resultado fiscal do exercício de 2012 em resultado da mesma.

Quanto à questão da dedução de prejuízos fiscais em resultado da decisão arbitral, parece que deve ser tratada no âmbito da concretização dos efeitos dessa decisão, visto que não foi uma questão mencionada na reclamação aqui em análise e resulta de facto posterior à mesma.

3 - Dado o exposto nos pontos anteriores, e tendo em atenção os factos e fundamentos Invocados no projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido de Indeferimento (cf. ponto III-7 acima).

 

 

T)            Em 02-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não se provou qual a finalidade visada pela Requerente com a detenção das acções, designadamente se as detinha com intenção duradoura ou para venda a curto prazo.

Na verdade, a Requerente não apresentou qualquer prova sobre esta matéria, nem mesmo de natureza testemunhal.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente.

Não foi apresentado processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1 Questão da falta de fundamentação

 

A Requerente imputa ao acto impugnado vício de falta de fundamentação em duas vertentes: numa delas, reporta-se à globalidade do acto de liquidação, em que se inclui o valor dos juros compensatórios, defendendo, em suma, que não há nele qualquer remissão para a fundamentação do Relatório da Inspecção Tributária; para além disso, relativamente à liquidação de juros compensatórios a Requerente imputa vício ainda por não se fazer referência à existência de culpa.

 

3.1.1. Questão da falta de fundamentação quanto à parte da liquidação relativa ao IRC

 

A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (   )

Embora seja de distinguir entre o acto de liquidação e o acto de notificação através do qual ele é comunicado ao destinatário, no caso em apreço não se provou que haja qualquer outro documento referente ao acto de liquidação que não seja o que está reproduzido no documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se tem de partir do pressuposto que ele é cópia do acto que foi praticado, que não terá outro conteúdo para além do que dele consta.      

Pelo documento referido constata-se que dele constam as operações de que resulta o cálculo da quantia liquidada e refere-se que foi junta uma «nota demonstrativa», que consta dos do documento n.º 4 («Demonstração de Acerto de Contas»).

Na referida liquidação, indicam-se as importâncias da liquidação anterior, e as «importâncias corrigidas» e refere-se que a liquidação está «conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida».

Entre as «importâncias corrigidas» indica-se o valor de € 1.469.490,06 relativamente à «matéria colectável» que é precisamente o que é indicado no Relatório da Inspecção Tributária como tendo sido corrigido.

Constata-se ainda que na notificação do Relatório da Inspecção Tributária se refere expressamente que «a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar» e que na notificação do acto de liquidação se faz referência à «fundamentação já remetida».

Neste contexto, tendo a Requerente sido previamente notificada do Relatório da Inspecção Tributária e do despacho que o sancionou em que foi proposta correcção à matéria tributável da Requerente relativa ao ano de 2012, no montante € 1.469.490,06, que lhe comunicou que se seguiria a «liquidação respectiva», a liquidação em que se indicam importâncias corrigidas correspondentes às correcções previamente comunicadas não pode deixar de ser interpretada por um destinatário com capacidades de percepção normais como sendo a concretização da liquidação anunciada, o que é reforçado pelo facto de na própria liquidação se fazer referência à «fundamentação já remetida».

Assim, interpretando o teor do acto de liquidação no contexto em que foi praticado, conclui-se que há nele uma remissão expressa para a fundamentação que não pode deixar de ser a do Relatório da Inspecção Tributária que havia sido notificado à Requerente.

Neste contexto, é de entender que, ao contrário do que defende a Requerente, lhe era possível e exigível estabelecer a relação entre o Relatório de Inspeção relativo ao ano de 2012 e 0 acto de liquidação respeitante a esse mesmo exercício.

Por outro lado, a exigência de fundamentação expressa dos actos lesivos que é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, é compatível com a fundamentação por remissão e, no caso em apreço, contém-se no acto de liquidação uma remissão expressa para a fundamentação anteriormente remetida e perfeitamente identificável. Quando se diz que a fundamentação tem de ser contemporânea do acto é com o alcance de expressar que não pode ser elaborada a posteriori, mas não o de impedir que seja efectuada antes do acto, como, de resto, sucederá invariavelmente nas situações de fundamentação por remissão.

De resto, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-05-2001, processo n.º 025832 (   ) «deve considerar-se fundamentado o acto de liquidação adicional, baseado em relatório dos serviços de fiscalização tributária, que, ainda que lhe não faça referência expressa, se situa, indubitavelmente, no respectivo quadro legal e fáctico, perfeitamente claro, esclarecedor e devidamente notificado».

Para além disso, infere-se do pedido de pronúncia arbitral que a Requerente percebeu perfeitamente que as importâncias corrigidas que constam da liquidação correspondem às indicadas no Relatório da Inspecção Tributária e que a fundamentação a que se alude na notificação da liquidação é a do Relatório da Inspecção Tributária, que tinha sido previamente comunicado.

Improcede, assim o vício de falta de fundamentação quanto à parte da liquidação que se refere ao IRC.

 

3.1.2. Questão da falta de fundamentação quanto à parte da liquidação relativa aos juros compensatórios

 

No que concerne à liquidação de juros compensatórios constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem no Relatório da Inspecção Tributária nem nos pareceres que sobre ele recaíram faz referência à eventualidade da sua liquidação.

Por outro lado, na «Demonstração da liquidação de juros» notificada à Requerente indicam-se o «Período de tributação” (ano de 2012), o n.º da liquidação de IRC a que se reporta, o ”Valor Base” (de € 366.372,51), o «Período de Cálculo” (2013-06-01 a 2016-12-07), a taxa de 4% e o montante liquidado (€ 51.633,42).

Quanto a fundamentação de direito, faz-se referência ao artigo 102.º do CIRC que estabelece que «sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária».

Na mesma linha, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. (   )

Perante aquela única afirmação que consta do Relatório da Inspecção Tributária sobre os juros compensatórios, fica-se sem saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a responsabilidade por juros compensatórios é automática, decorrendo do próprio facto de terem sido efectuadas correcções, ou se concluiu que se pode formular um juízo de censura em relação à actuação da Requerente, susceptível de preencher o requisito da imputabilidade, situação em que a fundamentação deveria conter indicação dos factos subjacentes a esse juízo de censura.

Por outro lado, apesar de Autoridade Tributária e Aduaneira vir esclarecer na decisão da reclamação graciosa quais as razões por que entende justificar-se a liquidação de juros compensatórios, está-se perante uma fundamentação a posteriori, que é pacífico ser irrelevante para efeitos de aferir a legalidade dos actos tributários. Na verdade, num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional. (   )

Aliás, contendo o artigo 35.º várias situações em que se pode justificar a liquidação de juros compensatórios, uma fundamentação expressa e suficiente exigiria que se indicasse em qual parte daquele artigo se entendeu enquadrar-se a actuação da Requerente.

Para além disso, nem é indicado como foi determinado o montante de € 366.372,51 que serviu de base ao cálculo dos juros compensatórios, pois esse valor não aparece indicado na liquidação, e a fundamentação deve «sempre conter ... e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» (artigo 77.º, n.º 2, da LGT). É à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte que a lei impõe que efectue e descreva as operações que efectuou.

Em qualquer caso, há falta de fundamentação relativa à verificação de todos os requisitos previstos no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pelo que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação.

 

3.2. Correcções efectuadas

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as correcções que estão subjacentes a liquidação impugnada por

i)             não ter sido acrescida ao resultado do exercício de 2012 a variação patrimonial positiva decorrente do regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 159/2009;

ii)            terem sido apurados encargos financeiros não dedutíveis.

 

3.2.1. Correcção por não acréscimo ao resultado do exercício de 2012 da variação patrimonial positiva decorrente do regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 159/2009

 

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, procedeu alterações co CIRC, «adaptando as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas».

No seu artigo 5.º, esse Decreto-Lei inclui um regime transitório, nos termos do qual, «os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes».

Nos termos do artigo 18.º, n.º 9, do CIRC, na redacção aprovada por aquele Decreto-Lei, apenas se consideram fiscalmente relevantes os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

No caso em apreço, a Requerente possuía contabilisticamente relevados, investimentos em instrumentos financeiros, partes de capital cujo valor (preço) é determinado num mercado regulamentado.

A Requerente, utilizando uma faculdade prevista no § 2.º da NCRF 37 utiliza as normas internacionais de contabilidade, nomeadamente a IAS 32 e a IAS 39, para o cálculo dos ajustamentos contabilísticos das partes de capital, registando estes numa conta de capitais próprios, designadamente as acções do Banco B... .

Apesar de os ajustamentos referidos serem revelados na contabilidade através de uma consta de capital próprio, a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que aquelas acções estavam indexadas a uma «operação de cobertura, cujo instrumento financeiro derivado utilizado foi registado pelo justo valor através de resultados, influenciando, nomeadamente, o apuramento do resultado líquido do exercício anterior ao da alienação» e que a Requerente «tratou o instrumento de cobertura e o item coberto através de contas de resultados do exercício».

Neste contexto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «uma vez que o SP deixou de refletir em contas do capital próprio as variações de justo valor, para passar a influenciar o apuramento de resultados do exercido deixou de prevalecer a alegada opção pelas NIC».

A Requerente formula as seguintes conclusões sobre esta questão:

 

A)           A contabilização pela Requerente das variações no justo valor do instrumento de cobertura (derivado/call option) e do instrumento coberto (ações do B...) através de resultados não se traduziu num desvio opção pela aplicação das NlCs, mas antes o resultado da aplicação destas NICs, em concreto de uma cláusula especial da IAS 39;

B)           A IAS 39 estabelece como regra que os ganhos ou perdas provenientes de ajustamentos ao justo valor de um ativo financeiro disponível para venda são registados no capital próprio (cfr. § 46 e 55);

C)           No caso de o ativo financeiro disponível para venda estar numa relação de cobertura, introduz-se um desvio àquela regra geral pois é aplicável o disposto nos § 71 e 89-102 da IAS 39, de onde resulta que “O ganho ou perda resultante da remensuração do instrumento de cobertura pelo justo valor (...) deve ser reconhecido nos resultados " e que “O ganho ou perda resultante do item coberto atribuível ao risco coberto deve ajustar a quantia escriturada do item coberto e ser reconhecido nos resultados”;

D)           Contudo, não é este regime específico previsto na IAS 39 para as relações de cobertura que invalida a opção do contribuinte pelas NICs/IAS e automaticamente despoleta a tributação dos ganhos e perdas provocados pelas oscilações do justo valor, impondo a uma SGPS (in casu, a Requerente) a aplicação do regime da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC em detrimento do regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF;

E)            No direito interno, a relevância fiscal (tributação) do justo valor é excecional, não a regra, e está concebida para os títulos adquiridos com a finalidade de revenda a curto prazo, naquilo a que se designa como trading, permitindo, assim, uma antecipação do imposto e da arrecadação de receita pelo Estado;

F)            As ações do B... constituíam ativos financeiros disponíveis para venda para efeitos da IAS 39 e foram inscritas no balanço como ativo não corrente, uma vez que a Requerente não tinha a intenção de as vender a curto prazo, mas antes de rentabilizar o seu investimento através do exercício indireto da atividade de gestão daquele instrumento financeiro, como é próprio de uma SGPS (cfr. artigo 1.º, n.º1l do Decreto-Lei n.º 495/88);

G)           As participações relevantes em sociedades cotadas, ainda que inferiores a 5%, traduzem uma intenção de manutenção do ativo e de gestão duradoura (estabilidade e permanência), não de revenda para obtenção de lucro a curto prazo, pelo que, não constituindo ativos correntes, não devem ser tributadas pelo justo valor;

H)           Uma vez que estas participações não figuram nas demonstrações financeiras como “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, mas sim como ativos não correntes, não está preenchido um dos requisitos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, o que quer dizer que as oscilações do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, ou seja, que é aplicável a regra da irrelevância dos ajustamentos do justo valor estabelecida no corpo do n.º 9 do artigo l8.º do CIRC;

I)             Acresce que sendo uma participação com a natureza de um investimento financeiro substancial, embora inferior a 5% do capital social, não é admissível subtrai-la ao regime especial do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que deve sempre ser aplicado;

J)            Em suma, para as participações relevantes mas inferiores a 5% do capital de uma sociedade cotada (como as ações do B...) detidas por uma SGPS (como a Requerente), mantidas com uma intenção duradoura e não para venda a curto prazo/trading (como é o caso), o ativo deve ser registado como não corrente (como sucedeu com as ações do B..., registadas nos balanços de 2010 e 2011) e está fora do âmbito da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, ou seja, não concorre para a formação do lucro tributável;

K)           Por fim, a posição defendida pelos Serviços de Inspeção Tributária conduz à revogação ilegal, pela via administrativa, de um benefício fiscal automático cujos pressupostos se encontram integralmente preenchidos, o artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária e na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda, em suma:

 

– o legislador fiscal, dentro da margem de liberdade de conformação dos normativos legais, na alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º do Código do IRC, abstraiu das opções que os sujeitos passivos de IRC pudessem exercer em matéria de referencial de normalização contabilística, o que denota claramente que, sendo cumprida a obrigando a obrigação aí prevista sobre a organização da contabilidade, e ressalvada a observância de regras fiscais específicas, o enquadramento fiscal das operações, tal como o previsto na alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do mesmo Código, atende, prima facie, à forma de expressão contabilística dada às operações»;

  que «a realidade dos factos, tal como evidenciada pela contabilidade, revela que, em 2010 e 2011, foi aplicado o modelo de mensuração ao justo valor através de resultados, com todas as consequências contabilísticas e fiscais inerentes, de tal modo que os ajustamentos decorrentes dessa opção foram fiscalmente reconhecidos»;

– «a Requerente, nos ajustamentos de transição procedeu à alteração do modelo de valorização das acções do B... do custo histórico para o modelo de justo valor, tendo, em resultado desta alteração, apurado uma variação positiva que registou numa conta de capitais próprios»;

– «pese embora alguma imperfeição redaccional, não se baseia na reversão da opção pelos NICs em detrimento da NCRF 27, decorrente da associação de um instrumento de cobertura às acções do B..., (...) mas, sim que tendo essa decisão desencadeado a mensuração pelo justo valor por resultados, os efeitos no resultado líquido do exercício e no lucro tributável do exercício de 2012 são, em substância idênticos aos que seriam obtidos com a aplicação da NCRF 27»;

– «na realidade, em resultado da associação de um instrumento de cobertura contratado em 2009, que vigorou até à alienação das acções do B..., em 2011, passou a adoptar, tanto na mensuração do elemento coberto como do elemento de cobertura, o modelo de justo valor por resultados, subsumindo-se os respectivos ajustamentos positivos e negativos nas excepções previstas no n.º 9 do art.º 18.º do Código do IRC»;

– «alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º, a alínea a) do n.º 9, do art.º 18.º do Código do IRC, alínea f), n.º 1, do art.º 20.º e alínea i), n.º 1, do art.º 23.º, do Código do IRC (redação em 2012) não vinculam o reconhecimento contabilístico dos instrumentos financeiros ao justo valor por resultados a qualquer referencial contabilístico adoptado, seja por força do regime especial de cobertura da NICs/IAS 39 ou da NCRF27 do SNC, o que releva, em substância, é a expressão contabilística do critério de mensuração e a sua concorrência para a formação dos resultados»;

– «a alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º do Código do IRC não prescreve qualquer requisito que se prenda com a classificação contabilística das partes de capital como “instrumentos financeiros detidos para negociação”, portanto, a classificação como “activos financeiros disponíveis para venda” não as afasta deste normativo»;

– «o legislador parece ter assumido que o objectivo da detenção de partes de capital representativas de menos de 5% do capital social, é sempre a negociação a curto prazo»;

– «a mais-valia realizada em 2011, na alienação das acções do B... não poderia beneficiar da aplicação do regime especial previsto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, ao contrário da posição sufragada na decisão arbitral proferida no processo n.º 392/2017-T que, com o devido respeito, não se acompanha, por se alicerçar em fundamentos desadequados e descabidos, em matéria de benefícios fiscais e à margem das prescrições legais sobre a matéria»;

– «a referida decisão arbitral desrespeita o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 46.º do Código do IRC que desqualifica como mais-valias ou menos valias, os ganhos ou perdas obtidos na alienação de “Instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do art.º 18.º”, o que acarreta a inaplicabilidade do n.º 2 do art.º 32.º do EBF àqueles ganhos e perdas»;

 

A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira é correcta quanto à interpretação que faz do artigo 18.º, n.º 9, do CIRC, no sentido de que não se faz depender a sua aplicação da finalidade visada pelo sujeito passivo com a detenção das acções, mas apenas do reconhecimento dos instrumentos financeiros pelo justo valor através de resultados.

Isto é, independentemente da contabilização adequada, à face das normas contabilísticas, o que releva é a existência de efeitos dos ajustamentos de justo valor em contas de resultados.

Estes efeitos consubstanciam a substância económica do facto tributário, a que é dada primazia pelo n.º 3 do artigo 11.º da LGT, ao determinar que «persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários».

De qualquer forma, não se provou qual a finalidade com que eram detidas as acções que estão subjacentes a esta correcção.

Assim, a questão do enquadramento na situação no artigo 32.º, n.º 2, do EBF revela-se como primacial para decisão da causa.

 

3.2.1.1. Questão da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF

 

A Requerente invoca a posição assumida no acórdão arbitral proferido no processo n.º392/2017-T, no sentido de dever ser efectuada uma interpretação actualista do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, em face da introdução pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de situações em que a relevância fiscal das variações de valor de instrumentos do capital próprio deixou de se verificar apenas no momento da sua alienação (cópia do acórdão junta com o pedido de pronúncia arbitral, como documento n.º 7).

Afigura-se ser correcta a posição assumida pelo Tribunal Arbitral que julgou o processo n.º 392/2017-T que apreciou precisamente a questão que é objecto do presente processo, quanto aos efeitos dos ajustamentos de transição no exercício de 2011.

A adopção da sua fundamentação justifica-se acrescidamente numa situação deste tipo, em que está em causa apenas a repartição pelos cinco exercícios dos efeitos de mesmo facto tributário («efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade») ocorrido em 2010.

Independentemente de se poder ou não entender que numa situação deste tipo se forma caso julgado material vinculativo entre as Partes fora do processo em que a decisão foi proferida (questão que não foi objecto de discussão no processo), é manifesto que, pelo menos, se estará perante uma situação em que tem justificação acentuada a aplicação da regra do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que estabelece que  «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

De qualquer forma, adopta-se a fundamentação do acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T, por ser a correcta, desde logo com base no argumento, que se afigura decisivo, de que, justificando-se os benefícios fiscais pela tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF), não se pode admitir que a aplicação do benefício previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF e a prossecução desses interesses públicos esteja dependente de uma opção contabilística do sujeito passivo para uma mesma realidade tributária, quando é o mesmo o superior interesse público de favorecer as SGPS que justifica a isenção das mais-valias por elas obtidas.

Assim, transcreve-se, no essencial, a fundamentação utilizada no processo n. 372/2017-T, adaptada a situação em apreço, a que se adere:

 

Em 2012, o art.º 32.º, n.º 2, do EBF dispunha o seguinte: as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

O CIRC, na sua versão originária, consagrava, sem exceções, o princípio da realização, ou seja, no que aqui releva, os proveitos (mais-valias) decorrentes da transmissão de um bem só eram fiscalmente considerados no momento da sua transmissão.

Relativamente às mais-valias (e, também, às menos-valias), a afirmação do princípio da realização era feita de forma que poderemos considerar não só expressa como repetitiva.

Esta situação manteve-se, no essencial, inalterada até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, o qual, «adaptou as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas».

Uma dessas adaptações foi o n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, o qual, no que aqui interessa, dispõe: Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

 a)      Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social;

 

Temos, assim, que, considerando apenas o seu elemento literal, o art.º 32.º, n.º 2, do EBF apenas isenta as mais-valias realizadas obtidas pelas SGPS, enquanto o art.º 18.º consagra a relevância fiscal de mais-valias potenciais (ganhos contabilizados ao justo valor em resultados) para algumas situações, nomeadamente a prevista na sua al. a), à qual a situação de facto da Requerente é subsumível.

 A AT fundamenta a liquidação em apreciação numa interpretação estritamente literal destes preceitos.

A Requerente pugna por uma interpretação atualista do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, a qual conduziria à isenção de tributação das mais-valias inseríveis no referido art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Não oferece dúvidas que o art. 32.º, n.º 2, do EBF consagra uma isenção - um benefício fiscal - i. e., uma medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (cfr. art. 2º, n.º 1, do EBF).

Ou seja, o legislador considerou que o interesse público ligado ao desenvolvimento das SGPS justificava a não tributação das mais-valias obtidas por estas sociedades com a alienação de partes de capital, preenchidos que fossem determinados requisitos. Requisitos que se verificam no caso concreto.

A pergunta que consideramos ser de fazer é simples: o superior interesse público que conduziu à isenção destas mais-valias é diferente consoante estejamos perante mais-valias realizadas ou mais-valias contabilizadas ao justo valor através de resultados?

Afigura-se-nos claro que o critério relevante será sempre a natureza do ganho e não o momento da sua tributação.

Assim, quando o contribuinte opta pela contabilização segundo o princípio da realização ou segundo o princípio do justo valor, não se altera a natureza do rendimento (está sempre em causa uma mais-valia), nem o seu montante.

Na realidade, numa perspetiva da continuidade da atividade empresarial, a mais-valia que é tributada corresponde sempre à mais-valia realizada, porquanto, no exercício em que ocorrer a transmissão da participação social, será registado um ganho ou uma perda consoante o valor de realização seja inferior ou superior àquele pelo qual tal participação se encontrava contabilizada à luz dos critérios do justo valor. O “referencial” da tributação é, pois, sempre o “valor de realização”.

Nestes termos, a opção por um ou outro critério contabilístico apenas altera o momento em que ocorre a tributação, a qual, no sistema do justo valor, em lugar de acontecer apenas aquando da alienação das participações em causa (como sucede no sistema da realização), vai ocorrendo ao longo dos vários exercícios pelos quais se prolonga a detenção das participações sociais, pela consideração dos aumentos ou diminuições potenciais (aferidas segundo o justo valor  - valor de mercado) do valor de  tais participações no fim de cada exercício.

Acresce que a isenção é um elemento essencial de um imposto: é o resultado de uma opção (que cabe ao legislador) valorativa dos interesses fiscais e extra-fiscais contemplados em determinada situação, pelo que a sua existência e aplicabilidade não poderá ser resultado de uma opção contabilística. Nestes termos, afigura-se-nos insustentável o entendimento segundo o qual uma isenção “deixa de existir” quando se opte por determinada técnica de registo contabilístico (contabilização ao justo valor), sendo que, além do mais, tanto significaria colocar a concretização dos interesses extra-fiscais subjacentes à isenção” nas “mãos” de cada sujeito passivo.

É, por outro lado, claro para o tribunal que existe uma manifesta e incompreensível dessintonia entre o disposto nos art.º 32.º, n.º 2 do EBF e o previsto no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, bem como que a coerência e a racionalidade do sistema de tributação das SGPS parecem impor que todas as mais-valias por elas obtidas com a alienação de partes sociais  estejam isentas (desde que verificados os demais pressupostos legais), pois que foi ao interesse extra fiscal que o legislador quis dar primazia ao prever a isenção constante da primeira das referidas normas.

 

Aqui chegados, cumpre averiguar se assiste razão à Requerente quando defende a necessidade de uma interpretação actualista do teor do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, considerando o que passou a dispor o art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC, mediada pelo princípio da interpretação em conformidade com a CRP.

Vejamos.

Segundo o n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

Para apreender o sentido da lei, o intérprete socorre-se, como refere FRANCESCO FERRARA (Interpretação e Aplicação das leis, tradução de Manuel de Andrade, 3ª ed., Coimbra, 1978, pp. 127 ss. e 138 ss.), de vários meios: “Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”

E prossegue: “Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica”.

Explicita ainda o significado de cada um destes elementos:

“O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”; “O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios”; “Por sua vez, o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.”

A propósito deste critério realça o mesmo Autor que «É preciso que a norma seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter. Pois que a lei se comporta para com a ratio iuris, como o meio para com o fim: quem quer o fim quer também os meios. Para se determinar esta finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas que brotam das relações (natureza das coisas). E, portanto, ocorre em primeiro lugar um estudo atento e profundo, não só do mecanismo técnico das relações, como também das exigências que derivam daquelas situações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa» (Idem, p. 141).

Assumimos uma orientação objetivista na interpretação das normas legais, pois que «favorece mais a rectidão e a justeza do direito, já que permite extrair dos textos o sentido mais razoável que estes comportam e ao mesmo tempo que (na vertente actualista) confere à lei maior maleabilidade, pois, além de facilitar a sua aplicação directa a situações que o legislador não previu, aproveita a virtualidade, contida no texto, de constante adaptação aos critérios de justiça e de oportunidade próprios de cada época em que a lei é aplicada» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1982, reimp., 2016, pág. 179 ss).

No sentido de um “objectivismo actualista”, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito Introdução e Teoria Geral, 10ª. ed., Revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 397) pondera: “Dada a orientação que defendemos, o actualismo surge-nos forçoso. Se afirmamos o primado da ordem social, se indicamos que a lei só tem sentido quando integrada nessa ordem, fazemos uma afirmação actualista”. Interpretação que, segundo o Autor, encontra no texto do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil português a sua consagração.

Com efeito, refere que “Entre os elementos a que se deve atender na interpretação da lei estão as condições específicas do tempo em que é aplicada. Esta referência é totalmente incompreensível fora de um entendimento actualista. Um actualista pode explicar que entre os elementos auxiliares da interpretação figurem elementos históricos (…). Mas para um historicista é inteiramente aberrante que o sentido de uma fonte possa variar por efeito de circunstâncias posteriores: ele estaria imutavelmente fixado desde o início”.

“A justificação que damos é permanente, e não válida apenas no momento da formação da lei. A lei, uma vez criada, situa-se numa ordem social, que é necessariamente viva, aberta a todos os estímulos que nela provocam as alterações históricas. A fórmula em que a lei se consubstancia está fixada: mas o sentido dessa fórmula pode variar, consoante as incidências do circunstancialismo donde arrancam as suas significações.”

Também FRANCESCO FERRARA (ob. cit., p. 137) considera: “Visto o carácter objectivo do sentido da lei, conclui-se que esta pode ter um valor diferente do que foi pensado pelos seus autores, que pode produzir consequências e resultados imprevisíveis ou, pelo menos, inesperados no momento em que foi feita, e por último que com o andar dos tempos o princípio ganha mais amplo horizonte de aplicação, estendendo-se a relações diversas das originariamente contempladas, mas que, por serem de estrutura igual, se subordinam ao seu domínio (fenómeno de projecção)”.

Na jurisprudência realça-se, com relevância, para o caso em apreço, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de outubro de 2007, no processo n.º 07B1710, por se tratar de decisão que, rompendo com uma interpretação estritamente literal do artigo 505.º do Código Civil (que consagrava como circunstância exoneratória da responsabilidade a culpa exclusiva do lesado, defendida pela doutrina tradicional), deu prevalência a uma “interpretação progressiva ou actualista” do mencionado preceito, de modo a acolher a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo.

(...)

Aplicando a visão interpretativa exposta ao caso em análise importa considerar que o equilíbrio encontrado pelo legislador na tributação das SGPS, em sede do art. 32.º, n.º 2 EBF, se traduzia em não dar relevo fiscal às mais e menos valias, não tributando, em contrapartida, os encargos financeiros. A racionalidade teleológica subjacente a este regime assentava no princípio da realização, de acordo e em consonância com os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da justiça.

De referir, porém, que, entretanto, com a evolução da técnica contabilística se instituiu a teoria do justo valor, passando-se a dar relevo também às mais valias latentes, como resulta do previsto no artigo 18.º, n.º 9, alínea c), do CIRC.

Verificou-se, assim, uma mudança de paradigma que impõe que estas alterações devam merecer ser consideradas no âmbito da interpretação a realizar atendendo à unidade do sistema jurídico-fiscal e ao sentido em que este evoluiu.

Nestes termos, deve o intérprete, no caso concreto, encontrar uma solução de modo a aplicar o mesmo benefício quer às mais valias realizadas, quer às latentes, sob pena de realidades idênticas serem tributadas de maneira diferente.

Na verdade, a interpretação estritamente literal do n. 2 do art.º 32.º do EFB, sustentada pela AT, resultaria num tratamento diferenciado injustificado de sociedades que se encontrem em situações materialmente idênticas, por evidenciarem igual capacidade contributiva. Capacidade contributiva que não resulta alterada pelo diferente momento em que deva ocorrer a tributação dela resultante. Seria uma frontal violação do princípio da igualdade, cuja dimensão maior é, precisamente, a da “tributação segundo a capacidade contributiva” (neste sentido, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2016, pág. 151 e ss), tratar diferentemente realidades iguais apenas por ser diferente o momento em que deve ocorrer a sua tributação.

Na verdade, como já salientámos, a capacidade contributiva (o rendimento tributável) resultante da obtenção de uma mais-valia é o mesmo, quer a sua contabilização se faça segundo o princípio da realização, quer ao justo valor. O que é diferente – como também já deixámos assinalado - é apenas a periodização, para efeitos fiscais, de tal rendimento (os exercícios em que os ganhos ou perdas devem ser fiscalmente relevados).

Temos, assim, por um lado, uma interpretação estritamente literal e centrada no elemento histórico que restringe a aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, às mais –valias realizadas, conduzindo a um resultado de manifesta incoerência sistémica e à violação dos princípios constitucionais da tributação do rendimento real e da igualdade.

Porém, uma interpretação que atenda, para além do sentido literal (atual) do preceito, também aos elementos sistemático e teleológico e às exigências dos princípios constitucionais mencionados, admite aplicação do art. 32.º, n.º2, do EBF, às mais –valias e menos-valias latentes (potenciais).

Assim se revela indispensável alargar o campo de aplicação da norma, definida pelo texto, com fundamento também na sua imanente teleologia, a casos que por esse texto não estariam formalmente abrangidos, o que “implica o abandono de um sentido puramente hermenêutico (hermenêutico-exegético) e a assunção de um sentido verdadeiramente normativo (prático-normativo) na interpretação jurídica, por forma a evitar antinomias ou incongruências no sistema, com a consequente insegurança jurídica.” (CASTANHEIRA NEVES, Metodologia Jurídica, Stvdia Ivridica, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra Editora p. 108).

As vias da interpretação atualista e da extensão teleológica, que aqui se convocam, permitem, como decorre do exposto, assegurar que realidades idênticas sejam tratadas de maneira igual, assim se harmonizando as soluções jurídicas.

É, na verdade, este o critério metodológico que se afigura devido no contexto em presença.

Nestes termos, tendo o sistema evoluído no sentido de se dar relevância fiscal também às mais e menos valias potenciais ou latentes, a interpretação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, de acordo com os enunciados parâmetros, conduz a concluir que no correspondente regime se deve refletir essa evolução, considerando-se este tipo de mais e menos valias também incluídas no preceito em causa.

Se, como refere KARL ENGISH, “a linha limítrofe entre a interpretação (especialmente a interpretação extensiva) por um lado, e a analogia, por outro, é fluída” (ob. cit., p. 239), o caso em presença situa-se ainda no âmbito da interpretação, sendo coberto pela “capacidade de expansão lógica e teleológica da lei” (ob. cit., p. 243).

Com efeito, as lacunas só aparecem “quando nem a lei nem o direito consuetudinário dão uma resposta imediata a uma questão jurídica”, sendo que “a lei fornece uma resposta quando esta dela é retirada por interpretação, mesmo quando seja uma interpretação extensiva “. Na medida em que a interpretação baste para responder a questões jurídicas, o Direito não será, pois, lacunoso. Pelo contrário, a «analogia» possui já uma função integradora” (KARL ENGISCH, Introdução ao Pensamento Jurídico, Tradução e prefácio de J. BAPTISTA MACHADO, 5ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 226).

Impõe-se, pois, no presente caso, considerar os elementos inovadores, de natureza contabilística que foram, entretanto, absorvidos pelo sistema jurídico-fiscal, não cedendo à tentação do imobilismo e da cristalização do sentido literal dos preceitos.

Como refere JOÃO DE CASTRO MENDES (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994, p. 221) a interpretação histórica contrapõe-se a interpretação actualista. “A primeira tem como finalidade reconstruir o sentido que a lei tinha no momento da sua elaboração e entrada em vigor; a segunda, determinar o sentido que a lei tem no momento da sua interpretação. Por alteração das circunstâncias e até dos sentidos das palavras, podem ser diferentes os dois sentidos”. A importância da interpretação actualista reside, pois, essencialmente no facto de a lei assumir “valor como instrumento social, não como peça de tradição”.

A interpretação que admite a aplicação do artigo 32.º, n.º 2, às mais-valias ou menos valias latentes (potenciais) é, por outro lado, a que se apresenta mais conforme aos princípios constitucionais da tributação do rendimento real (previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade.

Ora, um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” é o da interpretação conforme à Constituição (cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª.ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 480). Segundo este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.

No caso concreto, tal regra hermenêutica, mediada por uma interpretação atualista, aponta decisivamente para a interpretação do n.º 2 do art.º 32.º do EBF que deixámos sufragada.

Assim, numa perspetiva atual, à luz da evolução dos conceitos técnico contabilísticos operados, só uma interpretação assente num critério teleológico-objetivo, e em conformidade com a Constituição evita uma contradição de valoração insanável, que não encontra qualquer fundamento razoável e é contrária à unidade do sistema jurídico.

Tudo o que tendo direta aplicação no caso concreto, conduz, necessariamente, a uma interpretação atualística do art. 32.º, n.º 2, do EBF, de que decorre que se retire do preceito o sentido interpretativo de  que o mesmo acolhe a isenção das mais-valias obtidas pelas SGPS, nas condições aí previstas, independentemente de a sua relevância fiscal acontecer apenas no momento da sua transmissão (princípio da realização) ou ao longo dos diferentes exercícios pelos quais se prolongue a sua detenção (justo valor).

Fazemos nosso o entendimento de GOMES CANOTILHO em parecer junto aos presentes autos, segundo o qual quando no texto do artigo 32.º/2 do EBF o legislador se refere a mais-valias e menos-valias realizadas, isso deriva do facto de apenas essas concorrerem para a formação de um lucro tributável em IRC.

“A partir do momento em que o CIRC sofre uma alteração que se traduz na possibilidade de tributação de mais-valias e de menos-valias potenciais, então, a norma do artigo 32.º/2 deve ser objeto de uma interpretação atualista.

“As razões que levaram o legislador a criar o regime especial de tributação para as SGPS, refletido no artigo 32.º/2 do EBF, e que são invocadas no acórdão do STA citado supra” [Processo n.º 0314/12, de 05/09/2012], são válidas quer para as mais-valias e menos-valias realizadas quer para as mais-valias e menos-valias potenciais”.

“Não se compreenderia que o legislador, preocupado com a importância das SGPS para a economia nacional e reconhecendo a sua especificidade previsse um regime especial determinando que as mais-valias e menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável e, simultaneamente, as sujeitasse a um regime geral que admite, em certos casos (os do artigo 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC) a tributação de mais-valias potenciais por via de ajustamentos de justo valor».

No mesmo sentido, que o Tribunal identicamente subscreve, concluem PAULO DA MOTA PINTO e ANTÓNIO MARTINS, em parecer junto aos autos (pág. 35), quando referem: «Dir-se-á que a resposta é evidente, tendo em conta a razão de ser e a finalidade da norma do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, o contexto em que foi editada e a sua alteração, tudo a impor uma interpretação atualista: não faria sentido que o legislador tivesse querido atribuir um benefício fiscal às SGPS como meio de fomentar a sua atividade em benefício da economia, quando aquelas realizam mais-valias transformando-as em meios monetários, e que, diversamente, pretenda a tributação de mais-valias meramente potenciais obtidas pelas mesmas SGPS, num contexto em que estas passaram a ser fiscalmente relevantes. Dir-se-á, pois, que parece claro que, pela sua razão de ser, o benefício fiscal previsto no art. 32.º, n.º 2, do EBF, deve, por igualdade ou mesmo por maioria de razão, incluir igualmente os ajustamentos de justo valor (mais-valias potenciais) que tenham passado a concorrer, a partir de 2010, para a formação do lucro tributável».

Comungamos também do que, a este propósito, salienta GUSTAVO COURINHA, igualmente em parecer junto aos autos: (i) «o benefício fiscal constante do art.º 32.º, n.º 2, do EBF é um regime fiscal indiscutivelmente de base subjetiva [sublinhado nosso], estruturado por referência à forma societária (SGPS)» (pág. 60); (ii) “o art.º 32/n.2 do EBF não pode ser interpretado como uma norma que decide em favor ou contra um determinado método de periodização – realização ou Justo Valor. Ao invés, este artigo carece de ser interpretado em termos neutrais. É esta interpretação neutral que se revela mais adequada à sua própria natureza, enquanto simples norma de determinação de eventos tributários (neste caso, por isenção). O art.º 32º/n.º2 não poderá ter pretendido promover a utilização de um método de periodização (realização) com prejuízo de outro (Justo Valor). Não é essa a sua função, nem se percebe que interesse extra-fiscal justificaria um tal tratamento. Com efeito, é impossível imaginar que interesse poderia explicar um benefício fiscal que se traduza pela preferência na realização de mais-valias, quando é precisamente oposta a função prosseguida pelas SGPS nos grupos societários (…)» (págs. 65 e 66).

Termos em que se conclui que o rendimento (mais-valia) obtido pela Requerente goza da isenção prevista no art. 32.º, n.º 2, do EBF, devendo proceder o pedido da Requerente.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira diz, na sua resposta, sobre este acórdão que «invocação de interpretação actualista daquela norma do EBF, abstrai do sentido de jurisprudência constante do STA, segundo a qual: «as normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa».

No entanto, em última análise, este entendimento não extravasa dos limites de uma interpretação estrita e declarativa, que não significa interpretação literal.

Na verdade, esta acórdão arbitral limita-se a esclarecer o alcance actualizado da expressão «mais-valias e as menos-valias realizadas», que será o de reportar-se às variações de valor de partes de capital que «concorrem para a formação do lucro tributável», que foram identificadas no n.º 2 do artigo 32.º com a alusão às «mais-valias e as menos-valias realizadas», única situação de relevância dessas variações para a formação do lucro tributável prevista na lei até 2009.

Isto é, o n.º 2 do artigo 32.º tinha em vista afastar a relevância para a formação do lucro tributável de todas as mais-valias e menos valias que relevavam para a formação do lucro tributável, utilizando a fórmula «mais-valias e as menos-valias realizadas» que expressava essa intenção legislativa.

Tendo o CIRC passado a admitir noutras situações o concurso para formação do lucro tributável de variações de valor de partes de capital, designadamente por ajustamentos do justo valor, estas situações enquadrar-se-ão na hipótese daquele n.º 2 do artigo 32.º, por serem variações de valor de partes de capital que «concorrem para a formação do lucro tributável».

Com a interpretação actualista referia, o artigo 32.º, n.º 2, continua a abranger, como antes, todas as mais-valias e menos valias que relevavam para a formação do lucro tributável.

A adequação desta interpretação actualista é bem explicitada pela generalidade dos elementos interpretativos referidos na citada decisão arbitral.

Pelo exposto, a correcção aqui em causa enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2.2. Questão da aplicação do método da Circular n.º 7/2004 à determinação de encargos financeiros não dedutíveis

 

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção considerando um acréscimo ao resultado tributável, com fundamento na aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aos encargos financeiros suportados em 2012.

A Requerente defende que a correcção não se encontra fundamentada e foi efectuada através de cálculos imperceptíveis.

Para além disso, defende a Requerente que a correcção foi efetuada com recurso a Circular n.º 7/2004, que tem sido considerada ilegal pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte e do Supremo Tribunal Administrativo.

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2012, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A Direcção de Serviços do IRC emitiu, para efeitos de interpretação e aplicação desta norma, a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, estabelece no seu n.º 7, o seguinte:

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 

A Requerente na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 indicou valor que entendeu aplicável, supostamente aplicando o método previsto na Circular n.º 7/2004.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que houve erros de cálculo e, aplicando o método previsto na referida Circular n.º 7/2004 da forma que entendeu adequada, procedeu a correcção.

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (   ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC (   ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

                Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Para além disso, como também defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n. 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP. Por isso, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004 viola o princípio da legalidade, como defende a Requerente.

                Assim, basta o facto de a correcção efectuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correcção efectuada.

Na verdade, nos termos do disposto no artigo 81.º da LGT, a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos nos artigos 87.º e seguintes da LGT.

Por isso, a entender-se que a Requerente omitiu alguma obrigação contabilística que lhe impusesse a evidenciação da afectação dos encargos financeiros suportados, estar-se-á perante uma situação de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável», prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e na alínea a) do artigo 88.º da LGT, em que a fixação da matéria tributável só pode ser efectuada, por métodos indirectos, com base nos elementos indicados no artigo 90.º da mesma Lei e com aplicação dos procedimento previsto no seu artigo 91.º.

Para além de não ter sido utilizado qualquer critério de determinação da matéria tributável previsto no artigo 90.º da LGT, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou um método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, que é «um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal», como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15 e de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal».

A utilização deste método «afronta o princípio da legalidade tributária» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16).

Por isso, é de concluir, como o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15, e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17: «mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais».

Assim, na linha desta jurisprudência, desde logo por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter feito aplicação de um método indirecto de determinação da matéria tributável ilegal, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, na parte respeitante à aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Este vício, bem como o de erro sobre os pressupostos de facto, justifica a anulação da correção efectuada e da liquidação que a aplicou, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção  com fundamento neste vício de violação de lei, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento do vícios de falta de fundamentação que a Requerente imputa a esta correcção [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

3.3. Juros compensatórios

 

Os juros compensatórios têm como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).

Sendo ilegal a liquidação de IRC, é também ilegal a liquidação de juros compensatórios, pelos mesmos vícios.

Fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados à liquidação de juros compensatórios.

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

                               Em 13-03-2017, a Requerente pagou a quantia de € 418.005,93, liquidada relativamente ao exercício de 2012.

Como consequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas (artigo 100.º da LGT).

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, como se referiu, na sequência da ilegalidade da liquidação há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

                1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

O erro que afecta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi elaborada por sua iniciativa.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 13-03-2017 (data do pagamento) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

 

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de IRC n.º 2017... e o acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017...;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 418.005,93, acrescida de juros indemnizatórios nos termos referido no ponto 4 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 418.005,93.

 

Lisboa, 24-06-2019

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Tomás Cantista Tavares)

(Nuno Maldonado Sousa)