Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2018-T
Data da decisão: 2018-12-10  Selo  
Valor do pedido: € 229.070,91
Tema: Verba 28.1 da TGIS (na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) – Terrenos para construção.
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Acordam os Árbitros José Poças Falcão, Rui Ferreira Rodrigues e Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte

 

                DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., LDA, contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 26-04-2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de imposto do selo (IS) relativas ao ano de 2014, previstas na verba 28.1 da respetiva Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no montante de € 229 070,91 (duzentos e vinte e nove mil, setenta euros e noventa e um cêntimos), com referência aos seguintes prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos nas respetivas matrizes prediais:

 

Artigos ... e ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa;

Artigos ... e ... da freguesia de ..., concelho do Porto;

Artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa; e

Artigo ... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Sintra.     

 

3 Requer ainda a condenação da Requerida ao reembolso dos montantes pagos respeitantes às referidas liquidações, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 27-05-2018.

 

5 A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

 

6. Em 14-06-2018 as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 04-07-2018.

 

8. Em 09-07-2018 a Requerida foi notificada, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

9. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

10. Em 09-07-2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, pugnando, respetivamente, pela procedência da exceção invocada e consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados.

 

11. Na mesma data juntou aos autos o respetivo processo administrativo (PA).

 

12. Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 03-10-2018, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma.

 

13. Pelo mesmo despacho foi a Requerente convidada para, no prazo de cinco dias, responder, querendo, à exceção invocada pela Requerida, podendo as Partes, no prazo simultâneo de 20 dias, contado do termo daquele prazo, apresentar alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito.

 

14. Foi ainda designada a data de 10-12-2018 como data limite para a prolação e notificação da decisão final.

 

15. Deste despacho foram as Partes notificadas em 03-10-2018, tendo a Requerente, em 29-10-2018, apresentado Resposta à exceção bem como Alegações escritas, o que a Requerida também fez em 06-11-2018.

 

16. Em 29-11-2018 a AT veio requerer a junção aos autos do Acórdão n.º 605/2018 do Tribunal Constitucional, de 14-11-2018, proferido nos Processos n.ºs 339 e 340/16, o que foi aceite.   

 

Posição das Partes

Da Requerente

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que, conforme resulta das respetivas cadernetas prediais, os referidos prédios urbanos apresentam as seguintes características: São terrenos para construção; e têm um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) superior a 1.000.000 Euros.

Contudo, apesar de ter procedido ao pagamento das liquidações ora impugnadas, relativamente ao ano de 2014, no montante global de € 229.070,91, entende que os terrenos para construção não se subsumem na previsão ínsita na verba 28.1 da TGIS, por violarem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), sendo, ao mesmo tempo, contrárias ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo Diploma, sendo inconstitucionais, louvando-se no acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, de 24-05-2017.

Segundo este acórdão “a alteração de redação feita pela Lei n.º 83-C/2013, que aditou à verba 28.1 os terrenos para construção, introduziu um fator de distorção no regime de tributação do património imobiliário que representa, não apenas uma distorção na coerência interna do conjunto do sistema fiscal, ou mesmo do Imposto de Selo considerado isoladamente, mas uma distorção na própria coerência interna da norma tributária contida na referida verba”.

Com efeito, de acordo com o mesmo acórdão “(…) se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.”

Que o facto tributário relevante para a aplicação da verba 28.1 da TGIS assenta na titularidade de um direito real sobre um terreno para construção com um VPT superior a € 1 000000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Porém, os terrenos para construção não são suscetíveis de só por si serem utilizados para habitação e apenas o serão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada ou prevista, ou seja, corresponde a uma edificabilidade meramente potencial, juridicamente consolidada na esfera jurídica do proprietário do terreno, mas ainda não materializada.

Este mesmo entendimento consta do referido acórdão, nos termos do qual a tributação dos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação “assenta numa “mera expetativa” de afetação, i.e. na existência de uma autorização ou de uma previsão de que o terreno em causa venha a ser edificado e que tal edificação seja destinada à habitação”.

Mas que o legislador, ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, partindo para o efeito do pressuposto que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado VPT, o que não corresponde, de todo, à realidade em apreço conforme antes demonstrado, afastou-se da génese da verba 28.1 da TGIS.

Fazendo mais uma vez apelo ao citado aresto, teria existido, por parte do legislador, uma confusão no que se refere ao objeto visado pela norma contida na verba 28.1, confundindo assim “manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza”, circunstância essa ainda mais gravosa no caso de empresas detentoras de património imobiliário, património do qual depende a obtenção dos seus rendimentos, como é o caso da Requerente, que exerce a atividade de compra e venda de bens imobiliários com o CAE 68100, podendo optar por manter em carteira terrenos para construção (que adquiriu para venda e ainda que neles nada se construa) durante vários anos, a fim de aguardar por melhores condições de mercado.

Pelo que, no limite, mesmo que nunca fosse concluída qualquer edificação, a Requerente teria de suportar anualmente o IS decorrente da propriedade de terrenos com potencial edificação para construção, com um efeito agravado de descapitalização, deteriorando, porventura decisivamente, as condições económicas e de desenvolvimento da própria atividade de comercialização de imóveis, pelo que, como se refere no citado acórdão “a aplicação desta tributação àquelas sociedades toma por indício uma capacidade contributiva acrescida daquilo que é um mero fator produtivo, um pressuposto para a obtenção do rendimento, um simples meio para o exercício da sua atividade económica – o que não pode ser aceite.”

No mesmo sentido vai a decisão arbitral de 27-06-2017, proferida no Processo n.º 541/2016-T do CAAD, nos termos da qual “estando em causa empresas que tenham por objeto a comercialização de imóveis, ofenderá o princípio da igualdade e da capacidade contributiva (com argumentos a contrario dos atrás expendidos) a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios que aquela comercializa”.

Deste modo fica demonstrado que os terrenos para construção, quando constituam propriedade de sociedades comerciais que se dedicam à comercialização de imóveis, são apenas um meio de prossecução da respetiva atividade económica, não sendo espelho de uma capacidade contributiva superior, pelo que não se vislumbra qualquer razão para distinguir entre empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.

Ainda no mesmo sentido vai a decisão arbitral proferida no processo n.º 507/2015-T, do CAAD: “É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.”

Concluem, deste modo, que a detenção de terrenos para construção, enquanto bens de investimento afetos à atividade de compra e venda de imóveis desenvolvida pela Requerente, não poderá representar uma capacidade contributiva superior, que justifique a respetiva sujeição a tributação especial em sede de IS, pelo que a interpretação feita pela AT da verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, pelo que, uma vez mais, terá de se concluir pela ilegalidade das liquidações por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Para além disso refere que a jurisprudência arbitral, nomeadamente a tirada dos processos do CAAD com os n.ºs 507/2015-T e 452/2016-T, tem sido unânime ao declarar a inconstitucionalidade da verba 28.1 quando interpretada no sentido de nela se incluírem terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1 000 000,00.

Pelo que é seu entendimento que as liquidações de IS de que foram alvo os terrenos para construção por si detidos não tiveram em conta a tipologia edificatória dos mesmos, pois não atenderam ao destino específico que lhes virá a ser dado depois de materializada a construção, que é a construção de habitações coletivas com vários fogos, sendo que o número destes, por cada prédio a erigir no respetivo terreno para construção, é de tal modo elevado que o correspondente VPT será, unitariamente, muito inferior a € 1 000 000,00.

Que o VPT dos terrenos para construção corresponde, nos termos do artigo 45.º do CIMI “ao somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”, sendo que o “valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

Mesmo quando os edifícios são constituídos por unidades suscetíveis de utilização independente, os tribunais têm sido claros em considerar que é o valor de cada uma das unidades que releva para aferir da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, independentemente de estar ou não constituída propriedade horizontal, cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de setembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15.

Sendo de concluir que a norma contida na verba 28.1 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, por se aplicar a terrenos para construção com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, para os quais a construção autorizada ou prevista não inclua qualquer fração autónoma unidade suscetível de utilização independente com VPT superior àquele referencial, cfr. decisão arbitral de 17-03-2016, proferida no Processo do CAAD com o n.º 507/2015-T.

Pelo que resulta claro que o mero facto de um terreno para construção ter um VPT igual ou superior a 1.000.000,00 Euros não pode valer como justificação para sujeitar a tributação em sede de IS, quando esteja prevista ou autorizada a edificação de unidades habitacionais de valor inferior a € 1 000 000,00, uma vez que a tributação nestes termos será inadequada para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor, pelo que se impõe uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de se considerar que estão sujeitos a tributação os lotes de terreno para construção, mas, apenas e tão só, no caso da construção autorizada ou prevista ser para habitações de elevado valor ou seja, para unidades habitacionais de valor superior a um milhão de Euros.

Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação das liquidações impugnadas com todas as consequências previstas na lei, incluindo o reembolso do montante indevidamente pago acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT.

 

Da Requerida

Defendendo-se por exceção, invoca:

Que a Requerente, ao longo de todo o seu petitório, não assaca nenhuma ilegalidade aos atos de liquidação, objeto de impugnação nos presentes autos arbitrais, alegando que não concorda com as referidas liquidações de IS, estando certa de que estas violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), e são, em paralelo, contrárias ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo Diploma, sendo portanto inconstitucionais.  

Assim o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material, da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto nos artigos 13.º e 104.º n.º 3 da CRP.

Desde modo a incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.

Pelo exposto pugna pela procedência da exceção dilatória invocada e consequente absolvição da instância.

 

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

A Requerente assenta toda a sua fundamentação na inconstitucionalidade da norma de incidência, não obstante o Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 250/2017, de 24 de Maio de 2017, ter sido revogado pelo Acórdão n.º 378/2018, proferido em 04/07/2018, e decidido “ Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, alterada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação edificada, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual a €1.000.000,00”.

Que consultada a certidão do teor do prédio urbano e a caderneta predial que está na base da presente liquidação, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos à habitação e deste modo sujeitos a imposto do selo, tendo o legislador optado por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afetação que vem previsto no artigo 41º do CIMI.

Neste sentido, refere o Acórdão nº 04950/11, de 14/12/2012, do TCA Sul, onde se refere: “O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. art.º 6.º, n.º 3, do CIMI).”

Pelo que, na avaliação dos terrenos para construção, o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no art.º 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.

Nas cadernetas prediais dos imóveis, o tipo de prédio é “lote de terreno para construção”, pelo que não se pode duvidar de que estamos face a ‘terreno para construção’, mais concretamente, perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito.

Que o legislador não refere ‘prédio destinado a habitação’, tendo optado pela noção ‘afetação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI.

À primeira vista, numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a Requerente lhe pretende dar, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à ‘unidade do sistema’, nos termos do n.º 2 do artigo 9º do CC.

Assim, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico), designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretada (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma, cfr. Baptista Machado, Introdução ao discurso Legitimador, Almedina 1983, páginas 182 e 189.

A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, pelo que se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas.

Termina, pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida.

As Partes apresentaram alegações, tendo mantido as posições vertidas nos respetivos articulados.

 

II. Saneamento

1.            Porque a exceção dilatória invocada (incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a constitucionalidade, em abstrato, da verba 28.1 da TGIS), poderá constituir obstáculo ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, cfr. artigos 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, alíneas a) e d) do CPC, deverá a mesma ser oficiosa e prioritariamente conhecida – artigos 578.º e 608.º, n.º 1, do mesmo código.

Assim:

A Requerente não formula qualquer pedido de declaração de inconstitucionalidade, alegando, tão só e apenas, a inconstitucionalidade da referida norma (verba 28.1 da TGIS) por violação dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

Com efeito, nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), é ao Tribunal Constitucional que cabe apreciar e declarar a inconstitucionalidade abstrata de quaisquer normas (controlo abstrato e concentrado).

Porém, o Tribunal Arbitral, como qualquer outro tribunal, pode, rectius, deve, desaplicar, a título incidental, uma norma que considere inconstitucional (controlo difuso), cfr. o disposto no artigo 204.º da CRP.

Aliás, relativamente aos tribunais arbitrais, é o que decorre do n.º 1 do artigo 25.º do RJAT quando refere “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.”

Termos em que se julga improcedente a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

2. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

3. O processo não enferma de nulidades e o pedido foi tempestivamente apresentado.

 

4. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III - Fundamentação

Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto estatutário consiste na compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100).

 

2. Em 31-12-2014 era proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos nas respetivas matrizes prediais sob os seguintes artigos:

Freguesias          Concelhos           Artigos

...            Lisboa   ...

...            Lisboa   ...

...            Porto    ...

...            Porto    ...

...            Lisboa   ...

...            Sintra    ...

 

3. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 1.988m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área bruta de construção é de 8.010m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 4.850m2, a que correspondem a 54 fogos (unidades habitacionais independentes). A área remanescente (3.160m2) destina-se a estacionamento e arrumos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 2 107 500,00, determinado no ano de 2015. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 35.

 

4. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 1.400m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área bruta de construção é de 12.020m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 7.820m2, a que correspondem a 65 fogos. A área remanescente (4.200m2) destina-se a estacionamento e arrumos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 3 232 300,00, determinado no ano de 2015. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 35.

 

5. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 2.931m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área bruta de construção é de 14.839m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 10.198m2, a que correspondem 70 fogos (unidades habitacionais independentes). A área remanescente (4.641m2) destina-se a estacionamento, arrumos e espaços técnicos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 2 298 490,00, determinado no ano de 2015. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 30.

 

6. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 2.894m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área bruta de construção é de 13.243m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 8.118m2, a que correspondem 58 fogos (unidades habitacionais independentes). A área bruta de construção remanescente (5.593m2) é destinada a comércio, a que correspondem 5 frações, e a cave, sendo esta para estacionamento, arrumos e espaços técnicos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 1 993 710,00, determinado no ano de 2015. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 30.

 

7. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 12.350m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área de construção é de 13.116m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 8.500m2, a que correspondem 44 fogos (unidades habitacionais independentes). A área remanescente (4.616m2) destina-se a estacionamento e espaços de arrumos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 3 414 180,00, determinado no ano de 2015. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 30.

 

8. O terreno para construção inscrito sob o artigo ... tem as seguintes características:

Tem a área de 13.503m2 e destina-se à construção de edifício de habitação coletiva. A área de construção é de 15.477m2, sendo a área bruta destinada a habitação de 11.013m2, a que correspondem 56 fogos (unidades habitacionais independentes). A área remanescente (4.464m2) destina-se a estacionamento e arrumos.

Tem o valor patrimonial tributário de € 4 092 200,00, determinado no ano de 2016. Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, a percentagem do valor do terreno de implementação do edifício a construir foi fixada em 32.

 

9. Em 20-03-2015 a Requerida procedeu à liquidação do imposto do selo, previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, nos seguintes montantes, incidente sobre os valores patrimoniais tributários dos referidos terrenos para construção, constantes das matrizes prediais em 31-12-2014:

 

Artigo   ... - VPT € 2 810 907,08 x 1% = € 28 109,07

Artigo   ... - VPT € 4 336 421,61 x 1% = € 43 364,22

Artigo ... - VPT € 2 994 173,13 x 1% = € 29 941,73

Artigo ... - VPT € 2 594 849,75 x 1% = € 25 948,50

Artigo   ... - VPT € 4 618 611,65 x 1% = € 46 186,12

Artigo ... - VPT € 5 552 126,63 x 1% = € 55 521,27

Total imposto do selo liquidado …,……   € 229 070,91

 

10. Sendo emitidas as seguintes notas de cobrança para pagamento em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, todos do ano de 2015:

Artigos Identificação dos documentos  Abril/2015           Julho/2015          Novembro/2015              IS - SOMA

 

...            2015...

2015...

2015...  € 9 369,69          

€ 9 369,69          

 

€ 9 369,69          

 

€ 28 109,07

 

...            2015...

2015...

2015...  € 14 454,74        

€ 14 454,74        

 

€ 14 454,74        

 

€ 43 364,22

...            2015...

2015...

2015...  € 9 980,59          

€ 9 980,57          

 

€ 9 980,57          

 

€ 29 941,73

...            2015...

2015...

2015...  € 8 649,50          

€ 8 649,50          

 

€ 8 649,50          

 

€ 25 948,50

...            2015...

2015...

2015...  € 15 395,38        

€ 15 395,37        

 

€ 15 395,37        

 

€ 46 186,12

...            2015...

2015...

2015...  € 18 507,09        

€ 18 507,09        

 

€ 18 507,09        

 

€ 55 521,27

TOTAL   € 229 070,91

 

11. As primeiras prestações foram pagas em 27-04-2015; as segundas em 30-07-2015; e as terceiras em 26-11-20156.

 

Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

  

IV - Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se, sendo a Requerente proprietária de seis prédios (terrenos para construção) cujo valor patrimonial, unitariamente, é superior a € 1 000 000,00, os mesmos estão sujeitos a tributação em imposto do selo (verba 28.1 da TGIS) uma vez que, face à tipologia edificatória, os mesmos destinam-se à construção de habitações coletivas cujos valores patrimoniais tributários dos respetivos fogos serão, certamente, muito inferiores àquele valor, atento o elevado número dos mesmos.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade das liquidações impugnadas nas seguintes vertentes, por referência à verba 28.1 da TGIS:

(In)constitucionalidade quanto à tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

(In)constitucionalidade por tributação do substrato de uma atividade económica: Questão da incompatibilidade da norma com o princípio constitucional da igualdade, na parte relativa a terrenos para construção, por discriminação fiscal negativa dispensada a empresas que exercem regularmente a atividade de compra de terrenos para construção e para revenda; e

Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

- Do pedido de reembolso do imposto do selo (in)devidamente pago, no montante de € 229 070,91, e condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamentação (cont)

 

O Direito

 

A - Sobre as invocadas inconstitucionalidades – Notas genéricas

 

(i) Tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (artigo 45º, do ppa)

 

O acórdão nº 250/2017 da 1.a Secção do Tribunal Constitucional, de 24-05-2017, referido por diversas vezes no pedido de pronúncia arbitral, julgou inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei nº 55- A/2012, de 29 de outubro, alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impunha a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação, cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

Porém este acórdão foi revogado pelo acórdão nº 378/2018 do Plenário do mesmo Tribunal, de 04-07-2018, face ao recurso interposto nos termos do artigo 79º-D,  da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos: “Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei nº55-A/2012, de 29 de outubro, alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00”.

 

Esta questão da eventual violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva já havia sido analisada pelo Tribunal Constitucional, no sentido da não inconstitucionalidade, nos seguintes arestos: Acórdão nº 590/2015, de 11-11-2015; 568/2016, de 25-11-2016; acórdão nº 83/2016, de 04-02-2016; 247/2016, de 04-05-2016; 692/2016, de 14-12-2016; e 70/2017, de 16-02-2017.

 

(ii) Inconstitucionalidade por tributação do substrato de uma atividade económica (artigos 73.o do ppa)

 

Este Tribunal arbitral acompanha a jurisprudência do CAAD nesta matéria, nomeadamente a constante das decisões proferidas nos Processos nºs  664/2017, de 26-06-2018; 668/2017, de 24-04-2018 e 676/2017, de 16- 07-2018, entre outros, quanto à constitucionalidade do artigo 135º-A do CIMI, pela afinidade com a norma em apreço (verba 28.1 da TGIS), quanto à tributação do substrato de uma atividade económica, ou seja, quando estejam em causa empresas que tenham por objeto a comercialização de imóveis, como no caso presente.

 

Para melhor se entender o decidido, transcreve-se um elucidativo excerto do acórdão arbitral proferido no processo nº 664/2017, do CAAD: “Tem-se entendido, do mesmo modo, que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.o 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).

 

A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (idem, pág. 36)”.

 

B) A questão sub juditio

 

Na sua redação aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a Imposto do Selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional  — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

 

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma ínsita na verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional” e que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

 

E o nº 7, do artigo 23º do CIS dispõe, quanto à liquidação desse imposto:

                “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

 

Sobre a tributação à luz da citada verba 28., da TGIS, surgiram diversas dúvidas quanto à inclusão ou não na regra de incidência do IS dos prédios que se encontram em propriedade vertical, constituídos em frações de uso autónomo e independente, com afetação à habitação, e em que o valor patrimonial tributário, no somatório das frações, é igual ou superior a um milhão de euros, mas em que nenhuma delas, separadamente considerada, para efeitos de IMI, tem valor igual ou superior àquele montante. É que o próprio art.º 28 prevê que o valor patrimonial relevante é o “utlizado para efeitos de IMI”, e, no caso de propriedade vertical, cada uma das frações de uso independente é avaliada autonomamente.

 

A citada norma surge na sequência da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, da Assembleia da República, constante do DAR, I Série, nº 9/XX/2, de 11 de Outubro de 2012, onde se refere que, com a alteração legislativa pretende-se a criação de “uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros”. “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”. 

Apela-se, portanto, a par da criação de mais um mecanismo gerador de receita, à necessidade de dar acolhimento aos princípios de equidade social e justiça fiscal de modo a que contribuam especialmente as pessoas singulares que sejam titulares de casas de valor igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

Parece óbvio que se visou, primeira e principalmente, criar uma forma de propiciar um acréscimo de receita, já que o próprio diploma nada mais diz sobre o assunto, isto sem prejuízo de se ter querido transmitir a ideia de que este acréscimo de receita previsto na norma seria proveniente apenas da tributação daqueles cidadãos individuais que demonstrem uma maior capacidade contributiva através do uso de bens imóveis de elevado valor. E tanto assim é que na verba 28.2 se consideram também como sujeitos a imposto os prédios não detidos por pessoas singulares que tenham a sua sede em países, territórios ou regiões em que vigore a um regime fiscal mais favorável, constantes de listagem ínsita em Portaria do Governo.

 

Pois bem, tendo em conta a letra da lei, podem-se sintetizar assim os elementos essenciais para a existência de tributação:  são tributados em imposto de selo a propriedade, usufruto ou direito de superfície dos (i) prédios urbanos, (ii) detidos por pessoas singulares, (iii) com afetação habitacional, (iv) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a 1000 000,00€, (v) a calcular sobre o mesmo valor patrimonial que é utilizado para efeitos de IMI.

 

A ter em conta também, como absolutamente essenciais para o caso, as normas do art.º 67º nº 2 do CIS - quando estabelece que  “(…) às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.” - e dos art.º 4º e 12º, do CIMI, contendo a definição do que são prédios urbanos e especificando o último que, para efeitos de tributação em IMI, “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”(VPT) (sublinhado nosso).

Não despicienda é ainda a circunstância de existir remissão expressa sistemática do Código do Imposto de Selo (CIS) para as regras do CIMI (cfr., v. g., arts. 4.º, n.º 6; 5.º, n.º 1, alínea u); 23.º, n.º 7; 44.º, n.º 5; 46.º, n.º 5; e 49.º, n.º 3, do CIS).

 

Naturalmente que dúvidas não se suscitariam se cada andar ou parte do prédio constituísse fração autónoma no regime de propriedade horizontal uma vez que o CIMI dispõe claramente que cada fração é havida como constituindo um prédio (cfr. artigo 2º, n.º 4, do CIMI).

 

Mas o que parece claro é o tratamento paritário dado pelo CIMI entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total, tratamento justificado pela inexistência de diferenças materiais entre os dois tipos de prédios e, consequentemente, ao tratar os dois tipos de prédios do mesmo modo, o legislador deu cumprimento ao princípio constitucional da igualdade.

 

Por outro lado, tendo especialmente presente que foi a tributação dos denominados “prédios de luxo” que esteve na base, como se viu, da criação da citada redação da verba 28.1, da TGIS, esta finalidade da norma só se cumpre quando se considera o prédio urbano na sua função de habitação individual, ou seja, à luz de um conceito de prédio como unidade económica ou tributária independente ou individual, esteja aquele constituído ou não no regime de propriedade horizontal.

 

Nesta perspetiva e à luz, designadamente, dos princípios constitucionais da igualdade, de justiça e da capacidade contributiva, não podem ser estabelecidas diferenças de tratamento fiscal em sede de aplicação do artigo 28.1, da TGIS, entre um contribuinte dono dum edifício constituído em propriedade horizontal e um outro dono de edifício em tudo idêntico mas não constituído (ou ainda não constituído) no regime de propriedade horizontal.

 

Assim, sendo o valor a considerar para cálculo da taxa a aplicar para efeitos do estabelecido na verba 28, da TGIS, o patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, este será necessariamente o de cada uma das unidades ou partes do prédio afetas a habitação e com VPT autónomo.

 

E tem sido nesta linha de conclusões que se tem orientado, de forma praticamente unânime, a Jurisprudência (cfr., v. g., as decisões arbitrais proferidas nos processos do CAAD, nºs 14/2014-T, 35/2014-T, 245/2014-T, 249/2015-T, 413/2015-T, 432/2015-T530/2015-T, 632/2015-T, 668/2015-T, 743/2015-T, 765/2015-T, 777/2015-T e 453/2016-T, todas podendo ser consultadas no site do CAAD,  www.caad.org.pt..

 

No caso, todos os terrenos se destinam à construção de edifícios de habitação coletiva que corresponde a um elevado número de fogos (unidades habitacionais independentes) variando entre 44 a 70, destinando-se as áreas remanescentes de todos eles a estacionamento e arrumos, sendo que, no caso dos artigos ... e ... estes se destinam ainda a espaços técnicos e o último também a comércio.

 

Por outro lado, analisadas as cadernetas prediais e respetivos elementos de avaliação, conclui-se que as percentagens para cálculo das áreas de implantação foram fixadas entre 30% e 35% do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando deste modo o VPT (valor patrimonial tributário) dos terrenos para construção no somatório do valor da área de implantação do edifício a construir e do valor do terreno adjacente à implantação de tal modo que o valor das edificações autorizadas ou previstas corresponderá mais ou menos a três vezes o valor da área de implantação, acrescido do valor do terreno adjacente. Ou seja: nunca excederá o triplo do VPT dos terrenos.

 

Concluindo: nenhuma das frações dos prédios a erigir nos mencionados seis terrenos para construção terá um VPT superior a 1 milhão de euros.

 

O que significa, nos termos expostos supra, a sua exclusão de tributação pela Verba 28.1, da TGIS uma vez que o valor a considerar terá de ser necessariamente, como se viu, o de cada uma das unidades ou partes do prédio afetas a habitação e com VPT autónomo.

 

 

O pedido indemnizatório

 

Pede a Requerente a condenação da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) na devolução à Requerente do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4%, contados desde a data dos pagamentos indevidos (27-4-2015, 30-7-2015 e 26-11-2015 – Cfr 11., dos factos provados) até integral reembolso daquele imposto indevidamente pago.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente e desde as datas em que o fez.

 

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis (atualmente 4% ao ano), nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem entretanto).

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

V. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando os atos de liquidação impugnados respeitantes ao Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da respetiva Tabela Geral do Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, no montante de € 229 070,91 (duzentos e vinte e nove mil, setenta euros e noventa e um cêntimos);

b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data dos pagamentos até à data do processamento das respetivas notas de crédito; e

c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira, entidade Requerida, nas custas do processo.

 

VI - VALOR DO PROCESSO  

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 229 070,91.

 

VII - CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 284,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida conforme decidido supra.

 

             Notifique-se, incluindo o Ministério Público [Exma. Sra. Procuradora Geral da República], considerando a obrigatoriedade de recurso (artigo 280º-3, da Constituição da República Portuguesa).

 

Lisboa, 10 de Dezembro de 2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

O Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Ricardo Marques Candeias)