Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 194/2023-T
Data da decisão: 2023-10-18  IVA  
Valor do pedido: € 107.401,51
Tema: IVA - Actividade económica. Direito a dedução
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães e Dr. Fernando Miranda Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-05-2023, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., doravante abreviadamente designado por “A...” ou “Requerente”, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ...n.º ..., ...-... LISBOA, veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende a anulação dos «actos de e correção de IVA em conta corrente à data, e bem assim os atos de liquidação de IVA e seus acréscimos legais», ano de 2018, a que se referem os seguintes documentos:

  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 12.065,57;
  • Liquidação de IVA n.º 2022 ..., no montante de € 25.492,85;
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 23.910.78;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 506,96;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 989,08;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 836,11;
  • respectivas demonstrações de liquidação e acertos de contas;
  • correcção no montante de € 43.600,16 relativos a crédito de imposto em conta corrente.

 

O Requerente pede ainda a devolução do imposto pago, com juros indemnizatórios .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por “AT”.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-03-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 12-05-2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-05-2023.

A AT apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 20-09-2022, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que o A... requereu que a matéria de facto considerada assente nos processos arbitrais n.ºs 527/2019-T e 475/2022-T e processo de impugnação judicial n.º 370/09.5BELRS e a AT declarou nada ter a opor ao aproveitamento da prova produzida nestes processos.

            Nessa reunião, foi decidido «o aproveitamento da prova produzida nos processos 527/2019-T e 475/2022-T, que correram termos no CAAD e 370/09.5BELRS que correu termos no Tribunal Tributário; sem prejuízo da análise da matéria de facto ali assente».

Depois da junção aos autos das gravações da prova testemunhal produzida nos processos referidos, as partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1.  O A... é uma associação cientifica e técnica sem fins lucrativos, que tem por objeto, desde o início da sua actividade, no ano de 2000, o exercício da actividade de investigação científica de desenvolvimento tecnológico e bem assim a prestação de serviços económicos concretos nas áreas do desenvolvimento e utilização das tecnologias de informação, telecomunicações, eletrónica e computadores (Estatutos que constam do documento n.º 6-A junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2.  Na prossecução dos seus fins, o A... exerce uma actividade por conta própria, uma actividade por conta dos seus associados e uma actividade por conta de terceiros que recorram aos seus serviços, nestes dois últimos casos mediante condições fixadas por regulamento ou contrato (artigo 31.º dos Estatutos que constam do documento n.º 6-A);
  3.  Foi realizada uma inspecção ao A..., credenciada pela Ordem de Serviço n.º 012022..., para o exercício de 2018, de natureza externa e âmbito parcial de IRC e IVA, em que foram efectuadas correcções em sede de IVA, no montante de € 105.069,35 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4.  Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (“RIT”) que consta do documento n.º 5 em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.3.1.2 - IVA

O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, realizando operações mistas nos termos do art.º 23.º do CIVA (operações sujeitas a IVA e dele não isentas e operações sujeitas a IVA mas dele isentas e/ou operações não sujeitas a imposto).

Por consulta ao cadastro verifica-se que o A... adota o método da afetação real de parte dos bens e serviços utilizados previsto no Artigo 23.° do CIVA, para determinação do IVA dedutível respeitante aos bens ou serviços parcialmente utilizados na realização de operações com e sem direito a dedução deste imposto, nomeadamente:

a) operações tributáveis com direito a dedução de imposto, segundo os princípios gerais de dedução definidos nos artigos 19°, 20°, 21° e 22° do CIVA;

b) operações não abrangidas pelo conceito de atividade económica, nos termos do n.° 1 do Artigo 2° do CIVA e operações desenvolvidas no âmbito de poderes de autoridade que não beneficiam do direito à dedução de IVA, conforme n.° 2 do Artigo 2.° do CIVA, que estão fora das regras de incidência do imposto;

c) operações sujeitas a imposto embora isentas, sem direito a dedução, previstas no Artigo 9° do CIVA.

(...)

III.3.2 - Atividade exercida

O A... possui como objeto social principal a realização de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (I&D) que, de acordo com o Relatório e Contas (R&C), abrangeu em 2018 cinco eixos principais - Sistemas Inteligentes Interativos; Sistemas Computacionais e Redes de Comunicação; Sistemas de Informação e Suporte à Decisão; Sistemas Eletrónicos Embebidos; e Sistemas de Energia, no âmbito dos quais foram executados 72 projetos de I&D, distribuídos por dezassete equipas de I&D constituídas por investigadores (maioritariamente do A... e 1ST) e bolseiros, financiados pela FCT (diretamente ou através de bolsas integradas em projetos de investigação) e no âmbito de projetos europeus.

Ainda de acordo com R&C, o total dos rendimentos obtidos gerados pelo A... foi de 3,007 milhões de Euros (Me), provenientes das seguintes áreas de atividade:

1 -Atividade de I&D (83%), através de subsídios à exploração no montante total de 2,315Me, dos quais 1,411 Me referentes a subsídios de instituições nacionais (Fundação Ciência e Tecnologia) e 0,9Me da União Europeia para projetos de investigação internacionais (através do 7° Programa Quadro de Investigação e do Programa-Quadro Comunitário de Investigação & Inovação - Horizonte 2020) e, ainda, subsídios ao investimento, no montante de 0,178Me.

2- Prestação de serviços nas áreas das tecnologias de informação, telecomunicações, eletrónica, computadores e energia (13%), que gerou uma receita total de 0,385Me

 (...)

3 - Realização de conferências e de manifestações análogas de natureza cientifica, educativa ou técnica (3%), como, por exemplo, Eurograp 16, SMI, ITST2018, CRYPTACUS, entre outras, tendo obtido outros rendimentos que globalmente totalizaram um montante de 0,090Me.

(...)

V.2 - ENQUADRAMENTO FISCAL

Conforme referido no capítulo III., o A... é um sujeito passivo residente que em sede de IRC "que não exerce, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola" e que, em sede de IVA, está enquadrado como sujeito passivo misto, o que significa que apenas uma parte da sua atividade consiste na realização de operações tributáveis com direito a dedução de imposto, ou seja, operações referentes à transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, conforme estabelece o Art. 20° do CIVA.

Como regra geral, confere direito a dedução, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos e exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos dos Arts 19 e 22 do CIVA, com as exclusões previstas no Art.° 21 do referido código.

No que concerne a bens ou serviços adquiridos simultaneamente para realização de operações sem direito a dedução de imposto - como são as operações isentas e as operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica - e operações que conferem direito de dedução, o A... adota o método da afetação real, previsto no artigo 23.º do CIVA, para a determinação do IVA suportado respeitante a estas últimas que é dedutível.

A evidência recolhida no âmbito do presente procedimento permitiu constatar que as operações desenvolvidas pelo sujeito passivo agregam-se em três atividades principais:

 

1- As prestações de serviços de consultoria, nas áreas das tecnologias da informação, eletrónica, comunicações e energia, representaram 13% dos rendimentos gerados, e, de acordo com o artigo 1°e n.° 1 do Artigo 4.° do CIVA, são consideradas operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que conferem direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos do artigo 20º do CIVA, com exceção das situações enunciadas no artigo 21º do CIVA.

Tendo sido notificado para discriminar as operações/atividades desenvolvidas no exercício de 2018 que conferem direito a dedução de IVA e identificar as faturas de aquisição de bens e serviços para a concretização das respetivas operações (mencionando o N."? fatura, descrição, data de emissão, NIF e nome do fornecedor, valor base, montante de IVA e valor total), o A... não prestou a respetiva informação, impossibilitando a verificação e validação das aquisições de bens e serviços direta e exclusivamente afetas à prestação dos referidos serviços bem como do imposto comprovadamente suportado e deduzido nestas operações.

2- Atividade de investigação, representando 83% dos rendimentos da entidade, que decorrem da execução de dois tipos de PI&DI:

a. PI&DI com um fito exclusivamente académico/científico e PI&DI com natureza de investigação aplicada sem impacto previsto na faturação do A..., que não preveem ou têm inerente como resultado imediato a transmissão de um bem ou a prestação de um serviço concreto, com destinatário(s) direto(s) ou contraprestação definida para os mesmos. Estes PI&DI, que não têm como fim auferir receitas com carater de permanência através da transmissão de bens ou prestação de serviços a clientes pelo o A..., não possuem qualquer conexão com operações tributáveis a jusante, pelo que não estão abrangidas pelo conceito de atividade económica, nos termos do Art.° 9° da Diretiva n. 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 e do n.° 1 do Artigo 2° do CIVA, não lhes sendo conferido direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 20° do CIVA, a contrário.

b. PI&DI com impacto previsto na faturação do A..., quando demonstrem ter fixada no seu contrato de financiamento e execução, uma finalidade comercial imediata, durante a sua execução ou após a sua conclusão, através da prestação de serviços a terceiros ou da transmissão de bens com um destinatário concreto e contraprestação (preço) definida para o A... . Estes PI&D consubstanciam operações que se inserem nas atividades de produção, comércio ou prestação de serviços que materializam o conceito atividade económica definido no na alínea a) do n. 1 do Artigo 2.° do CIVA, conferindo-lhes, por isso, direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos dos Artigos 19° e 20º do CIVA, com exceção das situações enunciadas no artigo 21 º do CIVA.

Para nenhum dos PI&DI executados em 2018 (1) foi feita prova de que os mesmos tinham

estabelecido nos respetivos contratos de financiamento a previsão de existência de bens e/ou serviços concretos que visassem vir a ser comercializados pelo A..., no âmbito da sua execução ou na fase imediatamente subsequentemente à sua conclusão; (2) foram identificadas transferências de conhecimento (para startups empresariais, por exemplo); (3) foi feita prova da que a génese de qualquer das prestações de serviço realizadas em 2018 estivesse contratualmente prevista em qualquer dos PI&DI executados pelo A... neste ano, sendo, portanto independentes daqueles; (4) e, por último, não fez prova de haver, nem conjetura existirem, reflexos diretos dos PI&DI na faturação do A... e no imposto liquidado e entregue ao Estado, por consubstanciarem operações ativas de IVA, que está implícito no facto do A... não ter apresentado qualquer apuramento das receitas de caráter permanente a obter em decorrência dos PI&DI executados em 2018, com a transferência de conhecimento, transmissão de bens ou prestação de serviços pelo A... .

De acordo com a Informação Vinculativa A419 2008041, com o despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, em 02-02-2009, os projetos de I&D que têm fixada nos respetivos contratos de financiamento uma finalidade comercial imediata, com destinatário concreto, no seu termo ou durante a sua execução inserem-se nas atividades de produção comércio ou prestação de serviços, em que se baseia o conceito atividade económica, definido na alínea a) do n.° 1 do Artigo 2.° do CIVA. Caso contrário, não estando contratualmente estabelecidos objetivos comerciais imediatos, com destinatários concretos para os resultados dos projetos de I&D, não permite que se afirme que estes constituam operações que visem a realização de serviços ou transmissões de bens sujeitas a imposto.

Embora tenha sido notificado para apresentar os documentos comprovativos da conexão entre os PI&DI em execução e a intenção comercial dos mesmos, tais como, por exemplo, cópia(s) da(s) página(s) dos respetivos contratos de financiamento onde estão fixados os fins do projeto e, em concreto, os bens e serviços perspetivados e a intenção da subsequente comercialização A..., para todos os PI&DI executados, o sujeito passivo não forneceu estes documentos, pelo que não foi possível verificar e validar que os mesmos possuem uma finalidade comercial imediata, no seu termo ou durante a sua execução, com destinatário concreto, de acordo com a Informação Vinculativa A419 2008041.

Em consequência, não foi verificado que os PI&DI desenvolvidos em 2018 pelo A... reúnem os requisitos definidos na Informação Vinculativa A419 2008041 para serem considerados como operações sujeitas a imposto, pelo que deverão ser consideradas operações fora do âmbito de sujeição do imposto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 2.° do CIVA.

Assim, deverá ser considerado excluído o direito de dedução, na totalidade, do imposto

suportado nas aquisições de bens e serviços afetos à execução de PI&DI, de acordo com o Artigo 19° do CIVA a contrário.

As prestações de serviços e as transmissões de bens conexos com a realização de conferências e de manifestações análogas de natureza cientifica, educativa ou técnica, representando 3% dos rendimentos obtidos pelo A... em 2018, foram efetuadas ao abrigo da isenção estabelecida no n.º 14 do art. 9° do CIVA, pelo que, sendo operações sujeitas mas isentas de IVA, não conferem direito à dedução do imposto comprovadamente suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos da alínea a) do n. 1 do Artigo 20° do CIVA, à contrário.

Relativamente ao apuramento do imposto deduzido em aquisições de bens e serviços de utilização mista verifica-se, diferentemente ao mencionado na carta-resposta, que os montantes apresentados relativamente ao encargo da renda anual, sem direito a dedução de IVA e com direito a dedução, totalizam os valores base de 205.188,98€ e 68.396,28€, respetivamente, perfazendo o montante base total de 273.585,26€, correspondentes aos montantes totais das faturas n. 26, 53, 83, 124, 156,196, 238, 276, 311, 352, 387 e 434 (sem direito a dedução de IVA) e 27, 54,84,125,157,197, 239,277, 312, 353, 388 e 435 (com direito a dedução) que foram emitidas mensalmente pelo D... ao A... .

Estas faturas perfazem o montante total de 336.509,88€, IVA incluído à taxa legal de 23%, de acordo com a alínea c) do n.° 1 do Art.° 18° do CIVA, no montante total 62.924,62€, tendo o A...procedido à dedução imposto no montante de 15.731,16€, no campo 24 das DP de 2018.

O A... não forneceu a discriminação das atividades realizadas nessas instalações nem as áreas utilizadas por cada uma, assim como não comprovou qual a área que é exclusivamente utilizada para a realização de operações sujeitas e não isentas. Em consequência não demonstrou nem adequação nem a exatidão do critério de apuramento do imposto deduzido nas DO apresentado para aplicação do método de afetação real, previsto no Art. 23° do CIVA, de que resulta a repartição de 25% (15.731,16€/ 62.924,64€) do custo do espaço utilizado para atividades sujeitas e não isentas de imposto, não permitindo assim a validação dos valores apurados pela AT.

Acresce, ainda, que no cômputo dos bens e serviços de utilização mista, se verifica que o sujeito passivo considerou para efeitos de aplicação do método da afetação real unicamente o encargo da renda das instalações sitas na R. …, excluindo do âmbito desta metodologia outras aquisições serviços de afetação mista, designadamente, serviços jurídicos, informáticos, contabilidade e auditoria, entre outros, que estão simultânea e indistintamente afetas à atividade pedagógica, de investigação e prestação de serviços, relativamente aos quais o A... suportou e deduziu genericamente imposto, num total de 33.360,34€, sem expurgar o IVA relativo

a operações isentas (conferências) ou operações não tributáveis (PI&DI).

Verifica-se assim, que o A... não apenas não fundamentou e comprovou a adequação da metodologia de afetação real adotada para determinação do imposto deduzido relativamente ao custo do espaço utilizado, pelo que o imposto que foi deduzido relativamente a bens e serviços de utilização mista não é passível de validação como não aplicou o método da afetação real a todos bens e serviços de utilização mista que adquiriu, distorcendo o montante de imposto deduzido nas declarações periódicas com prejuízo para o Estado.

 

V.3 - CONCLUSÃO

Perante a constatação de que:

1. não foi comprovado que algum dos PI&DI executados em 2018 contratualmente visasse a transferência de conhecimento, transmissão de bens ou serviços a clientes pelo A..., consistindo, deste modo, em operações não tributáveis, deverá ser considerado excluído o direito de dedução, na totalidade, do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços que lhes foram afetos, de acordo com o Artigo 19° do CIVA e que indevidamente foi considerado nas DP de 2018;

2. não foi identificado e comprovado o imposto efetivamente suportado e indevidamente deduzido de cada PI&DI executado (operações não tributáveis) nem do imposto suportado e deduzido para a realização das prestações de serviços de consultoria (operações sujeitas e não isentas);

3. o A... não aplicou o método de afetação real nos termos do disposto no Art. 23° do CIVA e conforme decorre do seu enquadramento cadastral em IVA para todos os bens e serviços de utilização mista; e,

4. não foram definidos critérios objetivos, pertinentes e comprovados pelo A... para determinação fiável do imposto dedutível dos diversos tipos inputs de utilização mista

adquiridos;

5. a determinação do imposto que o s.p. deduziu nas DP de 2018 relativamente a bens e serviços de utilização mista, distorce, materialmente, o imposto dedutível, com prejuízo para Estado.

Tendo em consideração, ainda, que não foram discriminadas as aquisições de bens e serviços diretamente afetas às operações sujeitas a imposto e dele não isentas -Prestações de serviços de consultoria - e que foi deduzido na totalidade o imposto suportado nas aquisições para estas operações e para os PI&DI executados pelo A..., foi estabelecido, para proceder à correção do imposto deduzido pelo A..., considerara representatividade das operações sujeitas a imposto e dele não isentas (prestações de serviço de consultoria) no total dos rendimentos obtidos pelas atividades

desenvolvidas pelo A... (excluindo juros, dividendos e outros rendimentos similares) do exercício de 13% e estabelecer como critério para determinação do imposto dedutível a chave de repartição de 13%:

 

 

Similarmente, para determinação do imposto dedutível nos bens e serviços de utilização mista adquiridos, em face da falta de apresentação pelo A... de qualquer critério objetivo fiável para, como refere o Oficio Circulado 30103, de 23.04.2008, do Exmo. Sr. Diretor-Geral dos Impostos, nos seus n.°2,3e4do Capítulo V, permitir determinar o grau, proporção ou intensidade da utilização dos recursos diferentes nas atividades/operações em simultâneo, foi decidido pelos Serviço de Inspeção Tribuária (SIT), em conformidade com o estabelecido na alínea b) do n. 3 do Artigo 23.° do CIVA, considerar a representatividade das operações sujeitas a imposto e dele não isentas (prestações de

serviço de consultoria) no total dos rendimentos obtidos em todas as atividades desenvolvidas pelo A... (excluindo juros, dividendos e outros rendimentos similares) no exercício no valor de 13% e estabelecer como critério de dedução do imposto dedutível nos bens e serviços de utilização mista adquiridos, a chave de repartição de 13%.

De acordo com os elementos recolhidos, o montante total de imposto suportado que deduziu nas DO foi de 127.821,26€, correspondendo 78.729,76€ a imposto suportado e deduzido em aquisições de bens e serviços direta e exclusivamente afetos a atividades que A... havia considerado como passíveis de dedução de imposto, e 49.091,50€ de imposto suportado e deduzido em aquisições de bens e serviços de utilização mista.

Relativamente às aquisições de bens e serviços de utilização mista, o A... suportou imposto no montante total de 96.284,96€, do qual 49.091,50€ é referente ao montante de imposto suportado e deduzido nas DP e 47.193,46€ ao total do imposto suportado mensalmente e não deduzido, referente ao custo do espaço utilizado.

Resulta da aplicação dos referidos critérios de determinação do imposto dedutível ao montante de imposto suportado e considerado a deduzir nas DPs do exercício pelo A..., bem como ao imposto que esta entidade suportou e não deduziu referente ao custo do espaço utilizado nas instalações sitas na R. ..., que o montante total de imposto dedutível de bens e serviços adquiridos em atividades sujeitas e não isentas de imposto no exercício é de 22.751,92€ (127.821,26€ x 13% + 47.193,46€ x 13%) que se reflete nas DP de IVA da seguinte forma:

 

Em síntese, da aplicação do critério de determinação do imposto dedutível às aquisições de bens e serviços diretamente utilizados na sua atividade sujeita a imposto e dele não isenta resultou o apuramento de imposto dedutível no valor de 10.234,87€ (78.729, 76€ x 13%) e da aplicação do critério de determinação do imposto dedutível às aquisições de bens e serviços de utilização mista imposto dedutível no valor de 12.517,04€ (96.284,96€ x 13%).

Face aos valores inscritos pelo sujeito nas DP, o montante de imposto deduzido em excesso foi de 105.069,34€, conforme se apresenta no quadro seguinte:

 

 

 

Face ao exposto, verifica-se que o total do imposto em falta, por dedução indevida nos Campos 20, 24 e 40, por infração ao disposto no Art.os19.° n. 1, 20.° n.° 1 e 23 n.° 1, todos do CIVA, ascende ao montante total de 105.069,34€.

 

 

  1. Na sequência da acção inspectiva a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas, além de ter efectuado uma correcção no montante de € 43.600,16 relativa a crédito de imposto em conta corrente:
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 12.065,57;
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 25.492,85;
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 23.910,78;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 506,96;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 989,08;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 836,11;
  • respectivas demonstrações de liquidação e acertos de contas;

(Documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. Em 18-01-2023, o Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O Requerente efectua operações mistas nos termos do art.º 23.º do CIVA, operações sujeitas a IVA e dele não isentas e operações sujeitas a IVA mas dele isentas;
  3.  Desde 2008, que o Requerente adopta o método da afectação real;
  4. A actividade económica do A... consiste na investigação, no desenvolvimento e na produção / criação de novos produtos, no aprimoramento ou desenvolvimento de tecnologias ou de ferramentas operacionais de trabalho, bem como na criação de bens e produtos patenteados e de protótipos, que têm sido objeto de transmissão onerosa, no todo ou em parte, para diversos operadores económicos, sujeitos passivos do tecido industrial, mediante o pagamento de uma contrapartida (preço) (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  5.  A obtenção de resultados da actividade da Requerente permite obter rendimentos para prosseguir a investigação (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  6. A actividade de investigação da Requerente nem sempre tem sucesso comercial (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  7. O A... exerce a sua actividade comercial de prestação de serviços de investigação científica e de venda dos bens e serviços por si produzidos a outros operadores económicos, umas vezes em resultado de uma encomenda por um desses operadores, e outras no âmbito de projetos de investigação científica específicos, através dos quais lhe é encomendada a realização da prestação de serviços de investigação, ao abrigo de contratos de concessão de financiamento a projetos concretos de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  8. Todo o conhecimento científico que o A... produz visa a sua aplicação concreta, sendo por isso investigação aplicada para a obtenção de proveitos em condições de mercado, através da venda do know-how ou bem produzido ou da prestação de serviços (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  9.  Quer nos caso em que a investigação é realizada por conta de uma empresa comercial em condições concorrenciais de mercado, seja por conta da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, ou através da candidatura a fundos europeus, o A... tem sempre em vista a produção de resultados que tenham valor económico ou aptidão comercial, visando a realização de proveitos (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  10. Além de operações de venda de bens e prestação de serviços, a Requerente realiza ainda operações de spinoff ou de investimento dos seus ativos incorpóreos, usando bens corpóreos ou incorpóreos para subscrever capital social em sociedades de capital (start-ups), como sucedeu com as empresas E... SA, F... SA, G... LDA, H..., I..., SA, e J..., Lda, - sociedade (documentos n.ºs 15 a 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas B... e C...);
  11. Os financiadores nos projetos de investigação que a Requerente empreende são, algumas vezes, a FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia ou organismos ou fundos comunitários específicos (FPT, Horizonte 2020), mas mesmo nesses casos, os projectos envolvem empresas, sendo os seus resultados usados directamente por elas, criando riqueza e subindo o nível de sofisticação dos produtos e equipamentos por estas disponibilizados (depoimentos das testemunhas B... e C...);
  12. A Requerente emitiu as facturas e notas de crédito que constam dos documento n.ºs 25 a 30 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  13. Os subsídios recebidos pela Requerente são destinados em parte ao investimento em equipamento e em parte destinam-se a custear as despesas de exploração dos projetos e despesas gerais (ponto III.3.2 do RIT);
  14. Em 21-03-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base na prova testemunhal e nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

As testemunhas, cujos depoimentos foram apreciados com base nas gravações juntas aos autos, aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram, não se vislumbrando qualquer razão para não lhes dar credibilidade.

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes e objecto do processo

 

O Requerente é um sujeito passivo misto, para efeitos de IVA.

Refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que o Requerente desenvolve actividades de três tipos actividades principais:

  • prestação de serviços de consultadoria nas áreas das tecnologias de informação, telecomunicações, eletrónica, computadores e energia (13%), que a AT considerou operações sujeitas e não isentas de IVA, pelo que conferem direito à dedução do imposto;
  • prestações de serviços e as transmissões de bens conexos com a realização de conferências e de manifestações análogas de natureza cientifica, educativa ou técnica, representando 3% dos rendimentos obtidos pelo A... em 2018, foram efetuadas ao abrigo da isenção estabelecida no n.º 14 do art. 9° do CIVA, pelo que, sendo operações sujeitas mas isentas de IVA, não conferem direito à dedução do imposto;
  •  actividade de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (83%), que a AT considerou ser constituída por dois tipos de actividade::
    • uma com fito exclusivamente académico/científico;
    • outra com natureza de investigação aplicada sem impacto previsto na facturação do A..., que não preveem ou têm inerente como resultado imediato a transmissão de um bem ou a prestação de um serviço concreto, com destinatário(s) direto(s) ou contraprestação definida para os mesmos.

 

Relativamente à actividade de I&D a AT entendeu que

  • a actividade do Requerente não têm como fim auferir receitas com carácter de permanência através da transmissão de bens ou prestação de serviços a clientes pelo que não tem qualquer conexão com operações tributáveis a jusante, pelo que não estão abrangidas pelo conceito de atividade económica, nos termos do Art.° 9° da Diretiva n. 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 e do n.° 1 do Artigo 2° do CIVA, não lhes sendo conferido direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços para sua realização, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 20° do CIVA, a contrario;
  • não estando contratualmente estabelecidos objetivos comerciais imediatos, com destinatários concretos para os resultados dos projetos de I&D, não permite que se afirme que estes constituam operações que visem a realização de serviços ou transmissões de bens sujeitas a imposto.
  • por isso, deverá ser considerado excluído o direito de dedução, na totalidade, do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços afetos à execução de PI&DI, de acordo com o Artigo 19° do CIVA a contrário.

 

A Requerente discorda das correcções efetuadas relativamente ao IVA suportado com as actividades de I&D, pelas seguintes razões, em suma:

  • toda a atividade desenvolvida pelo Requerente tem natureza económica;
  • tal actividade de I&D, é realizada com o fito de obter conhecimento científico, e constitui, mutatis mutandis, uma atividade que é geradora de operações económicas (vendas de bens ou prestações de serviços) tributáveis em IVA, que se situam perfeitamente dentro do campo do imposto e configuram operações tributáveis, dentro, portanto das regras de incidência do imposto, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 2.º n.º 1 al. a) do respetivo código;
  • é ilegal o estabelecimento de requisitos meramente administrativos e sem apoio na lei, que são limites restritivos à qualificação em IVA das operações económicas sujeitas a IVA, realizadas no âmbito de projetos de I&D, através de mera doutrina administrativa unilateralmente declarada pela AT sem apoio legal;
  • o Requerente realizou esse efetivo exercício uma atividade económica normal que se prolonga no tempo, conforme se demonstra pela concreta emissão de inúmera faturação em todos os exercícios, relativas a serviços por si inequivocamente prestados, a qual, nos anos sucessivamente inspecionados pela AT, de 2015, 2016, 2017 e 2018 ascendem globalmente a mais de um milhão e meio de euros;
  • ficou sucessivamente provado que o A... espera sempre alcançar resultados traduzidos em conhecimento tecnológico concreto, que pode tanto ser diretamente utilizável para a realização de operações económicas diretas, como pode ser apto a integrar novo processo de investigação subsequente, ou a ser integrado em processo de fabrico sob a forma de produto ou conhecimento integrado, sem o qual o produto ou o componente em causa não funcionaria;
  • a investigação e o desenvolvimento científico realizada pelo A... constituem uma atividade económica, onerosa, porque se estabelecem contrapartidas entre as partes nos contratos, porque é realizada com a finalidade de obtenção de resultados económicos palpáveis, sendo normalmente remunerada;
  • toda a investigação realizada pelo A... é aplicada, sendo uma mera sofismação infundada e ilegal da AT a sua distinção em “investigação dita pura”, pois o A... tem sempre em vista a produção de resultados que tenham valor económico ou aptidão comercial, visando a realização de proveitos tributáveis que, em sede de IRC constituem, do mesmo modo, operações tributáveis em sede de IVA;
  • A... utiliza os direitos de propriedade intelectual, os direitos de autor ou de propriedade industrial que obtém, bem como o conhecimento constituído como resultado das atividades por si desenvolvidas para a realização de operações tributáveis enquadradas em IVA e, ainda, para adquirir participações no capital social de empresas, o que revela o valor económico desse conhecimento adquirido;
  • não é necessário estabelecer uma relação direta e imediata relativamente a cada output individualmente considerado, admitindo ser suficiente que tal conexão se verifique relativamente à atividade do sujeito passivo globalmente considerada, como é jurisprudência do TJUE;
  • a AT calculou um prorata de dedução, e que resulta de um erro material da AT de qualificação dos subsídios recebidos como se fossem à exploração, mas que são subsídios ao investimento em equipamento (activo fixo), que devem, por isso, ser excluídos do denominador do pro rata, nos termos do art.º 23.º n.º 4 do CIVA;
  • o TJUE vem considerando frontalmente contrária ao direito comunitário a limitação da dedutibilidade do IVA suportado no investimento em bens de equipamento, financiados por subvenções;
  • não estando tais subsídios diretamente conexos com o preço de cada operação, nem se destinando a compensar défices de exploração, não sendo estabelecidos em função do número de unidades transmitidas ou do volume de serviços prestados, e nem sendo fixados anteriormente à realização de operações, eles são materialmente subsídios ao investimento / equipamento (ver Ficha doutrinária n.º proc. 2336/ de 10.8.2017) pelo que devem ser expurgados do denominador do pro rata;
  • o Requerente pratica por completo o método de afetação real das despesas a cada uma dessas atividades, sendo desnecessário calcular um prorata.

 

No presente processo a AT mantém a posição assumida no RIT acrescentando ainda fundamentos para não considerar regularizações das declarações periódicas (artigos 86.º a 103.º da Resposta).

A fundamentação invocada na Resposta não tem correspondência no RIT pelo que não pode ser tomada em consideração.

 

3.2. Questão da natureza da actividade desenvolvida pela Requerente com projectos de investigação e desenvolvimento

 

O conceito de actividade económica, para efeitos de IVA, está definido no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, com Correspondência no artigo 2.º do CIVA.

O Direito da União prevalece sobre o Direito Nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, pelo que a questão deve ser apreciada à face daquele artigo 9.º.

De harmonia com o disposto no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, «entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

Este conceito de «exploração» refere-se, em conformidade com as exigências do princípio da neutralidade do sistema comum do IVA, a todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, porém exige que tais operações visem retirar do bem em questão receitas com caráter de permanência (acórdãos do TJUE de 04-12-1990, Van Tiem, processo C- 186/89, n.º 18; de 11-07-1996, Régie Dauphinoise, processo C‑306/94, n.º 15; de 29-04-2004, EDM, processo C-77/01, n.º 48; de 21-10-2004, BBL, processo C‑8/03, n.º 36; e de 26-06-2007, T‑Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).

Embora este artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, confira um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as actividades que tenham carácter económico (acórdãos do TJUE Régie Dauphinoise, processo C‑306/94, n.º 15; EDM, processo C‑77/01, n.º 47; de 26-05-2005, Kretztechnik, processo C‑465/03, n.º 18; e T‑Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).

No caso em apreço, resulta da prova produzida que, com a actividade no âmbito de projectos de investigação, a Requerente visa a produção e comercialização de bens e prestação de serviços, utilizando bens de investimento, inclusivamente adquiridos com subsídios, e visando retirar deles receitas com carácter de permanência, pelo que se está perante uma situação que se enquadra no conceito de actividade económica.

Assim, ao contrário do que pressupôs a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se está perante uma situação em que a investigação constitua uma actividade com exclusivo fito científico, sem valor económico relevante, em que não sejam obtidos rendimentos com o resultado da investigação.

Pelo exposto, tem de se concluir que as correcções efectuadas com base no pressuposto de que a actividade de investigação da Requerente não constitui actividade económica para feitos de IVA enferma de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a anulação das liquidações, nas partes respectivas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

3.3. Juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a respectiva liquidação de IVA (artigo 25.º, n.º 8, da LGT, pelo que as liquidações de juros compensatórios enfermam dos mesmos vícios que afectam as liquidações de IVA, justificando-se também a sua anulação, nas partes correspondentes à anulação destas.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à autoliquidação impugnada.

 

4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios

 

O Requerente pagou as quantias liquidadas, no valor total de € 63.081,05, (documento n.º 6) e pede a devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 63.801,05.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, as liquidações foram elaboradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira por sua iniciativa, pelo que lhe são imputáveis os erros.

Por isso, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios devem ser contados relativamente desde 18-01-2023, data dos pagamentos, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

5. Decisão

 

É objecto do pedido de pronúncia arbitral o acto de correcção de valor de crédito de IVA reportado para anos seguintes relativo aos anos de 2006 a 2014, no montante de € 454.596,78, cujo reembolso foi solicitado, e as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2015 e 2016.

De harmonia com o exposto, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto às liquidações de IVA e juros compensatórios.

No que concerne ao pedido de reembolso do montante de € 454.596,78 relativo a IVA dos anos de 2006 a 2014 reportado para anos seguintes, o pedido de pronúncia arbitral improcede apenas quanto ao valor de € 30.428,59 (ponto 3.3).

 

Nestes ermos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular os actos de correcção de IVA efetuados na sequência da inspecção referida nos autos, inclusivamente a correcção no montante de € 43.600,16 relativo a crédito de imposto em conta corrente, bem com as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios e respectivas demonstrações de liquidação e acertos de contas:
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 12.065,57;
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 25.492,85;
  • Liquidação de IVA n.º 2022..., no montante de € 23.910.78;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 506,96;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 989,08;
  • Liquidação de juros de mora n.º 2022..., no montante de € 836,11;
  1. Julgar procedente o pedidos de devolução da quantia paga no montante de € € 63.801,05 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o seu pagamento ao Requerente;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente, nos termos do ponto 4 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 107.401,51, que foi indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

           

Lisboa, 18-10-2023

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 (Vasco António Branco Guimarães)

 

 

 

(Fernando Miranda Ferreira)