Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2023-T
Data da decisão: 2023-07-17  IRC  
Valor do pedido: € 169.679,17
Tema: IRC de 2019 e de 2020. Derrama municipal. Rendimentos obtidos fora de Portugal.
Versão em PDF

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Drª Ana Rita do Livramento Chacim (Vogal) e Dr. Augusto Vieira (Vogal-Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC), constituído em 06-06-2023, acordam no seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A..., SGPS, S.A., NIPC  ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designada por “A... SGPS” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o “Grupo B...” ou o “Grupo Fiscal B...”), veio ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março , apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL e PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA (PPA), tendo por objeto o indeferimento da reclamação graciosa  n.º ...2022..., por despacho de 2022.12.27, e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC (derrama municipal) do Grupo Fiscal B... relativos aos exercícios de 2019 e 2020, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama municipal indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

  1. Termina pedindo o seguinte: “DEVE SER DECLARADA A ILEGALIDADE DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA ... E, BEM ASSIM, A ILEGALIDADE PARCIAL DAS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IRC (DERRAMA MUNICIPAL) RELATIVAS AOS EXERCÍCIOS DE 2019 E 2020 DO GRUPO FISCAL B..., QUANTO AO MONTANTE DE € 83.105,43 E DE € 86.573,75, RESPECTIVAMENTE, NO TOTAL DE € 169.679,17, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO NESTA PARTE E NESTES MONTANTES, POR VIOLAÇÃO DE LEI E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL DE  € 169.679,17 (INCLUINDO € 83.105,43 RELATIVAMENTE A 2019 E, BEM ASSIM, €  86.573,75 RELATIVAMENTE A 2020) ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 1 DE NOVEMBRO DE 2020, RELATIVAMENTE AO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE SUPORTADO DE € 83.105,43 (RESPEITANTE AO EXERCÍCIO DE 2019)  E, BEM ASSIM, DESDE 16 DE JULHO DE 2021, RELATIVAMENTE AO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE SUPORTADO DE € 86.573,75 (RESPEITANTE AO EXERCÍCIO DE 2020), ATÉ INTEGRAL REEMBOLSO”.

 

  1. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.

 

  1. A A... SGPS, em resumo, sustenta que:
  1. As autoliquidações de IRC aqui impugnadas padecem de ilegalidade (uma vez que são diferentes as bases de incidência do IRC e da derrama municipal) e não deveriam relevar no apuramento da derrama municipal na esfera de cada uma daquelas sociedades integrantes do Grupo Fiscal B..., os dividendos e juros obtidos no estrangeiro pela C..., S.A. e pela Requerente;
  2. Até porque “a consideração dos referidos rendimentos obtidos no estrangeiro no apuramento da derrama municipal de cada um das referidas sociedades (e, consequentemente, na derrama municipal apurada ao nível do Grupo Fiscal B...) em cada um dos exercícios de 2019 e 2020 em causa, resultou de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A (“Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração”;
  3. Tendo ocorrido “o inevitável apuramento de derrama municipal em excesso, nos exercícios de 2019 e 2020 aqui em causa, na esfera da C..., S.A. e na esfera da ora requerente (e, consequentemente, na esfera do Grupo Fiscal B...), quanto à parte respeitante aos referidos rendimentos obtidos no estrangeiro por cada uma das sociedades em causa”.
  4. Considera ainda que a interpretação do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, na leitura levada à prática pela AT no indeferimento da reclamação graciosa, enferma de inconstitucionalidade, como bem sugere o STA no Acórdão de 13.01.2021, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa – “CRP”). 
  5. Em defesa do seu ponto de vista invoca as decisões arbitrais proferidas nos processos CAAD n.º 554/2021-T e n.º 720/2021-T, em linha com o decidido no Acórdão do STA, de 2021.01.13, Processo n.º 3652/15.3BESNT que considerou que os rendimentos obtidos por sucursais e estabelecimentos estáveis situados fora de território Português devem ser excluídos da base de incidência de derrama municipal.

 

  1. A Requerida contesta a posição da Requerente, referindo, em resumo:
  1. Que se “estriba numa interpretação parcial do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais e não numa interpretação integrada deste preceito, convocando, para o efeito, não só a norma do n.º 1 como igualmente com o disposto nos números 2, 3, 5, 6 e 7, além de colidir com o princípio da tributação numa base mundial consagrado no artigo 4.º, n.º 1 do Código do IRC”.
  2. Acrescenta que “tal interpretação não leva em conta o primado do princípio da legalidade nem o disposto nas convenções para evitar a dupla tributação que incluem a derrama municipal nos impostos sobre lucros calculados no Estado de residência para efeitos do exercício do crédito de imposto por dupla tributação internacional”.
  3.  E isto porque há “coincidência entre os conceitos de lucro tributável e de matéria colectável, utilizados nos números 1 e 2 do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais e os conceitos relevantes para efeitos do IRC resulta de abundante jurisprudência do STA”, onde “se concluiu no sentido que o regime da derrama, plasmado na Lei n.º 2/2007, atribui-lhe a qualificação de imposto autónomo (com natureza de adicionamento) em relação ao IRC, com uma base de incidência comum (lucro tributável)”. 
  4. Por outro lado, em face da “ausência, tanto nas Leis n.º 1/87 e n.º 42/98 - em que a taxa da derrama incidia sobre a colecta do IRC ...  de quaisquer regras a estabelecer que, previamente, à determinação da fração da colecta ou do lucro tributável imputável a cada município, tivesse de proceder-se ao cálculo da colecta do IRC ou do lucro tributável correspondente aos rendimentos gerados em território português ou na área territorial de cada município”, retira-se que  “um tal ajustamento exigiria a previsão, nas Leis de Finanças Locais, ou no actual Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, de critérios de conexão dos rendimentos e ganhos (e dos correspondentes gastos ou perdas) com o território nacional e com a área geográfica de cada município, a par de regras atinentes à respectiva quantificação”.
  5. Tendo o legislador optado “pela operacionalização do conceito da base de incidência da derrama adotando uma abordagem simplificada consistente na aplicação de um indicador – proporção calculada com base nos gastos com a massa salarial – ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos abrangidos” nos termos do nº 1 do artigo 18º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.
  6. Conclui que “em nenhum momento – seja no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais – as referências ao lucro tributável e à matéria colectável (superior a €50.000) dos sujeitos passivos remetem para valores expurgados de rendimentos e ganhos bem como gastos e perdas associados a actividades ou a operações realizadas no estrangeiro”.
  7. Resultando que o legislador “para o cálculo da base de incidência da derrama, ... privilegiou a praticabilidade, optando por um modelo de solução simplista, de aplicação genérica, que, apesar de imperfeito, evitaria a concentração da totalidade da receita no município da sede”, podendo ocorrer “desvios do conceito enunciado no n.º 1 do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais,  mas que o intérprete e aplicador da lei não pode corrigir ou substituir, sob pena de se substituir ao legislador”.
  8. Termina reiterando que : “a coincidência entre o conceito de lucro tributável para efeitos do IRC e da determinação da base de incidência da derrama tem sido reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência do STA e resulta da melhor interpretação conjugada das normas reguladoras deste tributo que constam nomeadamente dos números 1 e 2 do artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, que não autorizam a exclusão daquela dos rendimentos provenientes do estrangeiro”.
  9. Conclui pela manutenção na ordem jurídica do acto tributário impugnado e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios por não ter ocorrido erro imputável aos serviços.

 

  1. Por despacho do Sr. Presidente do Tribunal de 2023-07-10 foi dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e de alegações.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas das designações, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 06 de Junho de 2023.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções ou questões prévias.

Cabe apreciar e decidir.

II - Fundamentação

Matéria de facto

  1. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como provados são os seguintes:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima, sujeito passivo de IRC e em 2019 e 2020, encontrava-se enquadrada, para efeitos de tributação, no regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante do Grupo Fiscal B... – conforme parte inicial do PPA; artigos 8º e 9º da Resposta da AT e PA junto;

Quanto a 2019

  1. Em 29 de Julho de 2020 a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B... entregou a declaração, agregada, de IRC Modelo 22 (RETGS) respeitante ao exercício de 2019 (cfr. Doc. n.º 1), mais tendo apresentado (1) em 17 de Novembro de 2020 uma declaração, agregada, de IRC Modelo 22 (RETGS), de substituição, (2) e em 09 de Setembro de 2021 outra declaração de substituição que não foi validada – artigos 15º e 16º do PPA, Documentos nºs 1 a 4 juntos com o PPA e PA junto;
  2. O montante total de derrama municipal liquidada ao nível do Grupo Fiscal B... por referência ao exercício de 2019, incluiu derrama municipal no montante de € 60.679,66 apurada a título individual pela sociedade C..., S.A. e ainda a derrama municipal no montante de € 139.014,59 apurada a título individual pela requerente A... SGPS – conforme artigos 17º e 18º e Documentos 7 a 9 juntos com o PPA;
  3. Quanto à C..., S.A., o lucro tributável apurado por referência ao período de tributação de 2019, teve em consideração os seguintes rendimentos provenientes do estrangeiro, partes integrantes do seu resultado líquido do exercício inscrito na sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22:
  • Dividendos distribuídos a seu favor, no montante de € 5.323.290,00 pela sociedade D..., S.A., com sede em Espanha na qual a C... detinha uma participação correspondente a 1%;
  • Juros pagos pelas sociedades participadas E..., Spa e F..., Spa, com sede no Chile, nos montantes de € 4.779.389,00 e € 894.028,00 respectivamente. – conforme artigo 19º do PPA e Documentos nºs 10 a 12 juntos com o PPA;
  1. Quanto à Requerente A... SGPS, o respectivo lucro tributável apurado individualmente por referência ao período de tributação de 2019, teve em consideração dividendos no montante de € 1.495.050,99, parte integrante do seu resultado líquido do exercício inscrito na sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22, distribuídos pela G..., S.A., sociedade com sede em Moçambique, em cujo capital social detém uma participação directa de 7,5% - conforme artigo 20º do PPA e Documentos 12 e 13 juntos com o PPA;

Quanto a 2020

  1. Em 16 de Julho de 2021, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., entregou a declaração, agregada, de IRC Modelo 22 (RETGS) respeitante ao referido exercício de 2020, tendo ainda procedido, em 23 de Dezembro de 2021, à entrega de uma declaração de substituição – conforme artigo 21º do PPA e Documentos 5 e 6 juntos com o PPA;
  2. O montante total de derrama municipal liquidada pelo Grupo Fiscal B..., por referência ao exercício de 2020, incluiu derrama municipal no montante de € 63.445,70 apurada a título individual pela sociedade C..., S.A. e ainda derrama municipal no montante de € 82.526,53 apurada a título individual pela requerente A... SGS – conforme artigos 22º e 23º do PPA e Documentos 5 a 7 e 14 juntos com o PPA;
  3. Relativamente à C..., S.A., o lucro tributável apurado por referência ao período de tributação de 2020 teve em consideração os seguintes rendimentos provenientes do estrangeiro, partes integrantes do seu resultado líquido do exercício inscrito na sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22:
  • Dividendos distribuídos a seu favor, no montante de € 5.695.828,00 pela sociedade D..., S.A., com sede em Espanha, na qual detinha uma participação correspondente a 1%;
  • Juros pagos pelas sociedades participadas E..., Spa e F..., Spa, com sede no Chile, nos montantes de € 4.688.778,00 e € 4.158.005,00 respectivamente – conforme artigo 24º do PPA e Documentos 16 a 18 juntos com o PPA;
  1. Quanto à requerente A... SGPS, o lucro tributável apurado individualmente por referência ao período de tributação de 2020, teve em consideração dividendos no montante de € 1.541.870,09,00 parte integrante do seu resultado líquido do exercício inscrito na sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22, distribuídos pela G..., S.A., sociedade com sede em Moçambique, em cujo capital social  detém uma participação directa de 7,5% - conforme artigo 25º do PPA e Documento 18 junto com o PPA;
  2. Caso não fossem incluídos na base tributável os rendimentos obtidos no estrangeiro atrás referidos, a derrama municipal, seria a seguinte:

Entidade

2019

Lucro tributável/

(Prejuízo fiscal) corrigido

Derrama municipal corrigida

C...

(€ 6.951.395,78)

€ 0,00

A... SGPS

€ 7.772.588,28

€ 116 588,82

Total

 

€ 116 588,82

 

- conforme artigo 29º do PPA;

  1. Caso não fossem incluídos na base tributável dos rendimentos obtidos no estrangeiro atrás referidos, a derrama municipal, seria a seguinte:

Entidade

2020

Lucro tributável/

(Prejuízo fiscal) corrigido

Derrama municipal corrigida

C...

(€ 10.312.897,34)

€ 0,00

A... SGPS

€ 3.959.898,80

€ 59 398,48

Total

 

€ 59 398,48

 

- conforme artigo 30º do PPA;

  1. A diferença entre o montante da derrama municipal autoliquidada e paga pela Requerente em 2019 e 2020 (em 25.12.2021, 16.07.2021 e 19.07.2021) por inclusão na base tributável dos rendimentos obtidos no estrangeiro atrás referidos, face ao que resultaria se não fossem incluídos, é de (€ 83 105,43 + € 86 573,75 = € 169 679,17) – conforme artigo 31º e 73º do PPA e Documento 4 e 21 juntos com o PPA;
  2. Em 2022-07-29, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.... 2022..., contra as referidas autoliquidações – autoliquidação de IRC n.º 2020..., de 2020.11.19, referente ao período de tributação de 2019 e a Autoliquidação de IRC n.º 2023..., de 2023.02.01, referente ao período de tributação de 2020, e respetivamente, as correspondentes às demonstrações de acerto de contas n.º 2020..., de 2020.11.27 e n.º 2023..., de 2023.02.06 - pedindo a sua anulação parcial e em 28 de Dezembro de 2022 foi notificada do seu indeferimento, com os seguintes fundamentos (na parte relevante):

“... o entendimento da AT diverge da visão plasmada no Acórdão do STA proferido no âmbito do Proc. n.º 03652/15.3BESNT de 2021/01/12, que sustenta que ao lucro tributável apurado deveriam ser expurgados os rendimentos obtidos no estrangeiro, porquanto tais rendimentos não possuem qualquer ligação ao município em causa naquele processo.

 16.     Salvo o devido respeito, tal decisão olvidou dois aspetos fundamentais no que concerne ao cálculo do lucro tributável, porquanto quer o imposto principal quer a derrama comungam das mesmas normas sobre a incidência plasmadas no CIRC, as quais têm necessariamente de ser acatadas.

Por um lado, e como já foi referido, quanto às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o lucro tributável obedece ao princípio da universalidade, (artº 4º, n. º1 do CIRC), isto é, releva no seu cômputo todo e qualquer rendimento recebido pelo sujeito passivo, independentemente da sua proveniência.

Por outro, esse mesmo lucro integra componentes de várias naturezas e resulta de uma complexidade de operações/balanceamentos entre rendimentos e gastos relevados na contabilidade e os devidos ajustamentos positivos e/ou negativos, efetuados nos termos do Código do IRC.

17.      Em face do exposto, parece-nos que o lançamento de derrama municipal, por regra, imperativa, deve incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, recaindo, assim, também, sobre rendimentos provenientes de fonte estrangeira.

Desde logo, analisada a legislação em vigor que disciplina a figura da derrama, verificamos a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do exterior estão excluídos de tributação.

Assim, não podemos inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

É que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (artº 9º do CC).

18.      Só assim não será nos casos em que os sujeitos passivos residentes com estabelecimentos estáveis fora do território nacional optem pelo regime de isenção previsto no artº 54º-A do Código do IRC.

Ou seja, caso o sujeito passivo português opte pela não concorrência para a determinação do seu lucro tributável dos lucros e dos prejuízos imputáveis a estabelecimento estável situado fora do território português, desde que se verifiquem os requisitos previstos no artº 54º-A do Código de IRC, o Estado da residência (Portugal) abster-se-á de tributar os lucros imputáveis ao estabelecimento estável e, consequentemente, o lançamento de derrama municipal não pode incidir sobre o lucro desse estabelecimento estável.

19.      Em conclusão, é nosso entendimento, ressalvado o devido respeito por melhor opinião, que a derrama municipal incide sobre todos os rendimentos obtidos pelo contribuinte, incluindo os obtidos no estrangeiro, mantendo-se, assim, a posição até aqui seguida pela AT.

20.      Quanto à recente posição do STA nesta matéria, que decidiu em sentido contrário, no Acórdão n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, de 13 de janeiro de 2021, assumindo a desconsideração dos rendimentos provenientes de fonte estrangeira na base de incidência para cálculo da derrama municipal devida por sociedades residentes, acresce dizer que a decisão do STA produz efeitos apenas no caso ali apreciado e decidido, razão pela qual se mantém o entendimento da AT nesta matéria (artº 68-A, nº 4 da LGT)".

11.      Com base na fundamentação acima transcrita, a qual merece a nossa adesão, passando, por isso, a fazer parte integrante desta nossa Informação, não se afigura de acolher as alegações suscitadas pela reclamante, no sentido de defender que na base de cálculo da derrama municipal são considerados apenas os rendimentos obtidos em território nacional.

12.      Consequentemente, a sua pretensão, ... não obterá provimento, sendo de manter as liquidações da derrama municipal, nos exercícios de 2019 e de 2020, nos termos em que foram emitidas, com as consequências jurídicas dai resultantes”conforme artigos 4º e 5º do PPA, artigos 10º e 11º da Resposta da AT, Documento nº 7 junto com o PPA e PA junto pela AT com a Resposta;

  1. A consideração dos  rendimentos obtidos no estrangeiro no apuramento da derrama municipal de cada uma das sociedades (e, consequentemente, na derrama municipal apurada ao nível do Grupo Fiscal B...) nos exercícios de 2019 e 2020 em causa, resultou de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A (“Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração – artigos 27º e 28º do PPA.
  2. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 27 de Março de 2023 – conforme registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da fixação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada, com base nos factos articulados no PPA e nos documentos com ele juntos, na Resposta da AT e no PA junto.

 

 

Matéria de direito

 

  1. A questão de fundo em discussão neste processo consiste em apurar se os rendimentos de fonte estrangeira auferidos pelo Grupo Fiscal B... devem ser excluídos no cálculo da Derrama Municipal, enquanto sociedade residente em território nacional, concretamente nos exercícios de 2019 e 2020.

 

  1. A Requerente sustenta que não há base legal que justifique a incidência da Derrama Municipal sobre tal rendimento.

 

  1. Por seu turno, defende a AT que o regime da Derrama, plasmado no Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, lhe confere a qualificação de imposto autónomo em relação ao IRC, com natureza de adicionamento, embora partilhando de uma base de incidência comum, o que implicaria a liquidação da Derrama Municipal sobre a totalidade do lucro tributável da Requerente.

 

  1. Relativamente à questão de fundo aqui a dirimir, já se pronunciou o STA, num caso idêntico ao que se discute nos autos. Referimo-nos ao acórdão do STA de 2021-01-13, proferido no Proc. n.º 3652/15.3BESNT, que refere, nomeadamente, o seguinte:

“... o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar "o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município" envolvido elou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se "o rendimento (que) é gerado no município", em que se situa a sede ...

Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecida a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à "proporção", à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.

Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente ... certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e devem respeitar "os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material" (Artigo 5º da Lei Geral Tributária (LGT), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo...

Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a "massa salarial", ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.).

Obviamente, não é incorreto afirmar ...  que, na LFL, "nada se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas ..., a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do no 1, do artº 4º, do CIRC”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável, (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, "relativamente ligeira"”.

A presente análise exige ainda o respetivo enquadramento constitucional, no quadro da autonomia financeira dos municípios (e das freguesias), enquanto vetor central da autonomia local (artigo 238.º CRP) estabelecendo-se que, “(…) As autarquias locais têm património e finanças próprios”, sendo que “(…) As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços», podendo «(…) dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei.»

Desta forma, “o que legitima a atribuição de poderes tributários às autarquias locais é, fundamentalmente, o seu nível de estruturação política e administrativa, pois, tal como sucede com as regiões autónomas, elas têm como base uma representação directa dos cidadãos eleitores.[1] Pelo que, “Só assim se pode entender que a Lei das Finanças Locais possa atribuir às Assembleias Municipais algum espaço de decisão, alguma autonomia no sentido próprio de auto-governo, em matéria tributária quanto à criação de taxas e no lançamento de derramas.”[2]

Neste contexto, «(…), as derramas constituem uma manifestação tradicional do poder tributário dos órgãos do Poder Local, cuja origem se descobre nas antigas fintas que os concelhos podiam lançar para ocorrer aos encargos que excedessem as suas rendas (Ordenações, Livro I, Tít. 66, § 40). Este poder tributário permaneceu, com algumas oscilações, nos vários Códigos Administrativos que se sucederam, entre nós, desde o Código de 1836 ao Código de 1936-1940 (cfr. o artigo 781.º deste último Código, quanto à faculdade de lançamento de derramas pelas freguesias) e chegou até aos diplomas sobre finanças locais aprovados já no domínio da Constituição de 1976 (…)»[3].

Sendo assim certo que, «A derrama assume-se atualmente como um imposto municipal, expressão, portanto, da autonomia financeira de que gozam as autarquias locais e concretamente os municípios, nos termos dos artigos 238.º, n.º 4, e 254.º da CRP. E que, “(…) a autonomia financeira das autarquias locais é uma faculdade concretizadora do princípio da autonomia local (cfr. artigo 6.º, n.º 1, da CRP), de acordo com a qual aquelas devem possuir “receitas suficientes para a realização das tarefas correspondentes à prossecução das suas atribuições e competências” (…)»[4], os poderes tributários locais são, por natureza, limitados, não podendo ser exercidos para além do âmbito de interesses locais da própria representação e legitimação democrático-representativa subjacente.

Retomando o que refere acórdão do STA de 2021-01-13: “Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”.

 

  1. Ao nível dos tribunais constituídos no CAAD, foram adoptadas as decisões P. 552/2021-T, P. 720/2021-T e P. 234/2022-T tendo seguido a jurisprudência fixada pelo acórdão do STA que atrás se reproduziu parcialmente.

 

  1. A Requerente pede ao Tribunal que afira da legalidade da sujeição a Derrama dos rendimentos de fonte no estrangeiro (juros e dividendos). Fez, de forma clara, a destrinça dos rendimentos provenientes de fonte estrangeira como consta da matéria de facto provada, de resto não contestada pela AT.

Assim, por não se tratar de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, devem ser retirados da base de incidência, acolhendo este Tribunal a fundamentação da decisão do STA acima mencionada, que também foi acolhida nas três decisões dos Tribunais formados no CAAD, uma vez que não se vislumbram razões, de facto e de direito, para se afastar do entendimento jurisprudencial consolidado na nossa ordem jurídica.

 

***

 

O PPA terá, pois, que proceder, porquanto se verifica desconformidade parcial das autoliquidações impugnadas e da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, nomeadamente, face ao artigo 18º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei nº 72/2013, de 03 de Setembro.

 

 

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

 

  1. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso dos montantes que tenham sido pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

Reembolso de valores pagos

 

Provou-se na alínea L) dos factos assentes que a Requerente pagou derrama municipal autoliquidada, tendo incluído na base tributável os rendimentos obtidos no estrangeiro, resultando um acréscimo € 169 679,17.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação parcial dos atos tributários, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, ou seja, dos valores pagos em excesso de € 169 679,17.

 

Juros indemnizatórios

 

No nº 5 do artigo 24.º do RJAT refere-se que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

Em princípio, quanto às autoliquidações de IRC em si, levadas a efeito pela Requerente, não poderia considerar-se a existência de erro dos serviços, por parte da AT, porque se trata de factos em que não participou.

No entanto, no caso concreto, provou-se que tais autoliquidações resultaram “de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A (“Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração”. Facto alegado que a AT não impugnou e que gera uma situação análoga à prevista no n.º 2 do artigo 43º da LGT.

Por outro lado, é indiscutível que a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

Assim, (1) a partir de 25.12.2021, quanto a € 83 105,43 pagos em excesso referentes ao exercício de 2019 e (2) a partir 16.07.2021 quanto a € 86 573,75 pagos em excesso referentes ao exercício de 2020, são devidos juros indemnizatórios. Os juros são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular parcialmente a autoliquidação de IRC n.º 2020..., de 2020.11.19, referente ao período de tributação de 2019 e a Autoliquidação de IRC n.º 2023..., de 2023.02.01, referente ao período de tributação de 2020, e respetivamente, as correspondentes às demonstrações de acerto de contas n.º 2020..., de 2020.11.27 e n.º 2023..., de 2023.02.06 e bem assim a decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que se refere a alínea M) dos factos provados;
  2. Condenar a Administração Tributária (1) no reembolso valores pagos em excesso de € 169 679,17 e (2) no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 2021.12.25, quanto a € 83 105,43 referentes ao exercício de 2019, e desde 2021.07.16, quanto a € 86 573,75 referentes ao exercício de 2020; e até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 169 679,17, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das autoliquidações parcialmente impugnadas, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

 

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00, que ficam a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 17 de Julho de 2023

 

Tribunal Arbitral Colectivo 

 

Presidente

 

 

 

Jorge Lopes de Sousa

 

 

Vogal

 

 

Ana Rita do Livramento Chacim

 

 

Vogal-Relator

 

 

 

Augusto Vieira

 

 



[1]     Saldanha Sanches, J.L., Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2002, p. 40.

[2]     Ibidem.

[3]     Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 57/95, Processo n.º 405/88, de 16 e fevereiro de 1995. Disponível para consulta online em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950057.html

[4]     Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013, Processo n.º 602/12, de 9 e abril de 2013. Disponível para consulta online em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130197.html