Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2013-T
Data da decisão: 2014-03-28  IVA  
Valor do pedido: € 524.449,85
Tema: Regime de IVA aplicável à atividade de gestão patrimonial e financeira dos bairros municipais; revisão oficiosa; tempestividade
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Acórdão arbitral

Processo n.º 245/2013-T

 

Os árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), João Menezes Leitão, e Ricardo Jorge Henriques, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, e que formam o presente tribunal arbitral coletivo, constituído em 30/12/2013, acordam no seguinte:

 

1. Relatório[1]

 

A…, E.M., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua ... (a seguir a Requerente), requereu, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), a constituição de tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir Requerida ou AT).

 

A Requerente pede pronúncia arbitral com vista “à declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação” de Imposto sobre o Valor Acrescentado “relativo ao período compreendido entre Julho e Dezembro do ano de 2008, por estar “inquinado por erro sobre os pressupostos de direito, em resultado da incorreta qualificação das operações no âmbito das normas de incidência de IVA” e a autorizar “a regularizar o imposto, no valor de € 524.449,85, a seu favor, por tempestivo, por força da aplicação do prazo de quatro anos, estabelecido no artigo 98.º do Código do IVA”, com as legais consequências.

 

   O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30/10/2013.

 

   Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou árbitros do tribunal arbitral coletivo aqueles já acima mencionados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

  

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas b) e c) do RJAT e dos artigos 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 30/12/2013.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, propugnando a improcedência do pedido arbitral e suscitando, para além do mais, as seguintes exceções:

(i)               incompetência material do tribunal arbitral,

(ii)              intempestividade do pedido de anulação do ato de liquidação,

(iii)             incompatibilidade dos pedidos deduzidos.

  

Por despacho arbitral de 06/02/2014 foi dispensada a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, tendo-se facultado às partes o exercício por escrito dos direitos que as mesmas entendessem caber-lhes nos termos daquela disposição legal.

 

A Requerente, por requerimento de 20/02/2014, respondeu às exceções invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e juntou documentos, o que foi admitido.

  

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se relativamente à resposta da Requerente.

 

O tribunal arbitral julgou desnecessária a produção de alegações finais e fixou a data para a decisão arbitral até ao dia 28/03/2014.

 

   O tribunal arbitral coletivo foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos que se consideram provados

 

a) A Requerente, conforme estabelecido no art. 1.º, n.º 1 e n.º 2 dos respetivos estatutos sociais, juntos como doc. n.º 3 à petição inicial (a seguir também PI), é uma empresa municipal sob a forma de “entidade empresarial local, de natureza municipal, que goza, enquanto pessoa coletiva de direito público, de personalidade jurídica e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, ficando sujeita às orientações estratégicas da Câmara Municipal do B...” e constitui um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, desde 2005/01/01, cuja atividade consiste na “Administração de Imóveis por Conta de Outrem”, conforme informação cadastral junta como doc. 1 à resposta da AT.

b) A Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º dos estatutos referidos, tem como objeto social “por delegação do Município do B..., a gestão do parque habitacional do município, bem como a atividade de manutenção de equipamentos e infraestruturas, do domínio público ou privado, cuja gestão seja da Câmara Municipal do B...”.

c) A gestão do parque habitacional, nos termos do n.º 2 do mesmo art. 3.º dos estatutos, abrange “as funções de organizar e executar os processos de aquisição, atribuição e venda de fogos; assegurar a sua correta ocupação; assegurar todo o processo administrativo de cobrança de rendas devidas pela sua utilização; elaborar propostas de atualização de taxas e rendas e assegurar a ligação com as entidades promotoras de habitação social”.

d) A atividade de manutenção de equipamentos e infraestruturas municipais, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 3.º dos estatutos, “traduz-se na manutenção do parque municipal de vias, edifícios e equipamentos fixos e móveis”.

e) A relação entre a Requerente e o Município do B... no ano de 2008 foi disciplinada pelo contrato-programa, junto como doc. n.º 4 à PI, que se dá aqui por reproduzido, epigrafado “Gestão e Manutenção do Parque Habitacional, Equipamentos e Infraestruturas” celebrado em 18 de Janeiro de 2008, que definiu “os termos jurídicos, financeiros e materiais” da “atuação e funcionamento da A..., EM, nas vertentes seguintes: a) Gestão do parque habitacional do Município do B...; b) Manutenção do parque habitacional do Município do B...; c) Manutenção de equipamentos e infraestruturas; d) Encargos de Estrutura da Empresa, que incluem os custos de estrutura e o investimento” (cláusula 1.º, n.º 3 do mencionado contrato).

f) A cláusula 13.ª deste contrato-programa  tem o seguinte teor:

Cláusula 13.ª

(Rendas e outros quantitativos)

1. As rendas e demais quantitativos cobrados, ainda que em sede de execução, bem como todas as contrapartidas resultantes da alienação do património municipal compreendido no objeto do presente contrato constituirão receitas consignadas à A..., EM.

2. Por força da insuficiência das receitas consignadas nos termos do número anterior para fazer face às necessidades de manutenção do parque habitacional, bem como aos encargos de estrutura da empresa, o Município do B... subsidiará a estrutura da A..., EM, e afetará um suporte financeiro destinado à prossecução das ações de gestão do parque habitacional e de manutenção do mesmo e demais infraestruturas e equipamentos”.

g) Os valores recebidos pela Requerente são relativos às seguintes situações:

i. Realização de serviços de empreitada relacionados com a manutenção do parque habitacional, de infraestruturas e outros equipamentos;

ii. Redébitos de despesas suportadas com o parque habitacional;

iii. Subsídios à estrutura;

iv. Outros serviços, designadamente a manutenção de diversos equipamentos, como elevadores, sistemas de aquecimento, ventilação, ar-condicionado, gás, equipamentos de cozinha que se encontram em imóveis do Município do B... e ainda a impressão e design do manual do inquilino.

h) Relativamente às operações descritas nas subalíneas i) e ii) da alínea g) supra a Requerente apresentou, em 21 de Abril de 2010, um pedido de informação vinculativa com carácter urgente, conforme doc. n.º 5 junto à PI que se dá por reproduzido.

i) Em 1 de Julho de 2011 a Requerente apresentou um outro pedido de informação vinculativa, com carácter urgente, relativamente ao enquadramento em IVA a atribuir aos valores recebidos do Município do B... a título de “subsídio à estrutura” (subalínea iii) da alínea g) supra), conforme doc.  n.º 6 junto à PI que se dá por reproduzido.

j) O enquadramento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas respostas aos pedidos apresentados, conforme docs. n.ºs 7 e 8 juntos à PI, que se dão por reproduzidos, consiste, sumariamente, no seguinte:

1)               Os serviços de empreitada relacionados com a manutenção do parque habitacional, de infraestruturas e outros equipamentos devem ser tributados à taxa reduzida de IVA, independentemente da entidade que deve liquidar o IVA, i. e. da aplicação ou não da regra de inversão do sujeito passivo;

2)               No redébito de despesas suportadas com o parque habitacional deve ser aplicada a taxa de IVA respetiva ou a eventual não tributação, consoante a natureza dos valores a debitar;

3)               Os subsídios à estrutura não são sujeitos a IVA, conforme consignado no Ofício n.º 30.126, de 15 de abril de 2011, da Direção de Serviços do IVA.

k) Entre julho e dezembro de 2008, a Requerente apresentou seis declarações periódicas: P1 –… (período 0807); P1 – … (período 0808); P1 – … (período 0809); P1 – … (período 0810); P1 – … (período 0811); P1 – …3 (período 0812), conforme docs. n.ºs 2 a 7 juntos à resposta da AT, que se dão por reproduzidos.

l) Em 30 de julho de 2012, a Requerente emitiu 10 notas de crédito a anular as faturas inicialmente emitidas (conforme doc. n.ºs 9 a 18 juntos à PI que se dão por reproduzidos e listagem das faturas objeto de anulação constante dos docs. n.ºs 22 a 31 juntos ao requerimento da Requerente de 20/02/2014) e, simultaneamente, emitiu 8 novas faturas à Câmara Municipal do B... (conforme doc. n.ºs 19 a 26 juntos à PI que se dão por reproduzidos).

m) Por força da emissão destes documentos, a Requerente apurou um montante total de IVA a regularizar a seu favor de €524.449,85, dado ter liquidado nos meses entre julho e dezembro de 2008, em relação às operações em causa, IVA no montante de €550.040,80, quando, de acordo com as novas faturas emitidas, o IVA liquidado foi de €25.590,95.

n) A Requerente tem em sua posse o comprovativo da receção eletrónica das notas de crédito e faturas no servidor do Município do B..., conforme doc. n.º 13 junto ao requerimento da Requerente de 20/02/2014.

o) Em 31 de julho de 2012 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa solicitando à Autoridade Tributária e Aduaneira “autorizar a A... a regularizar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, a seu favor, do IVA liquidado em excesso, no montante de €524.449,85” relativo ao ano 2008 (dos meses de Julho a Dezembro), conforme doc. n.º 1 junto à petição inicial, que se dá por reproduzido e de que se destacam as seguintes passagens:

- “Entendendo a requerente que necessitava de rever os seus procedimentos ao nível do enquadramento em IVA aplicado aos débitos referidos (...), e por forma a garantir a adoção do correto tratamento em IVA das operações em causa, apresentou pedidos de informação vinculativa” (n.º 33);

- “em consonância com as respostas aos pedidos de informação vinculativa apresentados (...), a A... procedeu a uma revisão dos seus procedimentos para o ano de 2008, nomeadamente nos meses para os quais o imposto ainda não caducou (meses de Julho a Dezembro)” (n.º 37);

- “entende a requerente que liquidou IVA em excesso nos débitos efetuados ao Município do B..., durante o ano de 2008 (meses de julho a dezembro)” (n.º 38);

- “Assim, a A... pretende, através da apresentação do presente pedido, requerer a recuperação do IVA que liquidou em excesso em resultado do errado enquadramento em IVA que havia sido aplicado às operações mencionadas”  (n.º 39);

-“A requerente considera que, tendo liquidado IVA em excesso em relação ao devido, nas situações anteriormente enunciadas, tem agora direito a regularizar a seu favor o referido imposto de acordo com o n.º 1 e 2 do artigo 98.º do respetivo Código, pelo que vem proceder à apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos previstos no artigo 78.º da LGT” (n.º 46).

p) Em 1 de agosto de 2013 a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º 48707, de 29 de julho de 2013, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, conforme doc. n.º 2 junto à PI, que se dá por reproduzido, e de que se destacam, da informação n.º 812, de 22/02/2013 em que se sustenta o indeferimento, as seguintes afirmações:

- “Relativamente a erros na liquidação do IVA nas operações de “serviços de empreitada relacionados com a manutenção do parque habitacional, de infraestruturas e outros equipamentos”, e “Redébito de despesas suportadas com o parque habitacional” emitiu em 2012-07-30, sete notas de crédito com os n.ºs a (...), onde consta na descrição “Anulação das faturas constantes na lista anexa, referentes a serviços prestados no ano de 2008 (...) e três notas de crédito n.º a (...) onde consta na descrição “Anulação das faturas constantes na lista anexa, referentes à rubrica do Contrato-programa – Subsídios à estrutura recebidos durante o ano de 2008. Subsídio atribuído pelo Município do B...” (ponto. 2.5);

- “Não foi remetida a lista anexa referida, nem cópia das faturas anuladas” (ponto 2.6);

- “Com a mesma data e para as dez notas de crédito emitiu oito faturas com os n.º a (...).

O total do IVA a regularizar nas notas de crédito é de €550040,80 e o total do IVA liquidado nas faturas é de €25590,95.

Face ao pedido do sujeito passivo, este pretende incluir numa declaração periódica de IVA, a seu favor o valor da diferença, ou seja, 524449,85 =550040,80-25590,95” (ponto 2.7);

- “Pelo ofício n.º 30126, de 15-04-2011 (...) foi divulgado o Despacho n.º 50/2011-XVIII (...) no qual foi sancionado o tratamento a dar, em sede de IVA, à atividade de gestão patrimonial e financeira dos bairros municipais, exercida por entidades empresariais locais” (ponto 2.8);

- “Dentro destes princípios orientadores do exercício de poderes de autoridade, as operações efetuadas pela A... ao Município do B..., entidade que a criou e a tutela, não constituem operações no âmbito dos poderes de autoridade” (ponto 2.9)

- “Para se aplicar a taxa reduzida de IVA, tem que estar em causa empreitadas de bens imóveis, em que são donos da obra as entidades que constam na verba 2.19 e que as obras sejam diretamente contratadas com o empreiteiro. A taxa de imposto aplicável até 30 de Junho de 2010 é de 5%.

Deste modo, os serviços de empreitada de bens imóveis, celebrada entre a A... (empreiteiro) e o Município do B... (dono da obra), se imputados a uma obra (empreitada), deve ser tributada em IVA pela taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, dado que se enquadra na verba 2.19 da Lista anexa ao CIVA” (ponto 2.11);

- “Consiste o objeto da presente petição o direito à dedução do IVA pela diferença entre o IVA dedutível das notas de crédito emitidas em 2012-07-30, que anularam faturas emitidas de Julho a Dezembro de 2008, em situações referidas como “Serviços de empreitada relacionados com a manutenção do parque habitacional, de infraestruturas e outros equipamentos”, “Redébito de despesas suportadas com o parque habitacional” e “Subsídio à estrutura”, e o IVA liquidado em faturas emitidas em 2012 que se destinam a substituírem conjunto de faturas emitidas em 2008, sem ter que apresentar declarações periódicas de substituição, para os períodos de imposto em que a regularização é efetuada, mas fazer essas regularizações no campo 40 de uma próxima declaração periódica de IVA.

Logo, o montante de IVA que a A... pretende agora regularizar a seu favor resulta de imposto liquidado de julho a dezembro de 2008 ao Município do B... (...)” (ponto 2.14);

-“O n.º 3 do artigo 78.º do CIVA abrange situações resultantes da retificação ou substituição de faturas já registadas” (ponto 2.15);

- “Deste modo, quanto ao IVA indevidamente liquidado a mais, podia ser retificado, através do recurso à regularização a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, observando o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, ou seja um sujeito passivo pode regularizar a seu favor o IVA, mas o procedimento é facultativo e só pode ser efetuado no prazo de dois anos seguintes à fatura a retificar e desde que tenha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento desse facto, ou de que foi reembolsado do imposto” (2.16);

- “Na situação em análise, foi liquidado imposto a mais, pelo que a retificação é facultativa, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos.

As notas de crédito foram emitidas em 2012-07-27 para retificar faturas emitidas de Julho a Dezembro de 2008 que já deram lugar ao registo referido no artigo 45.º do CIVA, pelo que, para a retificação facultativa no caso de imposto liquidado a mais, não foi observado o prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA” (ponto 2.17);

- “O prazo de quatro anos mencionado no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA tem caráter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe prazo especial fixado, situação que não se verifica na presente situação” (ponto 2.18);

- “O objeto do pedido de revisão oficiosa é o reconhecimento que lhe assiste em regularizar o IVA indevidamente liquidado, em relação aos meses de julho a dezembro de 2008, sem observância do prazo previsto no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA.

A revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para a regularização de erros na autoliquidação.

O prazo de quatro anos mencionado no n.º 2 do artigo 98.º tem carácter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe prazo especial fixado, situação que não se verifica na presente situação” (ponto 2.21);

- “Face ao exposto e às disposições legais citadas, a situação em apreço está sujeita à disciplina do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA” (ponto 2.22).

q) A Requerente apresentou em 29.10.2013 o pedido de pronúncia arbitral que se encontra na base do presente processo (cfr. indicação constante do sistema informático do CAAD).

 

2.2.            Factos que se consideram não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que devam ser considerados não provados.

 

2.3.            Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A formação da convicção do tribunal relativamente aos factos provados resultou dos documentos a que se faz alusão nas diversas alíneas da factualidade provada e, em especial no que concerne à alínea g), em afirmações da Requerente, que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e se mostram corroboradas pelo processo administrativo.

 

3. Questões a decidir

 

As questões a decidir – que são definidas pelas pretensões processualmente formuladas que exijam decisão específica pelo tribunal, incluindo as matérias atinentes aos pressupostos processuais suscitados pelas partes ou de conhecimento oficioso – são as seguintes:

- incompetência do tribunal arbitral;

- intempestividade do pedido de anulação do(s) ato(s) de liquidação;

- incompatibilidade dos pedidos deduzidos;

- prazo aplicável à correção pretendida pela Requerente dos atos de autoliquidação em atenção ao disposto no n.º 3 do art. 78.º do CIVA e nos n.ºs 1 e 2 do art. 98.º do CIVA;

- ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA relativos aos meses de julho a dezembro de 2008.

 

4. Incompetência do tribunal arbitral – âmbito de aplicação do processo arbitral

 

4.1. Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT), importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

 

Na sua resposta, a Requerida alega verificar-se a incompetência absoluta deste tribunal arbitral com base nos seguintes motivos:

- o ato objeto de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, no qual a Requerente solicitou apenas a autorização para efetuar regularizações de imposto a seu favor;

- a decisão de indeferimento do pedido ora impugnado foi motivado pela subsunção do caso em concreto à disciplina do n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, pelo que não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação;

- o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação;

- estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT;

- encontra-se vedado ao tribunal o conhecimento do segundo pedido formulado no pedido de pronúncia arbitral, pois o pedido dos autos só pode ter como objeto a apreciação da legalidade de um ou vários atos de liquidação;

- a Requerente não identifica qualquer ato concreto e definido de autoliquidação de imposto, limitando-se a indicar os meses do ano em que se terão verificado os vícios em que se concretiza a causa de pedir.

 

Cumpre decidir.

 

4.2. O âmbito da jurisdição arbitral tributária resulta, em primeira linha, do disposto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de determinação material da competência dos tribunais arbitrais nos seguintes termos:

A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Em face deste dispositivo, deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

 

A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve, então, um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

 

Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

 

Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de liquidação.

 

Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (vd. neste sentido o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

 

Assim, só não será sindicável através de impugnação judicial um ato administrativo em matéria tributária quando “não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação” (como escreve a Requerida na sua resposta (arts. 65.º e 74.º)).

 

4.3. O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado (cfr. al. p) dos factos provados).

 

Isso resulta, desde logo, da seguinte afirmação constante da PI (n.º 7): “Face à supradita decisão de indeferimento, e por tempestivo, pretende a requerente acautelar, por força da presente petição, uma pronúncia arbitral que pugne pela correta aplicação do Direito in casu”.

 

Esta decisão de indeferimento, por seu turno, respeita à “revisão oficiosa da autoliquidação do IVA” (cfr. al. p) dos factos provados), pelo que incide sobre os atos de autoliquidação do imposto relativos a julho a dezembro de 2008, sobre cuja ilegalidade a Requerente pretende fundar o seu direito à regularização do IVA liquidado em excesso (cfr. al. o) dos factos provados onde se pode ler: “A requerente considera que, tendo liquidado IVA em excesso em relação ao devido, nas situações anteriormente enunciadas, tem agora direito a regularizar a seu favor o referido imposto”).

 

4.4. Pois bem, conforme resulta das citações da informação em que se sustentou a decisão de indeferimento que constam da al. p) do factos provados, não se pode deixar de entender que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, muito embora tenha tido como ratio imediata a aplicação do n.º 3 do art. 78.º do CIVA, comportou a “apreciação da legalidade do ato de liquidação” (rectius dos atos de autoliquidação de IVA).

 

Esta conclusão, com efeito, impõe-se necessariamente quando se observa o teor das seguintes afirmações constantes da informação que fundamenta a decisão de indeferimento (cfr. a já indicada al. p) dos factos provados), afirmações essas que, destaque-se, se incluem num ponto n.º 2 epigrafado “Apreciação do pedido de revisão oficiosa e da fundamentação”:

- “as operações efetuadas pela A... ao Município do B..., entidade que a criou e a tutela, não constituem operações no âmbito dos poderes de autoridade”;

- “os serviços de empreitada de bens imóveis, celebrada entre a A... (empreiteiro) e o Município do B... (dono da obra), se imputados a uma obra (empreitada), deve ser tributada em IVA pela taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, dado que se enquadra na verba 2.19 da Lista anexa ao CIVA”;

- “quanto ao IVA indevidamente liquidado a mais, podia ser retificado, através do recurso à regularização a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, observando o disposto no n.º 5 do mesmo artigo”;

- Na situação em análise, foi liquidado imposto a mais, pelo que a retificação é facultativa, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos”.

 

Nestes termos, ao contrário do alegado pela Requerida, não se pode considerar que a decisão de indeferimento não comportou a apreciação e discussão da legalidade dos atos de liquidação de IVA relativos aos meses de julho a dezembro de 2008.

 

Aliás, quando se escrutina o pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente (cfr. al. o) dos factos provados) há que reconhecer que o pedido apresentado para “autorizar a A... a regularizar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, a seu favor, do IVA liquidado em excesso, no montante de €524.449,85” surge colocado como decorrência ou efeito da ilegalidade dos atos de autoliquidação (vd., na al. o) dos factos provados, para além da própria menção no pedido final, ao “IVA liquidado em excesso”, a referência à “recuperação do IVA que liquidou em excesso em resultado do errado enquadramento em IVA que havia sido aplicado às operações mencionadas”).

 

Deste modo, cabe ao presente caso o meio processual da impugnação judicial, pelo que se verifica a competência deste tribunal arbitral em conformidade com a al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, já que está em causa nos autos a declaração de ilegalidade de atos de liquidação, bem como do ato administrativo de apreciação do pedido de revisão oficiosa que comporta a apreciação da legalidade desses atos de liquidação.

 

Assinale-se que isto mesmo foi, afinal, reconhecido pela AT, dado que no Ofício remetido à Requerente relativo à decisão de indeferimento da revisão oficiosa (cfr. al. p) dos factos provados) se refere, expressis verbis, que o sujeito passivo pode “interpor impugnação judicial ao abrigo do artigo 95.º, n.º 1 e 2 alínea d) da LGT e artigo 97.º do CPPT, no prazo previsto no artigo 102.º, n.º 1 do CPPT”.

 

4.5. Ainda a este propósito, esclareça-se que, não obstante o peso que a isso pretende conferir a Requerida, não assume relevância para efeitos da apreciação da presente exceção de incompetência o facto de a Requerente, em termos, reconheça-se, pouco precisos ou rigorosos, se referir ao “ato de autoliquidação” em vez de aos atos de autoliquidação relativos aos meses de julho a dezembro de 2008 ou requerer a final da sua PI que o tribunal autorize a Requerente “a regularizar o imposto, no valor de € 524.449,85, a seu favor, por tempestivo, por força da aplicação do prazo de quatro anos, estabelecido no artigo 98.º do Código do IVA” em vez da declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da revisão oficiosa que procedeu à aplicação do n.º 3 do art. 78.º do CIVA.

 

É que estão assim em causa simplesmente fórmulas linguísticas que, porém, não obnubilam no caso a substância das coisas: o presente processo incide sobre os atos de autoliquidação de IVA relativos aos meses de julho a dezembro de 2008 (cfr. als. k), l) e m) dos factos provados) e sobre a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos mesmos (cfr. al. p) dos factos provados) com base em que a “revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para a regularização de erros na autoliquidação” e que “a situação em apreço está sujeita à disciplina do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA”.

 

Com efeito, o que é decisivo não são as expressões utilizadas, mas sim que o tribunal possa, por interpretação do peticionado, em atenção às concretas causas de pedir invocadas, mesmo que com recurso à figura do pedido implícito, apurar a verdadeira pretensão de tutela jurídica solicitada. É uma exigência do princípio pro actione, que se manifesta no art. 7.º do CPTA, que se atenda à substância das pretensões deduzidas em juízo para além do simples formalismo dos modos de expressão usados.

 

Ora, cabe reconhecer que o objeto do processo arbitral se reporta à decisão de indeferimento da revisão oficiosa e aos atos de autoliquidação de IVA, que aquela teve em apreciação, consubstanciados nas declarações periódicas apresentadas pela Requerente relativas aos meses de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2008 (cfr. os factos dados como provados nas als. k), l) e m)).

 

É isto, na verdade, que se deve deduzir da seguinte descrição na PI do pedido de pronúncia arbitral (n.º 26): “dado que a A... não pode concordar com os argumentos apresentados pela autoridade tributária para o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, requer a declaração da ilegalidade do ato de autoliquidação em apreço (em concreto (...) da liquidação e pagamento em excesso do IVA em causa, durante o período compreendido entre julho e dezembro do ano de 2008, no valor de €524.449,85)”.

 

A Requerente não desenvolve, é certo, a matéria da ilegalidade dos atos de autoliquidação em apreço, mas por ter entendido que “a autoridade tributária, na resposta ao pedido de revisão oficiosa em discussão, em nenhum momento contesta que a A... tenha liquidado efetivamente IVA em excesso durante os meses de julho a dezembro de 2008, concordando assim com o enquadramento em IVA apresentado pela A... em sede desse pedido” (n.º 33 da PI).

 

4.6. Termos em que se julga improcedente a suscitada exceção de incompetência do presente tribunal arbitral coletivo alegada com os fundamentos de estar em causa nos autos um ato em matéria tributária que não comportou a apreciação da legalidade de atos de liquidação e de estes não serem sequer concretamente identificados e determinados na PI.

 

5. Incompetência do tribunal arbitral – precedência de reclamação administrativa

 

5.1. A Requerida sustenta ainda a incompetência do presente tribunal arbitral, com base noutro fundamento, a saber, estar preenchida a previsão da al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, para que remete o n.º 1 do art. 4.º do RJAT, nos termos da qual, no que aqui releva, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não abrange as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos do art. 131.º do CPPT.

 

Alega a Requerida, em primeiro lugar, em matéria que se pode incluir neste ponto, que, na situação dos autos, não pode equiparar-se “o pedido de revisão oficiosa a reclamação da autoliquidação, uma vez que (...) em sede de revisão oficiosa a Requerente apenas solicitou autorização para regularização do IVA não tendo pugnado pela ilegalidade de qualquer ato de autoliquidação” (art. 96.º das resposta).

 

Esta alegação não procede, como resulta do já acima referido (ponto n.º 4.4), pois:

- a decisão sobre a revisão oficiosa comportou a “apreciação da legalidade do ato de liquidação” (rectius dos atos de autoliquidação de IVA);

- o pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente para regularização do IVA surge como consequência da invocação da ilegalidade dos atos de autoliquidação por “errado enquadramento em IVA que havia sido aplicado às operações mencionadas”.

 

Como tal, sabido que os atos de autoliquidação do IVA podem ser revistos pela administração tributária nos termos do n.º 1 do art. 78.º da LGT e do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, como se conclui do n.º 2 do art. 78.º da LGT, deve equiparar-se o pedido de revisão oficiosa à reclamação da liquidação.

 

Sustenta, porém, a Requerida que, muito embora “atenta a natureza administrativa do procedimento de revisão oficiosa é possível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º , n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento”, todavia “tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT” (arts. 137.º e 138.º da resposta)

 

Porém, como já foi sentenciado em diversas decisões de tribunais arbitrais deste CAAD (vd., por exemplo, os acórdãos de 06/12/2013, proferido no proc. n.º 117/2013-T e de 23/10/2012, proc. n.º 73/2012-T, onde se convoca outra jurisprudência), e não se desconhecendo, muito embora, a existência de entendimento em contrário (vd. o acórdão de 09/11/2012, proc. n.º 51/2012-T), este tribunal julga que deve considerar-se incluída nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, pois, por um lado, a fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, compreende quer os casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, quer os casos em que é impugnado um ato de segundo grau, que mantenha um ato de liquidação, não declarando a sua ilegalidade, e, por outro lado, o teor da al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, para que remete o n.º 1 do art. 4.º do RJAT, não deve ser interpretado, em atenção à sua ratio legis, no sentido de excluir o indeferimento de pedido de revisão oficiosa, dado que na revisão oficiosa é proporcionada à Administração Tributária a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo razoável que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa, pelo que não se justifica afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa, com o que se criaria, sem fundamento bastante, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral.

 

Ao contrário do alegado pela Requerida, diga-se que contra este entendimento não assumem pertinência ou significado os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP) ou da legalidade (arts. 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP).

 

5.2. Nestes termos, também em atenção a este específico fundamento atinente ao disposto na al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, se julga improcedente a suscitada exceção de incompetência do presente tribunal arbitral coletivo.

 

 6. Tempestividade

 

A resolução da questão suscitada pela Requerida sobre o desrespeito do prazo legalmente definido para a impugnação dos atos de autoliquidação em sede arbitral decorre diretamente do já acima referido (ponto 4.3) quanto ao facto de o objeto imediato do presente processo ser a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato de segundo grau), constituindo os atos de autoliquidação relativos aos meses de julho a dezembro de 2008 o seu objeto mediato (atos de primeiro grau).

 

Consequentemente, mostra-se tempestivo, em conformidade com o art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT e com o n.º 1 do art. 102.º do CPPT, o presente pedido de pronúncia arbitral, tendo em conta que este foi apresentado em 29/10/2013 (al. q) dos factos provados) e que a Requerente foi notificada em 01/08/2013 da decisão de indeferimento da revisão oficiosa (al. p) dos factos provados) que constitui objeto do presente processo.

 

Improcede, pois, a exceção alegada sobre a intempestividade do pedido de anulação dos atos de autoliquidação em apreço.

 

7. Incompatibilidade dos pedidos.

 

Alega a Requerida que os pedidos formulados a final no pedido de pronúncia arbitral para o tribunal arbitral  “declarar ilegal o ato de autoliquidação” e “autorizar a ora requerente a regularizar o imposto, no valor de €524.449,85, a seu favor, por tempestivo” são incompatíveis, do que resultaria a ineptidão da petição inicial.

 

Sucede que, como se fixou acima (ponto n.º 4.5), o objeto do pedido arbitral prende-se diretamente com a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa e dos atos de autoliquidação de IVA que aquela teve em apreciação, constituindo a pedida regularização decorrência da apreciação daquela legalidade.

 

A referência da PI a autorizar a regularização do imposto prende-se simplesmente com o conteúdo do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativamente ao qual se pretende que seja declarada a respetiva ilegalidade por ter considerado intempestiva a regularização pretendida com base na aplicação do disposto no n.º 3 do art. 78.º do CIVA.

 

E, assim, não se verificando incompatibilidade alguma entre os pedidos formulados pela Requerente, não se verifica, consequentemente, a alegada ineptidão da petição inicial.

 

8. Apreciação do mérito da causa

 

8.1. No que respeita ao mérito da causa, a questão que é objeto do presente processo é a de aferir da legalidade da decisão de indeferimento da revisão oficiosa com vista à regularização, a favor da Requerente, do IVA liquidado em excesso pelos atos de autoliquidação relativos aos meses de julho a dezembro de 2008 no montante de €524.449,85.

 

   Neste âmbito a Autoridade Tributária e Aduaneira alega que, no caso concreto, não é aplicável o prazo de quatro anos estatuído no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA e no artigo 78.º da LGT, mas antes o prazo de dois anos, de acordo com a disciplina do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA.

 

Neste âmbito, importa atentar que o procedimento de revisão do ato tributário constitui um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação ou autoliquidação de tributos.

 

Com efeito, conforme estabelece o artigo 78.º, n.º 1 da LGT “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

Do acórdão do STA prolatado no processo n.º 01009/10, de 22 de março de 2011, extrai-se que “estando a administração tributária sujeita constitucionalmente aos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade (art.º 266° nº 2 da CRP), não se vê como possa ela demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados. A administração tem o dever legal de decidir os pedidos que os interessados lhe façam, que digam respeito ao domínio das suas atribuições. O dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art.º 9° do Código de Procedimento Administrativo, no domínio do procedimento administrativo, mas aqui também aplicável por mor do disposto no art.º 2° do mesmo código[2].

 

Em idêntico sentido o acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, no qual se refere que o procedimento de revisão “é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração”.

Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato.

A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando usados em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).

Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse esforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributos”.

 

Continua o acórdão referindo “Embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro «do prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

   Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência e iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).

Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP).

Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta”.

 

Como se retira do referido acórdão, a falta de prévia reclamação graciosa não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa.

 

Com efeito, conclui o referido acórdão que “A sua falta [reclamação graciosa] não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos atos que podem ser impugnados contenciosamente por via direta), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do ato, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroativa)”.

 

No caso em análise, é manifesto que o pedido de revisão oficiosa não foi apresentado dentro do prazo de dois anos previsto para a reclamação graciosa no artigo 131.º do CPPT, pelo que a revisão do ato tributário apenas poderia dar lugar à restituição do montante indevidamente recebido pela Autoridade Tributária e Administrativa, eventualmente acrescida de juros indemnizatórios.

 

8.2. Não obstante, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que nem mesmo estes direitos poderia ter tido o pedido de revisão do ato tributário, por se tratar de faturas inexatas, vigorando o prazo de dois anos para o exercício do direito à dedução do IVA[3].

 

O artigo 78.º n.º 3 do Código do IVA estabelece que “nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efetuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a fatura a retificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos”.

 

O artigo 98.º do Código do IVA prevê o regime regra da revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo, no n.º 2, que “sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente”.

 

Neste âmbito, o artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA ao prever um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução, para exercício do respetivo direito, na situação aí prevista, é uma das “disposições especiais” a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, não sendo, por conseguinte, aplicável o prazo máximo de quatro anos, mas antes de dois anos.

 

Assim, a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa depende da possibilidade de enquadramento da situação nos autos neste artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA.

 

Conforme resulta da redação da norma em apreço, a mesma é aplicável às situações de “faturas inexatas”.

 

A Requerente alega, no caso em apreço, que o erro que cometeu não foi de “inexatidão”, mas sim um erro no enquadramento em IVA das operações ou um “erro de direito”.

 

   Determina-se na alínea b) do artigo 29.º, n.º 1 do Código do IVA, na redação à data aplicável, que, para além da obrigação de pagamento do imposto, os sujeitos passivos têm que “emitir fatura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços”.

 

   Resulta ainda do artigo 29.º, n.º 7 do Código do IVA, na redação à data aplicável, que “deve ainda ser emitida fatura ou documento equivalente quando o valor tributável de uma operação ou imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão”.

 

O artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA estipula os diversos requisitos que as faturas devem observar, concretamente que “devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável”.

 

Estando os requisitos a que as faturas devem observar expressamente previstos no referido artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, estamos perante uma situação de inexatidão da fatura quando um dos requisitos a que a mesma se encontra adstrita não está observado.

 

Como alegado pela Requerente, no caso concreto estamos perante um “erro no enquadramento das operações” ou “erro de direito”. Com efeito, a Requerente vinha a conferir às operações identificadas nos subpontos i) a iii) da alínea g) dos factos provados um determinado enquadramento em IVA, tendo procedido a uma alteração do mesmo.

 

Neste âmbito, a Requerente emitiu notas de crédito a anular as faturas iniciais e emitiu novas faturas (cfr. al. l) dos factos provados).

 

Assim, importa aferir se o referido erro de enquadramento ou “erro de direito” é um requisito que conduza a que uma retificação seja suscetível de qualificar a fatura enquanto “inexata”.

 

Neste âmbito, não se afigura que o enquadramento da operação realizada seja enquadrável no conceito de “fatura inexata” previsto no artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA.

 

Com efeito, o enquadramento jurídico-tributário de uma operação não se encontra previsto em nenhum dos requisitos estipulados no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA.

 

Não obstante ser feita referência às taxas aplicáveis e ao montante de imposto devido, afigura-se que tal não abrange os erros de enquadramento legal. Efetivamente, o montante de imposto indicado nas faturas iniciais emitidas (objeto de alteração) estava em concordância com o enquadramento, em IVA, conferido pela Requerente às suas operações.

 

Estaremos perante situações de inexatidão das faturas, relativamente aos requisitos em apreço, quando, não obstante um correto enquadramento da operação, o sujeito passivo indica uma taxa de IVA incorreta ou o montante de imposto é incorretamente computado ou indicado na fatura.

 

Assim, a incorreta aplicação de determinado regime jurídico às operações realizadas não constitui uma inexatidão da fatura, pelo que é manifesto que não lhe pode ser aplicado o regime referido no artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA.

 

O erro no enquadramento jurídico-normativo em sede de IVA de uma operação não é uma inexatidão da fatura, nos termos referidos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não uma inexatidão no cumprimento dos requisitos formais previstos para as faturas.

 

Não sendo, por conseguinte, aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, nem existindo qualquer limite temporal especial para o exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, o qual estipula um limite de quatro anos.

 

No entanto, importa, igualmente, atentar se foi verificada a condição constante do artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA, o qual prevê “Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem que se considera indevida a respetiva dedução”.

 

Tendo a Requerente procedido à retificação das faturas em causa, conduzindo a uma alteração do respetivo imposto constante das mesmas, a regularização de IVA, a seu favor, está condicionada à observância do artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA.

 

Tal como mencionado na alínea n) dos factos provados, a Requerente tem na sua posse o comprovativo da receção eletrónica no servidor do Município do B... das notas de crédito.

 

Neste âmbito, tratando-se do servidor do adquirente dos serviços prestados pela Requerente, manifestamente se encontra evidenciado que este tomou conhecimento da retificação, estando, assim, observado o requisito previsto no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA.

 

Termos em que se conclui que o despacho de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de aplicação do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

8.3. Subsequentemente, este tribunal julga igualmente ilegais os atos de autoliquidação de IVA relativos aos meses de Julho a Dezembro de 2008 na parte respetiva que respeita aos débitos ao Município do B... no montante total de IVA de €524.449,85.

 

A Requerente, com efeito, como resulta dos factos dados como provados nas alíneas k), l) e m) do probatório, liquidou IVA em termos desconformes com o enquadramento jurídico-tributário que foi julgado adequado nas informações vinculativas a que se alude na alínea j) dos factos provados, enquadramento tributário esse que este tribunal acolhe.

 

A ilegalidade dos atos de autoliquidação mencionados foi, aliás, reconhecida, não obstante a posição em contrário assumida nestes autos pela Requerida, na decisão de indeferimento da revisão oficiosa, como se conclui de, na informação que a sustenta, se aludir “ao IVA indevidamente liquidado a mais” e se consignar que: “Na situação em análise, foi liquidado imposto a mais” (cfr. al. p) do probatório).

 

9. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste tribunal arbitral em:

a)               Julgar improcedentes as exceções alegadas de incompetência do tribunal arbitral, intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e ineptidão da petição inicial por incompatibilidade dos pedidos;

b)               Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa identificada na alínea p) do probatório;

c)               Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos de autoliquidação de IVA relativos aos meses de julho a dezembro de 2008, na parte respetiva, relativa ao montante global liquidado de € 524.449,85.

 

10. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), no artigo 97.º-A, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, fixa-se o valor do processo em € 524.449,85 (quinhentos e vinte e quatro mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos).

 

11. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 28 de Março de 2014.

 

 

Os Árbitros,

 

 

(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)

 

 

(Ricardo Jorge Henriques)

 

 

(João Menezes Leitão)



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, por razões de uniformidade, a grafia das citações efetuadas.

[2] No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do STA proferidos em 20/03/2002, no processo n.º 26.580, em 17/12/2002, no processo n.º 1182/03, em 29/10/2003, no processo n.º 462/03, em 2/04/2003, no processo n.º 1771/02, em 20/07/2003, no processo n.º 945/03, em 11/05/2005, no processo n.º 319/05, em 17/05/2006, no processo n.º 16/06, em 28/11/2007, no processo n.º 532/07, e em 14/12/2011, no processo n.º 0366/11.

[3] Ainda neste âmbito, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-2-2013, processo n.º 01079/12, no qual se afirma que no caso de retificações associadas a faturas inexatas, para além do mecanismo associado ao artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, verifica-se “ainda a possibilidade de a prestadora de serviço poder recorrer aos meios judiciais, incluindo, como bem refere a sentença recorrida, ao mecanismo da revisão oficiosa, nos termos do disposto no art. 78º da LGT”.