Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2018-T
Data da decisão: 2019-05-10  IMT  
Valor do pedido: € 794.307,04
Tema: IMT - prédios para revenda – isenção - artigos 7º e 11º nº 5 do CIMT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (presidente), Cristina Aragão Seia e Ana Teixeira de Sousa (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A..., SA, NIPC ... (doravante A... ou Requerente), com sede na Rua ..., nº..., ..., sala..., Porto, tendo sucedido à sociedade sua participada B..., SA (doravante B...), antiga Pessoa Colectiva nº..., que tinha sede na mesma morada, entretanto extinta por dissolução e liquidação, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1, al.  a)  do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante IMT), no valor de € 575.250,00, efectuada pelo Serviço de Finanças de ..., e respectivos juros compensatórios, de € 219.057,04, no total de € 794.307,04, respeitantes à compra de imóveis efectuada pela B... em 30.12.2009.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de Novembro de 2018.

2. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente apresentou, em resumo, a seguinte argumentação:

2.1. A notificação dirigida a uma entidade juridicamente inexistente há vários anos é nula por impossibilidade do seu objecto/sujeito passivo, nos termos do artigo 161º, nº 2, al. c), do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA).

2.2. Acresce que “O acto tributário em causa não está datado, pelo que, também por isso, é nulo, nos termos conjugados dos artigos 151º nº 1 f) do CPA e 161º nº 2 g) do mesmo diploma legal.”

2.3. Além disso, aquando da notificação, já teria caducado o direito à liquidação do imposto, nos termos do artigo 35º, nº 1, do Código do IMT (CIMT), na redacção aplicável (“Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, (…)”) e do artigo 45º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).

2.4. Isto porque, alega, “tendo a liquidação de IMT sido recepcionada em finais de Março de 2018, é manifesto que decorreram mais de 8 anos em relação à data da transmissão imobiliária em questão (facto tributário), 30.12.2009.”

2.5. O Serviço de Finanças “fundamentou parcialmente a liquidação de IMT em ofício-circular de 1991 (ofício-circular nº D-2/91, de 17 de Junho), segundo o qual a AT apenas “permitia” a manutenção da isenção de IMT se a transformação/alteração dos imóveis se tivesse traduzido em loteamento de prédio rústico ou em arrendamento.”

2.6. Mas a Requerente alega desconhecer tal ofício, e invoca que ele não pode valer para a aplicação do IMT, uma vez que tal imposto inexistia em 1991.

2.7. Não sendo tal entendimento, em qualquer caso, vinculante para os particulares e ainda menos para os tribunais.

2.8. Implicando até, atenta a matéria em causa, relativa à incidência tributária objectiva e a benefícios fiscais, ambos “elementos essenciais dos impostos” [artigo 103º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)], violação do princípio da legalidade a que a Administração está constitucionalmente vinculada.

2.9. E portanto, “o pretenso ofício-circular invocado pelo SF/AT, além de ilegal por falta de habilitação para a criação de normas de incidência tributária ou sobre benefícios fiscais, seria inconstitucional e ilegal pela abusiva desvirtuação dos princípios subjacentes à tributação segundo o rendimento real.”

2.10. Acrescentando, por outro lado, que “Nem se percebe como é que o loteamento de prédio não constituiria alteração de destino do imóvel (mantendo-se a isenção de IMT na aquisição para revenda), enquanto a sua pretensa anexação já constituiria alteração de destino do imóvel (caducando a isenção de IMT na aquisição para revenda)”, já que “uma e outra operações têm natureza exactamente igual, apenas de “sentido” inverso: num caso trata-se de dividir um prédio; no outro de anexá-lo.”

2.11. Alega também que “não recepcionou qualquer liquidação de juros compensatórios”, tendo apenas recebido a liquidação de IMT.

2.12. Pelo que “Se porventura existe, naturalmente que se desconhecem as respectivas operações de cálculo e apuramento (taxa usada, período de cálculo e base de cálculo), fundamentos de facto e de direito, em violação dos artigos 35º nº 9 da LGT, 77º nº 1 e 2 da LGT, 153 nº 1 e 2 do CPA e 268º nº 3 da CRP.”

2.13. “Por conseguinte, a liquidação de quaisquer JC [juros compensatórios], no caso concreto, é nula, juridicamente inexistente ou juridicamente ineficaz, conforme resulta do disposto nos artigos 161º nº 2 g) e l) do CPA, 36º nº 1 e 2 do CPPT e 77º nº 6 da LGT.”

2.14. “Ou, pelo menos, caso exista, deve ser anulada por vício de falta de fundamentação – em virtude de omissão das respectivas operações de cálculo e apuramento (taxa, período de cálculo e base de cálculo), e omissão dos correspondentes fundamentos de facto e de Direito, em violação das sobreditas disposições legais.”

2.15. Demais, “o destino, utilização, natureza e afectação que a B... sempre deu aos imóveis em questão nunca se alterou, entre a data da sua aquisição (com destino a revenda), em 2009, e a data da sua revenda, 2012.”

2.16. E “estes sempre se mantiveram exactamente iguais, sem qualquer transformação ou anexação (ou qualquer outra modificação), entre a data da sua compra (2009) e a data da sua revenda (2012).”

2.17. “O que ocorreu foi simplesmente uma mera alteração na numeração matricial dos imóveis em causa – ou seja, uma mera alteração fiscal formal.”

2.18. “No caso do imóvel de ..., a substituição matricial de dois artigos matriciais (1 rústico e 1 urbano) por 1 único artigo urbano adveio de imposição do SF, que obrigou à apresentação de uma declaração modelo 1”.

2.19. “Com efeito, em 15.02.2011, o SF de ... notificou a B... para inscrever a totalidade do prédio como urbano, de acordo com o Instituto Geográfico Português (IGP), e apresentar a respectiva declaração mod. 1 do IMI”.

2.20. “Igualmente no caso do imóvel de ... ocorreu uma mera alteração na numeração matricial – ou seja, uma mera alteração formal matricial numérica.”

2.21. “Ou seja, uma mera substituição de 4 artigos matriciais (2 rústicos e 2 urbanos) por 1 único artigo matricial, urbano - sem qualquer alteração física, de natureza, destino ou afectação do imóvel (ou qualquer outra alteração).”

2.22. “O SF fez a liquidação de IMT exclusivamente com base no facto de ter ocorrido uma alteração formal nos números das inscrições matriciais entre o momento da compra e o momento da venda dos imóveis em causa.”

2.23. “Ao fazê-lo, o SF/AT incorreu em vício da violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.”

2.24. Não sendo devido o imposto, não são devidos juros compensatórios.

2.25. Em qualquer caso, nunca haveria censurabilidade, a título de dolo ou negligência, na actuação da Requerente, ou da sua antecessora, não se lhe podendo imputar retardamento na liquidação do imposto.

2.26. Como a liquidação indevida do IMT foi parcialmente paga por compensação, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT.

2.27. E “Dado que a Requerente foi forçada a prestar garantia pelo remanescente não pago, tem ainda direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção dessa garantia, nos termos dos artigos 171º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 53º da LGT.”

2.28. Conclui pedindo a declaração de nulidade ou a anulação das liquidações de IMT e juros compensatórios, com a restituição da totalidade do imposto pago, o pagamento dos juros indemnizatórios, a indemnização pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção das garantias prestadas e o “pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.”

 

3. A AT respondeu, por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, porquanto, essencialmente:

3.1. Quanto à entidade notificada, ainda que “por lapso tenha a liquidação sido emitida em nome da sociedade extinta, esta foi remetida para o domicílio do representante fiscal da antedita sociedade.”

3.2. Que “a sociedade continuou a exercer actos, tendo solicitado junto do órgão de execução fiscal a prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal.”

3.3. Quanto à falta de data, que “ainda que se alvitre que o acto não se encontre datado, recorta-se de forma clara que a Requerente teve pleno conhecimento da data da sua emissão.”

3.4. Que “a existir vício que enferme o acto, tal nunca poderia culminar na sua nulidade, mas em mera irregularidade.”

3.5. Que “A jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal de Justiça (STA) tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las”. –

3.6. Que “afere-se indubitavelmente que a data da liquidação configura, in casu e quando muito, uma mera irregularidade sanável, tanto mais que a Requerente teve pleno conhecimento da data da notificação da liquidação.”

3.7. Quanto à caducidade invocada, que “a isenção ficou sem efeito com a revenda do imóvel em Dezembro de 2012.”

3.8. Que “a partir dessa data (Dezembro de 2012) iniciou-se o prazo de 8 anos a que alude o artigo 35º do CIMT, com vista a proceder à liquidação do imposto.”

3.9. Quanto à invocação do ofício-circular, que a “explanação no ofício em questão cinge-se à enunciação, por parte da Requerida e em face da interpretação da lei, de quais as circunstâncias em que inexiste perda de isenção por não configurar destino diferente da revenda, postulando e clarificando as situações em que os imóveis não configuram um destino diferente para revenda”.

3.10. Que “o entendimento propugnado pela Requerente é manifestamente infundado, não padecendo o acto de liquidação atinente à aplicação da Circular nº 7/2004 da DSIRC de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade.”

3.11. Quanto aos juros compensatórios, que “a Requerente foi devidamente notificada da fundamentação dos juros compensatórios aquando do envio do Ofício nº ... de 2018-03-19, onde consta que são “Juros compensatórios: devidos pelo retardamento da liquidação do IMT ao abrigo dos artigos 33º do CIMT e 35º da Lei Geral Tributária (LGT), calculados desde o termo do prazo para o pedido de liquidação do IMT (2012-08-05 para os primeiros quatro prédios e 2011-03-17 para os dois últimos prédios) até à data em que a falta for suprida à taxa equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.””.

3.12. Que “integrando os juros compensatórios a própria dívida do imposto, afere-se que a Requerente foi devidamente notificada aquando da notificação do Ofício nº... de 2018-03-19.”

3.13. Quanto às alterações no prédio de ..., que “a notificação operada pelo Serviço de Finanças de ... teve por objecto um parecer técnico promovido pelo Instituto Geográfico Português, tendo concluído que o prédio rústico perdeu a sua efectividade agrícola e, nesse desiderato, deveria ser inscrito como prédio urbano.”

3.14. Que, portanto, “são infundados os argumentos de que foi o próprio Serviço de Finanças de ... a promover, sem mais, a inscrição do prédio rústico como urbano.”

3.15. Quanto ao entendimento adoptado na liquidação do IMT, que “o Ofício-Circular D-2/91, de 17 de Junho, no seu nº 2 considera não configurar destino diferente do da revenda e, por esse facto, não conduzir à perda da isenção do imposto, apenas duas situações: a do loteamento de prédio rústico, com a sua posterior venda por lotes, e o arrendamento só por si.”

3.16. Que “os prédios em apreço não foram objecto de alteração quanto à sua natureza – foram adquiridos num determinado estado (urbanos e rústicos) – e a seguir foram transformados (anexados) dando origem a dois novos artigos urbanos, que posteriormente foram vendidos.”

3.17. Que “Essa transformação configura um destino diferente daquele em que assentou o benefício de isenção de IMT, prevista no artigo 7º do CIMT, conduzindo à caducidade da isenção em causa, ao abrigo do nº 5 do artigo 11º do CIMT”.

3.18. Que “o legislador dispensa o revendedor do pagamento de IMT, porque o bem não se lhe destina, no entanto tributa-o em sede de rendimento (IRC/IRS).”

3.19. Que “A lei estabelece um conjunto de pressupostos do regime de isenção em IMT dos prédios adquiridos para revenda, que constituem mecanismos preventivos da sua utilização abusiva e da prática de operações de fraude fiscal.”

3.20. Que “constitui condição resolutiva do benefício qualquer facto que evidencie desvio em relação à finalidade que justifica o mesmo, acentuando-se que este só actua desde que os prédios adquiridos para revenda sejam objecto desse destino no prazo de três anos a contar da data da aquisição, nas condições em que se encontravam no momento em que foram adquiridos pela empresa revendedora (ou seja, que os prédios sejam revendidos no estado e nas condições em que foram adquiridos).”

3.21. Quanto ao imóvel de ..., que “da consulta à aplicação informática referente à matriz predial, verifica-se que os prédios sofreram substancialmente uma alteração quanto à sua natureza, desde logo, os artigos urbanos ...º e ...º e os artigos rústicos ...º e ...º, da extinta freguesia de ... (concelho de ...), foram anexados pela Requerente a 2012-07-06, através da declaração modelo 1 do IMI com o registo nº..., e deram origem ao artigo urbano ... da mesma freguesia, com a área total de 15.950 m2 e a afectação de armazéns e actividade industrial, tendo este último artigo sido transmitido a 2012-09-25 à C... .”

3.22. Que, assim, “os prédios em apreço foram alterados quanto à sua natureza e, nesse desiderato, não se encontram reunidos os pressupostos do benefício de isenção de IMT, prevista no artigo 7º do CIMT, conduzindo à caducidade da isenção em causa ao abrigo do nº 5 do Artº 11º do CIMT.”

3.23. Quanto à falta de notificação da liquidação dos juros compensatórios, que “a Requerente foi devidamente notificada da fundamentação dos juros compensatórios, aquando do envio do Ofício nº ... de 19.03.2018, onde consta que “Juros compensatórios: devidos pelo retardamento da liquidação do IMT ao abrigo dos artigos 33º do CIMT e 35º da Lei Geral Tributária (LGT), calculados desde o termo do prazo para o pedido de liquidação do IMT (2012-08-05 para os primeiros quatro prédios e 2011-03-17 para os dois últimos prédios) até à data em que a falta for suprida à taxa equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil.”” –

3.24. Que “analisando as liquidações colocadas em crise constata-se que também todos os elementos referentes à liquidação de juros compensatórios foram notificados à Requerente, quais sejam: as disposições legais aplicáveis, a natureza e quantificação do acto tributário, o período de tributação, período de cálculo, valor base, taxa e valor de juros apurado”.

3.25. Que “a liquidação de IMT foi operada por facto imputável à Requerente, tendo em conta a alteração dos prédios e, nesse desiderato, quando a liquidação de imposto é retardada, acrescerá ao mesmo o juro correspondente, sem prejuízo da multa cominada, nos termos do disposto no artigo 35º da LGT”.

3.26. Que “existe culpa sempre que a actuação do sujeito passivo integre a hipótese de qualquer infracção tributária”.

3.27. Que “Sem conceder, acrescente-se ainda que, tal como explica ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, em anotação ao artigo 77º da LGT, «Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto. É um elemento exterior ao acto e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no artigo 37º do CPPT (artigo 22º CPT, à data dos factos), nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou da passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.»”

3.28. Que “No mesmo sentido, a secção de contencioso administrativo do STA tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las”. –

3.29. Que “Assim, ainda que o acto sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador – o que só por mera hipótese académica se admite – tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais.”

4. Por despacho de 20 de Janeiro de 2019 foi indeferida a produção de prova testemunhal por a questão ser essencialmente de direito e a matéria de facto relevante carecer de prova documental. No mesmo despacho foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, notificadas as partes para produzirem alegações sucessivas e designado o dia 14 de Maio de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

5. As partes produziram alegações escritas reiterando o alegado nas anteriores peças processuais.

 

II. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 10º, nº 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.

As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre decidir.

 

III. Fundamentação

 

1. Matéria de facto

 

1.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a)            A B... foi extinta em 25.10.2016, por dissolução e liquidação (doc. 4 junto com o pedido arbitral e p. 8 Processo administrativo 1), facto que é do conhecimento da AT (doc. 3 junto com o pedido arbitral).

b)           Consta do Portal da AT da B... que esta entidade cessou a sua actividade em Outubro de 2016 bem como que foi nomeado um representante fiscal, D..., não constando qualquer residência deste representante diferente da sede da sociedade B..., na Rua de ..., nº..., ...,  ..., Porto.

c)            A acta da B..., que aprovou o encerramento da liquidação, inserta no documento 4 junto pela Requerente, também aprova a designação do supra mencionado representante fiscal, D..., atribuindo-lhe um domicílio profissional coincidente com o da sede da sociedade B... .

d)           Em 26 de Março de 2018, foi enviada para a sede da Requerente, ainda que dirigido à B..., uma liquidação de IMT no valor de € 575.500,00, nos termos do artigo 18º nº 3 do CIMIT, com fundamento no nº 5 do artigo 11º do mesmo diploma (doc. 1 junto com o pedido arbitral).

e)           Estavam em causa 6 artigos matriciais urbanos e rústicos discriminados no sobredito ofício: ... do concelho de ..., da extinta freguesia de ... (artigos ...º e ...º urbanos, destinados a estaleiro, armazéns e actividade industrial; artigos ...º e ...º rústicos) e ... do concelho de ..., freguesia de ... (artigo...º rústico; terreno urbano com 33.720 m2 destacado do artigo rústico ...º, secção...) (doc. 10 junto com o pedido arbitral e Processo administrativo 2).

f)            Os imóveis correspondentes a estes artigos matriciais foram comprados pela B... em 30 de Dezembro de 2009, e estavam destinados a revenda (ponto E.3, p. 9 do doc. 6 e doc. 9 juntos com o pedido arbitral).

g)            Por terem sido adquiridos para revenda, estes imóveis beneficiaram em 30 de Dezembro de 2009 de isenção de IMT, nos termos do artigo 7º do Código do IMT (ponto F, p. 9 do doc. 6 junto com o pedido arbitral).

h)           Os imóveis em causa são dois armazéns de grandes dimensões, destinados a actividade industrial, um no concelho de ..., outro no concelho de ... a cada um composto por uma área coberta e uma zona descoberta (docs. 8, 10 e 11 junto com o pedido arbitral).

i)             Os imóveis sempre estiveram contabilizados na esfera da B... em “existências”, ou seja, enquanto mercadorias compradas para revenda (doc. 9 junto com o pedido arbitral).

j)             Em relação a cada um deles houve ocorreu uma alteração na numeração matricial (doc. 10 junto com o pedido arbitral).

k)            No caso do imóvel de ..., a substituição matricial dos dois artigos matriciais referidos (1 rústico e 1 urbano) por 1 único artigo urbano - ... da freguesia de  ...-, passando a área do anterior artigo rústico a integrar o logradouro do novo artigo urbano, adveio de notificação do Serviço de Finanças de ..., com base em parecer do Instituto Geográfico Cadastral, para apresentação de uma declaração modelo 1 (doc. 12 e 13 junto com o pedido arbitral).

l)             O destino dado ao prédio (aos 8.100 m2 da parte urbana e aos 33.720 m2 da parte rústica) manteve-se após a sua inscrição num único artigo matricial –... da freguesia de ... (8.100 m2 de implantação mais 33.720 m2 de logradouro) (docs. 10 e 11 juntos com o pedido arbitral).

m)          No caso do imóvel de ..., a alteração na numeração matricial, implicou a substituição dos 4 artigos matriciais (2 rústicos e 2 urbanos) por 1 único artigo matricial urbano – artigo..., actualmente, artigo ...º, da extinta freguesia de ... (docs. 10 e 11 juntos com o pedido arbitral).

n)           Os ditos imóveis foram vendidos em 2012, antes de passados os três anos da isenção: em Setembro de 2012, o de ... e, em Dezembro desse ano, o de ... (doc. 7 junto com o pedido arbitral).

o)           A liquidação foi parcialmente paga mediante a aplicação/compensação de créditos tributários de pagamentos especiais por conta a restituir à B..., no valor total de € 56.870,07 (doc. 2 junto com o pedido arbitral).

p)           No remanescente, foi prestada garantia, através de penhor de acções, nos processos de execução fiscal decorrentes das liquidações ora impugnadas (doc. 3 junto com o pedido arbitral).

 

1.2. Factos não provados

 

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se na livre apreciação pelo Tribunal da posição das partes, nos documentos juntos pelas partes e demais documentação constante do processo administrativo.

 

2. Matéria de direito

 

A Requerente requer a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação objeto de impugnação, com os seguintes fundamentos:

- Nulidade por impossibilidade do seu objeto/sujeito passivo da notificação feita a uma sociedade extinta;

- Nulidade por falta de data no acto de liquidação do IMT;

- Ilegalidade por caducidade nos termos dos artigos 35º, nº 1, do CIMT e 45º, nº 1, da LGT;

- Ilegalidade por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito da interpretação dos artigos 7º, nº1, e 11º, nº 5, do CIMT;

 -Ilegalidade por inconstitucionalidade da fixação de critérios de incidência tributária através de circular administrativa, com violação dos princípios da legalidade, tipicidade e reserva de lei;

- Ilegalidade por violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material;

-Inexistência/ilegalidade dos juros compensatórios.

 

O Tribunal irá pronunciar-se sobre os vícios apontados, começando pelos que implicam a nulidade, seguindo-se os demais que implicam a anulação da liquidação.

 

A.           Quanto à nulidade da liquidação por notificação a sociedade juridicamente inexistente

 

A Requerente alega que a notificação da liquidação é nula por se dirigir a uma entidade inexistente – B...S.A..

Efectivamente, a notificação foi dirigida e recepcionada pela B..., através do Ofício nº ... de 19-03-2018 (Doc. 1 anexo pela Requerente), o qual foi enviado para a morada desta B... .

É este Ofício, dirigido à B..., que contém a sobredita liquidação de IMT, aqui impugnada.

Nos termos dos documentos juntos aos autos pela Requerente, a B... foi extinta em 25.10.2016, por dissolução e liquidação, conforme comprovativo através da junção pela Requerente do documento 4. Este documento incorpora a acta de encerramento da liquidação, referendando-se a inexistência de passivo e a transmissão para a Requerente, A... S.A., detentora de 97,5% do capital social da B... à data da dissolução e encerramento da liquidação, do activo remanescente. E tal é do conhecimento da AT, conforme documento extraído do Registo Comercial e declaração de cessação de actividade, que corresponde ao documento 5.

Consta do Portal da AT da B... que esta entidade cessou a sua actividade em Outubro de 2016, bem como que foi nomeado um representante fiscal, D..., não constando qualquer residência deste representante diferente da sede da sociedade B..., na Rua ..., nº..., ..., ..., Porto.

Acresce que a acta da B..., que aprovou o encerramento da liquidação, inserta no documento 4 junto pela Requerente, também aprova a designação do supra mencionado representante fiscal, D..., atribuindo-lhe um domicílio profissional coincidente com o da sede da sociedade B... .

Por seu turno a Requerente, que sucedeu à B..., sociedade sua participada em 97,5% do capital social, tem igualmente sede na mesma morada: Rua..., nº..., ..., ..., Porto.

O nº 3 do artigo 18º da Lei Geral Tributária qualifica como sujeito passivo a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

O artigo 147º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) determina que as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do nº 1, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento.

Ora, o artigo 147º, nº2, do CSC estabelece um compromisso entre os interesses da Fazenda Pública e dos sócios. A existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata do património social, ao contrário do que sucede com a existência naquela data de dívidas de natureza fiscal já exigíveis ou de dívidas de natureza diferente da fiscal, exigíveis ou não. Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente, portanto muito mais gravosamente do que o estabelecido no artigo 163º do CSC, para o passivo superveniente.

Apurada e confirmada a responsabilidade tributária da Requerente, enquanto accionista da B..., vejamos se se efectuou uma notificação válida.

A notificação foi efectuada através de Ofício e por carta registada.

A notificação foi enviada para a sede da B..., actual sede da Requerente, que sucedeu à B... e igualmente sede ou domicílio profissional do representante fiscal designado pela B..., nos termos da acta de nomeação do mesmo em 2016.

É verdade que a B... tinha obrigação de nomear representante fiscal e que o fez e que a notificação da AT não seguiu em nome deste. Sendo que, a sua existência exigiria que este pudesse e devesse receber as notificações da AT uma vez que acaba por ser uma figura com contornos não despiciendos na relação entre o representado e a Administração Fiscal.

Contudo, no caso vertente, impunha-se à Administração Tributária notificar a sociedade, enquanto sujeito passivo, da liquidação oficiosa de IMT apuradas em resultado da acção inspectiva que realizou, pois, como é sabido, as notificações destinam-se a dar conhecimento de factos a quem possa por eles ser afectado, e obedecem a um formalismo desenhado no intuito de que esse seu objectivo, em que fundamentalmente se esgota, seja alcançado.

Na situação em análise, a Administração Tributária notificou o sujeito passivo, que tomou conhecimento dessa notificação, e que é a Requerente por ter sucedido à B... .

Aliás a Requerente também não afirma, ao menos expressamente, que não tomou conhecimento dessa notificação, mas tão-só que a mesma foi efectuada a uma entidade extinta, não tendo a virtualidade de produzir os seus efeitos.

Todavia tal notificação foi validamente efectuada à accionista que sucedeu à B..., a Requerente, para a morada desta que é também a morada do representante fiscal, e, por conseguinte, com imediata repercussão na sua esfera jurídica.

E, nessa circunstância, torna-se claro que a notificação da liquidação adicional de IMT produziu todos os seus efeitos na esfera jurídica da Requerente na data em que foi recepcionada.

Termos em que improcede esta causa de invalidade assacada à liquidação impugnada.

 

B.            Quanto à nulidade da liquidação por não ser datado o acto tributário

 

A Requerente alega que o acto de liquidação oficiosa não está datado nos termos dos artigos 151º, 1 e 162º, 2 g) do CPA.

Ora a notificação é efectuada através do Ofício nº ... datado de 19-03-2018.

Este Ofício foi enviado por carta registada tendo a Requerente aposto à mão que a mesma foi recebida a 26-03-2018.

O documento 1 junto pela Requerente, que consubstancia o Ofício através do qual se efectuou a liquidação oficiosa de IMT, inclui o envelope com a indicação de que o mesmo foi enviado com AR em 19-03-2018.

Ainda que o referido acto tributário carecesse de data, a verdade é que tal omissão a existir não poderia conduzir à sua nulidade por vício formal essencial.

Com efeito, como ponderam Mário Esteves de Oliveira e Outros (Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, 1997, pp. 586-7) atendendo ao relevo desta menção, em especial para determinação do início dos efeitos do acto, à contagem dos prazos de caducidade, etc., afigura-se mais curial considerá-lo “como momento determinante da eficácia do acto do que como condicionante da sua validade jurídica (…)”.

Ora, no caso, não vem questionado que aquela alegada omissão tivesse tido qualquer repercussão quanto ao início da sua eficácia.

Termos em que é de considerar improcedente a alegação da nulidade da liquidação por esta razão.

 

C.            Quanto à alegada caducidade da liquidação

 

Estão em questão os 6 artigos matriciais urbanos e rústicos discriminados no sobredito ofício: 4 do concelho de ... (artigos ... e ...º urbanos, destinados a estaleiro, armazéns e actividade industrial; artigos ...º e ...º rústicos); 2 do concelho de ... (artigo... rústico; artigo ...º urbano, terreno urbano com 33.720 m2). Estes artigos matriciais foram comprados pela B... em 30.12.2009, destinados a revenda (cfr. doc. 6 junto com o pedido arbitral).

Por terem sido adquiridos para revenda, estes imóveis beneficiaram em 30.12.2009 de isenção de IMT, nos termos do artigo 7º do CIMT.

Para manutenção dessa isenção de IMT, os imóveis comprados para revenda deveriam ser revendidos no prazo de 3 anos, conforme dispunha e dispõe o artigo 11º, nº 5, do CIMT.

Segundo o SF de ..., “B) Feita a consulta à aplicação informática referente à matriz predial, verifica-se que os ditos prédios sofreram substancialmente uma alteração quanto à natureza, a saber:

B.1) Os artigos urbanos ...º e ...º e os artigos rústicos ...º e ...º, todos da extinta freguesia de..., concelho de ... (...), foram anexados pela adquirente (B..., SA) em 2012-07-06, através da declaração modelo 1 do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) com o registo nº..., e deram origem ao artigo urbano ...º da mesma freguesia, com a área total de 15.950 m2 e a afectação de armazéns e atividade industrial. Este último artigo é que foi transmitido em 2012-09-25 à C..., NIF...; B.2) O artigo urbano ...º e o terreno com 33.720 m2 (…), ambos da freguesia de..., concelho de ... (...) foram anexados pela adquirente (B..., SA) em 2011-02-15, através da declaração modelo 1 do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) com o registo nº..., e deram origem ao artigo urbano ...º da mesma freguesia, com a área total de 41.820 m2 e a afectação de armazéns e atividade industrial. Este último artigo é que foi transmitido em 2012-12-28 ao E..., SA, NIF... .

Ou seja, segundo o SF de ..., os imóveis comprados pela B... em 30.12.2009, para revenda, terão alegadamente sido objecto de transformação/alteração substancial da sua natureza e destino, em virtude da sua alegada anexação, sendo por isso formalmente substituídos por artigos matriciais com diferente numeração, tendo tal transformação ocorrido num caso em 2012 e noutro caso em 2011.

Os referidos imóveis foram depois revendidos dentro do sobredito prazo de 3 anos, em Setembro (imóvel de ...) e Dezembro de 2012 (imóvel de...) (cfr. doc. 7).

Nos termos do artigo 35º nº 1 do CIMT, redacção aplicável, “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46º da Lei Geral Tributária.”.

Segundo a Requerente, o facto tributário ocorreu em 30-12-2009.

Ora, tendo a liquidação de IMT sido recepcionada em finais de Março de 2018, para a Requerente é manifesto que decorreram mais de 8 anos em relação à data da transmissão imobiliária em questão, 30.12.2009.

Pelo que solicita que a liquidação de IMT (e os inerentes JC) deve ser anulada por caducidade, nos termos dos artigos 35º, nº 1, do CIMT e 45º, nº 1, da LGT.

A questão que se coloca é a de apurar se o prazo de caducidade deverá começar a contar-se a partir do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (30-12-2009) - data da escritura de aquisição dos imóveis, ou a partir da data da constatação do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, in casu a obrigação de revenda do prédio no prazo de três anos ou a atribuição de um destino diferente.

Tendo este alegado destino diferente sido atribuído nos anos de 2012 e 2011, com a alteração da qualificação rústico/urbano na matriz, conforme consulta efectuada pelo Serviço de Finanças de ... .

Sobre esta questão existiu jurisprudência divergente do STA.

No Acórdão do STA de 26/10/2011, Proc. nº 0354/11, seguindo jurisprudência vazada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 24/2/2010, Proc. nº 0873/09, perfilhou-se a tese de que “o prazo relevante, para efeito da determinação da caducidade ou prescrição, deve contar-se, salvo disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do artigo 48º da LGT), e não a partir da data da declaração da revogação da isenção.”

Contudo, no Acórdão do STA de 8/6/2011, Processo nº 0174/2011, defendeu-se que: “Enquanto não for possível à AT liquidar o tributo, não poderá ter início o prazo de prescrição, pois este só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306º do CC” (cfr. Jurisprudência reiterada, entre outros, nos Acórdãos do STA, de 26/5/2010, Recurso nº 211/10 e de 22/9/2010, Recurso nº 383/10).

Há aqui que decidir neste ponto.

Fundando-se, por um lado, a caducidade na necessidade de assegurar a certeza e segurança jurídica das relações jurídicas, e, por outro, a prescrição na inércia do titular do direito, ambos os prazos só devem, logicamente, começar a correr no momento em que a obrigação do pagamento do imposto e/ou o direito à sua cobrança possa ser exercido (cfr. VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 1961, p. 190).

Também assim o consideram J. Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas em “Os impostos sobre o património imobiliário | O Imposto do Selo”, em comentário ao artigo 35º do CIMT, “(…) Nestes casos, o prazo de caducidade do direito à liquidação inicia-se na data em que a isenção fique sem efeito”.

Isso mesmo determina o actual nº 1 do artigo 35º do Código do IMT, que a contagem do prazo de caducidade tem início a partir da data da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

Na verdade, a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário e os seus elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes (artigo 36º, nºs 1 e 2, da LGT).

Nos casos de caducidade da isenção, o facto tributário ocorre na data em que a isenção fica sem efeito, como se infere do nº 1 do artigo 35º do CIMT.

A caducidade da isenção ocorre «logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente», com o que resulta do preceituado no artigo 11º, n 5, do CIMT.

No caso em apreço, o prazo para a AT exercer o seu direito à liquidação de IMT só poderá começar a contar a partir da data em que alegadamente terá sido dado destino diferente aos prédios adquiridos em 30-12-2009, que são o ano de 2011 ou o ano de 2012, conforme se verificou.

Termos em que, tendo a liquidação ocorrido em Março de 2018, não pode proceder a pretensão da Requerente quanto à caducidade do direito de liquidação deste IMT.

 

D.           Quanto à ilegalidade da liquidação por erro nos pressupostos de facto e violação dos artigos 7º, nº1, e nº 5, do artigo 11º do CIMT 

 

A questão em apreço gira em torno do sentido e alcance do nº 5 do artigo 11º do CIMT, que tem o seguinte conteúdo: “a aquisição a que se refere o artigo 7º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”.

Mais concretamente está em causa apenas o sentido e alcance do inciso: se aos prédios em causa foi dado “destino diferente,” em termos de terem deixado de reunir as condições da isenção.  

Segundo a Requerida, seguindo a doutrina do Ofício-Circular D-2/91, de 17 de Junho, que no seu nº 2 considera não configurar destino diferente do da revenda e, por esse facto, não conduzir à perda da isenção do imposto, apenas duas situações: a do loteamento de prédio rústico, com a sua posterior venda por lotes, e o arrendamento só por si, conclui pela perda da isenção.

Com efeito, na sua óptica os prédios em apreço sofreram alteração quanto à sua natureza – foram adquiridos num determinado estado (urbanos e rústicos) – e a seguir foram transformados (anexados) dando origem a dois novos artigos urbanos, que posteriormente foram vendidos. 

Essa transformação configura, para a Requerida, um destino diferente daquele em que assentou o benefício de isenção de IMT, que só actua desde que os prédios se encontrem nas mesmas condições em que se encontravam no momento em que foram adquiridos para revenda, conduzindo à caducidade da isenção em causa, ao abrigo do nº 5 do artigo 11º do CIMT.

Em sentido oposto alega, a Requerente, por sua vez, que “o destino, utilização, natureza e afectação que a B... sempre deu aos imóveis em questão nunca se alterou, entre a data da sua aquisição (com destino a revenda), em 2009, e a data da sua revenda, em 2012.

Com efeito, os mesmos sempre se mantiveram “exactamente iguais, sem qualquer transformação ou anexação (ou qualquer outra modificação), entre a data da sua compra (2009) e a data da sua revenda (2012)”,(…) tendo tão só ocorrido “uma mera alteração na numeração matricial dos imóveis em causa – ou seja, uma mera alteração fiscal formal.”

“No caso do imóvel de ..., a substituição matricial de dois artigos matriciais (1 rústico e 1 urbano) por 1 único artigo urbano adveio de imposição do SF, que obrigou à apresentação de uma declaração modelo 1”.

 “Igualmente no caso do imóvel de ... ocorreu uma mera alteração na numeração matricial – ou seja, uma mera alteração formal matricial numérica.”

 “Ou seja, uma mera substituição de 4 artigos matriciais (2 rústicos e 2 urbanos) por 1 único artigo matricial, urbano - sem qualquer alteração física, de natureza, destino ou afectação do imóvel (ou qualquer outra alteração).”

Em suma, segundo alegação da Requerente, a ilegalidade decorre do facto de a liquidação de IMT se basear exclusivamente “no facto de ter ocorrido uma alteração formal nos números das inscrições matriciais entre o momento da compra e o momento da venda dos imóveis em causa.”

Vejamos.

O artigo 7º do Código do IMT, sob a epígrafe “Isenção pela aquisição de prédios para revenda”, dispõe, no seu nº 1, que “São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda (…), relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”.

E, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 5, “A aquisição a que se refere o artigo 7º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.

O regime que já se encontrava previsto, com idênticos contornos, no artigo 11º, nº 3 do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (“Código da Sisa”), segundo o qual ficam isentas de sisa «As aquisições de prédios para revenda (…), relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda”, sendo que, por força do artigo 16º, nº 1, essa isenção caducava logo que se verificasse que “aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente (…)”.

Sobre o sentido e alcance da expressão “destino diferente” a jurisprudência do STA, no quadro da vigência do Código da Sisa (que não diverge do actual Código do IMT no que a esta matéria respeita), considerou como tal o acabamento da construção de um prédio urbano: “Comete a transgressão (…) se, tendo comprado, com isenção de sisa, um lote de terreno onde estava em construção um prédio urbano, acaba a construção deste e precede a sua venda, ainda que dentro do prazo de dois anos, sem pagar a sisa correspondente à compra do terreno, dado que a arguida deixara de beneficiar da isenção concedida, por não ter revendido o terreno no estado em que o adquirira.” – cfr. Acórdão do STA, processo nº 016153, de 27 de Maio de 1970.

                Num outro aresto, o STA decidiu que “a isenção de sisa concedida às aquisições de prédios para revenda caduca quando os imóveis não forem revendidos no estado em que foram adquiridos”, não importando, “porém, modificação desse estado as obras feitas pelo comprador de que não resulte alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das divisões dos edifícios” – cfr. Acórdão do STA, processo nº 016253, de 16 de Maio de 1973.

Esta orientação jurisprudencial, segundo a qual, repete-se, a isenção era excluída nos casos em que a sociedade comprava um terreno onde estava já em construção um prédio urbano e acabava a sua construção e procedia à sua venda, por se entender que não se revendia o lote de terreno no estado em que tinha sido adquirido, foi definitivamente afastada pelo Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 26 de Janeiro de 2005, no processo nº 0798/04.

Subjacente a esta nova orientação jurisprudencial estava uma situação em que a questão controvertida era a de saber se, no caso de uma sociedade ter adquirido para revenda um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado, no qual está em construção um edifício destinado a habitação, e depois ter procedido às obras de construção civil necessárias à conclusão do prédio aí existente, em tosco, e à posterior constituição em propriedade horizontal, e à venda das respectivas fracções autónomas, constitui um desvio ao fim declarado no acto de aquisição (revenda) o facto de ter procedido à conclusão do edifício em tosco aí existente, com realização de todas as necessárias de acabamento e beneficiação do edifício, e à posterior constituição em propriedade horizontal e venda das respectivas fracções.  

No aresto em apreciação, reafirmando jurisprudência anteriormente sufragada pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário em 10-11-1982, no rec. nº 001730, e também, em 23-02-2000, no rec. nº 018135, ficou consignado que só constitui destino diferente a “alteração substancial do prédio, nomeadamente a transformação de um terreno em prédio urbano, através da construção de um edifício posteriormente vendido ou da demolição de uma casa e seguinte venda do terreno para construção”, não representando destino diferente a circunstância de o prédio adquirido (terreno com edifício habitacional em construção), ainda em tosco, ter sido revendido em estado diverso daquele em que foi adquirido por força das obras de acabamento da construção do edifício, bem como por força da constituição da propriedade horizontal desse prédio e revenda das respectivas fracções autónomas.

   Ficou igualmente consignado que “não obsta à isenção o facto de o prédio não estar ainda totalmente construído: o que foi adquirido foi um “lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado”.

Mais recentemente, esta jurisprudência foi reafirmada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 17 de Setembro de 2014, processo nº 01626/13, onde se pode ler, entre o mais, que  “(…) a tese de que os prédios têm de ser revendidos no exacto estado em que foram adquiridos, não encontra, como bem se referia já nesse acórdão do STA de 23-02-2000, o mais leve suporte no texto da lei.

«“Alusão alguma fez, pois, aqui a lei à coincidência entre o estado dos prédios no momento da aquisição e no ulterior momento da revenda”. Temos, portanto, que bem andou a 2ª instância ao proclamar que do dito artigo 16º, nº 1, “não resulta que o revendedor só beneficie da isenção quando revenda o prédio no estado em que o adquiriu. O que ele tem é de o revender no prazo de dois anos, independentemente do estado em que o prédio se encontrava quando o comprou e do estado em que se encontrava quando o revendeu”».

“Para efeitos de caducidade de isenção de imposto não importa se o imóvel é ou não revendido no preciso e exacto estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda. Pelo que se este é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção, as obras feitas pelo comprador para a finalização dessa construção, de modo a vender o terreno com o edifício já acabado (ou a vender as suas fracções autónomas), não representa uma transfiguração ou alteração substancial da afectação do imóvel adquirido para revenda, não representa, em suma, um “destino diferente” da revenda do imóvel adquirido.

“Tal como se deixou salientado no acórdão fundamento, para os aludidos efeitos só constitui destino diferente a «alteração substancial» do prédio adquirido, nomeadamente a transformação de um prédio rústico em prédio urbano (pela compra de um terreno e posterior construção nele de um edifício para venda) ou a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção, não representando destino diferente a circunstância de o prédio adquirido (terreno com um edifício habitacional ainda em tosco) ter sido revendido em estado diverso por força das obras de acabamento do edifício, da constituição em propriedade horizontal e da revenda das respectivas fracções autónomas.

“Por conseguinte, só nos casos em que o edifício residencial adquirido em construção é sujeito a obras para alcançar uma afectação ou utilização completamente distintas (como aconteceria no caso de ser alterado para um edifício industrial, comercial ou escolar, que implicam obras de transformação profundas e uma mutação susceptível de configurar uma alteração substancial do imóvel, designadamente em termos de utilização) ou nos casos em que, ainda que mantendo a afectação habitacional, o edifício é sujeito a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição, é possível afirmar que as obras realizadas pelo adquirente são idóneas a desviar o destino declarado: - a revenda de terreno com o edifício habitacional nele implantado ao abrigo de determinado projecto e licença de construção), integrando, assim, o conceito legal de “destino diferente”.

“Esta posição corresponde, aliás, à que já fora assumida, em sede de imposto de sisa, pela própria Administração Fiscal, como se pode ver pela leitura do Despacho da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, de 13-09-1995, publicado na CTF nº 380, pág. 490, com o seguinte teor: «O fundamento da isenção do nº 3 do artigo 11º está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem no activo permutável, enquanto mercadorias das empresas tributadas pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal»”.

“A ultimação da construção, de harmonia com o projecto aprovado, não alterou substancialmente a natureza do prédio adquirido, o mesmo sucedendo após a constituição da propriedade horizontal, sendo, portanto, certo que o prédio adquirido para revenda teve efectivamente essa aplicação, mediante a revenda respectiva, por fracções autónomas.

 “A ultimação da construção de um prédio urbano já construído em tosco e posterior constituição da respectiva propriedade horizontal e posterior revenda em fracções autónomas não pode conduzir à perda da referida isenção».”

Pode ler-se ainda no Acórdão do STA que estamos a reproduzir que esta orientação corresponde, também, à assumida no Parecer nº 119/95 do Centro de Estudos Fiscais, sancionado por despacho de 13/09/96 do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, segundo o qual o «fundamento da isenção [de compra para revenda] em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem no activo permutável, enquanto mercadorias das empresas tributadas pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal.(…) a ultimação da construção, de harmonia com o projecto aprovado, não alterou substancialmente a natureza do prédio adquirido, o mesmo sucedendo após a constituição da propriedade horizontal, sendo portanto, certo que o prédio adquirido para revenda, teve efectivamente essa aplicação, mediante a revenda das respectiva por fracções autónomas.»”.

O Acórdão do STA que vimos reproduzindo debruçou-se, em oposição de julgados, sobre a seguinte questão controvertida: saber se o facto de uma sociedade ter adquirido para revenda um terreno destinado à construção – onde já se encontrava em construção um edifício habitacional- e de ter depois procedido às obras necessárias à conclusão da construção desse edifício e à constituição de propriedade horizontal e venda das respectivas fracções autónomas, constitui um desvio ao fim declarado no ato de aquisição (revenda).

O STA concluiu sufragando a jurisprudência acolhida pelo STA do Pleno da Secção Tributária, atrás citado, de 26/1/2005, segundo o qual “«não obsta à isenção o facto de o prédio não estar ainda totalmente construído: o que foi adquirido … foi “um lote de terreno com um prédio em construção, ainda em tosco, a ser acabado”. De tal não resulta, todavia, nenhuma alteração substancial da sua estrutura externa ou disposição interna do edifício.

“Como assinala Nuno Sá Gomes, in CTF 380, págs. 488 e segts., o fundamento da isenção em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, «não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal».

“Como, aliás, acontece com a aquisição de prédios rústicos adquiridos para revenda e posterior loteamento com venda por lotes, não obstante as numerosas obras que, em geral, tal operação implica, desde a construção da rede viária ao saneamento básico.

Ao contrário do sentenciado, não se está, assim, face a matérias-primas adquiridas para transformação em mercadorias – cfr. DL nº 410/89, de 21 de Novembro – mas antes de mercadorias integrantes do activo permutável da empresa”.

«(…) O STA conclui, uniformizando a jurisprudência conflituante nos seguintes termos: “para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) que decorre da conjugação das normas contidas nos artigos 7º e 11º nº 5 do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda. Pelo que se o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação mediante projecto aprovado (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), a expressão para revenda não exige que o imóvel seja alienado tal como existia no momento da aquisição, admitindo, antes, a possibilidade de realização de todas as obras necessárias à ultimação dessa construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas”».

Tudo visto e ponderado, delineados os traços essenciais do regime jurídico-tributário aplicável, estamos em condições de proceder ao enquadramento da situação submetida à apreciação deste tribunal, tendo por base a factualidade adquirida processualmente e constante do probatório.

A questão essencial está, desta forma, em averiguar se, na situação dos autos, ocorreu uma alteração substancial dos imóveis, cuja aquisição foi objecto de isenção de IMT, que tenha determinado o desvio do respectivo fim originando a caducidade da isenção nos termos do artigo 11º, nº 5, do Código do IMT. 

 

Da leitura da fundamentação do acto tributário em apreço verifica-se que, o que levou à prática do acto, foi a interpretação do nº 5 do artigo 11º do CIMT seguida pelo SF de ... e decorrente da aplicação do Ofício- Circular D-2/91, de 17 de Julho, que, no seu nº 2, considera não configurar destino diferente do da revenda e, por esse facto, não conduzir à perda da isenção do imposto, apenas duas situações: “D1.) O loteamento de prédio rústico, com a sua posterior venda por lotes; e D.2) O arrendamento só por si. (…).”

Segundo os SF de ..., “os prédios em apreço não foram objeto de loteamento, mas sim, como já se disse, de alteração quanto à sua natureza - foram adquiridos num determinado estado (urbano e rústico) e a seguir foram transformados (anexados pela adquirente (…), dando origem a dois novos artigos urbanos, que posteriormente foram vendidos. Essa transformação configura destino diferente daquele em que assentou o benefício de isenção de IMT, previsto no artigo 7º do CIMT, conduzindo à caducidade da isenção em causa ao abrigo do nº 5 do artigo 11º do CIMT”.

E é esta também a posição seguida pela Requerida na contestação.

Afigura-se que esta interpretação incorre em erro de interpretação de facto e de direito dos preceitos em causa, como passamos a demonstrar.

Como resulta do probatório os imóveis em causa são dois armazéns de grandes dimensões, destinados a actividade industrial, um no concelho de ..., outro no concelho de..., tendo ocorrido em relação a cada um deles alterações na numeração matricial.

No caso do imóvel de ..., a substituição matricial dos dois artigos matriciais referidos (1 rústico e 1 urbano) por 1 único artigo urbano - ... da freguesia de ...-, passando a área do anterior artigo rústico a integrar o logradouro do novo artigo urbano, sendo que tal alteração adveio de notificação do Serviço de Finanças de ..., com base em parecer do Instituto Geográfico Cadastral, para apresentação de uma declaração modelo 1.

O destino dado ao prédio (aos 8.100 m2 da parte urbana e aos 33.720 m2 da parte rústica) manteve-se após a sua inscrição num único artigo matricial –... da freguesia de ... (8.100 m2 de implantação mais 33.720 m2 de logradouro).

No caso do imóvel de ..., a alteração na numeração matricial, implicou a substituição dos 4 artigos matriciais (2 rústicos e 2 urbanos) por 1 único artigo matricial urbano – artigo ...º, actualmente, artigo ..., da extinta freguesia de ... (docs. 10 e 11 juntos com o pedido arbitral).

Como vimos, segundo a jurisprudência uniformizadora do STA atrás mencionada, “para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda, em termos que se projectem numa afectação ou utilização posterior completamente distintas.

Assim sendo, tendo presente a mencionada orientação jurisprudencial uniformizadora do STA, afigura-se que as alterações na numeração matricial dos imóveis em causa não consubstanciam alterações físicas e muito menos substanciais dos imóveis, com repercussões na afectação ou utilização posterior dos mesmos.

Com efeito, ao fim e ao cabo, estamos perante uma mera alteração de natureza jurídica e formal incidente sobre a mesma realidade física.

Acresce que nem se percebe a argumentação seguida quanto à interpretação do Ofício Circular D-2/91. Na verdade, se nesta se admite que não dá lugar à perda da isenção, por não configurar destino diferente do da revenda, o loteamento de um prédio rústico, por maioria de razão se tem de admitir a aplicação do mesmo regime ao caso dos autos.

É que um loteamento acarreta não apenas alterações no estatuto jurídico do terreno loteado como também de alterações físicas, traduzidas na divisão do terreno em lotes, enquanto realidades jurídicas e físicas autónomas. No caso em apreço ocorreu uma mera mudança de nomenclatura matricial, sem qualquer alteração física dos imóveis. Estamos a falar de modificações estritamente jurídicas e formais.

Finalmente, como bem refere a Requerente, não se pode conceber que as alterações matriciais em causa sejam idóneas a desviar os imóveis do seu fim (a revenda) quando não é minimamente questionado que os mesmos foram por si adquiridos no âmbito da sua actividade, mantendo-se como activos permutáveis da empresa como mercadorias para o desenvolvimento da sua actividade de compra para revenda.

  Pelo contrário, resulta do probatório que “Os imóveis sempre estiveram contabilizados na esfera da B... em “existências”, ou seja, enquanto mercadorias compradas para revenda”.

Ora, como vimos atrás, segundo a doutrina e a jurisprudência atrás referenciada o fundamento da isenção em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda (…)”.

Assim sendo, afigura-se claro que a fundamentação dos actos tributários impugnados incorre em erro de apreciação de facto e do direito aplicável, o que torna as liquidações ora impugnadas ilegais.  

Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, é de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações (de IMT e juros compensatórios) ora impugnadas.

 

2.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Considerando que os demais vícios que afectam as liquidações impugnadas são geradores de mera anulabilidade, de harmonia com o disposto no artigo 163º, nº 1 do CPA, sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia quanto ao erro de facto e de direito na interpretação dos artigos 7º e 11º, nº 5, do CIMT, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130º do CPC), o conhecimento das restantes questões de ilegalidade colocadas.

 

3. Indemnização por garantia indevida e juros indemnizatórios 

 

A Requerente alega que a liquidação impugnada foi parcialmente paga mediante a aplicação/compensação de créditos tributários de pagamentos especiais por conta a restituir à B..., no valor total de € 56.870,07, pelo que requer a devolução do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios.

Por outro lado, no remanescente, foi prestada garantia nos processos de execução fiscal decorrentes das liquidações ora impugnadas, através do penhor de acções, tudo como resulta dos factos dados como provados.

Começando pela indemnização por garantia indevidamente prestada, o seu regime consta do artigo 53º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53º

Garantia em caso de prestação indevida

1 – O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 – O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 – A indemnização referida no nº 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser Requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 – A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou”.

 

No caso em apreço, os actos de liquidação impugnados, como ficou demonstrado, são ilegais. Ademais, os referidos actos de liquidação de imposto e de juros compensatórios foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem efectuados e, muito menos, nos termos em que o foram.

Neste enquadramento, embora não tendo sido prestada garantia bancária, foi efectuado penhor de acções, que deve considerar-se equivalente, como se depreende o artigo 199º, nº 4 do CPPT (…), tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal.

A prestação de garantia por parte da Requerente afigura-se, assim, indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efectivamente vier a sofrer com a prestação daquela garantia.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente Decisão Arbitral (cfr. o disposto nos artigos 609º, nº 2, do CPC, aplicável nos termos do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Por sua vez, no que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43º, nº 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o nº 5 do artigo 61º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, para além das liquidações ora impugnadas serem ilegais, verifica-se que a ilegalidade das mesmas é imputável à AT por, naquelas liquidações, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43º, nº 1, da LGT e 61º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar, calculados desde a data em que efectuou o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43º, nº 4 e 35º, nº 10, da LGT, 61º do CPPT e 559º do Código Civil e da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.     

 

IV. DECISÃO 

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Julgar ilegais as liquidações impugnadas de IMT e juros compensatórios, no valor global de € 794.307,04, com a consequente anulação;

c)            Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Requerida a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução da presente Decisão Arbitral;

d)           Condenar a Requerida a restituir a parte do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.   

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 305º, nº 2, do CPC e 97º-A, nº 1, alínea a), do CPPT e 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €794.307,04.

 

VI. CUSTAS

 

 Nos termos do artigo 22º, nº 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.322,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 10 de Maio de 2019.

 

 

O Árbitro Presidente,

(Maria Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Vogal,

(Cristina Aragão Seia)

 

O Árbitro Vogal,

(Ana Teixeira de Sousa)