Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 670/2018-T
Data da decisão: 2019-05-13  Selo  
Valor do pedido: € 883.546,26
Tema: Operações financeiras - Fundo de investimento imobiliário - Instituição financeira – Isenção - Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Dra. Adelaide Moura (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2019, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

                A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, doravante abreviadamente designada por "Requerente", com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, neste acto em representação do B... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, doravante abreviadamente designado por "Fundo", com o número de identificação fiscal ..., veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a anulação parcial das seguintes liquidações de Imposto do Selo, no montante de € 883.546,26:

                A Requerente pede ainda que seja declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da revisão oficiosa que apresentou e pretende reembolso da quantia de € 883.546,26 e juros indemnizatórios.

                É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-12-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 23-04-2019, a Requerente apresentou prova documental, que foi admitida por despacho de 24-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre este requerimento.

Nesse mesmo despacho foi dispensada reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

A legitimidade do Fundo é defendida pela Requerente, nos artigos 80.º a 95.º do pedido de pronúncia arbitral e trata-se de matéria de conhecimento oficioso.

Estando a questão da legitimidade relacionada com a invocada repercussão do imposto, será aprecia após a fixação da matéria de facto.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            O Fundo aqui representado pela Requerente, nos termos do respectivo Regulamento de Gestão, é um fundo de investimento imobiliário aberto de acumulação, sendo a respectiva actividade hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)           O Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do C..., tendo celebrado o com este o contrato de abertura de crédito por descoberto em conta, associado à conta de depósito à ordem n.º ... (documento n.º 1 junto com o requerimento de prova de 23-04-2019, cujo teor se da como reproduzido);

c)            O C..., na qualidade de sujeito passivo do imposto, aquando da cobrança do valor do crédito concedido e juros, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência àquele contrato, ao abrigo da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (”TGIS"), o que fez através das guias de pagamento de imposto indicadas no documento n.º 2 junto com o requerimento de produção de prova de 23-04-2019, cujo teor se dá como reproduzido;

d)           O C... repercutiu o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo (enquanto utilizador dos créditos em causa), tendo este suportado integralmente o mesmo (extractos bancários, que constam dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

e)           No âmbito do contrato referido, o Fundo suportou Imposto do Selo liquidado pelo C... nos seguintes termos:

 

f)            Em 20-06-2018, a Requerente, em representação do Fundo apresentou pedido de revisão oficiosa dos referidos actos de liquidação de Imposto do Selo, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

g)            O pedido de revisão oficiosa não foi apreciado até 21-12-2018, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que, quanto às seguintes liquidações, não se mostra que o Imposto do Selo tenha sido repercutido na esfera do Fundo:

 

- Período de imposto: nov/14 // Valor IS (juros): € 8.590,45

- Período de imposto: dez/15 // Valor IS (juros): € 7.311,43

- Período de imposto: jan/16 // Valor IS (juros): € 6.028,80

- Período de imposto: fev/16 // Valor IS (juros): € 5.128,73

- Período de imposto: mar/16 // Valor IS (juros): € 5.402,72

- Período de imposto: abr/16 // Valor IS (juros): € 5.059,35

- Período de imposto: mai/16 // Valor IS (juros): € 5.083,08

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, quanto a este ponto, pois nos extractos bancários juntos como documentos n.ºs 4 e 5 não se vê qualquer movimento dos montantes referidos, designadamente nas datas indicadas no documento n.º 2 junto com o requerimento posterior.

Aliás, a Requerente ao pronunciar-se sobre a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, nada refere sobre esta matéria, limitando-se a alegar que «juntou a Requerente - como Documento 4, junto com o Pedido - os extractos bancários referentes aos períodos em causa (“SaIdos e Movimentos”) e, bem assim, os documentos referentes aos débitos de juros (“Aviso de juros")».

No entanto, em nenhum dos documentos se faz referência a movimentos dos montantes referidos, designadamente nas datas indicadas como «Data Extracto» no documento n.º 2 junto com o requerimento de 23-04-2019.

Assim, quanto a estas alegadas liquidações de Imposto de Selo sobre juros, não se prova que tenha sido repercutido no Fundo o imposto liquidado.

 

3. Legitimidade do Fundo

 

A Requerente afirma a legitimidade activa do Fundo nos artigos 80.º a 95.º do pedido de pronúncia arbitral.

A legitimidade activa é matéria de conhecimento oficioso, como resulta do disposto nos n.ºs 2 e 4, alínea e) do artigo 89.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

De harmonia com o disposto no artigo 2.º do CIS, o utilizador de crédito não é sujeito passivo do Imposto do Selo, embora seja o titular do interesse económico, como resulta da alínea E) do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código.

A Requerente defende que o Fundo tem legitimidade para impugnar as liquidações por ter a qualidade de «terceiro repercutido» (artigos 80.º a 95.º do pedido de pronúncia arbitral), qualidade essa que deriva, como diz a Requerente, da circunstância de que a liquidação «terá para ele consequências económicas negativas».

Nesta linha, a Requerente defende que o Fundo tem legitimidade no pressuposto de que «o sujeito passivo - instituição de crédito mutuante - (auto)liquidou e entregou o Imposto do Selo controvertido, mas repercutiu o mesmo na entidade com “interesse económico na realidade tributária", i.e. no Fundo aqui representado pela Requerente» (artigo 89.º do pedido de pronúncia arbitral).

Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, na redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, quem suporte o encargo por repercussão legal não é sujeito passivo, mas tem legitimidade como repercutido para apresentar pedido de pronúncia arbitral.

Sendo assim, a legitimidade do Fundo apenas se verifica na medida em que demonstrar que ocorreu repercussão do imposto liquidado.

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, não se fez prova de que tivessem sido repercutidos no Fundo os montantes de Imposto do Selo liquidados relativamente a juros, nos seguintes períodos:

 

- Período de imposto: nov/14 // Valor IS (juros): € 8.590,45

- Período de imposto: dez/15 // Valor IS (juros): € 7.311,43

- Período de imposto: jan/16 // Valor IS (juros): € 6.028,80

- Período de imposto: fev/16 // Valor IS (juros): € 5.128,73

- Período de imposto: mar/16 // Valor IS (juros): € 5.402,72

- Período de imposto: abr/16 // Valor IS (juros): € 5.059,35

- Período de imposto: mai/16 // Valor IS (juros): € 5.083,08

 

Assim, quanto a estas liquidações, não se prova que tenha sido repercutido no Fundo o imposto em causa, pelo que não se demonstra a legitimidade do Fundo.

 

4. Matéria de direito

 

Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), o Imposto do Selo incide, além do mais, sobre os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.

Na verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) prevê-se a incidência do Imposto sobre «operações financeiras», em que se incluem as «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» (verba 17.3).

O artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS estabelece na redacção da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, o seguinte:

 

1 – São também isentos do imposto:

(...)

 

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

A verba 17.1.4 da TGIS refere-se a «crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30», estabelecendo a taxa de 0,04%.           

A Requerente alega, em suma, que o crédito a que se referem as guias de pagamento do Imposto do Selo foi concedido ao Fundo por uma instituição de crédito/instituição financeira e que o Fundo também é uma instituição financeira pelo que se aplica esta isenção.

 

4.1 Qualificação do Fundo como instituição financeira

 

Não há controvérsia sobre esta qualificação do Fundo como instituição financeira, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que os fundos de investimento imobiliário são «Instituições financeiras», para efeitos da alínea e) do artigo 7.º do CIS.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita o entendimento da Requerente, que adoptou já em Informações Vinculativas, designadamente a 2017000303 - IVE n.º 11733, com despacho concordante de 07-07-2017, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, invocada pela Requerente. (   )

Nesta Informação Vinculativa refere-se o seguinte, além do mais:

Nas alíneas u) e aa) do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo – Decreto-Lei n.º 63-A/2013 - e à alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários; transpôs parcialmente as Diretivas n.ºs 2011/61/UE e 2013/14/EU) - são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes. Estes últimos são subdivididos em diferentes tipos de organismos, entre os quais se encontram:

"ii) «Organismos de investimento alternativo», que são os demais, designadamente os previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior e ainda:

1.º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento coletivo em valores mobiliários ou outros ativos financeiros, designados «organismos de investimento alternativo em valores mobiliários»;

2.º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário»".

Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5.º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o n.º 2 do artigo 6.º, ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.

Não são, assim, os OIC's qualificados como sendo "instituições financeiras" (o mesmo sucede no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro); apenas na alínea d) do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários (DL n.º 486/99, de 13 de novembro), conjugada com a alínea f) do mesmo código, o legislador parece qualificá-los como "outras instituições financeiras".

No entanto, a norma de isenção exige que a sua aplicação dependa da natureza jurídica que é reconhecida no direito comunitário ao sujeito sobre quem incide o encargo do imposto.

São qualificados na legislação comunitária como "Instituições Financeiras" os fundos de investimento imobiliário/OIC's?

 

1.2.2.1. A Diretiva 2005/60/CE - "Prevenção da Utilização do Sistema Financeiro para efeitos de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo" - (o artigo 66.º da Diretiva n.º 2015/849/EU, de 20 de maio de 2015, dispõe que as Diretivas 2005/60/CE e 2006/70/CE são revogadas com efeitos a partir de 26 de junho de 2017).

O n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva 2005/60/CE - definição de "instituição financeira"

Na previsão da alínea a) deste n.º 2, que nos remete para os pontos 2) a 12) e 14) do anexo I da Diretiva 2000/12/CE, não cabem os fundos de investimento imobiliário.

Na alínea d) são ainda qualificadas de "instituição financeira" as empresas de investimento coletivo que comercializem as suas unidades de participação ou ações.

 

1.2.2.2. Realce-se o facto de que o n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2015/849/EU, de 20 de maio de 2015, reproduz o n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva 2005/60/CE, qualificando "ipsis verbis" como «instituição financeira», nos termos da alínea d), "um organismo de investimento coletivo que comercialize as suas ações ou unidades de participação", não se fazendo qualquer distinção quanto à forma jurídica que os OIC´s possam revestir ou à composição da sua carteira de fundos.

Temos, assim, que na alínea d) de ambos os diplomas o legislador qualifica as empresas de investimento coletivo que comercializem as suas unidades de participação ou ações de instituição financeira. Estará o fundo de investimento imobiliário também aqui previsto?

 

1.2.2.3. Importa, ainda, referir a Diretiva 2011/61/EU (relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos) que no seu artigo 4.º, n.º 1, alínea a), define Fundo de investimento alternativo (FIA) como sendo um organismo de investimento coletivo que "reúna capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimento definida em benefício desses investidores" e "não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.º da Diretiva 2009/65/CE". Relativamente a este segundo requisito deve entender-se que o presente fundo de investimento também o preenche, porquanto não é um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e esta diretiva "coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários". Resulta do exposto, que o FII é assim qualificado uma subespécie de FIA, que, por sua vez, é uma subespécie de "empresas de investimento  coletivo".

 

1.2.2.4. Sobre a matéria relativa à qualificação dos fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, já objeto de estudo, considera-se que:

Existe, uma grande coincidência entre as atividades exercidas pelas SCR e as atividades que, nos termos da Diretiva 2006/48/CE e da Diretiva 2013/36/UE, habilitam uma entidade a qualificar-se como "instituição financeira", na medida em que tal definição abrange uma instituição "que não sendo uma instituição de crédito, tem como atividade principal a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15", das referidas diretivas, onde se incluem, nomeadamente, a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão, a consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas, a gestão de carteiras, a custodia e administração de valores mobiliários.

Os FCR, embora sejam qualificados organismos de investimento coletivo [A recente publicação do Regulamento (UE) n.º 345/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de abril de 2013 relativo aos fundos europeus de capital de risco veio responder à necessidade de definição de um quadro comum de regras relativas à utilização da designação «EuVEGA» para qualificar os fundos de capital de risco europeus, em especial no que se refere à composição da carteira dos fundos que operam sob esta designação, aos seus objetivos de investimento elegíveis, aos instrumentos de investimento que podem utilizar e as categorias de investidores elegíveis para neles investir, segundo regras uniformes em toda a União.» (cfr., Considerando 2)], não integram a categoria de instituições de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) por não serem abrangidos pela Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, sendo incluídos na categoria de "Fundos de Investimento Alternativo" (FIA) [Nos termos do artigo 4.º. n." 1, alínea a) da Diretiva 2011/61/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos, um FIA é definido como: um organismo de investimento coletivo, incluindo os respetivos compartimentos de investimento que, (i) reúne capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimentos definida em benefício desses investidores: e (ii) não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.° da Diretiva 2009/65/CE.].

De qualquer modo, quanto a saber se os FCR podem caber na qualificação de instituição financeira, a nosso ver é possível incluí-los no elenco de entidades constante do n.º 2 do artigo 3.° da Diretiva 2005/60/CE, mas para dissipar qualquer dúvida, bastará remeter para a proposta de diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras [COM(2013)71 final, de 14.02.2013.], cujo artigo 2.° (8), alínea g) qualifica como instituição financeira "Um fundo de investimento alternativo (FIA) e um gestor de fundos de investimento alternativos (GFIA), na aceção do artigo 4.°, da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho", de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos.

Pelo exposto, no quadro da legislação comunitária relevante, pode considerar-se que, tanto as SCR como os próprios FCR, podem ser inseridos na categoria de "Instituições financeiras".

 

1.3. Do exposto, verifica-se que do mesmo modo que um fundo de capital de risco deve ser qualificado como FIA, e, como tal, é uma "Instituição Financeira", também o fundo de investimento imobiliário em análise deve, igualmente, ser qualificado como tal.

 

CONCLUSÃO

O fundo de investimento imobiliário … é qualificado como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estará isento de imposto do selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas.

 

Assim, pelos fundamentos referidos, é de entender que o Fundo constitui uma instituição financeira, para efeito da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

4.2. Questão da falta de prova de que as liquidações se reportam a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 17.1.4 da TGIS

 

Os obstáculos essenciais colocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, à pretensão da Requerente são relativos à prova de que as liquidações de Imposto do Selo efectuadas pelo C..., S.A, se enquadram na referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que não está provado que as liquidações de Imposto do Selo resultam de contrato de empréstimo celebrado entre a Requerente e a instituição bancária, que foi apresentada uma  declaração  da  entidade  bancária,  mas  sem  qualquer  suporte documental (sejam as guias de pagamento de IS aí mencionadas, seja outro documento que sustente as operações aí alegadas) e que os  extratos  bancários  juntos  com  o  pedido de pronúncia arbitral  não  permitem  identificar  a  que acto/operação respeita o pagamento aí referido, nem mesmo sendo possível tal identificação com as guias de pagamento os Imposto do Selo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que «ainda que as guias de pagamento  de IS  tivessem  sido  juntas,  também  sempre seriam  insuficientes  para  comprovar  que  respeitam  a  IS  relativo  àquelas operações/entidade  titular  do  encargo  do  imposto,  porquanto  mencionam  apenas  um valor global, não sendo junto qualquer elemento que permita apurar quais os concretos valores individuais aí contidos».

Na sequência da Resposta, a Requerente apresentou novos documentos, sobre que se pronunciou a Autoridade Tributária e Aduaneira, reafirmando a sua posição e dizendo que «não  existem  quaisquer  declarações  complementares apresentadas junto da AT que permitam concluir com rigor que o imposto ora contestado respeite  sequer  aos  valores  inscritos  nas  guias  de  imposto  do  selo  entregues, correspondentes aos períodos em causa - 2015 e 2016».

Como resulta da prova produzida, confirmou-se que a Requerente celebrou o contrato de abertura de crédito por descoberto em conta que invocou e cuja cópia foi junta aos autos.

No que concerne às guias de pagamento são identificadas pela Requerente através dos seus números e, tratando-se de documentos entregues à Autoridade Tributária e Aduaneira, o  ónus da prova dos factos que delas constam  «considera-se satisfeito» nos termos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, pois o interessado procedeu à correcta identificação desses documentos e não é sequer aventado que os números indicados estejam errados ou não tenham sido efectuados os pagamentos.

Por outro lado, os extractos bancários juntos com o pedido de pronúncia arbitral contêm indicação do débito à Requerente das quantias que refere, com indicação de «IS-Verba 17.1.4. TGIS/S/COM», o que indica que se trata de Imposto do Selo sobre utilização de crédito aí previsto, em que se inclui a utilização sobre a forma de descoberto bancário, que ´a prevista no Contrato.

Existindo um contrato de abertura de crédito por descoberto bancário entre o Fundo e o Banco é de presumir, à face das regras da experiência comum e de normalidade, que o Imposto do Selo liquidado com indicação de que as liquidações se baseiam na verba 17.1.4  respeitam à utilização de crédito por descoberto bancário, que é a situação nesta prevista.

Na verdade, o objectivo do contrato é, precisamente, permitir a utilização de crédito por descoberto bancário e, por isso, se é liquidado Imposto do Selo com fundamento na norma que prevê a tributação da utilização de crédito dessa forma, é de presumir que foi essa utilização que foi tributada, quando não se vislumbra, nem sequer é aventado, que as liquidações se reportem a qualquer facto de outro tipo.

Afinal, a prova de que as liquidações se reportam à utilização de crédito enquadrável na verba 17.1.4. foi implicitamente considerada suficiente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao receber as quantias liquidadas, sem efectuar qualquer correcção ou pedir quaisquer esclarecimentos ao Banco ou ao Fundo.

Assim, é de considerar demonstrado que foram debitados à Requerente os valores em causa (com excepção dos que se indicam nos factos não provados) que foram entregues à Autoridade Tributária e Aduaneira através das guias identificadas nos autos e que se reportam a liquidações de Imposto do Selo efetuadas em cumprimento da verba 17.1.4 da TGIS.

De qualquer modo, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem aventa sequer que os tributos não se reportem a utilização de crédito por descoberto e, se existissem hipotéticas dúvidas, elas seriam fundadas pelo que se referiu, pelo que teriam de ser valoradas para favor do contribuinte, por forma do preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o que se reconduz processualmente a considerar provada a alegação da Requerente.

Pelo exposto, as liquidações referidas, na parte em que se provou terem sido repercutidas no Fundo, estão abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que, sendo ilegais, devem ser anuladas, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, na parte respectiva. 

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Como consequência da anulação das liquidações, o Fundo tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas (artigo 100.º da LGT).

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-06-2018 e não foi decidido, não tendo decorrido mais de um ano depois de apresentado o pedido.

Assim, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar o Fundo parte ilegítima e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto às partes das liquidações, nos montantes seguintes, que incidiram sobre juros, a que se referem as seguintes Guias de Imposto do Selo:

– Novembro de 2014 – Guia n.º..., no montante de € 8.590,45;

– Dezembro de 2015 – Guia n.º..., no montante de € 7.311,43

                – Janeiro de 2016 – Guia n.º..., no montante de € 6.028,80;

                – Fevereiro de 2016 – Guia n.º..., no montante de € 5.128,73;

                – Março de 2016 – Guia n.º ..., no montante de € 5.402,72;

                  Abril de 2016 – Guia n.º..., no montante de € 5.059,35;

                – Maio de 2016 – Guia n.º..., no montante de € 5.083,08;

b)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações e partes restantes das liquidações, nos montantes seguintes, a que se referem as seguintes Guias de Imposto do Selo:

                – Guia n.º..., nos montantes de € 13.292,34 + € 38.453,99;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 13.431,12 + € 43.930,56;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 13.360,76 + € 38.975,81;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 12.378,07 + € 41 515,70;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 11.228,79 + 35.893,30;

                – Guia n.º..., no montante de € 31.647,60;

                – Guia n.º ..., nos montantes de € 9.508,83 + € 37.284,55;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 9.546,39 + € 33.870,98;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 8.449,04 + € 31.174,61;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 9.337,14 + € 35.590,69;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 9.335,93 + € 34 407,86;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 9.526,41 + € 33.051,82;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 8.824,44 + € 34.801,32;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 8.651,28 + 31 913,68;

                – Guia n.º..., nos montantes de € 7.374,34 + € 31.134,98;

                – Guia n.º..., no montante de € 34.148,89;

                – Guia n.º..., no montante de € 26 669,74;

– Guia n.º..., no montante de € 24.389,54;

                – Guia n.º..., no montante de € 27.572,79;

                – Guia n.º..., no montante de € 24.028,00;

– Guia n.º..., no montante de € 26.240,41;

 

c)            Anular as liquidações e partes das liquidações referidas na alínea anterior, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte respectiva;

d)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia de € 840.941,70;

e)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 883.546,26.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.546,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 4,82% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 95,18%.

 

 

Lisboa, 13-05-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Mariana Vargas)

(Adelaide Moura)