Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 398/2018-T
Data da decisão: 2019-04-29  IRC  
Valor do pedido: € 320.788,82
Tema: IRC – Especialização de exercícios
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Miguel Luís Cortês Pinto de Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Agosto de 2018, A..., UNIPESSOAL, LDA., , NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., União das Freguesias da ..., ... e ..., concelho da ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC n.º 2017..., no valor de €320.788,82.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese que devia ser tributada pela indemnização a que teve direito, da parte da Câmara Municipal de ..., no ano de 2006, não devendo ser tributada em 2016, tendo-se verificado a violação do princípio da periodização do lucro tributável.

Subsidirariamente, considera a Requerente que deveria ser tributada apenas pelo valor efectivamente recebido em 2016, e não pela totalidade da indemnização acordada com a C.M. de ... .

 

  1. No dia 21-08-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 09-10-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29-10-2018.

 

  1. No dia 20-12-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que está, e estava, em 2016, registada no cadastro para o exercício da actividade de “Compra e venda de bens imobiliários”, CAE 68100.
  2. Os prédios que constituíam a “...”, com 83.000m2, inscrita na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ..., e a “...”, inscrita na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ..., eram propriedade da Srª. B... .                                                                                                                                                                                                    
  3. Em 26-01-1996, foi celebrada uma escritura de doação, através da qual a B... cedeu ao Município de ... uma parcela de terreno com a área de 38.875 m2 , a destacar do prédio rústico designado “...”.
  4. Na referida escritura, foi atribuída à referida parcela o valor de 19.437.500,00 escudos.
  5. A Srª. B... doou, ainda, ao Município de ... uma área de 11.675m2, à qual foi atribuído o valor de 10.000.000,000 escudos, assim como o terreno indispensável para a abertura de um arruamento de acesso.
  6. O referido terreno destinava-se à construção e instalação de um estabelecimento de ensino superior.
  7. Da escritura constava que o terreno era cedido pelo prazo de 99 anos renováveis.
  8. Como contrapartida pela cedência do terreno, o Município de ... obrigou-se a, mediante deliberação e no exercício das competências do seu órgão executivo, licenciar nos terrenos referidos, sobrantes das cedências feitas, a construção de várias habitações e blocos habitacionais.
  9. Na cláusula décima da escritura é referido que “o prazo para a apresentação à Câmara Municipal do projeto de loteamento pela representada do primeiro outorgante será de dez anos a contar desta data”.
  10. Na cláusula nona da escritura ficou escrito que, se por razões imputáveis ao Município, não fosse possível a construção de qualquer um dos blocos previstos na planta anexa e respectivo regulamento, a Câmara Municipal indemnizaria a Sra. B... ou quem fosse proprietário do terreno, de acordo com o seguinte critério: por cada 130m2 correspondentes a uma habitação de tipo três a menos de construção, caberia uma indemnização de 3 milhares de escudos, sendo este valor actualizado anualmente de acordo com o índice de inflação oficial, “contado desde a data de assinatura da escritura e até à de recusa de construção.”.
  11. Em 22-05-1997, a Requerente adquiriu à Sra. B... o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ..., denominado “...”, pelo preço de cento e trinta milhões de escudos.
  12. Em 30-03-2004, a Requerente adquiriu ao Sr. C... e esposa o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo ..., designado “...”, pelo preço de €500.000,00.
  13. A Requerente elaborou os projectos de construção relativamente aos prédios que se enquadravam nas regras do Plano do Diretor Municipal (PDM), assim como o plano de pormenor.
  14. Não foi possível a edificação dos blocos A, B, C, D e metade do F, 7 pisos e bloco G, N, metade do O e parte do Q, seis pisos.
  15. A área de construção autorizada não ultrapassava os 24.727m2.
  16. Em 07-08-2008, a Requerente interpôs uma ação administrativa comum sob a forma ordinária contra o Município de ... .
  17. Nesta acção, a Requerente peticionou a condenação do Município no pagamento de uma indemnização de €14.963,94 por cada 130m2 de construção possível em falta, actualizada pelos índices de inflação, acrescida de juros à taxa comercial desde a citação do réu até integral pagamento, assim como da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil.
  18. Por sentença proferida em 23-20-2013, o Tribunal decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando o Município de ... a pagar à Requerente a quantia a liquidar em sede de liquidação de sentença, pela aplicação do valor de €14.963,94, quantia a ser actualizada de acordo com os índices anuais e inflação, a cada 130m2 de construção a menos que resultasse da diferença entre a área de construção dos edifícios correspondentes aos blocos A, B, C, D, metade do F, G, N, metade do O e parte do Q.
  19. O Município de ... foi ainda condenado a pagar juros à taxa dos juros civis desde a citação até efectivo e integral pagamento, assim como juros de mora à taxa de 5% ao ano, desde a data do trânsito em julgado da decisão até efectivo e integral pagamento.
  20. O Município de ... interpôs recurso da sentença dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo.
  21. A Requerente e o Município celebraram uma transação nos termos da qual a primeira reduziu o pedido à quantia de €2.250.000,00, sendo essa quantia a pagar em 48 prestações.
  22. A primeira prestação era de €250.000,00, a ser paga até ao último dia do mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da transação e, as restantes 47, no valor de €42.553,20 cada, vencendo-se a primeira destas no dia 15 do mês seguinte ao do vencimento daquela, e assim sucessivamente.
  23. Em 22-01-2016, foi declarada extinta a instância, em virtude da homologação da referida transacção.
  24. A Requerente recebeu, em 2016, o valor de €675.532,00, relativo a onze prestações da transacção celebrada.
  25. Em 25-05-2017, a Requerente submeteu a declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2016.
  26. A Requerente reconheceu como rendimento do período de 2016 o montante de €2.250.000,00 estabelecido no acordo de transacção homologado por sentença jurisdicional.
  27. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao ano de 2016, da qual resultou imposto a pagar no montante de €320.788,92.
  28. Em 29-05-2017, a Requerente procedeu ao pagamento da referida liquidação de IRC.
  29. Em 06-03-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto o referido acto de autoliquidação.
  30. Até à data da apresentação do pedido arbitral, a Requerente não havia sido notificada da decisão da reclamação graciosa, pelo que presumiu o seu indeferimento tácito.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            A primeira questão que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, é a de saber se o rendimento da Requerente proveniente da indemnização com base em responsabilidade civil contratual, devido pela C.M. de ..., fixado definitivamente pela transacção homologada judicialmente a 22-01-2016, deve ser tributado como rendimento do exercício correspondente a esse ano, ou se, pelo contrário, tal rendimento deve ser imputado ao exercício de 2006, ano em que ocorreram os factos que fundaram a responsabilidade, ressarcida pela indemnização referida.

            Como factos relevantes, em suma, temos que:

                        - A Requerente sucedeu num contrato, cuja violação, no ano de 2006, fundamentou um pedido de indemnização, com base em responsabilidade civil contratual, contra o município de ..., formulado em acção administrativa comum, intentada a 07-08-2008;

                        - Por sentença datada de 23-20-2013, foi o município de ... condenado a pagar à Requerente, indemnização, fundada na referida violação contratual, a liquidar em execução de sentença;

                        - A referida sentença foi objecto de Recurso;

                        - Por transacção homologada judicialmente a 22-01-2016, foi acordado entre as partes (Requerente e município), o valor a pagar, a título da referida indemnização, no valor de €2.250.000,00, a pagar em 48 prestações.

                        - A Requerente apenas declarou o referido rendimento de €2.250.000,00, na sua declaração de imposto relativa ao exercício de 2016.

            Vistos estes factos, que não são disputados, cumpre apurar o Direito.

 

*

            Dispõe o art.º 18.º/1 do CIRC 2016, que:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

            Sendo, a seguinte, a redacção daquela norma em vigor no ano de 2006:

“1 - Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

            Com interesse, dispõe ainda o art.º 20.º/1/i) do CIRC 2016 que:

“1 - Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)

i) Indemnizações auferidas, seja a que título for;”

            Sendo a correspondente redacção do art.º 20.º/1 do CIRC 2006 a seguinte:

“1 - Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de:(...)

g) Indemnizações auferidas, seja a que título for;”.

 

*

            Relativamente à questão acima colocada, haverá que concluir, sem grandes dificuldades, que não assiste qualquer razão à Requerente, face aos factos apurados e ao direito aplicável.

            A Requerente assenta, essencialmente a sua argumentação em parecer junto aos autos, o qual, ressalvado o respeito devido, não se pode acolher, por assentar em pressupostos e premissas que não têm correspondência com o caso.

            Assim, e desde logo, o referido parecer assenta na Directriz Contabilística 26, vigente em 2006.

            Ora, esta directriz tem por objecto, expressamente, “definir o tratamento contabilístico respeitante ao rédito proveniente de determinados tipos de transacções e acontecimentos, designadamente, a venda de bens, a prestação de serviços e a utilização por outrém dos activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.”.

            Ora, o certo é que não está em causa na situação sub iudice nenhuma transacção ou acontecimento da índole dos referidos.

            Designadamente, e ao contrário que enquadramento feito no parecer apresentado pela Requerente, não se pode, de forma alguma, ratificar o entendimento de que a indemnização “mais não é do que a “compra” da capacidade construtiva que lhe foi prometida e não efetivada”, entendimento que não tem qualquer sustentação jurídica, sendo inclusive, contraditória nos seus próprios termos, já que se foi “prometida e não efetivada”, a “capacidade construtiva” (dando de barato que tal possa ser um objecto de direitos, tal como definido pelos art.º 202.º e ss. do Código Civil), por definição, não chegou a existir, não podendo por isso ser vendida e comprada...

            Ao contrário, também, do que é concluído no parecer em análise, a quantia da indemnização não se tornou exigível e quantificável no ano de 2006. Com efeito, e como se verá de seguida, em 2006 a indemnização não era certa, líquida e exigível.

 

*

            Conforme resulta do art.º 18.º/1 do CIRC, em ambas as redacções passíveis de aplicação à situação sub iudice, os rendimentos ou proveitos são imputáveis ao determinado período de tributação em que são obtidos, independentemente do seu pagamento, sendo que, no caso das indemnizações, estas constituem rendimento do período em que são “auferidas” (art.º 20.º/1/i do CIRC/2016 e art.º 20.º/1/g) do CIRC 2006).

            Nos termos do n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, em ambas as redacções, “a lei admite (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.”[2].

            Conforme tem sido jurisprudencialmente entendido, que “Para efeitos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “as componentes positivas ou negativas” não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há-de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que aquele não pode controlar”[3], e que “como também explicita o n.º 2 desse artigo 18.º, as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis a esse período de tributação quando na data de encerramento das contas do exercício a que respeitam eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”[4].

            Numa situação transponível para o caso sub iudice, entendeu já o STA que “Antes da aprovação de uma candidatura a subsídios pelas entidades oficiais competentes não pode haver uma certeza ou segura previsibilidade de que eles serão concedidos, imperando a imprevisibilidade quanto à sua aprovação e ao crédito que será concedido, o que obsta à sua imputação no exercício económico da candidatura. Tal imputação impõe-se no exercício em que ocorre a aprovação da candidatura, independentemente do recebimento do subsídio neste exercício.”[5].

            Da mesma forma, antes da sentença transitada em julgado que julgue procedente um pedido de condenação em indemnização por responsabilidade (no caso) contratual, não pode haver uma certeza ou segura previsibilidade de que aquela será concedida.

            Com efeito, desde óbices processuais, até à possibilidade, pelo menos potencial, de procedibilidade das questões que sejam levantadas pelo demandado em tal acção, em sua defesa, não se pode ter como certo e seguro que a indemnização peticionada será deferida.

            Com efeito, em questão nos autos, está uma indemnização, fundada em responsabilidade civil contratual, por factos ocorridos em 2006.

            Segundo o art.º 798.º do Código Civil, são pressupostos da responsabilidade civil contratual:

  1. O dano;
  2. A ilicitude (falta de cumprimento da obrigação);
  3. A culpa.

Ora, a indemnização só será concedida, cumpridos os pressupostos formais e processuais, provados que sejam em juízo os referidos pressupostos.

Até lá, o demandante pode ter uma expectativa, mais ou menos fundada, na procedência do processo judicial que intentou. Mas nunca uma certeza ou segura convicção daquela procedência. E assim também nunca uma certeza ou segura previsibilidade de que a indemnização lhe será concedida.

            Daí que o TCA-Norte já tenha, taxativamente, afirmado que “As «Indemnizações auferidas, seja a que título for» estão sujeitas a tributação em IRC como um proveito do exercício em que forem recebidas, nos termos dos arts. 18.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, alínea g), do CIRC.”[6].

Conforme se viu já, a Requerente assenta essencialmente o cerne da sua argumentação, sob o ponto de vista contabilístico, na Directriz Contabilística 26, que, pelos motivos previamente expostos, não se crê ter cabimento ao caso.

No POC, como é consabido, não existia nenhuma Directriz Contabilística (DC) específica para regular o tratamento das provisões e activos contingentes.

            No entanto, o SNC, na NCRF 21, veio especificamente tratar dos activos contingentes, referindo, no ponto 30, que “Uma entidade não deve reconhecer um activo contingente” e esclarecendo no ponto 31 que “Os activos contingentes surgem normalmente de acontecimento não planeados ou de outros não esperados que dão origem à possibilidade de um influxo de benefícios económicos para a entidade. Um exemplo é uma reivindicação que uma entidade esteja a intentar por intermédio de processos legais, quando o desfecho seja incerto.[7].

            Previamente à entrada em vigor do SNC, já era possível chegar à mesma solução, por via da IAS 37.

            Nesta, pode ler-se que: “Em casos raros, por exemplo numa acção judicial, pode não ser claro se uma empresa tem uma obrigação presente[8], e que “A Norma define um activo contingente como um possível activo que surja de acontecimentos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob o controlo da empresa. Um exemplo é uma reivindicação que uma empresa esteja a intentar por meio de processos legais, em que o desfecho seja incerto.[9].

            Mais se lê naquela IAS 37[10], que “Um acontecimento que cria obrigações é um acontecimento que cria uma obrigação legal ou construtiva que faça com que uma empresa não tenha nenhuma alternativa realista senão liquidar essa obrigação.”.

            Ora, os acontecimentos reportados a 2006, nos quais a Requerente fundou a sua pretensão de ser indemnizada pela C.M. de ..., e que, judicialmente intentou fazer valer, previamente ao seu reconhecimento judicial definitivo, eram acontecimentos que criassem  um activo contingente que fizesse com que a Requerente não tivesse nenhuma alternativa realista senão divulgar esse activo contingente no Anexo ao balanço e demonstração de resultados, sem o reconhecer contabilisticamente.

            Daí que, ao contrário do que sustenta a Requerente, o direito à indemnização que lhe foi, definitivamente, reconhecido pela transacção homologada judicialmente a 22-01-2016, não era, até essa data, um activo reconhecível, mas, meramente, um activo contingente, que, apenas a partir daquela data de 22-01-2016 podia e devia ser reconhecido nas suas contas.

            Daí que nada haja a censurar à autoliquidação contra a qual se insurge, devendo, nessa parte, improceder o pedido principal.

 

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            Pretende ainda a Requerente, subsidiariamente, que, improcedendo o pedido principal, como é o caso, se considere que no exercício de 2016 apenas se devam ter como tributáveis os montantes efectivamente percepcionados nesse ano, e não a totalidade da indemnização acordada na transacção homologada judicialmente a 22-01-2016.

            Relativamente a esta matéria, haverá que considerar que os argumentos que a Requerente esgrime, no sentido de não se considerarem tributáveis no exercício de 2016 os ganhos referentes à indemnização em questão nos presentes autos, são os mesmos que justificam que tais ganhos sejam tributados, na totalidade, naquele mesmo exercício.

            Com efeito, ao contrário do que a Requerente sustenta, como se viu previamente, julga-se que o direito à percepção do montante de €2.250.000,00, a título de indemnização por danos emergentes de responsabilidade contratual por factos reportados a 2006, apenas se tornou certo e previsível em 2016, por força da transacção homologada judicialmente a 22-01-2016.

            A partir daí, haverá que, como sustenta a Requerente a propósito do pedido principal, proceder à aplicação do art.º 18.º/1 do CIRC/2016, na medida em que impõe a imputabilidade do ganho ao período de tributação em que seja obtido, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

            Ou seja, por previsão expressa da lei fiscal, não relevará para a periodização do lucro tributável o efectivo recebimento ou pagamento do direito reconhecido à Requerente, pela transacção homologada judicialmente a 22-01-2016.

            Como se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral 229/2017T do CAAD[11], “Não existia, além disso, à data de 31 de dezembro de 201[6], qualquer incerteza quanto à previsibilidade ou conhecimento da obtenção daquele rendimento e do seu montante. Para mais, este contrato tem como devedor um Município, entidade pública a quem, por natureza, nunca faltarão os meios para o cumprimento da prestação (ao contrário de uma pessoa coletiva de direito privado que no limite poderia ser declarada insolvente antes do pagamento completo). Por último, não resulta do contrato de transação nenhum elemento que ponha em causa a certeza do rédito.”, sendo que “O facto de o pagamento ser feito em prestações não contradiz esta conclusão na medida que o IRC se rege por um princípio de acréscimo e não de caixa.”.

            Será, de resto, a esta luz que se deverá ler o Acórdão do TCA-Norte, acima citado, que afirma que “As «Indemnizações auferidas, seja a que título for» estão sujeitas a tributação em IRC como um proveito do exercício em que forem recebidas, nos termos dos arts. 18.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, alínea g), do CIRC.”, na medida em que da respectiva fundamentação nada emerge no sentido de que as indemnizações auferidas seja a que título for, devam ser tributadas como proveito no exercício em seja efectuado o correspondente pagamento, e não, como determina o art.º 18.º/1 do CIRC, expressamente citado no referido Acórdão, no exercício em que o direito ao seu recebimento se consolide na esfera jurídica da entidade credora, de forma certa e previsível.

            Assim, e como se escreveu no Acórdão do STA de 14-03-2018, proferido no processo 0716/13, “O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.”.

            Desta forma, e pelo exposto, deve, igualmente, improceder o pedido subsidiário formulado pela Requerente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida do pedido,
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 320.788,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Abril de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

O Árbitro Vogal

 

(Miguel Luís Cortês Pinto de Melo)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2]Ac. do TCA-Sul de 03-03-2016, proferido no processo 04403/10.

[3] Ac. do STA de 25-06-2008, proferido no processo 0291/08.

[4]Ac. do STA de 04-07-2018, proferido no processo 01432/17.

[5] Ac. do STA de 03-04-2013, proferido no processo 0963/12.

[6]Ac. de 16-02-2006, proferido no processo 00114/04.

[7] Sublinhado nosso.

[8] Ponto 4.

[9]Ponto 20.

[10] Ponto 10 (“Definições”).