Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 559/2018-T
Data da decisão: 2019-04-23  IMI  
Valor do pedido: € 6.999,64
Tema: IMI – Adicional – AIMI – Constitucionalidade – Princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede social em ..., ..., ..., veio ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 12-11-2018, visa a anulação do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... através do qual procedeu ao indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017... do ano de 2017, no valor total €6.999,64 (seis mil, novecentos e noventa e nove euros e sessenta e quatro cêntimos) bem como a anulação desta liquidação, com as legais consequências.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23-01-2019.

 

8. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida. Caso assim se não entenda, requer, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público da decisão arbitral.

 

9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

10. Assim, por despacho de 03-03-2019, oportunamente notificado, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido um prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas e fixado o dia 30-04-2019 como data limite para prolação e notificação da decisão final.

 

11. Apenas a Requerida apresentou alegações escritas, reafirmando a posição já anteriormente expressa na Resposta oportunamente apresentada.

 

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

14. O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. Matéria de facto

 

15. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

15.1. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua actividade no sector imobiliário.

 

15.2. Segundo consta da respetiva inscrição matricial, a Requerente era, em 01-01-2017, proprietária de diversos prédios urbanos, da espécie terreno para construção, sendo o somatório dos respetivos valores patrimoniais tributários de € 1 749 910,00 (Doc. 3). Os prédios em causa encontram-se inscritos na contabilidade da Requerente como existências (inventários) (Doc.4).

 

15.3. Em 30-06-2017 foi emitida pelos Serviços Tributários a respetiva liquidação de AIMI n.º 2017..., associada à nota de cobrança 2017..., em que foi apurado o montante de € 6 999,64 por aplicação da taxa 0,4% sobre o valor tributável de € 1 749 910,00, para pagamento voluntário no decurso do mês de Setembro (Doc.3).

 

15.4. Em 29-09-2017, a Requerente efetuou o pagamento da importância constante da nota de cobrança acima referida (Doc.4).

 

15.5. Em 29-01-2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida, que originou o processo n.º ...2018... do Serviço de Finanças de ... .

 

15.6. Fundamentando o pedido de anulação da liquidação de AIMI acima referida, a Reclamante alega, no essencial, que:

 

“- O AIMI trata de forma manifestamente desigual sem qualquer fundamento material de suporte as empresas proprietárias de imóveis destinados ao exercício de uma atividade económica, relativamente às empresas que pelo mesmo motivo, são proprietárias de imóveis classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, os quais são isentos de AIMI.

 

- Os terrenos para construção detidos por empresas que prosseguem atividades imobiliárias não correspondem a um qualquer “património imobiliário de luxo”, mas tão só existências – que podem ser vendidos ou onde, potencialmente, podem ser construídos bens destinados a venda ou exploração.

 

- A tributação aqui em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade – na medida em que o facto de ter no seu inventário um terreno para construção ou imóvel para venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser tributada o que é tão mais evidente quando se constata que outras empresas detentoras de imóveis de idêntico VPT igualmente destinados à sua atividade não estão sujeitos a semelhante tributação.

 

- Quando na feitura das normas ocorrem desvios ao imperativo original que preside à tributação – as normas em causa são claramente inconstitucionais, por violação do princípio da capacidade contributiva, pois os contribuintes não são tributados de acordo com a sua capacidade económica, nem por causa dos factos relativamente aos quais se justifica a incidência de imposto.

 

- O princípio da igualdade exige que seja dado tratamento igual a situações com as mesmas características, impedindo o árbitro legislativo sempre que este tente prosseguir finalidades que sem fundamento material bastante, prejudicam alguns contribuintes face a outros.

 

- É forçoso concluir que, ao incidir sobre a propriedade de imóveis destinados ao exercício de uma atividade económica e na medida em que se encontra completamente destituída de qualquer fundamento, deve ser desaplicado o artigo 135.º-B, n.º 1, do CIMI, por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º. n.º 3, da CRP, devendo, consequentemente, ser declarada ilegal a liquidação.

 

- A norma legal em causa é manifestamente desequilibrada, desconforme e desadequada à prossecução do fim legal, pelo que a mesma é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.”

 

15.7. A reclamação deduzida contra a liquidação de AIMI, suportada na fundamentação de inconstitucionalidade da norma do artigo 135.º-B, n.º 1, do CIMI, nos termos atrás sucintamente referidos, após ter sido assegurado o direito de audição prévia, foi objeto de decisão de indeferimento por despacho de 03-08-2018, proferido no uso de competência delegada do Diretor de Finanças do Porto (Doc.1).

 

15.8. A decisão em causa, notificada à Requerente através do ofício n.º 2018... do Serviço de Finanças da ..., de 09-08-2018, remete para a proposta de decisão, nos termos e com os fundamentos dela constantes, de que se destaca:

 

APRECIAÇÃO DO PEDIDO

 

O Adicional ao Imposto sobre Imóveis (AIMI) foi introduzido no ordenamento jurídico-tributário português pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017) e é um imposto pessoal e que incide sobre o património imobiliário.

 

Nos termos do artigo 135.º-A do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português. O n.º 3 do mesmo artigo diz-nos que a qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos do artigo 8.º do presente código com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de Janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.

 

Refira-se que o n.º 4 do artigo 8.º do CIMI define um desses critérios estabelecendo a presunção que é proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz.

 

O n.º 1 do artigo 135.º-B do CIMI, dispõe que “O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.”

 

O artigo 135.º-C dispõe que: “1 - O valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.”

 

O n.º 1 do artigo 135.ºG do CIMI, prevê que o adicional do imposto é anualmente liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), “com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita.”

 

Logo o cômputo do imposto vai-se basear num registo administrativamente mantido e que engloba a informação necessária ao lançamento do mesmo e à determinação da prestação tributária.

 

Para o efeito, a AT dá iniciativa oficiosa aos procedimentos de liquidação com base nos dados inscritos nas matrizes prediais e com efeitos à data do facto tributário – 1 de Janeiro do ano a que respeita o imposto – recorrendo aos valores patrimoniais (matéria tributável) e aos sujeitos passivos nela averbados como titulares dos direitos reais de gozo dos imóveis (incidência subjetiva).

...

Relativamente ao alegado pela reclamante de que a legislação invocada é manifestamente inconstitucional (por violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade) importa desde logo referir que não cabe à AT, nos termos do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) apreciar o alegado vício de inconstitucionalidade das normas que sustentam a liquidação do AIMI – constatando-se que a lei da qual aquelas constam foi promulgada e mandada publicar pelo Presidente da República nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 134.º da CRP, pelo que cabe à AT liquidar e cobrar o tributo em causa, na qualidade de sujeito ativo da relação tributária.

 

Efetivamente, cabendo, como cabe, aos Tribunais a apreciação da (in)constitucionalidade, não pode a administração tributária, que se encontra na dependência hierárquica do executivo, substituir-se aos tribunais, e sindicar a constitucionalidade das leis que lhe cumpre aplicar.

 

No sentido do que foi supra referido importa trazer à colação o Acórdão do STA, de 2009-01-21, Proc. 0811/08, que nos diz que “A norma em questão consta do Decreto-Lei, que é um ato legislativo proveniente do exercício pelo Governo da função legislativa. E, nessa medida, não há dúvida que estamos perante uma norma legislativa, pelo que a apreciação de declaração da sua eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade cabe ao Tribunal Constitucional (art. 281.º, n.º 1, alíneas a) e b) da CRP, estando excluída da jurisdição administrativa e fiscal.

 

Pelo contrário, à luz do princípio da legalidade, a que está subordinada a sua atuação, a AT não pode deixar de aplicar a lei e cumpri-la.

 

Efetivamente, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade (art.º 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas tais como as que se referem a direitos, liberdades e garantias, vide Acórdão do STA, de 04-03-2015, Proc. 01529/14.

 

Do exposto resulta pois que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a AT recusar a obedecer a uma norma que eventualmente considere inconstitucional substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade.

 

Por último, refira-se ainda que não nos é conhecida qualquer intervenção em termos da fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade do AIMI, que possa colocar em causa os actos tributários praticados em virtude do mesmo.

 

CONCLUSÃO

Pelo exposto sob do parecer que a reclamação deve ser indeferida, dado que a liquidação do AIMI N.º 2017..., associada a nota de Cobrança 2017..., do ano de 2017, aqui reclamada cumpre com todas as formalidades legais, impostas pelo CIMI.”

 

16. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

17. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral na eventual inconstitucionalidade das normas em que se suporta a questionada liquidação de AIMI, no entendimento de que as mesmas violam os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.

 

18. Extraindo da norma do artigo 135.º-B, n.º 1, do CIMI que o AIMI incide sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação, na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência, entende a Requerente que a referida norma padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, bem como por violação do princípio da proporcionalidade.

 

19. Por seu lado, sustenta a Requerida que, “o AIMI incidente sobre as pessoas coletivas e estruturas equiparadas reveste a natureza de um imposto real sobre o património imobiliário constituído por prédios urbanos que preenchem os tipos visados pelo n.º 2 do artigo 135.º-B, independentemente das classes do ativo em que se encontram inscritos – inventários, ativo fixo tangível ou ativo não corrente detido para venda – pelo que, a Requerente encontra-se sujeita ao AIMI pelos prédios urbanos de que seja proprietária, usufrutuária ou superficiária que preencham as condições enunciadas naquele preceito do Código do IMI.”

 

Posição da Requerente

 

20. Em suporte da posição que defende, a Requerente sustenta, em síntese, que:

 

- Como é sabido, o AIMI veio substituir o anterior modo de tributação do “património imobiliário de luxo”, cuja taxa estava prevista na Verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012 e pela Lei n.º 83-C/2013.

 

- Não obstante o AIMI ter sido equacionado para continuar a tributação sobre imóveis de luxo e, bem assim, suprir muitas das falhas que haviam sido apontadas à Verba 28. do Imposto do Selo, os seus contornos apresentam diversas divergências do regime inicial.

 

- Efetivamente, ao criar o AIMI, o legislador procurou responder a algumas das críticas que haviam sido suscitadas pela redação da Verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e que, consequentemente, levaram à sua revogação.

 

- Considerando que é inegável o paralelismo entre a Verba 28. e a configuração atual do AIMI, pretende a ora Impugnante demonstrar que o AIMI padece dos mesmos vícios que o seu precedente – sobretudo porque, relativamente aos imóveis essenciais na obtenção de rendimentos no âmbito da atividade económica, carece de idêntica sustentação material no plano tributário.

 

- Neste sentido, debruçar-nos-emos sobre a violação do princípio da igualdade, concretizado na sua vertente da capacidade contributiva, nos termos já propugnados pela jurisprudência e doutrina aquando da discussão relativamente à Verba 28, devidamente adaptados às características do AIMI.

 

- Como já referido, logo desde início pretendeu tributar-se o património imobiliário de elevado valor – e isto, note-se, na medida em que a propriedade de tal património revelasse a manifestação de uma significativa capacidade contributiva.

 

Todavia,

 

- Por força da desvirtuação feita pela AT quanto ao alcance e sentido da norma em causa – a que o legislador deu acriticamente guarida – a tributação deixou de ser justa e equitativa, para passar a ser, outrossim, injusta e profundamente desigual.

- Daí que o ato tributário em causa materialize também, como se demonstrará, a violação dos mais basilares cânones da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva.

 

- O regime do AIMI é contrário à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), e particularmente ao princípio da igualdade.

 

- A igualdade é um valor e um princípio inerente ao paradigma do Estado de Direito que permeia toda a Constituição material portuguesa, o qual acaba mesmo por ser uma parte componente da própria ideia de Direito ou de Ordem Jurídica como Cosmos Jurídico.

 

- o princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções; outrossim proíbe o estabelecimento de distinções desprovidas de uma justificação objetiva e racional, como é o caso dos autos.

 

- concretizando agora o princípio em matéria de tributação do património, a própria CRP estabelece uma orientação central no nº 3 do seu artigo 104º, quando estatui que “A tributação do património [como é o AIMI] deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos” – que é o oposto do que sucede no caso dos autos.

 

- atendendo ao espírito que presidiu à Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2017, de onde brotou o AIMI, é de concluir que se visou tributar a titularidade de património imobiliário por revelar uma superior capacidade contributiva de quem os detém, concretizando, assim, o princípio da repartição justa e da capacidade contributiva.

 

- os imóveis detidos pela ora Impugnante, e que estão a ser alvo de tributação em sede de AIMI, são, face ao seu objeto social, essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica – eles próprios também sujeitos a tributação.

 

- a propriedade sobre os imóveis consiste, no caso de sociedades comerciais deste tipo, no substrato patrimonial da sua atividade económica, e na concretização de um verdadeiro meio essencial à prossecução do seu escopo,

 

- pelo que falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária.

 

- Está assim criada, sem qualquer fundamento de base, uma gritante desigualdade no plano material entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma atividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja atividade não decorra da detenção de imóveis.

 

- Mais do que isso, estão legalmente criadas as condições para a constituição de manifestas situações de desigualdade material entre a Impugnante e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma atividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.

 

- Recorde-se que quando a Proposta de Orçamento de Estado para 2017 foi discutida na especialidade, ficou estabelecido que ficariam excluídos do âmbito de incidência de AIMI, além dos imóveis classificados como industriais e os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º1 do artigo 6.º do CIMI – como veio a constar na lei.

 

- a configuração do facto tributário que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações dos prédios, em função da correspondente atividade económica do seu titular – nomeadamente pela consideração daqueles que se encontram sujeitos à tributação em AIMI - não se encontra minimamente justificada face à finalidade da medida fiscal adotada,

 

- E, sobretudo, não salvaguarda devidamente as empresas que, para o desenvolvimento da sua atividade económica, carecem de deter imóveis – o que contribui decisivamente para a sua discriminação negativa no plano fiscal, sem qualquer justificação de base.

 

- não se vislumbra qualquer fundamento material, jurídico, fiscal, económico ou outro capaz de justificar que a tributação incida apenas sobre os imóveis detidos por empresas que deles carecem para o exercício da sua atividade económica, e exclua de tributação imóveis afetos a outras atividades económicas.

 

- com o imposto em causa, trata-se de forma desigual, sem qualquer fundamento material de suporte, as empresas proprietárias de imóveis destinados ao exercício de uma atividade económica, relativamente às empresas que, pelo mesmo motivo, são proprietárias de imóveis classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” – os quais são isentos de AIMI.

 

- Com a diferenciação negativa, acrítica, arbitrária e aleatória, entre, por um lado, empresas que utilizam os imóveis na prossecução da sua atividade e, por outro lado, empresas que afetam os imóveis a indústria comércio e serviços, confere-se um tratamento diferenciado a situações que, do ponto de vista material, são em tudo semelhantes.

 

- Nessa medida, a tributação em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade - na medida em que o facto de a Impugnante ter no seu inventário imóveis para construção, exploração ou venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser (diferente e autonomamente) tributada,

 

- que é tão mais evidente quando se constata que outras empresas detentoras de imóveis de idêntico ou superior VPT, igualmente afetos à sua atividade económica, não estão sujeitas a semelhante tributação.

 

- quando na feitura das normas ocorrem desvios ao imperativo original que preside à tributação as mesmas serão inconstitucionais, por violação do princípio da capacidade contributiva, pois os contribuintes não serão tributados de acordo com a sua capacidade económica, nem por causa dos factos relativamente aos quais se justifica a incidência do imposto.

 

- capacidade contributiva que não se encontra minimamente salvaguardada pelo ato tributário em causa, na medida em que a detenção de imóveis para o prosseguimento de uma atividade económica não é comparável, nem pode ser configurada, como uma detenção de património de luxo.

 

- ao incidir sobre a propriedade de imóveis destinados ao exercício de uma atividade económica, sem qualquer fundamento bastante, deve ser desaplicado o artigo 135.º-B n.º 2 do CIMI por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da CRP,

 

- Devendo ser declarada ilegal a decisão e liquidação aqui impugnadas, porquanto, como abundantemente exposto, não atendem à diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto - ao arrepio do declarado propósito do legislador, que procurou, com esta norma de incidência, impor aos contribuintes com maior capacidade contributiva um sacrifício adicional, de harmonia com o princípio da equidade social.

 

21. Em conclusão, sustenta a Requerente que “estamos perante a violação de dois princípios basilares da Constituição Portuguesa, padecendo o artigo 135.º -B n.º 2 do CIMI de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, bem como por violação do princípio da proporcionalidade.” Pelo que, em suma, “o artigo 135.º -B n.º 2 do CIMI deverá ser desaplicado pelo Tribunal, atenta a sua inconstitucionalidade material com os sobreditos fundamentos, na medida em que incide sobre imóveis detidos por empresas que prosseguem uma atividade imobiliária – a determinar a anulação da decisão e da liquidação impugnadas.”

 

Posição da Requerida

 

22. Pronunciando-se sobre o alegado, diz a Requerida:

 

- no que respeita às pessoas coletivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação real, refletindo desta forma a ideia de que os elementos integrantes do património imobiliário detido por estas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.

 

- o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada.

 

- ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica, ao contrário do que pretende a Requerente.

 

- A Requerente, num primeiro momento faz uma tentativa, forçada, de assimilação entre a Verba 28.1 TGIS e o AIMI, alicerçando a argumentação, na sequência legislativa dos dois tributos e nas finalidades prosseguidas, olvidando que, não obstante algumas semelhanças no tocante a determinados aspetos do recorte da incidência, estas imposições revelam diferenças estruturais, desde logo, porque o AIMI foi criado em circunstâncias económico-políticas diferenciadas e visa finalidades extrafiscais próprias.

 

- o intuito do legislador, tal como ficou expresso nas normas de incidência do AIMI, não foi o de afastar de tributação, em todos os casos, os imóveis que integram patrimónios empresariais.

 

- a exclusão da tributação dos prédios urbanos com fins “industriais, comerciais e serviços” e “outros”, traduz claramente a intenção de mitigar o impacto do AIMI sobre as atividades económicas mas não leva às últimas consequências a alegada intenção de eliminar todo e qualquer impacto do imposto.

 

 - nada na letra da lei autoriza a concluir que a intenção do legislador do AIMI tenha sido a de excluir de tributação os “prédios urbanos que se encontrem afetos ao exercício de uma atividade económica.

 

- pois, o único critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objetiva é, tão-só, a tipologia de classificação dos prédios urbanos prevista no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, para a qual remete expressamente o n.º 2 do artigo 135.º-B.

 

- O AIMI incidente sobre as pessoas coletivas e estruturas equiparadas reveste a natureza de um imposto real sobre o património imobiliário constituído por prédios urbanos que preenchem os tipos visados pelo n.º 2 do artigo 135.º-B, independentemente das classes do ativo em que se encontram inscritos – inventários, ativo fixo tangível ou ativo não corrente detido para venda – ,

 

- portanto, a Requerente encontra-se sujeita ao AIMI pelos prédios urbanos de que seja proprietária, usufrutuária ou superficiária que preencham as condições enunciadas naquele preceito do Código do IMI.

 

- A AT não procede a qualquer interpretação inconstitucional da norma, pois não é a AT quem decide incluir na tributação em AIMI os prédios urbanos afetos a atividades económicas (e em tal facto não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, diga-se),

 

mas sim, porque é o que resulta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, apenas não são tributados os prédios urbanos classificados como industriais, comerciais ou para serviços e outros.

 

- Pelo que, tendo a liquidação impugnada sido efetuada em conformidade com o disposto na lei, não se antevê, então, onde possa residir a ilegalidade da decisão proferida pela AT.

 

- nada existe na letra da lei que indicie que a exclusão de tributação prevista possa estender-se aos demais prédios aí não incluídos quando estejam afetos a determinada atividade económica do sujeito passivo de imposto, pelo que carece de sentido o propugnado pela Requerente.

 

- o legislador optou no n.º 2 daquele preceito por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais fatores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades.

 

- Para o efeito, recorreu a um critério que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtração ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respetivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito.

 

- contrariamente ao que a Requerente pretende fazer crer, não pode a ratio legis da exclusão de tributação prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI ter o alcance por si pretendido – isto é, abranger igualmente os prédios urbanos classificados como habitacionais e terrenos para construção, aí não mencionados, quando constituíssem bens objeto da atividade económica dos sujeitos passivos –,

 

- uma vez que o critério escolhido pelo legislador – a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – o foi exatamente em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.

 

- contrariamente ao que a Requerente pretende, não só não existe na letra da lei um mínimo que permita a interpretação por si propugnada,

 

- como, sendo a Lei o padrão normativo que rege a sua atuação, não cabe à AT proceder a interpretações corretivas de normas de incidência tributária, nem, como se explicita infra, a emitir juízos de constitucionalidade sobre normas aplicáveis, por a tanto não estar habilitada, contrariamente ao que sucede com os Tribunais (cf. artigo 204.º da CRP).

 

- A Requerente invoca a inconstitucionalidade do ato tributário sub judice, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, por tributarem prédios detidos para efeitos de comercialização e desenvolvimento das respetivas atividades económicas.

 

- Ora, como já se demonstrou, a tributação em causa não resultou de interpretação criativa da AT mas de mera aplicação da lei, e, como já é uniformemente reconhecido na jurisprudência, não pode a AT desaplicar normas legais com fundamento em inconstitucionalidade,

 

- como, de resto, também não ocorre o vício de inconstitucionalidade alegado pela Requerente.

 

- Nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que por sua vez determina que: «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos».

 

- Ou seja, de tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade,

 

- contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.

 

- vinculada ao princípio da legalidade, a AT não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade

 

- Pelo que, e em suma, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT;

 

Questões a decidir

 

23. Equacionadas, em síntese e por transcrição, o essencial das posições expressas pelas Partes, verifica-se que as questões a decidir no presente processo são as seguintes:

 

a) Declarar, ou não, a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, que teve como objeto a liquidação de AIMI n.º 2017... do ano de 2017, no montante de €6.999,64, nos termos e fundamentos em que a mesma se suporta;

 

b) Determinar, ou não, a anulação da referida liquidação, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B, do CIMI, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

Da decisão impugnada

 

24. A reclamação graciosa sobre que recaiu a decisão de indeferimento ora impugnada tem como fundamento a inconstitucionalidade do artigo 135.º-B, n.ºs 1, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

 

25. Segundo a Reclamante, a incidência do AIMI sobre a propriedade de imóveis afetos ao exercício de uma atividade económica, na medida em que a norma se encontra destituída de qualquer fundamento, “ deve ser desaplicado o artigo 135.º-B, n.º 1, do CIMI, por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º. n.º 3, da CRP, devendo, consequentemente, ser declarada ilegal a liquidação.”

 

26. Alega, ainda, a Reclamante, que “A norma legal em causa é manifestamente desequilibrada, desconforme e desadequada à prossecução do fim legal, pelo que a mesma é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.” Concluindo que tal tributação “ constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade – na medida em que o facto de ter no seu inventário um terreno para construção ou imóvel para venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser tributada o que é tão mais evidente quando se constata que outras empresas detentoras de imóveis de idêntico VPT igualmente destinados à sua atividade não estão sujeitos a semelhante tributação.”

 

27. Analisando o pedido de anulação da liquidação de AIMI, com base na fundamentação referida, a decisão de indeferimento, respigando o regime legal do referido tributo subjacente à liquidação reclamada, fundamenta-se, exclusivamente, na circunstância de a AT se encontrar vinculada ao princípio da legalidade, devendo obediência às normas legais enquanto não for declarada a sua inconstitucionalidade.

 

28. Da informação para que remete, em termos de concordância, a questionada decisão, extrai-se que “ Efetivamente, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade (art.º 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou se esteja perante violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas tais como as que se referem a direitos, liberdades e garantias...”.

 

29. Com efeito, tal como decorre da fundamentação atrás transcrita, a AT, independentemente dos vícios de eventual inconstitucionalidade alegados pelos sujeitos passivos da obrigação tributária, encontra-se obrigada, nos termos do artigo 226.º, n.º 2, da CRP, a atuar em conformidade com o princípio da legalidade.

 

30. Este princípio encontra-se consagrado, a nível infraconstitucional, nos artigos 3.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) segundo o qual “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”

No mesmo sentido, determina o artigo 55.º da Lei Geral Tributária que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”

 

31. Sobre esta matéria se tem pronunciado já o Supremo Tribunal Administrativo, conforme de extrai de Acórdão de 5 de Abril de 2017, Proferido no Proc. 0399/15 “ I - A AT, porque está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP).[i]

 

32. Acompanhando-se a jurisprudência, aliás consolidada, entende este Tribunal que a AT, salvo as situações referidas no acórdão acima sumariado, não tem competência para aferir da constitucionalidade de uma qualquer norma legal, não podendo, com tal fundamento, recusar a sua aplicação, por se encontrar sujeita ao princípio da legalidade, conforme dispõe os artigos 266.º, n.º 3, da CPR, 55.º da LGT e 3.º, n.º 1, do CPA.

 

33. Do exposto, conclui-se, pois, que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa já identificada, nos termos e com o fundamento em que se suporta, não merece censura.

 

Do regime do AIMI

 

34. Através da Lei n.º 42/2016, de 28/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2017) foi aditado ao CIMI um novo capítulo XV, com os artigos 135.º-A a 135.º-K, criando o “Adicional do Imposto Municipal sobre Imóveis” (AIMI), para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2017.

 

35. Do referido regime, com relevância para a apreciação da matéria do presente processo, destacam-se os números 1 a 3 do artigo 135.º-A, que define a incidência subjetiva do tributo  em causa, nos seguintes termos: “1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.” Estabelecendo o n.º 2 que “2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.”

 

36. Segundo o n.º 3 do mesmo artigo, “3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.”

 

37. A incidência objetiva do AIMI encontra-se estabelecida no artigo 135.º-B, do CIMI, cujo n.º 1 estabelece que este tributo recai “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular".

 

38. Conforme prevê o n.º 2 do referido artigo, são excluídos da incidência objetiva deste Adicional "os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código",

 

39. A taxa aplicável, quando o sujeito passivo seja uma pessoa coletiva é, em geral, de 0,4% [ii] (CIMI art.º 135.º-F, n.º 1).

 

40. Conforme decorre do disposto nos artigos 135.º-G e 135.º-H, do CIMI, é atribuída à AT a competência para a liquidação do AIMI, devendo esta efetuar-se anualmente, mo mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano. O pagamento deve ser efetuado até ao final do mês de Setembro.

 

41. Exposto, nas suas linhas essenciais, o regime do AIMI, verifica-se que, no caso em análise, o procedimento da AT processou-se no âmbito de respetiva competência e dentro do quadro legal aplicável.

 

42. A questão situa-se, pois, na apreciação da eventual inconstitucionalidade das normas do artigo 135.º-B, do CIMI, designadamente do seu n.º 2, que a Requerente considera de desaplicar, na medida em que na delimitação negativa da incidência tributária aí definida se não contêm os prédios habitacionais e os terrenos para construção detidos por pessoas coletivas no âmbito da sua atividade empresarial enquanto que, diversamente, nela se integram todos os restantes prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”

 

43. Segundo entende a Requerente está assim criada, “sem qualquer fundamento de base, uma gritante desigualdade no plano material entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma atividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja atividade não decorra da detenção de imóveis. - Mais do que isso, estão legalmente criadas as condições para a constituição de manifestas situações de desigualdade material entre a Impugnante e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma atividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.”

 

44. Vejamos, pois, o âmbito da exclusão tributária estabelecida naquele preceito. Remete o mesmo, no tocante à classificação dos prédios excluídos da incidência, para os critérios do artigo 6.º do CIMI.

 

45. Este artigo define as espécies de prédios urbanos nos seguintes termos:

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;


d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.


3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.


4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.

 

46. Salienta-se que a redação constante da proposta de Lei do Orçamento, o n.º 2 do artigo 135.º-B, tinha a seguinte redação “ 2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie "industriais", bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.”

 

47. No entanto, a redação que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica.

 

48. Aliás, o regime que veio a ser aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, afasta-se, em alguns aspetos, do que consta da proposta inicial.

 

49. Com efeito, refere a proposta do Orçamento de Estado para 2017:

 

As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IEC’s e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada.


A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.


(...)

A tributação progressiva do património imobiliário

 

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.


Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.


Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.

(...)

 

50. Porém, a delimitação negativa do âmbito de incidência do AIMI que viria a ser aprovada não toma como base a atividade a que os prédios urbanos estão afetos antes definindo-se por referência às espécies elencadas no artigo 6.º do CIMI, independentemente da sua afetação à atividade económica empresarial.

 

51. É, pois manifesto ter sido abandonada a intenção de afastar a incidência do AIMI relativamente aos imóveis afetos à atividade económica das pessoas coletivas relevando, unicamente, para o efeito, as classificações decorrentes daquele preceito do CIMI.

 

52. Inexiste, pois, base legal que permita concluir-se que, salvo quando às situações previstas no n.º 3 do artigo 135.º-A, do CIMI, os prédios habitacionais e os terrenos para construção, na aceção do artigo 6.º do mesmo Código, que se encontrem afetos a atividades económicas das pessoas coletivas fiquem excluídos da incidência do AIMI.

 

53. As questões suscitadas no presente processo no tocante à eventual inconstitucionalidade das normas do regime do AIMI aplicáveis ao presente caso, designadamente do n.º 2 do artigo 135.º, do CIMI, cuja desaplicação é pedida, têm sido já objeto de numerosas decisões arbitrais, que, maioritariamente, se vêm pronunciando pela constitucionalidade das normas em causa.

 

54. Quanto às questões de constitucionalidade suscitadas pela Requente, o entendimento deste tribunal acompanha o sentido negativo que se têm vindo a pronunciar, entre muitas outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 291/2018-T, 306/2018-T, 310/2018-T, 324/2018-T, 356/2018-T e 420/2018-T, nomeadamente no entendimento expresso no âmbito deste último processo, cujas conclusões, sem reservas, se subscrevem e, com a devida vénia, a seguir se transcrevem:

 

“ A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.


Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.


Relativamente aos prédios que têm a classificação de «outros» à face do artigo 6.º, n.ºs 2, alínea d), e 4, do CIMI, poderá ver-se uma razão para distinção no facto de se tratar essencialmente de prédios que não têm como finalidade actividades geradoras de rendimentos, designadamente os terrenos situados em aglomerados urbanos que não reúnem os requisitos necessários para a sua classificação como terrenos para construção nem estão a ser utilizados para fins agrícolas ou silvícolas e os edifícios destinados a espaços ou infra-estruturas ou equipamentos públicos.

 

No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.


Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.


A sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).


A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].


Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

 

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [4] )


Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.


Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.


A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais».


Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza.

Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

Por outro lado, não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de "um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema" (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social.

Por isso, afigura-se que não se demonstra que seja violado o princípio da proporcionalidade”

 

55. Acompanhando-se, assim, a posição acima expressa, conclui-se que a tributação do AIMI não viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, invocados pela Requerente, com base nos artigos 13.º, 18.º e 104.º, n.º 3, da CRP.

 

VI - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa;

 

b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à anulação da liquidação de AIMI;

 

c) Condenar a Requerente nas custas do presente processo.

 

Valor do processo: € 6 999,64

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 23 de Abril de 2019,

 

O árbitro, Álvaro Caneira

 



[i]  Vd. No mesmo sentido, STA, Acórdãos de 04-03-2015, Proc. 01529/14; de 01-06-2016, Proc. 01352/14; de 22-03-2017, Proc. 0471/14; e de 11-05-2018, Proc. 0704/14.

[ii]  A taxa aplicável às pessoas coletivas é objeto de majorações quando se refira a prédios habitacionais detidos para uso pessoal ou quando se trate de pessoas sujeitas a regime fiscais mais favoráveis (off shores).