Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 380/2018-T
Data da decisão: 2019-06-17   
Valor do pedido: € 191.876,48
Tema: IRC – Dedutibilidade dos gastos; Tributação autónoma; Pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável; Retenção na fonte; Vícios de forma.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Isaque Marcos Lameiras Ramos (vogal) e Ana Teixeira de Sousa (vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 10 de Agosto de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2013, no valor de €159.713,33, do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €13.335,41, do acto de liquidação de juros de mora n.º 2016..., no valor de €253,96, da demonstração de acerto de contas n.º 2016... da qual resulta o valor a pagar de €149.788,14, assim como do acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º..., referente ao período de Junho de 2013, no valor de €6.250,00 e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €819,86, do acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º..., referente a Agosto de 2013, no valor de €12.500,00, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €1.557,53, e do acto de liquidação de retenções na fonte n.º..., referente ao período de Outubro de 2013, no valor de €18.750,00, e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €2.210,95, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             As liquidações de IRC e de juros compensatórios padecem de vício de forma, por falta de fundamentação, padecendo as segundas, ainda, de preterição de formalidade essencial, por falta de audiência prévia;

ii.            Os gastos suportados com as comissões pagas à B... são dedutíveis para efeitos fiscais, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado;

iii.           As comissões pagas à B... não estão sujeitas a tributação autónoma, por não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do n.º 8 do artigo 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”);

iv.           Os rendimentos pagos à B... estão dispensados de retenção na fonte, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Convenção entre Portugal e os Emiratos Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e do artigo 98.º, n.º 1 do CIRC;

v.            Os gastos suportados com as comissões pagas à C... são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC;

vi.           A ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material.

 

3.            No dia 10-08-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 28-09-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-10-2018.

 

7.            No dia 20-11-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 22-02-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo este que foi prorrogado por despacho de 17-04-2019.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente iniciou a sua actividade em 01-03-1983 e prossegue, a título principal, a actividade de “Promoção imobiliária (desenvolvimento projectos edifícios), a que corresponde o CAE 41100.

2-            No âmbito da sua actividade, a Requerente era em 2013, promotora e proprietária do “...”, em Lisboa.

3-            A actividade da Requerente ressentiu-se fortemente, nos anos de 2012 a 2015, período de assistência financeira externa, quer pela dificuldade de aceder ao crédito bancário e de honrar os seus compromissos perante a banca, quer pela dificuldade na venda de imóveis que integravam os empreendimentos por si promovidos.

4-            Em 2013, a procura interna de imóveis era praticamente inexistente e assistiu-se a um período de acentuada quebra de vendas no mercado habitacional.

5-            Em 31-12-2012, a Requerente tinha para com o D... uma dívida de juros vencidos que ascendia a €2.993.000,00 e cuja liquidação deveria ocorrer durante o ano de 2013.

6-            Em 31-12-2012, os inventários da Requerente totalizavam €55.000.000,00, destacando-se 124 fracções já acabadas e prontas para venda, na “...”, em Lisboa. 

7-            A Requerente teve conhecimento do regime dos Vistos Gold, criado pela Lei n.º 23/2007, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto.

8-            A angariação de clientes no mercado chinês e do Médio Oriente implicava o domínio da língua, cultura e conhecimento do mercado de origem dos potenciais clientes dos Vistos Gold.

9-            A Requerente e os seus representantes legais não tinham conhecimentos da língua, cultura e do mercado chinês e do Médio Oriente.

10-         A Requerente recorreu a entidades angariadoras dos países de residência dos seus clientes alvo, nomeadamente, da República Popular da China e do Médio Oriente.

11-         A Requerente celebrou um contrato com a B..., sociedade residente no Dubai, Emiratos Árabes Unidos, com vista à angariação de clientes provenientes de países terceiros, nomeadamente, da Arábia Saudita, Sudão e Iraque.

12-         De acordo com a cláusula primeira do referido contrato, “Para a prossecução da finalidade do presente Contrato, a SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se perante a PRIMEIRA OUTORGANTE a prestar os seguintes serviços:

- Divulgar, publicar e promover o empreendimento ... nos países do Médio Oriente.

- Acompanhar a deslocação de cidadãos daqueles países a Portugal para visitar o empreendimento e custear as despesas associadas.”

13-         A cláusula terceira do referido contrato refere que “Para fazer face aos encargos relacionados com as actividades previstas na Cláusula Primeira, a SEGUNDA OUTORGANTE terá direito a uma remuneração decorrente da sua acção, conforme cláusula primeira”.

14-         De acordo com o ponto 2 da cláusula terceira do contrato, “As remunerações previstas no número anterior serão:

Para as fracções de 3 assoalhadas – 40.000,00€

Para as fracções de 4 assoalhadas – 50.000,00€

Para as fracções de 5 assoalhadas – 60.000,00€

Para as fracções de 6 assoalhadas – 70.000,00€

Para as fracções de 7 assoalhadas – 80.000,00€

Para as fracções de 8 assoalhadas – 90.000,00€”

15-         A cláusula quinta do referido contrato refere ainda que “Serão da conta exclusiva da SEGUNDA OUTORGANTE todos os custos e encargos de publicidade e acções de divulgação, bem como as despesas de organização, manutenção e remuneração da sua equipa e as decorrentes da deslocação dos clientes, desde o país de origem até ao empreendimento não sendo portanto de conta da PRIMEIRA OUTORGANTE, sendo as mesmas completamente ressarcidas dos mesmos pelas remunerações previstas na cláusula terceira”.

16-         As comissões à B... só eram pagas se o imóvel fosse vendido ao cliente por aquela angariado.

17-         O pagamento da comissão não remunerava os meios utilizados na angariação, mas antes os resultados alcançados.

18-         A Requerente celebrou, em 2013, os contratos de compra e venda das seguintes fracções do Lote 46, do empreendimento ...:

             Fracção “R” vendida por €525.200,00;

             Fracção “P” vendida por €520.000,00;

             Fracção “S” vendida por €520.000,00;

             Fracção “J” vendida por €515.200,00.

19-         As facturas emitidas pela B..., identificam os clientes a que se reportam:

             Fatura emitida em 26-09-2013 – identifica que a comissão respeita a aquisição da fracção “P”, Lote..., por parte do Sr. E...;

             Fatura emitida em 31-10-2013 – identifica que a comissão respeita à aquisição fa fracção “J”, Lote..., por parte do Sr. F...;

             Fatura emitida em 26-09-2013 – identifica que a comissão respeita à aquisição da fracção “S”, Lote..., por parte da Sra. G...;

             Fatura emitida em 26-09-2013 – identifica que a comissão respeita à aquisição da fracção “R”, Lote..., por parte do Sr. H... .

20-         As referidas fracções apenas foram vendidas pela intervenção da B..., que apresentou os adquirentes à Requerente e aos imóveis por esta vendidos, e mediou a respectiva aquisição.

21-         Os serviços de angariação da B... implicavam a divulgação do Empreendimento ... junto de potenciais clientes, visitas às fracções, o que implicava deslocações a Portugal e a consequente aquisição de bilhetes de avião, despesas de alojamento em hotéis, refeições, custos de deslocação dentro de Portugal, acompanhamento dos clientes com tradutores, o que implicou custos a cargo da B... .

22-         A B... assegurava o acompanhamento personalizado dos potenciais clientes a Portugal, através da realização de visitas acompanhadas de tradutor, o qual acompanhava os potenciais clientes desde a sua chegada a Portugal até ao seu regresso ao país de origem.

23-         As comissões pagas pela Requerente à B..., com sede no Dubai, Emiratos Árabes Unidos, foram reconhecidas contabilisticamente na conta 62252 – Comissões Serviço Vendas, e pagas nos seguintes termos:

 

24-         Em 2013, o volume de negócios da Requerente registou um aumento, face ao ano anterior de cerca de 155%, resultante da alienação de 54 imóveis que integram o projecto imobiliário da Urbanização ..., Lisboa.

25-         Cerca de 75% das vendas efectuadas pela Requerente, em 2013, destinaram-se a cidadãos residentes em países terceiros, nomeadamente, China e Emiratos Árabes Unidos, os quais beneficiaram do regime dos Vistos Gold.

26-         O resultado líquido da Requerente (€1.764.364,96) não refletiu a evolução ocorrida no respectivo volume de negócios, dado que a margem obtida foi absorvida pelas seguintes rubricas:

 

27-         No exercício de 2013, os gastos respeitantes a comissões, contabilizados na conta 6225, ascenderam a €2.759.001,28 e resultaram de facturas emitidas às seguintes entidades:

 

28-         A Requerente obteve uma margem positiva, apurando um lucro líquido de €6.961.412,99 e uma margem média de 26,28%.

29-         O preço dos serviços de angariação prestados pela B... não foram superiores a 10% do preço de venda.

30-         As comissões pagas pela Requerente excedem os valores que são praticados pelas empresas de mediação imobiliária estabelecidas em Portugal, cujas comissões não excedem, em regra, os 5% sobre o valor de venda.

31-         As empresas de angariação de clientes para os Vistos Gold asseguram um serviço mais personalizado do que aquele que é prestado pelas empresas de mediação imobiliária nacionais, o que acarreta maiores custos.

32-         As empresas com quem a Requerente estabeleceu contratos de prestação de serviços para angariação de clientes chineses fixaram sempre valores de angariação, em caso de sucesso, superiores a 10%, por vezes, próximos dos 20%.

33-         Os Serviços de Inspecção Tributária (de agora em diante, abreviadamente designados por SIT) aceitaram como gasto as comissões pagas à I..., Lda., comissões que ascendiam a 14% sobre o preço de venda.

34-         A Requerente efectuou os pagamentos relativos ao contrato de prestação de serviços celebrado com a B..., para as contas que foram indicadas pelo representante daquela, J... .

35-         Foi por indicação do Sr. J... que parte dos valores devidos à B..., no montante total de €150.000,00, foram pagos para a conta indicada pelo Sr. J..., num total de €75.000,00 e através do cheque n.º..., no montante de €75.000,00.

36-         A B... não dispõe de estabelecimento estável em Portugal.

37-         A Requerente apresentou o formulário modelo 21 RFI, visado pelas autoridades fiscais dos Emiratos Árabes Unidos, no qual é expressamente indicado que o beneficiário efectivo das transferências é a B... .

38-         A Requerente efectuou as seguintes transferências bancárias:

 

39-         A Requerente contabilizou na conta 62262 – Comissões serviço vendas, as facturas emitidas pela entidade “C... Ltd.”, no valor de €13.125,00.

40-         Não foi celebrado qualquer contrato escrito entre a Requerente e a C... (C...) Ltd.

41-         A Requerente apresentou como comprovativo do pagamento, fotocópia de transferência bancária, efectuada em Janeiro de 2014, a favor da C... Ltd, no valor de €10.000,00.

42-         A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção externa, ao exercício de 2013, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016....

43-         No decurso do procedimento inspectivo, com vista a demonstrar a realização efectiva das operações, a Requerente procedeu à apresentação dos seguintes elementos:

             Faturas emitidas pela B...;

             Contrato de prestação de serviços celebrado com a B...;

             Comprovativos dos meios de pagamento utilizados na transacção, nomeadamente, fotocópia da transferência bancária a favor da B..., no valor de €50.000,00, três transferências bancárias no montante de €25.000,00 cada, a favor de J..., representante da B..., e um cheque emitido pela Requerente no valor de €75.000,00, à ordem de J... .

44-         Na sequência do procedimento de inspeção, a AT promoveu correcções à matéria tributável de IRC, com referência ao exercício de 2013.

45-         A Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer o direito de audição nos termos do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”) e artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

46-         Do relatório final de inspecção constava o seguinte:

 

 

 

 

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

47-         Na sequência da notificação do Projecto de Relatório de Inspecção, a Requerente entregou uma declaração de substituição da Modelo 22 do IRC, tendo o procedimento de inspecção sido arquivado.

48-         A Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC n.º 2016..., do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., do acto de liquidação de juros de mora n.º 2016..., da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., do acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º ... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., do acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2016 ... e do acto de liquidação de retenções na fonte n.º ... e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016... .

49-         A Requerente procedeu ao pagamento do IRC apurado, no valor total de €149.788,14, bem como do imposto não retido na fonte no montante de €37.500,00.

50-         No acto de liquidação de IRC n.º 2016 ... e respectiva liquidação de juros compensatórios é indicado um conjunto de valores, que se trata de IRC do exercício de 2013 e que a liquidação pode ser objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

51-         Da demonstração de liquidação de juros compensatórios, consta o seguinte:

 

52-         Em 03-05-2017, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., reclamação graciosa, tendo por objecto os referidos actos de liquidação.

53-         Posteriormente, a Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa e para, querendo, exercer direito de audição.

54-         A Requerente exerceu direito de audição mediante o qual pugnou para que a AT reconhecesse a ilegalidade dos referidos actos de liquidação.

55-         Em 30-05-2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

56-         No ano de 2013 a Requerente vendeu os seguintes imóveis:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, e a prova testemunhal produzida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em concreto, os factos dados sob os pontos 3, 4, 7, 8, 9, 17, 20, 21, 22, 30, 31, 32, 34, 35 e 36, assentam nos depoimentos prestados, em coerência com a prova documental disponível, e até com factos que se podem ter como notórios (caso dos factos dados como provados nos pontos 4, 8 e 31).

De especial relevo, no que diz aos factos dados como provados sob os pontos 17, 20, 21, 22, 32, 34, e 35, o respectivo teor resultou dos depoimentos produzidos que, sem margens para qualquer dúvida razoável, denotaram inequivocamente, a intervenção decisiva da B... na venda das fracções a cidadãos do médio oriente, bem como a actuação de J..., em representação daquela sociedade, incluindo no que diz respeito à indicação da forma de liquidar os montantes devidos àquela.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme se expôs já, são as seguintes as questões que a Requerente coloca:

i.             As liquidações de IRC e de juros compensatórios padecem de vício de forma, por falta de fundamentação, padecendo as segundas, ainda, de preterição de formalidade essencial, por falta de audiência prévia;

ii.            Os gastos suportados com as comissões pagas à B... são dedutíveis para efeitos fiscais, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado;

iii.           As comissões pagas à B... não estão sujeitas a tributação autónoma, por não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC;

iv.           Os rendimentos pagos à B... estão dispensados de retenção na fonte, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Convenção entre Portugal e os Emiratos Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e do artigo 98.º, n.º 1 do CIRC;

v.            Os gastos suportados com as comissões pagas à C... Ltd. são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC;

vi.           A ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material.

Vejamos cada uma delas.

 

*

i.

Começa a Requerente por arguir que as liquidações de IRC e de juros compensatórios padecem de vício de forma, por falta de fundamentação, padecendo as segundas, ainda, de preterição de formalidade essencial, por falta de audiência prévia.

Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da Constituição da República Portuguesa) e legal (artigo 77.º da LGT).

                Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

1.            Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

2.            Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;

3.            Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

4.            Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.

O artigo 77.º, n.º 1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão fundamentam-se, exclusivamente, na declaração de imposto, bem ou mal, apresentada pela Requerente.

Ora, como referiu o Ac. do TCA-Sul de 03-12-2015, proferido no processo 07854/14:

“A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).

Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).

A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P. Administrativo).

Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. artº.125, nº.2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).

No caso concreto, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a liquidação identificada no nº.1 do probatório se encontra devidamente fundamentada, fundamentação esta que pode ter características sumárias, visto ser consequência legal de declaração de rendimentos apresentada pelos recorrentes, tudo conforme já examinado supra para onde se remete, sendo que a lei prevê expressamente tal possibilidade no artº.77, nº.2, da L.G.T. (cfr. José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.835 e seg.).

Mais, se acaso não se consideravam devidamente esclarecidos da fundamentação do acto tributário objecto do presente processo, deveriam os recorrentes ter feito uso do dispositivo constante do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário.

Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente, igualmente, este fundamento do recurso, igualmente se confirmando a decisão recorrida nesta fracção.”.

                No que diz respeito às liquidações de juros compensatórios, tem sido entendido que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.”  e que “Tendo a AT ouvido o contribuinte, relativamente ao imposto donde provém a liquidação de juros compensatórios, já não é legalmente exigível que proceda a nova audição de forma autónoma e distinta” .

                No mesmo aresto, pode ler-se, para além do mais que:

“Reportando-nos, de novo, aos pressupostos da liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, é evidente que esta tem que possuir um mínimo de fundamentação própria no que concerne, desde logo, à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que se reportam (4), mas, ainda e também, quanto á culpa necessária a sua imputabilidade ao sujeito passivo; E será por referência a essa mesma fundamentação que terá de ser aferido o acatamento do poder/dever da AF de facultar ao contribuinte o direito de audição prévia.

- Ora, no que diz respeito à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, nenhuma margem de conformação é facultada à AT, que apenas tem e pode concretizar o que se encontra expressamente consignado na lei, isto é, no que àqueles pressupostos se refere, a actuação da AF consiste num procedimento estritamente vinculado, pelo que a sua actuação, em tal domínio, não é susceptível de ser influenciada por quaisquer argumentos que o recorrente pudesse suscitar, no sentido de influenciar o acto de liquidação, por pretender a aplicação de uma taxa diferente, ou de um período de tempo ou de uma base de cálculo diversas, uma vez que estas não podem ser outras que não as determinadas pelo ordenamento jurídico aplicável.

- E evidente que a entidade liquidadora, por lapso ou por outra razão, pode atender, no que a tais pressupostos diz respeito, a elementos que não sejam aqueles a que deveria atender; Só que tal eventual circunstancialismo não constitui fundamento ao exercício do direito de audição prévia, antes e apenas a que a referência expressa e clara ao mesmo, terá de fazer parte da fundamentação da liquidação para que o seu destinatário possa, contra ela reagir, por vício de violação de lei.

- Por consequência e no que a estes fundamentos diz respeito, o que se entende é que, ao sujeito passivo não assiste qualquer direito de audição prévia antes da liquidação dos juros compensatórios, o que vale por dizer que, neste domínio, o não lhe ter sido facultado o exercício do mesmo não consubstancia, sequer qualquer irregularidade procedimental e, muito menos, com efeitos invalidantes do acto final de liquidação.

- Já no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.

- Só que, o que se vem de dizer, não significa/implica, que a razão se encontre do lado do recorrente.

- É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.

- Ora, no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.

- Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura(5).

- Ora, "in casu", está demonstrado que, ao recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam, como se dá conta na decisão recorrida, todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributá-lo por recurso a metodologia indiciaria, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", o que vale por dizer, na linha do que acirra se referiu nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito, lhe foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.”

                Este entendimento, foi sancionado pelo STA que entendeu já que:

“A verdade, porém, é que a liquidação dos juros compensatórios não pode considerar-se um “facto novo” para efeitos de direito de audição, até porque os mesmos variam consoante o período de tempo a considerar.

Por “facto novo” deve entender-se aquele que possa determinar a alteração do imposto, das correcções, etc. A liquidação dos juros traduz-se apenas numa mera operação aritmética pelo que só por si não justifica o direito de audição.

Deste modo, ainda que na altura do convite para o exercício do direito de audição os juros compensatórios não estivessem liquidados, a Administração Tributária não estava obrigada a ouvir de novo a recorrida só por terem sido liquidados os juros” .

                Por outro lado, como se referiu no Ac. do STA de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13, “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.”, sendo certo a demonstração de liquidação contém todos os elementos referidos.

                Assim, e face ao exposto, devem improceder estes vícios arguidos pela Requerente.

 

*

ii.

                Seguidamente, alega a Requerente que os gastos suportados com as comissões pagas à B... são dedutíveis para efeitos fiscais, e que não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

                Em causa nesta parte está, portanto, a aplicação dos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabeleciam o seguinte, no que ao caso interessa:

“Artigo 65.º

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.”

 “Artigo 88º

Taxas de tributação autónoma

(...)

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”.

O território dos Emiratos Árabes Unidos estava incluído, em 2013, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

                Em questão estará, no caso sub iudice, a prova, imposta por ambas as supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, assiste à Requerente.

                Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:

a-            Estarmos perante operações efectivamente realizadas;

b-           Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.”.

                Mais se podendo ler no mesmo aresto que:

“Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”

                Será, portanto, à luz do critério indicado que se haverá de aferir a legalidade dos actos tributários sub iudice.

                Vejamos, então.

*

                Conforme resulta das normas em questão, e da interpretação judicial que das mesmas é feita, e que previamente se expôs, cumpre apurar se se encontra feita a prova de que:

a.            Estamos perante operações efectivamente realizadas; e que

b.            As mesmas não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

Relativamente à primeira das circunstâncias, considera a AT, em suma, que “não existe qualquer comprovação da realização material do serviço prestado pela entidade sediada no Dubai.”.

Ressalvado o devido respeito, não se tem por justificada, em concreto, qualquer dúvida, relativamente à ocorrência das operações em questão.

                Com efeito, como resulta da matéria provada e tal como a própria AT reconhece no Relatório de Inspecção, a Requerente teve um aumento exponencial do volume de vendas de 2012 para 2013, proporcionada pelo aumento das vendas de imóveis a cidadãos oriundos da China e dos Emirados Árabes Unidos.

Por outro lado, a circunstância – não contestada - de que os imóveis em questão foram efectivamente vendidos a cidadãos oriundos do Médio Oriente, sem que se apure ou indicie qualquer circunstância que aponte que os mesmos hajam chegado ao contacto da Requerente, e dos seus imóveis, sem que seja por via da intermediação da B... .

Daí que, sob um ponto de vista de normalidade, não deverá haver dúvidas razoáveis de que os serviços que foram facturados pela B..., em conformidade com o contracto celebrado com a Requerente, foram efectivamente prestados.

                Como se escreveu no processo arbitral 198/2017T, em termos transponíveis para os presentes autos:

“Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.

            Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efectivamente realizadas.

            Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efectividade da actividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira  para serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efectuados apenas em função dos resultados.

            Deve dizer-se mesmo que a exigência de «identificação dos recursos humanos envolvidos» e o apuramento da respectiva experiência profissional numa actividade com a dimensão da descrita está para além dos limites da razoabilidade, pois, na sua literalidade, abrangerá a identificação de todos os que prestaram os serviços de transporte por avião, de serviços em restaurantes e hotéis, motoristas de táxis, etc.”.

            Assim, é de considerar existir prova suficiente de que os pagamentos em questão correspondem a operações efectivamente realizadas.

                De resto, não pode deixar de se notar que relativamente a serviços virtualmente idênticos, prestados pela sociedade I..., não teve a AT qualquer dúvida no que diz respeito à efectividade das operações.

Neste quadro, cumpre então aferir se as operações em causa não têm um carácter anormal ou se o montante em causa não é exagerado, à do luz entendimento jurisprudencial, atrás referenciado, segundo o qual “o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”.

*

                Relativamente à verificação, ou não, de operações com um carácter anormal ou exagerado, refere a AT, em suma, que:

- “o caráter normal, poderá ser entendido como o conjunto de características intrínsecas que definem a natureza de um bem ou serviço, habitualmente praticado e utilizado na atividade empresarial, com o objetivo de se alcançar eficazmente os objetivos estatutários.”;

- “No que concerne ao montante exagerado das transações, há que aferir se os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados e a se a relação custo benefício será apropriada”.

                Ora, tendo em conta a prova produzida, e os factos dados como provados, haverá que concluir que quer um quer outro dos referidos critérios, eleitos pela AT, se encontram cumpridos.

                Efectivamente, em concreto, apura-se que no ano de 2013 a Requerente vendeu 54 imóveis que integravam o projecto imobiliário da Urbanização ..., Lisboa, sendo que cerca de 75% das vendas efectuadas pela Requerente, em 2013, destinaram-se a cidadãos residentes em países terceiros, nomeadamente, China e Emiratos Árabes Unidos, os quais beneficiaram do regime dos Vistos Gold, e sendo ainda que, em tais vendas pagou comissões idênticas ou superiores às que ora estão em causa.

                Daqui resultará, sem que restem dúvidas razoáveis, que:

- o serviço de angariação de clientes estrangeiros interessados na aquisição de imóveis em ordem a reunir os pressupostos para beneficiaram do regime dos Vistos Gold, à data dos factos tributários, era um serviço habitualmente praticado e utilizado na actividade empresarial a que se dedicava a Requerente, com o objectivo de se alcançar eficazmente os objectivos estatutários; e que

- os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados e a relação custo benefício é apropriada.

                Assim, e no que diz respeito ao primeiro dos aspectos indicados, pode, inclusive, ter-se como facto notório que, nos anos que se seguiram à instituição do regime dos Vistos Gold e, de resto, em consonância com o que foi a intencionalidade subjacente àquela instituição, as empresas que operavam na área do imobiliário se socorreram dos serviços de empresas especializadas na intermediação entre tais empresas e cidadãos estrangeiros interessados na aquisição de imóveis para reunir os pressupostos para beneficiaram do regime dos Vistos Gold.

                No que diz respeito ao segundo dos aspectos indicados, em concreto, estão em causa pagamentos na ordem de valores representativos de 10% do preço de venda dos imóveis.

                Ora, quer tendo em conta o valor – igualmente notório – de cerca de 5% praticado pela mediação imobiliária nacional/tradicional, quer tendo em conta os valores praticados pelas referidas empresas de intermediação que surgiram a operar no mercado dos Vistos Gold, que, no caso, se apura atingirem valores de 14%, não se poderá crismar como anormal ou exagerado o valor de 10% praticado pela B..., sobretudo à luz das circunstâncias e do risco inerentes aos serviços em causa, que implicam, por um lado, a prospecção e o acompanhamento de interessados na aquisição do imóveis, provenientes de geografias e contextos culturais muito distantes, e, por outro, o risco próprio de tais serviços apenas serem remunerados no caso da efectiva concretização do negócio e em função do valor deste.

Daí que não se tenham dúvidas que os valores em questão correspondem, no seu contexto, a operações normais e não têm carácter exagerado.

                Repristinando o quanto se escreveu no já referido acórdão arbitral proferido no processo 198/2017T:

“Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).

Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.

Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior

Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crise económica e financeira que afectava Portugal.

A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.

Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.

A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.”

                Como se refere no aresto transcrito, julga-se que a aferição do carácter normal e não exagerado das operações se deve reportar ao caso concreto, tendo em conta a situação específica em que tais operações se realizaram, não se podendo formular “tabelas” ou fórmulas a priori, que excluam mecanicamente determinados tipos de operações do âmbito da razoabilidade, ou as remetam para o plano do exagero.

                No caso, as comissões em questão surgem no cenário de crise económica aguda, em que o mercado estava, praticamente, parado, e em que os serviços remunerados por aquelas comissões aportam um significativo valor acrescentado ao produto vendido, desde logo, e no caso, por permitirem a sua venda, libertando fundos para a redução do passivo e correspondentes encargos financeiros associados.

                Por outro lado, sendo o serviço pago, unicamente, em função do resultado, verifica-se um risco acrescido para o prestador, que tem de suportar – notoriamente – custos avultados para trazer clientes “do outro lado do mundo”, e uma segurança adicional para o adquirente dos serviços, que apenas se constitui na obrigação de pagar, tendo assegurado o retorno decorrente da concretização das suas vendas, sendo de notar, ainda, que a actividade em questão permitia acomodar o custo adicional, assegurando uma margem de lucro para o vendedor.

                Por fim, no caso não se detecta, nem é substanciado pela AT, qualquer indício concreto de fraude ou evasão fiscal.

                Daí que se deverão considerar dedutíveis para efeitos fiscais as comissões pagas à B..., e que os correspondentes pagamentos não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

                Deste modo, e em face de todo o exposto, julga-se que, na parte ora em causa, enferma o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo por isso ser anulado, e procedendo consequentemente, nesta parte, o pedido arbitral.

*

iii.

Continua a Requerente, arguindo que os rendimentos pagos à B... estão dispensados de retenção na fonte, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Convenção entre Portugal e os Emiratos Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e do artigo 98.º, n.º 1 do CIRC.

A questão coloca-se porquanto os pagamentos que a Requerente afirma pagos à B..., foram efectuados na pessoa de J... .

Como refere a AT, a dispensa da retenção na fonte sobre os pagamentos em questão está dependente “da apresentação do formulário modelo 21 RFI, devidamente visado pelas autoridades fiscais daquele país, em nome do beneficiário efetivo dos rendimentos.”.

E, conforme resulta dos factos dados como provados, a Requerente apresentou o formulário modelo 21 RFI, visado pelas autoridades fiscais dos Emiratos Árabes Unidos, no qual é expressamente indicado que o beneficiário efectivo das transferências é a B... .

O que cumpre apurar, portanto, é se o beneficiário efectivo dos pagamentos em questão foi o destinatário dos mesmos -J ...– ou se, antes, foi a sociedade B... .

Ora, conforme decorre dos factos dados como provados, os pagamentos foram feitos por indicação do referido J..., enquanto representante da sociedade B..., para as contas bancárias por ele identificadas.

Daí que não se possa concluir de outra forma, que não a de que aquele J... não é o beneficiário efectivo dos pagamentos em questão.

Com efeito, ao contrário do que assume a AT, julga-se ser facto público e notório que nem sempre os pagamentos são feitos directamente ao credor, sendo legal e admissível que sejam feitos a terceiros, por indicação daquele, conforme, de resto, resulta expressamente do artigo 770.º do Código Civil.

Por outro lado, notório é, igualmente, que o conceito de beneficiário efectivo do pagamento, não se reconduz necessariamente ao de destinatário do pagamento, enquanto pessoa que financeiramente o recebe, visando, antes, abranger o titular do interesse económico que é saldado com o pagamento.

Sob este ponto de vista, dúvidas não restam que a Requerente saldou dívidas à B..., pelo que será esta a beneficiária efectiva das operações em causa.

Daí que haverá que julgar indevida a retenção na fonte sobre tais pagamentos, procedendo nessa parte, também, o pedido arbitral.

*

iv.

                Sustenta, por fim, a Requerente, que os gastos suportados com as comissões pagas à C... Ltd. são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

                Relativamente a esta matéria, não se julga possível atribuir razão à Requerente.

                Efectivamente, quanto ao ónus da prova nesta matéria, tem sido entendido pela jurisprudência nacional que:

“1. Só não são indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte”.

2. É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus probatório da indispensabilidade dos seus custos.

3. Contudo, se a administração tributária/at, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at.” .

                No caso, julga-se que se verifica a previsão do n.º 3 do sumário do Acórdão transcrito, ou seja, a AT suscitou fundadamente a dúvida sobre a relação justificada entre o gasto contabilizado pelo sujeito passivo, e a actividade deste.

                E, essencialmente, funda tal dúvida na circunstância de que “a fatura emitida pela entidade chinesa, com a indicação “sample”, não discrimina o bem ou o serviço prestado, contendo apenas a designação genérica: “comissão”, não referencia ou identifica o imóvel em causa, a sua localização, fração, urbanização onde está inserido, ou até mesmo o comprador”.

                Não se podendo deixar de julgar sustentado tal fundamento, haverá que considerar que “necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at”

                Ora, a Requerente não alegou, e consequentemente não provou, quaisquer “factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at”.

                Dessa forma, não se mostrando satisfeito o ónus da prova que impendia sobre a Requerente, deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

*

v.

                Por fim, sustenta a Requerente a verificação de ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material, porquanto, em suma, “os Serviços de Inspeção Tributária pretendendo demonstrar a errada contabilização de gastos, não poderiam ter deixado de fazer prova dos pressupostos em que assentou essa errada contabilização por parte da Requerente. o que no caso em apreço não sucede.”.

                Ora, como se viu já os actos de liquidação ora em crise assentam na declaração de substituição apresentada pela Requerente, e não no procedimento inspectivo a que aquela foi sujeita.

                Daí que, independentemente da verificação ou não das arguidas violações do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material no procedimento inspectivo, não seriam as mesmas, em caso algum, susceptíveis de se repercutir nas liquidações sub iudice, na medidade em que as mesmas não assentam nas conclusões daquele, mas na declaração da Requerente.

                Deverá, por isso, improceder o pedido arbitral, nesta parte.

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vi.

                Face a todo o exposto, deverá proceder parcialmente o pedido arbitral formulado, relativamente:

a)            Ao imposto liquidado decorrente da não consideração como gastos dedutíveis dos pagamentos efectuados à B...;

b)           Ao imposto relativo à tributação autónoma aplicada aqueles mesmos pagamentos;

c)            Ao imposto relativo à retenção na fonte sobre os pagamentos à referida B..., na pessoa de J... .

Consequentemente, deverão ser anuladas as liquidações de imposto e juros correspondentes, improcedendo o pedido arbitral na parte restante.

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vii.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos parcialmente anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular parcialmente, nos termos supra-determinados, os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2013, no valor de €159.713,33, de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €13.335,41, de liquidação de juros de mora n.º 2016..., no valor de €253,96, e da demonstração de acerto de contas n.º 2016 ... da qual resulta o valor a pagar de €149.788,14;

b)           Anular o acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º..., referente ao período de Junho de 2013, no valor de €6.250,00 e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €819,86, o acto de liquidação de retenção na fonte de IRC n.º..., referente a Agosto de 2013, no valor de €12.500,00, e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €1.557,53, e o acto de liquidação de retenções na fonte n.º..., referente ao período de Outubro de 2013, no valor de €18.750,00, e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., no valor de €2.210,95;

c)            Anular, consequente e correspondentemente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve os referidos actos de liquidação, ora anulados;

d)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

e)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €60,00, a cargo da Requerente, e de € 3.612,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 191.876,48, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Junho de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)

 

O Árbitro Vogal

(Ana Teixeira de Sousa)