Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 466/2018-T
Data da decisão: 2019-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 130.691,50
Tema: Encargos financeiros – Dedutibilidade – Art.º 23.º CIRC – Aceitação parcial dos atos – Art. 56.º CPTA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

                Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. José Ramos Alexandre, e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 5 de dezembro de 2018, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., (adiante designada por “Requerente”), com sede no ... n.º..., ...-... Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa autuada sob o n.º ...2017..., apresentada contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e inerentes juros compensatórios, com referência aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, cujas demonstrações de acerto de contas, resultaram no valor a pagar de € 43.197,05.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios sobre os quais recaiu, identificados no quadro seguinte, e, bem assim, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos (que cifra em € 6.276,91) e vincendos, até integral liquidação.

 

Períodos             Liq. Adicionais IRC           Demonst. Acerto de

contas  Notas de Cobrança. Acerto

de Contas

2013      2017 ... 2017 ... 2017 ...

2014      2017 ... 2017 ... 2017 ...

2015      2017 ... 2017 ... 2017 ...

                Total                     

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega vício de violação de lei, por infração ao disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, designadamente por serem dedutíveis os encargos financeiros corrigidos pela AT, em virtude de:

 

(a)          Tais gastos terem sido efetivamente incorridos e estarem documentalmente comprovados e suportados na contabilidade da Requerente, tendo permitido o desenvolvimento da atividade lucrativa desta e visado gerar rendimentos na sua esfera;

(b)          Nem todos os encargos financeiros respeitarem a empréstimos, estando evidenciadas comissões bancárias e imposto do selo associados a operações diversas, diretamente ligadas à atividade da Requerente e não a contratos de mútuo;

(c)          Relativamente aos instrumentos financeiros derivados, os inerentes encargos não se reportarem a juros de empréstimos, derivando de uma decisão de gestão não sindicável pela AT, tendo tais instrumentos sido contratados com a intenção de obter rendimentos. Os ganhos destes instrumentos foram tributados quando gerados, devendo também ser reconhecidas fiscalmente as respetivas perdas;

(d)          No caso dos contratos de mútuo celebrados com instituição bancária, os fundos obtidos pela Requerente terem sido, em parte, destinados ao reforço do seu fundo de maneio para pagamento de despesas correntes relativas a ordenados, letras, serviços, entre outros. Um desses contratos de mútuo remonta a 1992 (mútuo com hipoteca) e destinou-se a financiar a construção do edifício ..., e não as sociedades sócias da Requerente, que só vieram a ser constituídas em 2006, 14 anos depois. Assim, os encargos financeiros associados respeitam, de forma direta, à atividade da Requerente;

(e)          Ainda no que se prende com os contratos de mútuo bancários, a parte em que os capitais foram afetos pela Requerente às sociedades suas sócias, se ter ficado a dever às dificuldades financeiras que estas enfrentavam e visaram evitar a sua insolvência. Tal circunstância, a ocorrer, teria repercussões adversas na esfera da própria Requerente, cujo financiamento bancário, essencial à sua atividade de compra de imóveis para revenda, ficaria comprometido, se as sócias que detêm o seu capital fossem decretadas insolventes, pertencendo ao mesmo conjunto de empresas, com sócios e interesses comuns. Nalguns casos, as quantias emprestadas foram restituídas à Requerente poucos dias depois de terem sido disponibilizadas;

(f)           Neste contexto, tais gastos não poderem deixar de ser considerados indispensáveis para a realização de proveitos e para a manutenção da fonte produtora da Requerente;

(g)          Relativamente a estes empréstimos às sociedades sócias da Requerente, não obstante ter considerado na Reclamação Graciosa que os encargos associados não eram fiscalmente relevantes, ter alterado a sua posição, quando do exercício do direito de audição sobre o projeto de indeferimento da Reclamação, no sentido agora preconizado da sua dedutibilidade;

(h)          O controlo da AT ser um controlo pela negativa, que apenas pode desconsiderar os gastos que, de forma manifesta, não tenham a potencialidade de gerar incrementos ou ganhos, ainda que indiretos, o que não sucedeu na situação vertente.

 

                A Requerente juntou 34 documentos e requereu prova testemunhal.

 

                O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, no dia 25 de setembro de 2018.

 

               

                Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

                Em 15 de novembro de 2018, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

                O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 5 de dezembro de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

                Em 22 de janeiro de 2019, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual conclui pela improcedência e consequente absolvição do pedido, com a manutenção na ordem jurídica dos atos impugnados.

 

                Para tanto, invoca que os atos tributários impugnados consubstanciam a correta aplicação do direito aos factos, uma vez que a Requerente efetuou empréstimos não remunerados às sociedades suas sócias tendo, ao mesmo tempo, suportado encargos financeiros resultantes dos empréstimos contraídos. Atendendo a que os empréstimos concedidos às sócias foram sempre superiores aos empréstimos obtidos, considerou os inerentes encargos indedutíveis na íntegra, por falta de comprovação desses gastos com a atividade produtiva e com a obtenção de lucro/rendimento na esfera da Requerente.

 

                Sustenta a Requerida que, mesmo quando exista uma relação de grupo, as sociedades integrantes não perdem a sua personalidade e capacidade tributária, o que implica que cada sociedade tenha os seus próprios gastos. Assim, para que os gastos sejam indispensáveis, de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, rejeitando-se os que tenham sido suportados para potenciar ganhos de sociedades terceiras, em linha com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), que utiliza o “objeto ou escopo social da entidade” como parâmetro decisório.

 

                Na perspetiva da Requerida, não são dedutíveis os juros suportados por uma empresa relativamente a empréstimos em que se comprove que os fundos obtidos são desviados da sua própria exploração para a de outra com a qual está relacionada. Aí, o nexo de indispensabilidade teria de ser apurado relativamente à sociedade beneficiária do financiamento gratuito, caso esta tivesse suportado os encargos, e não na esfera da Requerente. 

 

                Acrescenta que a interpretação pugnada pela Requerente viola o princípio da tributação do rendimento real das empresas, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, ao admitir a dedução de encargos não relacionados com a atividade económica própria do sujeito passivo e à margem do seu objeto social, mas antes com a atividade das suas sócias.

 

                A Requerida solicitou a dispensa de prova testemunhal, indicando, ad cautelem, uma testemunha. Em 31 de janeiro de 2019, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”).

 

                Notificadas as partes, por despacho de 1 de fevereiro de 2019, para exercício do contraditório relativamente à dispensa de prova testemunhal, a Requerente manifestou que a prova carecia de complemento testemunhal.

 

                Por despacho de 11 de fevereiro de 2019, o Tribunal Arbitral determinou a realização da diligência de inquirição de testemunhas, que teve lugar no dia 15 de março de 2019, na qual foram ouvidas as duas testemunhas arroladas pela Requerente, B... e C..., e prescindida a testemunha arrolada pela AT.

 

                Terminada a inquirição, o Tribunal Arbitral suscitou oficiosamente a exceção de aceitação (parcial) dos atos tributários, prevista no artigo 56.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável por remissão do artigo n.º 29, n.º 1, alínea c) do RJAT, e notificou as partes para apresentarem alegações escritas sucessivas, com fixação do prazo de 10 dias. Por fim, foi designada a data para prolação da decisão arbitral e advertida a Requerente para, até ao termo do prazo, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar esse pagamento ao CAAD.

               

                Em 26 de março de 2019, a Requerente apresentou alegações escritas, mantendo o que tinha referido no pedido de pronúncia arbitral, que considera reforçado pela prova testemunhal produzida. Quanto à exceção suscitada pelo Tribunal, de aceitação parcial dos atos tributários, afirma que o facto de ter alterado o seu entendimento, quando do exercício da audição prévia relativa ao projeto de decisão (de indeferimento) da Reclamação Graciosa, comporta que não possa interpretar-se que aceitou o ato para efeitos do artigo 56.º do CPTA, pelo que tal exceção não se aplica ao presente caso.

 

                A Requerida apresentou alegações escritas em 4 de abril de 2019, mantendo o teor da Resposta.

 

                Acrescenta, quanto à matéria de exceção, que a Requerente manifestou de forma expressa no requerimento de Reclamação Graciosa que os encargos financeiros aí referidos, que associou aos empréstimos às sócias, não eram fiscalmente dedutíveis e que aceitava as correções realizadas, pois os valores não tinham sido utilizados na sua atividade, mas para financiar empresas do Grupo.

 

                Assim, entende a Requerida que se verifica a exceção de aceitação parcial do ato, independentemente de quem a suscitou.

 

                No tocante à prova produzida, a Requerida considera que os depoimentos das testemunhas não lograram demonstrar os factos alegados, cuja prova é documental, tendo a razão de ciência daquelas sido o conhecimento indireto, por “ouvir dizer”, uma vez que os factos em causa são anteriores a 2015, exercício a partir da qual iniciaram a colaboração com a Requerente.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A cumulação de pedidos é admissível, porquanto, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, se trata de apreciar as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos princípios ou regras de direito, relativos ao enquadramento dos encargos financeiros incorridos pela Requerente na previsão do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, embora respeitantes a exercícios distintos.

 

O processo não enferma de nulidades, tendo sido oficiosamente suscitada a exceção de aceitação parcial dos atos tributários, contemplada no artigo 56.º do CPTA, de seguida apreciada, logo após a fixação da matéria de facto.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade anónima de direito português, com atividade desde 1989, que desenvolve, a título principal, a atividade de arrendamento de bens imobiliários, sob o CAE 68200, e tem por objeto social a administração, exploração, aquisição e venda de quaisquer bens, mobiliários e imobiliários – cf. informação constante do Relatório de Inspeção Tributária  ou “RIT”, que faz parte integrante do PA e da certidão permanente junta com pedido de pronúncia arbitral (“ppa” – Documento 8).

 

B.            A Requerente está enquadrada, no regime geral de IRC e cumpre as suas obrigações declarativas em IRC e IVA – cf. RIT.

 

C.            Em 1992, a Requerente celebrou com o Banco D..., S.A. (“D...”) um contrato de mútuo com o objetivo de financiar a construção do edifício sito no ..., ..., que gerou encargos financeiros, nos exercícios de 2013 a 2015, na importância de € 144.111,30 – cf. documentos 25, 26 e 29 juntos com o ppa e procedimento de Reclamação Graciosa.

 

D.           Em 2008, o D... financiou a Requerente no montante de € 1.000.000,00, tendo esta procedido à transferência de € 500.000,00 para a E..., SGPS, LDA. e de € 500.000,00 para a F..., SGPS, LDA., sociedades que, em conjunto, detinham a totalidade do capital social da Requerente – cf. documentos juntos com o ppa, 20 e 21.

 

E.            Este financiamento contraído pela Requerente (de € 1.000.000,00) gerou encargos financeiros, nos exercícios de 2013 a 2015, na importância de € 68.860,74, segregada nos seguintes termos:

(a)          2013 – € 23.768,81;

(b)          2014 – € 24.033,62;

(c)          2015 – € 21.058,31,

– cf. extratos de conta juntos com o ppa (documentos 16, 20, 21, 24, 29 e 33) e procedimento de Reclamação Graciosa.

 

F.            As sociedades E..., SGPS, LDA. E F..., SGPS, LDA., haviam sido constituídas em 2006 – cf. documentos juntos com o ppa (certidões permanentes), 27 e 28.

 

G.           Em 19 de setembro de 2008, a Requerente assumiu, por contrato de transmissão singular de dívida, o financiamento de € 4.000.000,00 que tinha sido contraído pela sociedade G..., SGPS, S.A. junto do D..., tendo emprestado esse valor às suas sócias acima identificadas – cf. documentos juntos com o ppa, 22 a 24 e RIT.

 

H.           Este financiamento contraído pela Requerente gerou encargos financeiros, nos exercícios de 2013 a 2015, na importância de € 254.404,80, segregada nos seguintes termos:

(a)          2013 – € 86.911,10;

(b)          2014 – € 89.267,97;

(c)          2015 – € 78.225,73,

– cf. extratos de conta juntos com o ppa (documentos 16, 20, 21, 24, 29 e 33) e procedimento de Reclamação Graciosa.

 

I.             Em 14 de janeiro de 2011, a Requerente obteve do D..., financiamento de médio e longo prazo que, de acordo com o correspondente lançamento contabilístico, se cifrou no valor de € 444.000,00, conforme extrato da conta #25114, tendo feito duas transferências bancárias, de € 48.000,00 cada, para as sociedades E..., SGPS, LDA. E F..., SGPS, LDA., suas sócias. Tais quantias foram devolvidas em 20 de julho de 2011 e em 9 de novembro de 2011. No mais, pagou diversas operações no âmbito da sua atividade, como ordenados, juros, prestações de serviços, entre outros – cf. documentos juntos com o ppa, 15-16, 17-19, e procedimento de Reclamação Graciosa e RIT.

 

J.             Em 23 de janeiro de 2013, o D... celebrou com a Requerente um contrato de empréstimo de € 200.000,00 destinado a fundo de maneio da mutuária – cf. documento 30 junto com o ppa e procedimento de Reclamação Graciosa.

 

K.            Este financiamento contraído pela Requerente gerou encargos financeiros, nos exercícios de 2013 a 2015, na importância de € 30.741,93, segregada nos seguintes termos:

(a)          2013 – € 10.323,61;

(b)          2014 – € 10.395,00;

(c)          2015 – € 10.023,32,

– cf. extratos de conta juntos com o ppa (documentos 16, 20, 21, 24, 29 e 33) e procedimento de Reclamação Graciosa.

 

L.            Em 23 de janeiro de 2013, a Requerente transferiu € 85.000,00 para a G..., SGPS, S.A., tendo este valor sido restituído em 25 de janeiro de 2013, dois dias depois – cf. documento 32 junto com o ppa.

 

M.          Foram ainda transferidos € 70.000,00, em 25 de janeiro de 2013, e € 40.000,00, em 8 de fevereiro de 2013, para a F..., SGPS, LDA. – cf. documentos 32 a 34 junto com o ppa.

 

N.           No exercício de 2013, a Requerente incorreu em encargos financeiros no valor total de € 273.979,30, dos quais:

i.             € 48,48 – respeitam a comissões bancárias e imposto do selo que não são conexos com juros de empréstimos;

ii.            € 1.200,00 – referem-se a imposto do selo da verba 17.1.3 da TGIS, relativo à utilização de crédito em instituição bancária;

iii.           € 85.905,26 – prendem-se com perdas em derivados, contabilizados como encargos de “Swap” e € 14.001,24 com a liquidação de derivados, 

– cf. RIT, documentos do procedimento de Reclamação Graciosa que constam do PA e 9 a 14 do ppa.

 

O.           Com referência a 2014, a Requerente incorreu em encargos financeiros na importância de € 261.398,70, dos quais:

i.             € 149,86 – referem-se a imposto do selo pago sobre comissões bancárias e acréscimo pago em execução fiscal, não conexos com juros de empréstimos;

ii.            € 72.770,42 – prendem-se com perdas em derivados, contabilizados como encargos de “Swap” e € 14.651,01 com a liquidação de derivados,

– cf. RIT, documentos do procedimento de Reclamação Graciosa que constam do PA e 9 a 14 do ppa.

 

P.            Em 2015, a Requerente suportou encargos financeiros de € 228.528,54, dos quais € 62.547,08 são imputáveis a instrumentos derivados, contabilizados como encargos de “Swap” e € 12.480,86 à liquidação de derivados – cf. RIT e documentos 12 a 14 juntos com o ppa.

 

Q.           A Requerente realiza operações com derivados desde 2007, tendo realizado ganhos com essas aplicações nos anos 2007 e 2008, que foram como tal contabilizados. A partir daí tem registado quase sempre perdas – cf. Documento 11 junto com o ppa.

 

R.            A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária interna, aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, de âmbito parcial, ao abrigo das ordens de serviço 0I2017... e 0I2017..., de 9 de fevereiro de 2017, com despacho de 10 de fevereiro de 2017, e 0I2017... de 10 de abril de 2017, com despacho de 11 de abril de 2017, para efeitos de controlo em IRC da dedução de encargos financeiros – cf. RIT.

 

S.            Em resultado desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório, para exercer o direito de audição sobre as correções preconizadas à matéria coletável de IRC declarada naqueles exercícios, referentes a encargos financeiros considerados não dedutíveis – cf. PA.

 

T.            A Requerente optou por não exercer o direito de audição e o Projeto converteu-se em definitivo, com despacho favorável da Chefe de Divisão, de 31 de maio de 2017, tendo sido corrigida a matéria coletável da Requerente, com o acréscimo de € 763.279,82, repartido pelos exercícios de 2013 a 2015 nos seguintes moldes:

i.             € 273.352,57, para o exercício de 2013;

ii.            € 261.398,71, para o exercício de 2014;

iii.           € 228.528,54, para o exercício de 2015;

– cf. RIT.

 

U.           Como fundamento destas correções, refere o RIT:

“[…]

Analisados os contratos de suporte aos empréstimos obtidos, os documentos contabilísticos e as demonstrações financeiras do sujeito passivo, verifica-se que durante os anos de 2013, 2014 e 2015 o mesmo recorre a financiamento, através de empréstimos bancários e concede empréstimos a empresas do grupo, sem contrato de suporte.

Em 2013 estes empréstimos estão contabilizados nas subcontas SNC «25311 – Empresas do Grupo/E..., SGPS, Lda.» e «25312 – Empresas do Grupo/F..., SGPS, Lda.», tendo no final do ano havido uma reclassificação de contas, passando os empréstimos concedidos a estar relevados nas subcontas «2681 – Sócios/E... SGPS, Lda.» e «2682 – Sócios/F... SGPS, Lda.», que apresentam saldos devedores.

Nos anos seguintes os empréstimos concedidos mantêm-se contabilizados em subcontas de sócios (E... SGPS, Lda. e F... SGPS, Lda.), os quais detêm respetivamente 50% do capital social da A... .

Ainda através da análise aos documentos contabilísticos, bem como à Informação Empresarial Simplificada relativa a cada um dos anos, verifica-se não ter existido o recebimento de quaisquer juros relativos aos créditos concedidos.

 

III.          DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. Correções em sede de IRC

III.1.1. Encargos Financeiros não aceites fiscalmente

Financiamentos obtidos

Da análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2013, 2014 e 2015, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, contabilizado nas diversas subcontas da conta SNC «25 – Financiamentos Obtidos» – cfr. Anexo 3, que apresentam os saldos finais, que a seguir se discriminam:

 

Conta    2013      2014       2015

25 – Financiamentos obtidos                                    

251 – Instituições Crédito e Soc. Financeiras                                      

2511 – Empréstimos Bancários                                

25116 –D... 2909137830009        413.529,30          413.529,30          362.986,83

25117 –D... 2909137830010        699.455,79          699.455,79          613.966,67

25118 –D... 2909137830011        2.597.981,66      2.597.981,66       2.280.450,34

25119 –D...2909137830012         1.466.097,93      1.466.097,93       1.286.908,42

25120 – 2909137830013               200.000,00          200.000,00          175.555,38

Totais    5.377.064,68       5.377.064,68      4.719.867,64

 

Encargos Suportados com Empréstimos Bancários

Analisadas as contas de gastos, nomeadamente as contas SNC «68 – Outros Gastos e Perdas» e «69 – Gastos e Perdas de financiamento» (vd. anexo 3), verifica-se que o sujeito passivo suportou, nos anos em análise, os seguintes encargos:

 

Conta    Montantes

2013      Em euros

2014      (saldos devedores)

2015

68 – Outros Gastos e Perdas

(…)                                        

6812317 – Operações Financeiras           8.382,80               6.857,19              

69 – Outros Gastos e Perdas de Financiamento

(…)                                        

691111 – Empréstimos bancários            179.064,51          181.771,10          165.947,90

69112 – Juros Financ. Obtidos Swap

(…)                                         62.580,64

69141 – Juros Swap/D...              85.905,26            72.770,42            

Totais    273.352,57          261.398,71          228.528,54

 

Empréstimo Concedido

Para além dos empréstimos que contraiu e relativamente aos quais suportou os juros acima referidos, a Sociedade Imobiliária concedeu entre 2013 e 2015 crédito a duas entidades, que no seu conjunto detêm a totalidade do seu capital social, contabilizado, no ano de 2013 nas subconta SNC «2681 – Acionistas/Sócios/E..., SGPS, Lda.» e «2682 – Acionistas/Sócios/F..., SGPS, Lda.» – cfr. anexo 3, como se pode ver no quadro seguinte, onde se apresentam os saldos referentes ao final de cada ano.

 

Conta    Montantes

2013      Em euros

2014      (saldos devedores)

2015

26 – Acionistas/Sócios                                 

2681 –E..., SGPS, Lda      3.196.097,27      3.194.084,27      3.194.084,27

2682 –F..., SGPS, Lda      3.631.418,34      3.630.168,34      3.630.168,34

Totais    6.827.515,61       6.824.252,61      6.824.252,61

 

De referir que durante o ano de 2013 os empréstimos concedidos às empresas que detêm o capital social do sujeito passivo estavam contabilizados nas subcontas 25311 – Participantes de Capital/Empresas do Grupo E..., SGPS, Lda.» e «2531225311 – Participantes de Capital/Empresas do Grupo F..., SGPS, Lda.».

Em 31 de dezembro o sujeito passivo procedeu a uma reclassificação de contas, saldando as atrás referidas e passando a refletir os empréstimos aos participantes de capital em subcontas da conta 26 – Sócios/Acionistas, conforme consta do quadro acima.

 

Da análise efetuada aos elementos remetidos verificou-se o seguinte:

•             As subcontas «2681 –E..., SGPS, Lda.» e «2682  F...– SGPS, Lda.» apresentam saldos finais devedores em 2013, 2014 e 2015, sendo que a E..., SGPS, Lda. e a F..., SGPA, Lda. detêm em conjunto a totalidade do capital da   A...;

•             O valor que se encontra em dívida, ao longo dos três exercícios, não vence quaisquer juros, tal como se pode verificar dos balancetes (Anexo 3) e das demonstrações financeiras, não existindo assim qualquer rendimento ou ganho associado a estes créditos concedidos.

Assim, verifica-se que o sujeito passivo, nos anos em análise, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes dos empréstimos que contraiu, concedeu empréstimos a duas empresas que, em conjunto detêm a totalidade do seu capital (50% cada uma das entidades), não tendo obtido qualquer remuneração pelo valor dos empréstimos concedidos.

 

Enquadramento legal dos gastos financeiros

Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e de, simultaneamente, estar a conceder empréstimos a empresas que participam no seu capital, não remunerados, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23º do CIRC.

Nos termos do nº 1 do referido artigo, na redação aplicável até 2013 «…Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração…»

Por seu turno, o artigo 23.º do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou este Código, e aplicável em 2014 e 2015, determina os gastos aceites para efeitos da determinação do lucro tributável.

Assim, «Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.»

Podemos então concluir que tanto na redação em vigor em 2013, como após a republicação do CIRC em 2014, são requeridos três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados, sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto1.

1 António Moura Portugal: «A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa», Coimbra Editora, 2004, pag. 108 e seguintes. 

O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja à sua prova documental.

O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos «ganhos sujeitos ou à manutenção da fonte produtora». Decorre do princípio geral do artigo 23.º do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.

Esta cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo código do IRC, é o da exigência de ligação aos «rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora». Decorre do princípio geral do artigo 23º do CIRC que as despesas realizadas pelo sujeito passivo, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos, e, simultaneamente, «concede» financiamento, não remunerado, de valor superior ao valor dos empréstimos contraídos, às entidades que detêm o seu capital.

Daqui resulta que os referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo. Ao não estarem relacionados com a atividade do sujeito passivo, não se mostra cumprido o requisito da indispensabilidade dos encargos financeiros contabilizados pelo mesmo, conforme estabelecido no artigo 23º do CIRC.

Assim, relativamente aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, não serão de aceitar fiscalmente a totalidade dos juros de empréstimos bancários suportados pelo sujeito passivo.

 

Determinação dos gastos financeiros não aceites fiscalmente

Para determinação dos encargos financeiros não aceites, para efeitos fiscais, considerou-se o seguinte:

•             Foram considerados os juros contabilizados nas subcontas  «6812317 – Outros Gastos e Perdas/lmposto de Selo/Operações Financeiras»; «69111 –  Gastos e Perdas de Financiamento/juros financiamento obtidos/de empréstimos bancários»; «69112 – Juros de Financiamentos Obtidos Swap» e «69141 –  Juros Swal/D... »;

•             Atendendo a que o montante de empréstimos concedidos é sempre superior aos empréstimos obtidos, resultando um rácio «empréstimos concedidos/empréstimos obtidos» superior a um, não serão aceites a totalidade encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo.

Pelo exposto propõe-se o acréscimo dos montantes não aceites como gasto fiscal, para apuramento do resultado tributável, nos montantes que a seguir se indicam, que resultam do somatório dos valores inscritos nas referidas subcontas:

•             € 273.352,57, para o exercício de 2013;

•             € 261.398,71, para o exercício de 2014;

•             € 228.528,54, para o exercício de 2015.

[…]”.

 

V.           A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios relativas aos exercícios de 2013 a 2015, nos seguintes moldes:

(a)          Exercício de 2013 - Liquidação de IRC emitida sob o n.º 2017..., datada de 9 de junho de 2017, incluindo juros compensatórios, com valor a pagar de € 87,60;

(b)          Exercício de 2014 - Liquidação de IRC emitida sob o n.º 2017..., datada de 9 de junho de 2017, incluindo juros compensatórios, com valor a pagar de € 1.451,75, cuja demonstração de acerto de contas n.º 2017... resultou na importância a pagar de € 18.327,01;

(c)          Exercício de 2015 - Liquidação de IRC emitida sob o n.º 2017..., datada de 9 de junho de 2017, incluindo juros compensatórios, com valor a pagar de € 24.782,44, cuja demonstração de acerto de contas n.º 2017... resultou na mesma importância a pagar,

– cf. Documentos 1 a 3 juntos com o ppa.

 

W.          A Requerente procedeu ao pagamento das seguintes quantias que lhe foram liquidadas no total de € 124.414,59:

i.             Em 5 de maio de 2017, € 80.950,74 (€ 40.478,20*2), com referência ao exercício de 2013 – cf. Documento 4 junto com o ppa e PA;

ii.            Em 8 de setembro de 2017, € 18.463,93, relativamente ao exercício de 2014 – cf. Documento 5 junto com o ppa e PA;

iii.           Em 21 de setembro de 2017, € 24.999,92, respeitante a 2015 – cf. Documento 6 junto com o ppa e PA.

 

X.            Em 4 de outubro de 2017, não concordando parcialmente com as liquidações de IRC e de juros compensatórios acima identificadas, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa. No requerimento de Reclamação apresentado pela Requerente, esta aceita parcialmente as correções da AT, nos moldes infra transcritos:

“39.º

Em 2008, foi concedido à Reclamante, também pelo Banco D..., S.A. um contrato de mútuo no valor de € 1.000.000,00 – trata-se do contrato de mútuo n.º..., identificado no quadro supra como 010.

40.º

Neste caso, verificou-se que aquele montante foi mutuado às sociedades E..., SGPS, Lda. e a F..., SGPS, Lda., tendo sido transferido para cada uma delas o valor de € 500.000 […].

  41.º

Verifica-se, portanto, que os encargos financeiros suportados pela Reclamante com este

financiamento, no montante de €68.860,74 […], não são fiscalmente dedutíveis, pelo que a Reclamante aceita as correções realizadas.

  42.º

No que concerne o contrato de mútuo n.º..., identificado no quadro supra como 011 […], originou encargos financeiros no montante de €254.404,80 […].

  43.º

A Reclamante aceita as correções realizadas relativamente aos encargos financeiros associados a este contrato, na medida em que, de facto, os valores mutuados não foram integralmente utilizados no âmbito da sua atividade, mas sim utilizados para efeitos de financiamento de empresas do grupo de que a Reclamante faz parte.

[…]

  55.º

Verifica-se, assim, que do financiamento obtido pela Requerente em 2013, no valor total de €200.000, apenas o valor de €110.000, referido no artigo anterior e correspondente a 55% do total do financiamento, não foi utilizado no âmbito da atividade da Reclamante.

[…]

  59.º

Aceitando a Reclamante a correção dos gastos financeiros de €30.741,93, correspondentes a 55% dos encargos financeiros suportados relativamente a este contrato.

  60.º

Em resumo, e considerando o que vimos de expor, entende a Reclamante que são de aceitar as correções identificadas no quadro seguinte:

 

 

Ano       Imposto selo e enc. bancários   

Derivados           2011       2008      2008      1992      2013     

Totais

                                               Liquid. Derivados            Reestrut. Passivo             Transm. Dívida  Construção Prédio          Fundo Maneio

                                               009         010         011         012         013        

2013      -  €          -  €          -  €          23.768,81 €        86.911,10 €        -  €          5.677,99 €          116.357,90 €

2014      -  €          -  €          -  €          24.033,62 €        89.267,97 €        -  €          5.717,25 €          119.018,85 €

2015      -  €          -  €          -  €          21.058,31 €        78.225,73 €        -  €          5.512,83 €          104.796,87 €

Totais    -  €          -  €          -  €          68.860,74 €        254.404,80 €      -  €          16.908,06 €        340.173,61 €

  61.º

As restantes correções propostas, no valor de €421.699,38, carecem de fundamento legal, razão pela qual devem ser anuladas. […]”.

 

Y.            A Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, tendo exercido o direito de audição no qual manifestou a sua discordância integral sobre  as correções realizadas pela AT à sua matéria coletável dos exercícios de 2013 a 2015, incluindo as que já havia aceite no requerimento inicial, revertendo, quanto a estas, a sua posição – cf. ofício de notificação, projeto de indeferimento e direito de audição constantes do PA.

 

Z.            Em 25 de junho de 2018, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, com fundamento na falta de comprovação clara e inequívoca de que os gastos em crise cumprem os requisitos do artigo 23.º do Código do IRC – cf.  ofício de notificação e informação anexa juntos com o ppa (documento 7) e constantes do PA.

 

AA.        Em 24 de setembro de 2018, não se conformando com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa referente às liquidações de IRC e juros compensatórios vertentes, a Requerente apresentou, por intermédio do Sistema de Gestão Processual do CAAD, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

2.            MOTIVAÇÃO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em consideração a posição assumida pelas partes e fundou-se na análise crítica da prova documental produzida.

 

As duas testemunhas inquiridas, B... e C..., iniciaram a sua colaboração com a Requerente, assegurando a sua contabilidade, a partir de 2015, pelo que não têm conhecimento contemporâneo e direto dos factos.

 

Com relevo para a decisão não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada.

 

3.            DO DIREITO

 

Previamente à análise de mérito, referente à dedutibilidade em IRC dos encargos financeiros incorridos pela Requerente, nos exercícios de 2013 a 2015, importa apreciar se a Requerente se conformou parcialmente com os atos tributários impugnados na Reclamação Graciosa, circunstância que, a verificar-se, implica a verificação do requisito processual negativo de aceitação (parcial) daqueles atos e obsta, nessa medida, ao conhecimento do fundo da causa. 

3.1.        PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS: ACEITAÇÃO PARCIAL DOS ATOS TRIBUTÁRIOS – ARTIGO  56.º DO CPTA

 

A aceitação dos atos administrativos, nos quais se compreendem, como subespécie, os atos tributários, configura um pressuposto processual com consagração expressa no artigo 56.º do CPTA, que dispõe nos seguintes termos:

“Artigo 56.º

Aceitação do Ato

1 - Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.

2 - A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar.

3 - […]”

 

Esta norma insere-se na disciplina específica da impugnação de atos administrativos (Secção I, Capítulo II, Título II), sob a epígrafe “Da legitimidade” (Subsecção II), pelo que o elemento sistemático milita no sentido de constituir uma manifestação do pressuposto processual da legitimidade caracterizado, quanto à parte ativa da relação material, pelo interesse direto e pessoal em demandar. Não obstante, a doutrina administrativa entende que não se trata propriamente de uma questão de legitimidade, mas de um pressuposto processual autónomo, inominado, ou de (mero) interesse em agir (corrente minoritária ). Independentemente da respetiva qualificação jurídica, é inequívoco que a sua constatação configura uma questão prévia que impede o conhecimento de mérito.

 

Refere VIEIRA DE ANDRADE que esta figura consubstancia “um ato jurídico voluntário ao qual a lei reporta um certo efeito de direito – a perda da faculdade de impugnar – independentemente de o particular ter ou não querido a efetiva produção desse resultado”, defendendo que se trata de um pressuposto autónomo, distinto da falta de interesse em agir e da ilegitimidade (cf. Aceitação do Ato Administrativo, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra , 2003, pp. 907 e ss.). Em sentido similar se pronunciam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA NO COMENTÁRIO AO CPTA (2005, Almedina, pp. 285-290).

 

O efeito da perda do direito prende-se com a desnecessidade de proteção judicial e a estabilização dos efeitos do ato, pois ao aceitá-lo, o contribuinte mostra ter perdido o interesse na sua impugnação.

 

Idêntico princípio vigora no procedimento administrativo, perdendo a legitimidade para reclamar ou recorrer “quem, sem reserva, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, um ato administrativo depois de praticado”, por se considerar uma espécie de venire contra factum proprium (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, CPA Comentado, 2.ª Edição, Almedina, 1997 [reimpressão, 2003], p. 287) – cf. artigo 186.º, n.º 2 do novo CPA (artigo), com correspondência no que já dispunha o artigo 53.º, n.º 4 do CPA de 1991.

 

Na situação em apreço, é indesmentível que no requerimento inicial da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, esta aceitou de forma expressa e sem reservas uma parte das correções que a AT efetuou à matéria coletável de IRC, reportadas aos exercícios de 2013 a 2015.

 

Em concreto, estão em causa os encargos financeiros incorridos em relação: i) ao empréstimo do D...  de € 1.000.000,00, concedido em 2008; ii) ao contrato de transmissão singular de dívida, de € 4.000.000,00, também de 2008; e iii) a uma componente, no valor de € 110.000,00, do empréstimo do D..., obtido em 23 de janeiro de 2013 (no montante total de € 200.000,00), na medida em que os fundos obtidos foram canalizados pela Requerente, através de empréstimos gratuitos, a outras sociedades do Grupo, que detêm, na totalidade, o seu capital social.

 

Deste modo, foi a própria Requerente que, na Reclamação Graciosa deduzida, estabeleceu a conexão entre os encargos financeiros por si incorridos e os empréstimos realizados às sociedades que detêm o seu capital social, identificando-os em quadro autónomo e quantificando o valor que, a este título, considerou não ser fiscalmente dedutível na sua esfera, de € 340.173,61, por não o considerar afeto à sua atividade, mas antes à das sociedades beneficiárias dos empréstimos.

 

Esta manifestação explícita de aceitação parcial das correções da AT, por parte da Requerente consubstancia um requisito processual negativo legalmente previsto, e comporta, nos termos do citado artigo 56.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, falta de “legitimidade” processual, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça a questão de fundo, dando lugar à absolvição da instância, no caso apenas parcial, de acordo com o artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e) do CPTA.

 

Afiguram-se irrelevantes as modificações de comportamento posteriores à aceitação do ato, designadamente a manifestação de uma opinião diversa em fase de direito de audição da Reclamação Graciosa, inexistindo suporte legal para que se possa concluir que, por essa via, resultaria eliminada, com efeitos retroativos, a precedente aceitação dos atos. 

 

À face do exposto verifica-se a exceção dilatória de aceitação – parcial – dos atos de liquidação de IRC, relativamente às correções de encargos financeiros afetas (pela própria Requerente) a empréstimos a outras sociedades do Grupo, no valor de € 340.173,61, pelo que, neste segmento, o Tribunal Arbitral não pode conhecer do mérito, absolvendo, nessa medida a Requerida da instância.

 

3.2.        DO MÉRITO

 

                A DEDUTIBILIDADE FISCAL NO ARTIGO 23.º, N.º 1 DO CÓDIGO DO IRC

 

                Constitui fundamento exclusivo das correções promovidas pela AT à matéria coletável de IRC da Requerente a invocada conexão entre os encargos financeiros por esta suportados, resultantes de empréstimos contraídos, e a concessão de empréstimos não remunerados às sócias que participam no seu capital, o que, segundo a AT, implica que tais encargos não estejam diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo e, portanto, que não se mostre cumprido o requisito da sua indispensabilidade, conforme estabelecido no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, com a consequente indedutibilidade fiscal.

 

                Neste âmbito, entende-se, em linha com a posição da AT, que a concessão não remunerada de meios financeiros a sociedades detentoras do próprio capital social não passa o teste do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, uma vez que não observa a necessária conexão causal entre os gastos e a sua atividade e escopo social, através da qual se visam obter ou garantir rendimentos, seja na redação em vigor até 2013, seja na que foi introduzida na sequência da Reforma do IRC, com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, cujo início de vigência produziu efeitos no exercício de 2014.

 

                Neste âmbito, acompanha-se o sentido da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 181/2018-T, de 7 de março de 2019, que começa por comparar a redação da norma, antes e depois da citada Reforma, para concluir que os encargos financeiros associados a empréstimos realizados, a título gratuito, a sociedades detentoras do capital social, não são dedutíveis para efeitos de IRC, pelas razões infra transcritas:

 

                “Até ao exercício de 2013, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto [IRC] apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade, dispondo o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC nos seguintes moldes:

 «Artigo 23.º

Gastos

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…]»

 

A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito. 

 

                Como reconhece SALDANHA SANCHES, é «no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo», acrescentando que «o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários» – «Os Limites do Planeamento Fiscal», Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.

 

                É hoje relativamente consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.

 

Tal noção, como consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo («STA») (pleno) n.º 49/11, de 15.06.11  – tem de ser interpretada como «um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo».

 

Deste modo, a «Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa», conforme preconizado pelo Acórdão do STA n.º 1236/05, de 29.03.06.

 

O que significa, na explicitação do Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.11, que «a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…).» […] - Acórdão do STA n.º 627/16, de 28.06.17.

[…]

Com a Reforma do IRC suprimiu-se a referência à «indispensabilidade» dos gastos, conforme se transcreve:

«Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…]»

 

Mantém-se, no entanto, a conexão necessária entre os gastos e o objetivo de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.

Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –, a alteração visou confirmar o afastamento da «interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos» e contribuir desta forma para o «decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa», acolhendo a jurisprudência firmada que sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente dos sócios.

 

Uma vez que é esta interpretação do conceito de indispensabilidade que se acolhe na apreciação da matéria referente ao exercício de 2013, a modificação do texto legal ocasionada pela Reforma do IRC não afetou o entendimento anteriormente prevalecente, constituindo antes uma clarificação, pelo que a análise do exercício de 2014 será feita conjuntamente com a do exercício de 2013.

                               […]

Tendo em conta os critérios acima descritos, a concessão de empréstimos gratuitos à sociedade-mãe não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro pela Requerente, pois não é a Requerente que detém participações na sociedade-mãe, mas o inverso. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a Requerente seja titular que esteja subjacente a essa operação de financiamento à sociedade-mãe. Também não é convocável nestas circunstâncias o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%, para se julgar verificado o interesse no investimento. É que aqui a influência significativa exerce-se no sentido oposto […].

 

O interesse social que está implícito na disponibilização gratuita dos meios financeiros em questão é de forma manifesta o da sociedade-mãe. Ainda que eventualmente se invocasse o interesse, difuso, do Grupo económico em que se insere a Requerente, não se afigura que tal fosse passível de ser encarado como atividade da própria Requerente, porquanto essa é uma responsabilidade da sociedade dominante, no âmbito da gestão dos seus ativos financeiros, e não da Requerente, a qual configura um sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídico tributária própria.

 

Diferentemente do que sucede com a gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas, no caso particular de empréstimos à sociedade-mãe inexiste a suscetibilidade de a relação entre esta e a Requerente gerar rendimentos, como sejam os ditos dividendos e mais-valias, ou o incremento de ganhos tributáveis na esfera desta última.

 

Deste modo, no tocante aos financiamentos não remunerados concedidos pela Requerente à sociedade-mãe, conclui-se que estes não são realizados no âmbito da atividade da primeira e em ordem ao seu interesse social, pelo que, em sintonia com a Requerida, os encargos financeiros com aqueles incorridos não passam o crivo da necessária relação causal entre os gastos incorridos e a atividade da Requerente, prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e, em consequência, não devem ser deduzidos para efeitos de IRC.”

 

                ÓNUS DA PROVA

 

                Porém, a aplicação do enquadramento invocado pela AT assenta na verificação de um pressuposto essencial, relativo à afetação dos financiamentos obtidos aos empréstimos realizados às sociedades do Grupo que, no caso concreto, não foi demonstrado.

 

                Com efeito, não ficou comprovado que os encargos financeiros em discussão, na importância de € 423.106,21 , fossem conexos com os empréstimos concedidos pela Requerente às entidades que detêm o seu capital, não sendo suficiente para estabelecer tal nexo, a circunstância de os empréstimos não remunerados serem de valor superior ao dos empréstimos contraídos. Na realidade, esse rácio de valor é inconclusivo, pois não permite, por si só, inferir que, dos diversos meios financeiros à disposição da Requerente, compostos por capitais próprios e por capitais alheios, fossem os financiamentos geradores dos encargos financeiros em questão aqueles que a Requerente efetivamente utilizou para disponibilizar fundos às suas sócias.

 

                A comprovação do pressuposto em causa – que postula uma afetação específica, i.e., a inequívoca conexão entre os encargos relativos aos financiamentos contraídos e os empréstimos a título gratuito efetuados às sócias da Requerente – competia à AT, sobre quem impende o ónus de demonstração dos pressupostos legitimadores da sua atuação, como corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em concretização do princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil. Neste sentido, vide o Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 26 de setembro de 2018, processo n.º 406/18.9BALSB, e jurisprudência aí referida no ponto 2.2.3.

 

Assinala a este respeito VIEIRA DE ANDRADE que "há de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos" – “A Justiça Administrativa (Lições)”, 2ª. edição, p. 269.

 

Nestes termos, a AT não satisfez o ónus da prova que sobre si impendia, nem para tal desencadeou uma ação inspetiva (externa), previamente à emissão dos atos de liquidação, para recolha e análise dos elementos respeitantes à atividade da Requerente nos exercícios corrigidos e adequada motivação do ato tributário.

 

                Por outro lado, interessa notar que não foi questionada a efetividade dos encargos incorridos, debitados maioritariamente por entidade bancária e, por conseguinte, de fonte externa, nem a sua contratação no contexto da atividade normal da Requerente. O que a AT coloca em crise é a relação de causalidade, em 2013 designada de indispensabilidade, entre os gastos financeiros incorridos e a manutenção da fonte produtora da Requerente e/ou a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC na esfera desta.

 

                Neste âmbito, a Requerente conseguiu demonstrar a afetação dos encargos financeiros e dos fundos obtidos através de financiamento bancário a diversas finalidades respeitantes à sua atividade de exploração de bens imóveis.

 

                Compulsando os exemplos mais expressivos, foi o que sucedeu com o empréstimo contraído em 1992 para financiar a construção de um edifício, que é um importante ativo detido pela Requerente, e que gerou encargos financeiros na sua esfera no montante de € 144.111,30, entre 2013 e 2015. Este empréstimo não foi afeto ao financiamento das sociedades que detêm o seu capital, pois estas só foram constituídas em 2006, 14 anos depois.

 

                Também não têm relação com os empréstimos da Requerente às sócias os encargos financeiros incorridos com derivados (swaps) e com a liquidação destes instrumentos financeiros que, nos três exercícios em referência, perfizeram € 221.222,76 e € 41.133,11.

 

                Acresce notar que os empréstimos concedidos pela Requerente às sociedades do Grupo restituídos até janeiro de 2013, também não podem ter gerado encargos financeiros nos exercícios em causa nos presentes autos, que são posteriores.

 

                À face do exposto, procede o vício de violação de lei invocado pela Requerente, devendo ser aceite a dedução dos encargos financeiros incorridos no valor parcial de € 423.106,21, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, atenta a sua conexão com a atividade daquela. Em consequência, são parcialmente anuláveis os atos tributários impugnados, de IRC e respetivos juros compensatórios, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do CPA, com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

                Parcialmente inválida é também a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que recaiu sobre esses atos e que os confirmou.

 

                JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

                A Requerente formula o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, direito que se encontra consagrado no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe a mencionada norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios objeto desta ação enfermam parcialmente de vício material de violação de lei, estando em causa a errada aplicação de normas de incidência tributária por parte da AT.

 

Neste âmbito, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais Tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

Em concreto, dispõe o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT que “[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Retomando a situação em análise, a Requerente comprovou a ilegalidade substantiva parcial das correções à sua matéria coletável no valor de € 423.106,21, pelo que os atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios são, nessa medida, parcialmente anuláveis. A Requerente demonstrou, de igual modo, o pagamento da totalidade das quantias de imposto e juros impugnadas, na importância de € 124.414,59.

 

Tal prestação tributária é, como acima assinalado, anulável na parte em que resulta do apuramento de IRC (e juros compensatórios) sobre encargos financeiros suportados pela Requerente não aceites pela AT, no montante de € 423.106,21 (correspondente a cerca de 55% do total da correção efetuada ), que o deviam ter sido. Este vício, atribuível a erro na interpretação e aplicação do regime previsto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não pode deixar de ser imputável à AT, que emitiu os atos tributários vertentes, cobrando com caráter indevido, por ilegal, a correspondente prestação tributária. 

 

Nestes termos, consideram-se verificados os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios, na parte das liquidações que é anulada, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, a título de IRC e de juros compensatórios, em conformidade com o artigo 43.º da LGT e com o artigo 61.º do CPPT.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nomeadamente a relativa à invocação, pela AT, da inconstitucionalidade da interpretação da Requerente, por violação do princípio da tributação do rendimento real das empresas, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, por a procedência parcial da ação não derivar da aceitação da dedutibilidade de encargos financeiros relacionados com os empréstimos às sócias da Requerente, mas da demonstrada conexão destes com a atividade própria da Requerente e a insubsistência (por não comprovação) da alegação contrária por parte da AT.

 

IV.          DECISÃO

               

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

(a)          Julgar parcialmente verificada a exceção relativa à aceitação (parcial) dos atos tributários supra identificados, na parte em que respeitam a IRC e juros compensatórios calculados sobre encargos financeiros de € 340.173,61, com a consequente absolvição da instância parcial da AT;

(b)          Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos referidos atos tributários de liquidação de IRC e juros compensatórios, na parte em que incidem sobre o valor de € 423.106,21 referente a encargos financeiros fiscalmente dedutíveis;

(c)          Anular parcialmente o despacho de indeferimento da RG que confirma os atos tributários na parte que vai anulada;

(d)          Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, na parte respeitante ao valor anulado de IRC e de juros compensatórios,

 

tudo com as legais consequências.

 

* * *

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 130.691,50, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                Custas no montante de € 3.060,00, na proporção de € 1.683,00 (55%), a cargo da Requerida, e de € 1.377,00 (45%), a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 2 de maio de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

José Ramos Alexandre

Augusto Vieira