Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 332/2018-T
Data da decisão: 2019-04-24  IUC  
Valor do pedido: € 14.257,83
Tema: IUC - incidência subjetiva.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO:

A..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos 137 (cento e trinta e sete) atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) referentes aos exercícios de 2013 a 2018, no valor de € 14.024,40 e respetivos juros compensatórios, no montante de € 233,43 e, bem assim, a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra parte dos referidos atos de liquidação de IUC, bem como a condenação da Requerida no reembolso de igual montante, peticionando ainda o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. A Requerente é uma instituição de crédito, sendo que, no âmbito da sua actividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel;

 

 

 

  1. Os veículos automóveis cujas liquidações se impugnam foram todos objeto de contratos de locação financeira ou aluguer de longa duração;
  2. A Requerente não é sujeito passivo de imposto único de circulação, porquanto à data em que o imposto se tornou exigível, não era proprietária dos respetivos veículos, por já os haver vendido, pese embora o facto de tal transmissão não se encontrar registada;
  3. O registo de propriedade do veículo não é condição de validade do contrato de compra e venda, não impedindo a produção do efeito translativo;
  4. A falta de registo apenas impede a eficácia plena quando em causa estejam entidades consideradas terceiros para efeitos de registo;
  5. A AT não pode ser considerada um terceiro para efeitos de registo, por via de que os contratos de compra e venda lhe seriam inoponíveis; 
  6. A presunção derivada do registo automóvel é ilidível, admitindo prova em contrário;
  7. As faturas juntas pela Requerente comprovam as transmissões dos veículos em causa, gozando da presunção de veracidade resultante do artigo 29º do CIVA;
  8. As liquidações impugnadas não se encontram fundamentadas;
  9. A Requerente pagou o imposto em causa nos presentes autos, bem como os correspondentes juros compensatórios; 
  10. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra parte das liquidações em causa nos presentes autos, reclamações essas que vieram a ser parcialmente indeferidas;

A Requerente juntou 4 anexos, 274 documentos e um parecer, tendo arrolado duas testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 24 de Setembro de 2018.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:

  1. A partir de 02/08/2016, o artigo 3º nº 1 do CIUC deixou de consagrar qualquer presunção legal, passando o imposto a incidir sobre a pessoa em nome de quem se encontra registado o veículo;
  2. Pelo que os atos tributários impugnados respeitantes aos exercícios de 2016 a 2018 não padecem de qualquer erro;
  3. Os atos tributários encontram-se suficientemente fundamentados;
  4. Quanto aos atos tributários impugnados respeitantes aos exercícios de 2013 a 2015, em relação aos quais se aplica a anterior redação do artigo 3º nº 1 do CIUC, não logrou a Requerente ilidir a força probatória resultante do registo;
  5. As faturas juntas pela Requerente não constituem qualquer contrato de compra e venda nem são aptas a comprovar a celebração de um contrato de compra e venda;
  6. Não se encontra demonstrado nos autos o pagamento das faturas juntas pela Requerente nem a data em que tal pagamento terá ocorrido;
  7. A interpretação do artigo 3º nº 1 do CIUC, na redação em vigor até 02/08/2016, defendida pela Requerente, é desconforme à Constituição, por violação dos princípios da confiança, da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade;
  8. A falta de cumprimento da obrigação de atualização dos registos faz impender sobre a Requerente a responsabilidade pelas custas arbitrais.

Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

A Requente não prescindiu da realização das alegações, pelo que o processo prosseguiu para a fase de alegações, sucessivas, tendo sido, em consequência, prorrogado, por um mês, o prazo para prolação da decisão.

Ambas as partes apresentaram alegações, sendo que a Requerente veio responder às alegações apresentadas pela Requerida, requerimento este que foi desentranhado.

 

  1. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

  1. Apurar qual o alcance da alteração à redação do artigo 3º nº 1 do CIUC operada pelo DL 41/2016, de 01 de Agosto;
  2. Apurar qual o valor jurídico do registo automóvel em sede de IUC, maxime para efeitos da incidência subjetiva do imposto;
  3. Determinar se a não atualização do registo automóvel permite considerar, como sujeitos passivos de IUC, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados;
  4. Apurar se as faturas juntas pela Requerente são ou não aptas a provar as pretensas alienações.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma instituição de crédito;
  2. No âmbito da sua atividade, assume especial relevância o financiamento ao setor automóvel;
  3. Reconduzindo-se uma parte substancial da atividade da Requerente à celebração de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração;
  4. Durante o período de execução daqueles contratos, a Requerente mantém a posição jurídica de locadora;
  5. A Requerente foi notificada dos 137 atos de liquidação de IUC identificados no Anexo A junto com o pedido de pronúncia arbitral, relativos aos exercícios de 2013 a 2018, no valor global de € 14.024,40 e respetivos juros compensatórios, no montante de € 233,43;
  6. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações relativas aos anos de 2013 a 2016, reclamações essas que vieram a ser objeto de indeferimento parcial;
  7. Por ofícios datados de 13/04/2018 e 17/04/2018 foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento parcial das reclamações graciosas apresentadas;
  8. As liquidações em crise referem-se a veículos em relação aos quais, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida pela Requerente uma fatura de venda a terceiro;
  9. A Requerente pagou o imposto liquidado pela Requerida e espelhado nas liquidações ora impugnadas, bem como os respetivos juros compensatórios.
  10. O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 13/07/2018.

 

  1. Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

  1. DO DIREITO:

A primeira das questões a analisar prende-se com a interpretação da norma contida no n.º 1 do artigo 3º do CIUC, quer na redação vigente antes da entrada em vigor do DL 41/2016, de 01 de Agosto, quer na redação dada por este diploma.

Isto porque, estando nos presentes autos em causa atos de liquidação de IUC respeitantes aos exercícios de 2013 a 2018, às liquidações impugnadas são aplicáveis ambas as versões do citado preceito.

Mas, como veremos, para o caso dos autos é perfeitamente irrelevante a alteração ocorrida.

 

Vejamos:

Dispunha o artigo 3º nº 1 do CIUC, na redação vigente até à entrada em vigor do DL 41/2016, de 01 de Agosto:

“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

Antes da entrada em vigor do referido DL 41/2016, foi amplamente debatida a questão de saber se o citado preceito previa uma ficção legal ou antes uma presunção legal, sendo que a jurisprudência era praticamente unânime em defender que o artigo 3º nº 1 do CIUC estabelecia uma verdadeira presunção legal, ilidível, portanto, mediante prova em contrário.

A Requerida, embora invoque não concordar com esta corrente jurisprudencial, não tenta contrariá-la, limitando-se a alegar que os documentos juntos pela Requerente – faturas de alienação dos veículos – não são aptos a ilidir tal presunção.

Questão esta sobre a qual nos pronunciaremos mais adiante.

Após a entrada em vigor do referido DL 41/2016, passou o artigo 3º nº 1 do CIUC a ter a seguinte redação:

“São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”

Sobre a alteração operada, invoca a Requerida que, a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 3º nº 1 do CIUC, dúvidas não restam de que atualmente a tributação incide sobre o titular do direito de propriedade do veículo automóvel, “talqualmente como ele se encontra no registo automóvel”.

Por seu turno, defende a Requerente que, pese embora a referida alteração, o artigo 3º nº 1 do CIUC continua a estabelecer uma presunção ilidível de propriedade dos veículos.

No que, cremos, assiste razão à Requerente.

Com efeito, conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência mais recente, incluindo arbitral, designadamente na decisão proferida no processo 333/2018-T (disponível in www.dgsi.pt), citada pela Requerente, que acompanhamos, “a alteração introduzida no artigo 3º, nº 1 ao referir que “são sujeitos passivos do imposto as pessoas (…) em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos” em lugar de “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…), em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, procurou ir para além da noção jurídica de propriedade, empurrando a tónica determinante da incidência do imposto para o registo de propriedade.

Contudo, o registo do direito de propriedade de um veículo tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo de qualquer direito registado, pelo que se configura como uma presunção da existência do direito, nos termos em que se encontra registado, que pode ser ilidida, ou seja, admite a prova em contrário.” (sublinhado nosso).

Concluindo-se naquela decisão: «conforme referido na Decisão Arbitral nº 16/2018-T, “o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo (…), admitindo (…) contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência exemplificativamente assinalando-se os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008”».

Pelo que, entendemos que, pese embora a redação operada pelo DL 41/2016, continua a ser possível ilidir a presunção de propriedade resultante do registo.

É esta, salvo melhor, a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no artigo 11º nº 3 da Lei Geral Tributária, segundo o qual, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias “deve atender-se à substância económica dos factos tributários” e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários[1].

Aliás, qualquer outra interpretação violaria, para além dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade, o principio da equivalência consagrado no artigo 1º do CIUC, nos termos do qual se estabelece que o IUC procura “onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

Não se vislumbrando, ao contrário do propugnado pela Requerida, que tal interpretação seja desconforme à Constituição, máxime dos princípios da confiança, da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade.

 

Bem ao invés, a interpretação defendida pela Requerida é que seria violadora dos citados princípios.

 

Posto isto,

 

Celebrado o contrato de compra e venda, o adquirente será instituído, ex contratu, na posição de proprietário, consequentemente passando a ser-lhe aplicável o nº 1 do artigo 3º do CIUC; i.e., o novo proprietário passa a deter, para efeitos de IUC, a posição de sujeito passivo do imposto.

E tal solução impõe-se desde o momento da perfeição do contrato de compra e venda não apenas porque o CIUC o determina, mas também pelo facto de entre nós vigorar o princípio da consensualidade, que importa que a transmissão da propriedade ocorra por mero efeito do contrato – cfr. artigo 408º nº 1 do Código Civil.

E o que se vem de dizer releva para sustentar a nossa posição no que tange ao valor jurídico do registo automóvel. Recorde-se, porém, que de acordo com a regra geral acima vista a transferência do direito se produz ex contratu, sem necessidade de qualquer ato material ou de publicidade[2].

Conjugadas as normas contidas nos artigos 1º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e 7º do Código do Registo Predial (aplicável ex vi artigo 29º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro) facilmente se infere a função primacial do registo (automóvel): dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor.

O registo não tem, assim, natureza constitutiva, antes meramente declarativa, permitindo apenas presumir a existência do direito e a sua titularidade. Note-se: presumir e não ficcionar, podendo assim ser ilidida mediante prova em contrário.

E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408º do Código Civil, e salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada ocorre por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente de qualquer ato subsequente, e.g., inscrição no registo.

Desta feita, não prevendo a lei qualquer exceção para o contrato de compra e venda de veículo automóvel, a eficácia real produz normalmente os seus efeitos, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo.

Ora, se independentemente do registo o adquirente passa a ser o proprietário, o titular inscrito deixa concomitantemente de o ser, pese embora no registo figure como tal.

In casu, e não obstante a falta de inscrição no registo, as alegadas transmissões efetuadas poderão ser oponíveis à Requerida, atento o facto de esta não poder ser considerada como terceiro para efeitos de registo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5º do Código do Registo Predial.

Ora, pese embora à data das liquidações de imposto a Requerente ainda figurar no registo como proprietária dos veículos, a verdade é que alega não ser, à data do facto gerador do imposto, a sua proprietária, por já os haver alienado.

Assim, e uma vez que a presunção resultante do registo é, como vimos, ilidível, vejamos se a prova efetuada pela Requerente é apta a cumprir tal desiderato.

Com vista a provar que os veículos em causa nos presentes autos foram alienados em data anterior à da ocorrência do facto gerador do imposto, a Requerente junta faturas de venda de cada um dos veículos.

Quanto às faturas juntas pela Requerente, alegou a Requerida que as mesmas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato de compra e venda, “pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”.

Mais alegando que, conforme resulta das faturas juntas, “as mesmas só servem como recibo após boa cobrança, “cobrança essa que a Requerente rigorosamente não demonstra”.

Concluindo que, não se encontrando demonstrado o pagamento do respetivo preço, não podem as faturas juntas ser aptas a demonstrar a transferência da propriedade dos veículos automóveis.

É certo que, como alega a Requerida, as faturas juntas “não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”. Mas, conforme já se expôs, não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, e não tendo a Requerida arguido a falsidade das faturas juntas, limitando-se a tentar afastar a sua força probatória, terá, necessariamente, de se aceitar como prova do contrato de compra e venda a fatura emitida nos termos legais, como é o caso das faturas em causa nos presentes autos.

Por outro lado, o facto de as faturas juntas expressamente referirem que apenas servem como recibo após boa cobrança e de não se encontrar demonstrado nos autos o pagamento do respetivo valor é, como está bom de ver, manifestamente inócuo.

Desde logo, porque do que aqui se trata é da aptidão das faturas para demonstrarem a alienação do veículo e não a sua capacidade para servirem ou não como recibo ou quitação do recebimento do respetivo preço.

E sobretudo porque, conforme é sabido, o pagamento do preço não é um elemento do contrato de compra e venda mas um efeito essencial do mesmo, conforme resulta do disposto no artigo 879º c) do Código Civil.

Pelo que, ainda que o preço respetivo não tivesse sido pago, nem por isso deixaria de haver um contrato de compra e venda, cujo primeiro efeito essencial é a transmissão da propriedade do bem – cfr. 879º a) do Código Civil.

Assim, terá inevitavelmente de se considerar que todos os veículos em relação aos quais foi emitida fatura de venda a terceiro, foram alienados pela Requerente nas datas de emissão das faturas.

Dito isto, nos termos do disposto no artigo 6º nº 3 do CIUC, o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no artigo 4º nº 2 do CIUC.

Por onde se verifica que, no primeiro dia do período de tributação referido no artigo 4º nº 2 do CIUC (data da matrícula ou de cada um dos seus aniversários), a Requerente havia alienado todos os veículos em causa nos presentes autos, pese embora as referidas alienações não tenham sido espelhadas no competente registo.

Assim, atento o facto de, conforme já exposto, a presunção resultante do registo ser ilidível mediante prova em contrário, prova essa que se considera efetuada com a apresentação das faturas de venda dos veículos, verifica-se que, relativamente aos veículos em causa nos presentes autos, a Requerente não é a sua proprietária à data do facto gerador do imposto, não sendo, por isso, sujeito passivo do IUC liquidado.

De onde resulta clara a inexistência de fundamento legal para os atos de liquidação impugnados, impondo-se, por isso, a sua anulação, bem como a anulação do despacho de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas.

Por último, a Requerente peticiona ainda a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.

A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

No caso ora em apreciação, o erro que afeta as liquidações impugnadas e cuja ilegalidade foi declarada é imputável à AT, pelo que dúvidas não existem de que tem a Requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

Resta, no entanto, saber, desde que data serão os mesmos devidos.

Isto porque, se é certo que o erro é imputável à AT, não é menos certo que, em face da falta de atualização do registo automóvel por parte da Requerente, apenas poderia a AT tomar conhecimento desse erro e repará-lo quando devidamente alertada pela Requerente.

E tal alerta por parte da Requerente surgiu, quanto às liquidações respeitantes aos exercícios de 2013 a 2016, com as reclamações graciosas apresentadas, nas quais a Requerente juntou prova documental apta a afastar a presunção de propriedade dos veículos cujas liquidações vêm agora impugnadas.

Ora, atento o princípio do inquisitório constante dos artigos 58º da Lei Geral Tributária e 69º e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impunha-se à AT proceder à análise dos documentos juntos pela Requerente, os quais, como se veio a verificar, vieram a ser essenciais para a composição do litígio.

Pelo que, no que diz respeito às liquidações respeitantes aos exercícios de 2013 a 2016, poderia e deveria a AT alterar a sua decisão e corrigir o erro logo aquando da apreciação das respetivas reclamações, apreciação essa que teve lugar em 13/04/2018 (exercício de 2016) e 17/04/2018 (exercícios de 2013 a 2015).

Não o tendo feito, deverá ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios desde as indicadas datas, a partir das quais, insiste-se, poderia e deveria ter reparado o erro.

Já o mesmo não se poderá dizer em relação às liquidações respeitantes aos exercícios de 2017 e 2018, em relação às quais não foi apresentada pela Requerente reclamação graciosa, pelo que só aquando da notificação da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral poderia a Requerida ter conhecimento dos documentos juntos pela Requerente e que vieram a determinar a composição do litigio.

Tendo a Requerida sido notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 19/07/2018 e tendo 30 dias para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, serão devidos juros indemnizatórios desde o 30º dia contado do dia seguinte ao dia 19/07/2018, isto é, desde 18/08/2018.

 

  1. DISPOSITIVO

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de declaração de ilegalidade dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas e dos 81 atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios que lhe subjazem, bem como dos demais 56 atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios autonomamente impugnados;
  2. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do imposto e juros indemnizatórios indevidamente pagos, no montante global de € 14.257,83, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 13/04/2018 (liquidações de 2016), 17/04/2018 (liquidações de 2013 a 2015) e 18/08/2018 (liquidações de 2017 e 2018), até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas.

***

Fixa-se o valor do processo em € 14.257,83, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Abril de 2019.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

 

 



[1]        JORGE LOPES DE SOUSA, In “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Volume I, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 590 e ss.

[2]     Cfr. HEINRICH EWALD HÖRSTER, in “A Parte Geral do Código Civil Português”, 2ª Reimpressão da Edição de 1992, Almedina, p. 467