Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 399/2018-T
Data da decisão: 2019-03-25  IRS  
Valor do pedido: € 1.052,36
Tema: IRS – Regime Simplificado – Coeficientes – Tabela do Artigo 151.º do CIRS e actividade comercial para efeitos de IRS.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., contribuinte fiscal n.º..., e sua mulher B..., contribuinte fiscal n.º..., residentes na ..., n.º..., ..., ...-... ... (de ora em diante designados Requerentes), apresentaram no dia 22.08.2018 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, e em termos mediatos, a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante IRS) n.º 2015..., para o ano de 2014, no valor de € 1.052,36 (mil e cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), que lhes foi notificada pelo documento identificado com o número 2015... e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante RJAT) o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 11.09.2018, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada Requerida) procedeu à designação das Senhoras Dra. C... e Dra. D... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 29.10.2018.

 

  1. No dia 02.11.2018 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. No dia 29.11.2018 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

 

 

B – Posição dos Requerentes

 

 

  1. O Requerente marido declarou início de actividade a 19.03.2009, no código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros, exercendo apenas a actividade de pintura.

 

  1. A Requerente mulher exerce a actividade enquadrada no código CAE 96021 – salões de cabeleireiro.

 

  1. Entre 2012 e 2014 os Requerentes preencheram o anexo B da declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos da categoria B, optando pelo preenchimento do campo 1 relativo ao regime simplificado de tributação.

 

  1. No quadro 3 A do referido anexo – “Identificação do(s) Sujeito(s) Passivo(s), campo 11 – “Código CAE (Rendimentos Profissionais, Comerciais e Industriais”, o Requerente marido sempre inseriu o código 43340 – pintura e colocação de vidros.

 

  1. Por sua vez, a Requerente mulher sempre inseriu nesse campo o código 96021 – salões de cabeleireiro.

 

  1. O campo 10 – “Código da Tabela de Atividades Art. 151.º do CIRS” nunca foi preenchido.

 

  1. No ano de 2014, o Requerente marido declarou “Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores” no valor de € 13.933,42 (treze mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos) (quadro 4 A, campo 443 do Anexo B do modelo 3) e a Requerente mulher, no mesmo campo, declarou ter obtido rendimentos no montante de € 6.639,85 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos).

 

  1. No dia 29.10.2015, os Requerentes receberam a seguinte mensagem de correio electrónico:

 

 

  1. Os Requerentes receberam ainda, datada de 06.11.2015, notificação para o exercício do direito de audição prévia, pela qual ficaram a saber ser intenção do Serviço de Finanças de ... efectuar a corresponde correcção dos valores inscritos na declaração Modelo 3.

 

  1. Os serviços da Requerida entenderam que a quantia de € 13.933,42 (treze mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos) declarada pelo Requerente marido no campo 443 deveria antes constar do campo 440 (Rendimento de atividades profissionais previstas na Tabela do art. 151º do CIRS e/ou na CAE corrigir) e que exactamente o mesmo deveria ter acontecido com a quantia de € 6.639,85 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos) declarada pela Requerente mulher.  

 

  1. Consequentemente, foram os Requerentes notificados da liquidação de IRS, para o ano de 2014, com o número 2015..., no valor de € 1.052,36 (mil e cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), ora posta em crise.

 

  1. Sucede que o Requerente marido exerce apenas a actividade de pintura, não auferindo quaisquer rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o art.º 151.º do Código do IRS (CIRS).

 

  1. Já a Requerente mulher apenas exerce a actividade de cabeleireiro, não constando essa actividade da tabela a que se refere o dito art.º 151.º do CIRS.

 

  1. Não estando as actividades prosseguidas por qualquer dos Requerentes inscritas na tabela a que se refere o art.º 151.º do CIRS, não poderá aplicar-se-lhes o coeficiente de 0,75 para a determinação do rendimento tributável, devendo antes aplicar-se o coeficiente de 0,1, nos termos da alínea e) do n.º 2 do art.º 31.º do CIRS, com a redacção em vigor à data dos factos.

 

  1. A actividade de pintura exercida pelo Requerente marido é uma actividade conexa com a construção civil, sendo, portanto, uma actividade comercial e industrial, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do CIRS, actividade que não exige qualquer alvará, por não estar abrangida pelo Decreto Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro.

 

  1. Entendem ainda os Requerente que o coeficiente a aplicar aos seus rendimentos não poderá ser diferente do que fosse aplicado caso os Requerentes tivessem constituído uma sociedade através da qual prosseguissem as mesmas actividades que exercem em nome individual, sendo que em sede de IRC o coeficiente seria de 0,10.

 

  1. Os Requerentes terminam o seu pedido, solicitando ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. Por impugnação, defende-se a Requerida sustentando, primeiro, que o quadro 4 A do Anexo B é destinado aos rendimentos brutos decorrentes do exercício de actividades profissionais, comerciais e industriais, ou de actos isolados dessa natureza, tal como são definidos nos artigos 3.º e 4.º do CIRS.

 

  1. O campo 443 refere-se a “rendimentos da categoria B não incluídos nos campos anteriores” e destina-se à indicação dos restantes rendimentos da categoria B, designadamente prestação de serviços que por força do art.º 4.º do CIRS sejam enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, desde que não previstos nas alíneas a) a d) e primeira parte da alínea e) do n.º 2 do art.º 31.º desse diploma legal.

 

  1. Ou seja, o campo 443 destina-se a rendimentos “decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária”, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º CIRS, o que não é o caso dos Requerentes.

 

  1. O campo 440 “Rendimento de atividades profissionais previstas na Tabela do art.151.º do CIRS e/ou na CAE”, destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício por conta própria de qualquer actividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º CIRS ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de actividades aprovada pela Portaria 1011/2001, de 21 de Agosto.

 

  1. Assim, desde que a actividade exercida conste da tabela do art.º 151.º CIRS ou da lista da CAE, os rendimentos devem ser inscritos no campo 440, tal como consta da descrição desse campo.

 

  1. É de resto esta a conclusão que pode extrair-se das instruções de preenchimentos dos modelos de impressos destinados ao cumprimento da obrigação declarativa prevista no n.º 1 do art.º 57.º do CIRS, aprovadas pela Portaria nº 276/2014, de 26 de Dezembro.

 

  1. Para o ano de 2014, a inscrição dos rendimentos tem repercussões na escolha do coeficiente para determinação do rendimento tributável: ao campo 440 corresponde o coeficiente de tributação de 0,75, enquanto que no campo 443, o coeficiente a aplicar é de 0,10, conforme alíneas b) e e) do n.º 1 do art.º 31.º do CIRS.

 

  1. Neste sentido, a Circular 5/2014 esclarece que o coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º do CIRS (Campo 440 do Quadro 4 A do Anexo B da Declaração Modelo 3 de IRS) se aplica às prestações de serviços que tenham enquadramento na alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS.

 

  1. Esclarece ainda a dita Circular 5/2014 que excluídos da tributação com coeficiente 0,75, apenas ficam os rendimentos provenientes das actividades comerciais e industriais que operem através de prestações de serviços a que se refere a al. a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, desde que previstas no art.º 4.º do mesmo diploma, o que não é manifestamente o caso dos Requerentes.

 

  1. No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios, entende a Requerida que o acto de liquidação em causa não enferma de vício que deva ditar a sua anulação, pelo que não são devidos aos Requerentes quaisquer juros indemnizatórios.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 24.01.2019, o tribunal arbitral entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT, tendo convidado as Partes a, querendo, apresentarem alegações escritas, tendo ainda marcado a prolação da decisão para o dia 29.03.2019.

 

  1. Os Requerentes apresentaram as suas alegações no dia 05.02.2019, dando por reproduzida a argumentação de direito já incluída no pedido de pronúncia arbitral e sustentando que as Circulares são meras orientações administrativas, não vinculando os particulares e muito menos os tribunais, que apenas estão vinculados à lei e aos princípios gerais que regem o ordenamento jurídico.

 

  1. A Requerida apresentou as suas alegações no dia 14.02.2019, reiterando o que tivera já ocasião de expor na Resposta.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e estão regularmente representadas.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. O Requerente marido declarou o seu início de actividade a 19.03.2009, no código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros.

 

  1. O Requerente marido exerce apenas a actividade de pintura.

 

  1. A Requerente mulher exerce a actividade enquadrada no código CAE 96021 – salões de cabeleireiro.

 

  1. Entre 2012 e 2014 os Requerentes preencheram o anexo B da declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos da categoria B, optando pelo preenchimento do campo 1 relativo ao regime simplificado de tributação.

 

  1. No quadro 3 A do referido anexo – “Identificação do(s) Sujeito(s) Passivo(s), campo 11 – “Código CAE (Rendimentos Profissionais, Comerciais e Industriais”, o Requerente marido sempre inseriu o código 43340 – pintura e colocação de vidros.

 

  1. O campo 10 – “Código da Tabela de Atividades Art. 151.º do CIRS” nunca foi preenchido.

 

  1. No ano de 2014, o Requerente marido declarou “Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores” no valor de € 13.933,42 (treze mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos) (quadro 4 A, campo 443 do Anexo B do modelo 3) e a Requerente mulher, no mesmo campo, declarou ter obtido rendimentos no montante de € 6.639,85 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos).

 

  1. No dia 29.10.2015, os Requerentes receberam a seguinte mensagem de correio electrónico:

 

 

  1. Os Requerentes receberam, datada de 06.11.2015, notificação para o exercício do direito de audição prévia, pela qual ficaram a saber ser intenção do Serviço de Finanças de ... efectuar a corresponde correcção dos valores inscritos na declaração Modelo 3.

 

  1. Decorrido o prazo concedido para os sujeitos passivos substituírem a declaração que haviam apresentado sem que o tenham feito, os serviços da Requerida promoveram uma liquidação oficiosa de IRS, para o ano de 2014, com o número n.º 2015..., para o ano de 2014, no valor de € 1.052,36 (mil e cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), reflectindo a aplicação do coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CIRS.

 

  1. Os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de IRS em causa de acordo com um plano prestacional. 

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base na apreciação crítica e valoração dos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes: 

  1. A de saber qual dos coeficientes previstos no n.º 2 do art.º 31.º do CIRS, (com a redacção em vigor no ano de 2014), deverá ser aplicado aos rendimentos auferidos pelos Requerentes; e
  2. A de esclarecer se, caso seja julgado procedente o pedido de anulação do acto de liquidação contestado, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral, poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si indevidamente entregue para satisfação de prestação tributária ilegalmente exigida.

 

3.2.      O enquadramento legal – as normas aplicáveis, o seu sentido e alcance

 

Como se disse, a Administração Tributária e Aduaneira entendeu que a quantia de € 13.933,42 (treze mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos) declarada pelo Requerente marido no campo 443 deveria constar do campo 440 (Rendimento de atividades profissionais previstas na Tabela do art. 151º do CIRS e/ou na CAE corrigir) e que exactamente o mesmo deveria ter acontecido com a quantia de € 6.639,85 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos) declarada pela Requerente mulher.

 

Na sua versão originária, o CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, previa uma Categoria B para o trabalho independente, no artigo 3.º; uma Categoria C para os rendimentos comerciais e industriais, no artigo 4.º; e, no artigo 5.º, uma Categoria D para os rendimentos agrícolas. Pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, estas três categorias foram fundidas naquilo que é hoje uma ampla categoria B.

 

Até ao ano de 2014, o artigo 31.º, n.º 1 do CIRS previa o seguinte:

 

Artigo 31.º 
Regime Simplificado

1 - A determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica. 

2 - Até a aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,75 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção.

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a Lei do Orçamento do Estado para 2014, alterou o n.º 2 daquela disposição, que passou a contar com a seguinte redacção:

 

2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:

a) 0,15 das vendas de mercadorias e produtos, bem como das prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;

b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,95 dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, dos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, do resultado positivo de rendimentos prediais, do saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais;

d) 0,30 dos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;

e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.

 

Para o ano de 2014, portanto, a inscrição dos rendimentos num campo ou noutro do quadro 4 A do anexo B do modelo 3 da declaração de rendimentos de IRS tem repercussões na escolha do coeficiente para determinação do rendimento tributável. Isto porque ao campo 440 corresponde o coeficiente de tributação de 0,75, enquanto que no campo 443, o coeficiente a aplicar é de 0,10, conforme alíneas b) e e) do n.º 1 do art.º 31.º do CIRS.

 

A título de mera curiosidade, porque não aplicável ao caso que cumpre decidir, para vigorar a partir de 2015, o artigo 31.º, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, passou a contar com outra redacção que, para o que aqui interessa fixar, era a seguinte:

 

1 — No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém -se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

(…)

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

(…)

f) 0,10 aos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da Categoria B não previstos nas alíneas anteriores;

 

Vejamos, pois, antes do mais, o que dispunham as normas legais aplicáveis (com a redacção com que eram lidas à data a que se reportam os factos - 2014):

 

Artigo 3.º 
Rendimentos da categoria B

1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;

b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior;

 

Artigo 4.º 
Actividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias

1 - Consideram-se actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:

(…)

f) Construção civil;

 

Artigo 31.º 
Regime Simplificado

1 - A determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica. 

2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:

(…)

b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;

(…)

e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.

 

Artigo 151.º 
Classificação das actividades

As actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS

(…)

15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços:

1519 Outros prestadores de serviços.

 

São estas as disposições legais acabadas de transcrever que hão-de esclarecer qual dos coeficientes se mostra aplicável, em 2014, às actividades prosseguidas pelos Requerentes.

 

O caso que temos em presença não é de solução fácil e foi já por diversas vezes submetido à apreciação da justiça arbitral do CAAD, havendo, de resto, decisões contraditórias.

 

Lê-se na alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º que o coeficiente de 0,75 se aplica aos rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º. Esta tabela, como se viu, não contempla especificamente nenhuma das actividades prosseguidas pelos Requerentes. Contudo, faz-se lá menção a “outras actividades exclusivamente de prestação de serviços”, o que sugere que a tabela, para além das actividades expressa e nominalmente nela previstas, sugere a existência de “outros prestadores de serviços”, a quem cabe o código 1519. Parece, pois, que a tabela abrange todas as actividades que se assumam como sendo genuína e exclusivamente de prestações de serviços, não tendo o legislador querido, aparentemente, e para estes efeitos, estabelecer diferenças entre elas.

 

Contudo, sempre se dirá que há diferenças. Basta atentar no que dispunham as alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 101.º do CIRS, a propósito das retenções na fonte. A retenção de 25% respeita aos rendimentos decorrentes das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, enquanto que os outros rendimentos da categoria B ficam sujeitos a uma retenção mais baixa, de 11,5% (sublinhado nosso). Ora, esta diferença não deixa de levantar dúvidas hermenêuticas quando procuramos surpreender o alcance do art.º 31.º do CIRS. Se por um lado fica claro que quando o legislador quer distinguir, assume expressamente essa distinção (portanto, se distingue no art.º 101.º actividades que constam especificamente da dita tabela de outras que nela não estão nominalmente contempladas e não procede a idêntica distinção no art.º 31.º é porque assume as consequências desse diferente tratamento). Por outro, não deixa de ser estranho que o legislador assuma diferentes percentagens de retenção na fonte para os rendimentos das actividades especificamente previstas na tabela a que se refere o art.º 151.º face aos que advêm de outras prestações de serviços, por exemplo, quando, neles não vê qualquer diferença para efeitos de determinação do rendimento tributável.        

 

Na tabela de actividades profissionais a que se reporta o artigo 151º do CIRS, (Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto), repita-se, não consta expressamente a actividade de “pintura e colocação de vidros”, nem a de “salões de cabeleireiro”. Contudo, essas mesmas actividades estão contempladas na classificação das actividades económicas portuguesas por ramos de actividade (CAE), concretamente sob os códigos 43340 e 96021, respectivamente, sendo certo que o campo 440, aquele que a Requerida entende devia ter sido considerado, do quadro 4 A do anexo B do modelo 3 da declaração de rendimentos de IRS, prevê que nele sejam incluídos os “rendimentos de atividades profissionais previstas na Tabela do art.151.º do CIRS e/ou na CAE”.

 

Convém sublinhar que não há propriamente disposição legal que apresente exacta correspondência com a terminologia usada no referido anexo. A lei, na verdade, não fala expressamente em “rendimentos de atividades profissionais previstas na Tabela do art.151.º do CIRS e/ou na CAE”. Porém, como foi já visto, na alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º lê-se que o coeficiente de 0,75 se aplica aos rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º, fazendo-se nela explícita menção a “outras actividades exclusivamente de prestação de serviços”. De resto, o dito art.º 151.º refere que as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

De resto, as instruções do Anexo B do já várias vezes referido modelo 3 esclarecem que:

  • o Campo 440 se destina «à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, independentemente da atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, incluindo a atividade com o código “1519 – Outros prestadores de serviços”»; e
  • o Campo 443 se destina “à indicação dos restantes rendimentos da categoria B, designadamente, as prestações de serviços que por força do art. 4.º do Código do IRS sejam enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do referido código, desde que não previstos nas alíneas a) a d) e primeira parte da alínea e) do n.º 2 do art. 31.º deste código e, assim, não incluídos nos campos anteriores deste quadro”.

 

Também a Circular n.º 5/2014, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 20 de Março de 2014, vai no mesmo sentido:

 

«1. Encontram-se abrangidos na alínea b) do nº 2 do artigo 31º do Código do IRS os rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenham enquadramento na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do mesmo Código, independentemente da atividade exercida estar, nos termos do artigo 151º do Código do IRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionas na tabela de atividades aprovada pela Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, incluindo a atividade com o código “1519 Outros prestadores de serviços” uma vez que o normativo em causa não remete para as atividades identificada de forma específica na tabela de atividade, ao contrário do que sucede na alínea b) do nº 1 do artigo 101º do Código do IRS para efeitos de retenção na fonte.»

 

Analisados os factos a partir desta perspectiva, é de crer que o legislador, pelo menos para 2014, ainda que possa ser assinalada a infelicidade técnica e até política das opções tomadas, pretendeu que as actividades que possam reconduzir-se a puras prestações de serviços tenham um tratamento idêntico, uniforme, único, que implica, no caso, a aplicação, a qualquer delas, do coeficiente de 0,75 a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art.º 31.º do CIRS.

 

Esta conclusão não ignora o lugar que na hierarquia das fontes ocupam as portarias e as circulares. Elas não poderiam valer se dispusessem em sentido contrário ao que dispõe a lei. Não cremos, porém, que seja esse o caso. Não parece que o legislador tenha pretendido coisa diversa do que consta do Anexo e das suas instruções e até da mencionada Circular 5/2014. Com efeito, onde o legislador não distinguiu, não deve o intérprete distinguir, devendo presumir-se que o legislador soube adequadamente verter nos textos legais o seu pensamento, como impõe o n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil, aplicável por força do art.º 11.º da LGT.

 

Tudo está em saber, pois, se os Requerentes auferem rendimentos no exercício por conta própria de qualquer actividade de prestação de serviços, qualquer que seja a sua natureza ou no exercício de uma actividade comercial (nos termos do disposto no art.º 4.º do CIRS).

 

Entende o tribunal arbitral que, para apreciar convenientemente o caso, é preciso ter em conta as actividades efectivamente prosseguidas por cada um dos Requerentes.

 

Como ficou dito, o Requerente marido declarou o seu início de actividade no código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros, exercendo a actividade de pintura. Já a Requerente mulher exerce a actividade enquadrada no código CAE 96021 – salões de cabeleireiro. Comecemos por esta.

 

3.3.      A actividade de salões de cabeleireiro

 

A Requerente mulher exerce a actividade enquadrada no código CAE 96021 – salões de cabeleireiro. Não parece haver dúvidas que esta actividade se enquadra perfeitamente na alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, não podendo considerar-se que essa actividade cabe na alínea a) da mesma disposição, por não ser ela “comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária”. Na verdade, não se divisa a que alínea do n.º 1 do art.º 4.º poderia associar-se a actividade de salões de cabeleireiro. Assim, aplica-se-lhe, de forma cristalina, a alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS.

 

Como também foi visto, a leitura que faz este tribunal arbitral do n.º 2 do art.º 31.º do CIRS só permite encarar os rendimentos advenientes desta actividade como sendo rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o art.º 151.º do mesmo diploma, nomeadamente da verba 1519 “outros prestadores de serviços”, integrada nas “outras actividades exclusivamente de prestação de serviços”.

 

O artigo 1154.º do Código Civil fixa a noção de contrato de prestação de serviços, como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Não há dúvida de que a actividade de salões de cabeleireiro incorpora sem mácula esta noção de prestação de serviços.

 

Assim, aos rendimentos dessa actividade deve ser aplicado o coeficiente previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS, com inscrição dos mesmos no campo 440 do quadro 4 A do anexo B do modelo 3 da declaração de rendimentos de IRS, como de resto fez a liquidação oficiosa ora posta em crise[1].   

 

3.4.      A actividade de salões de pintura e colocação de vidros

 

O Requerente marido declarou o seu início de actividade no código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros, dedicando-se à actividade de pintura. Aqui, no que respeita a esta actividade, talvez não procedam as mesmas razões que foram supra aduzidas para a actividade da Requerente mulher.

 

Parece a este tribunal arbitral que o problema foi bem visto na decisão arbitral proferida no processo 372/2017-T que correu termos no CAAD. Aí considerou-se que a actividade do então requerente (43390 – Outras actividades de acabamento de edifícios) devia ser considerada, para estes efeitos, como actividade comercial, suscitando a aplicação dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea f) do CIRS e, consequentemente, um coeficiente de 0,10.

 

A alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do CIRS diz que se consideram actividades comerciais e industriais, designadamente, as de construção civil. Entende a Requerida que é necessário “alvará” emitido nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, para que o coeficiente aplicável pudesse ser o de 0,10 (em vez de 0,75) e só nessa situação é que os rendimentos poderiam ser inscritos no campo 443. Sucede que o Requerente marido não possui qualquer alvará para a prossecução da sua actividade. Os próprios Requerentes no pedido de pronúncia arbitral reconhecem que pese embora a actividade por ele prosseguida tenha conexão com a actividade de construção nela não está incluída, para efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, razão por que não dispõe de alvará.

 

O Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da actividade da construção, considerando actividade da construção aquela que tem por objecto a realização de obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização. Por seu turno, obra é todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo. O mesmo diploma estabelece que o exercício da actividade da construção depende de alvará a conceder pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário.

 

Contudo, parece ser claro que não resulta das normas fiscais aplicáveis a referência a alvará ou à necessidade da sua existência.

 

Como se viu, a alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do CIRS considera actividades de construção civil como sendo actividades comerciais e industriais. Assim, parece que as actividades de construção civil podem fazer uso do campo 443, aplicando-se-lhe o coeficiente de 0,1, nos termos da alínea e) do n.º 2 do art.º 31.º do CIRS. Isto porque o dito campo 443 serve para nele serem inscritos os restantes rendimentos da categoria B, designadamente, as prestações de serviços que por força do art.º 4.º do CIRS sejam enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do referido código, desde que não previstos nas alíneas a) a d) e primeira parte da alínea e) do n.º 2 do art.º 31.º deste código e, assim, não incluídos nos campos anteriores deste quadro.

 

Se atentarmos na Classificação Portuguesa de Actividades Económicas veremos que o Requerente marido exerce uma actividade com o código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros. Estamos, pois, na secção F, justamente a de construção. Aí se de diz que a “actividade de construção cobre a demolição de edifícios e de outras construções, a preparação e o arranjo dos locais das obras, a abertura de galerias, drenagens, dragagens, sondagens, fundações, consolidação de terrenos, trabalhos gerais de construção (sobretudo a construção completa de edifícios para habitação, escritório, comércio, auto-estradas, pontes, túneis, portos, vias férreas, aeroportos, etc.), trabalhos especializados de construção (compreendem a construção de certas partes das obras), actividades de instalação (canalização, aquecimento, isolamento térmico, eléctrica, etc.) actividades de acabamento (estucagem, colocação de vidros, pintura, etc.) e o aluguer de equipamento de construção e de demolição com operador (sublinhados nossos). A secção em causa é a 43 (actividades especializadas de construção), que compreende actividades especializadas, tais como: acabamento de edifícios (colocação de vidros, estucagem, pintura) (sublinhados nossos). O código 43340 especificamente abrange as actividades de pintura interior ou exterior (decorativa ou de protecção, inclui contra incêndios) e a execução de trabalhos de vidraria, visando directamente a sua colocação em edifícios ou em outras obras de construção (instalação de vidros, espelhos e de outras vidragens).

 

Parece, pois, impor-se, para estes efeitos, a conclusão de que o Requerente marido se dedica a uma actividade de construção civil, tida pelo art.º 4.º como uma actividade comercial e industrial e enquadrável, portanto, na alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, devendo os respectivos rendimentos ser inscritos no campo 443 do quadro 4 A do anexo B do modelo 3 da declaração de rendimentos de IRS.

 

É certo que o Requerente marido não dispõe de alvará, mas, como se diz na decisão arbitral 372/2017-T, que também neste aspecto seguimos, os aspectos regulatórios, que poderão eventualmente impor a exigência de alvará, não se confundem com a perspectiva tributária, nomeadamente ao nível da qualificação do rendimento, que bem pode dispensar imposições de jaez regulatório. Como aí se diz, o conceito fiscal pode não acompanhar inteiramente o conceito comercial ou outros previstos noutras disposições legais (as quais podem convocar especiais requisitos regulatórios, fundados na protecção da ordem pública, de defesa do consumidor, ou outros).

 

Também este tribunal arbitral entende que, na falta de um verdadeiro conceito tributário de prestação de serviços ou de actividade comercial, tratando-se de conceitos cuja extensão nos respectivos ramos do direito de origem não são exactamente transponíveis para o direito fiscal, o recurso a listas abertas de actividades implica – assim o exige o princípio da segurança jurídica – que as actividades descritas nas tabelas ou listas sejam entendidas de forma lata. Como pode ler-se na decisão que vimos citando, “existindo dúvidas entre qualificar uma determinada atividade como comercial ou prestação de serviços – e existem, manifestamente, zonas cinzentas – o primeiro critério deve ser o enquadramento pensado pelo legislador, ou seja, reconduzir à qualificação existente nas listas (do artigo 4.º ou da tabela a que se refere o artigo 151.º) ainda que essa qualificação exija uma leitura ampla das atividades descritas”. Mais adiante, “em todo o caso, na situação em análise, a atividade desenvolvida pelo Requerente (acabamentos em edifícios e revestimento de pavimentos) enquadrando-se, no entendimento deste Tribunal, num conceito comum de construção civil merecerá igualmente enquadramento na categoria de construção civil prevista no Código do IRS já que do ponto de vista da obtenção do rendimento, a forma de obtenção de rendimento, no caso do Requerente não será muito diferente de outras obras de construção civil (com um teor mais abrangente) designadamente tendo em vista os custos com materiais necessários ao desenvolvimento da actividade”.

 

Assim, entende-se que para os rendimentos auferidos pelo Requerente marido provenientes da actividade com o código CAE 43340 – pintura e colocação de vidros será de aplicar o coeficiente 0,1 e não o de 0,75, como fez a liquidação impugnada, pelo que se impõe a consequente anulação parcial da dita liquidação.  

 

3.5.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pelos Requerentes.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ora, tendo os Requerentes pago o tributo que pela liquidação reclamada e ora parcialmente anulada lhes foi, por erro imputável aos serviços, exigido, têm eles direito não apenas ao reembolso de tudo quanto pagaram em excesso, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento desse excesso (tendo em conta o plano prestacional de que beneficiavam), até ao seu integral reembolso. 

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, condenando a Requerida a considerar, para efeitos de determinação do rendimento tributável dos Requerentes no exercício de 2014, que os rendimentos do Requerente marido auferidos no âmbito da sua actividade de CAE 43340 – pintura e colocação de vidros, no montante de € 13.933,42 (treze mil novecentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos) devem ser inscritos no campo 443 do quadro 4 A do anexo B do modelo 3, sendo-lhes aplicável o coeficiente de 0,1.
  2. Consequentemente anular parcialmente o acto de liquidação identificado com o n.º 2015..., para o ano de 2014, no valor de € 1.052,36 (mil e cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos).
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados apenas sobre o montante indevidamente pago, desde a data do pagamento da prestação tributária indevida (atento o plano prestacional) até ao seu integral reembolso.

 

 

  1. Valor do processo

 

Quando seja impugnado um acto de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.052,36 (mil e cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos), montante que os Requerentes indicaram como valor da causa e que não foi contestado pela Requerida.

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar pelas Partes na proporção do respectivo decaimento, a saber: 32,27% (trinta e dois vírgula vinte e sete por cento) pelos Requerentes e 67,73% (sessenta e sete vírgula setenta e três por cento) pela Requerida.

 

 

Lisboa, 25 de Março de 2019

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] No mesmo sentido e seguindo argumentação que se acolhe, veja-se a decisão arbitral prolatada no processo n.º 135/2017-T, que correu termos no CAAD, também relativo à actividade em causa nos presentes autos.