Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2018-T
Data da decisão: 2019-03-08  IVA  
Valor do pedido: € 66.319,66
Tema: Obras em prédio alheio ao sujeito passivo – Direito à dedução.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria do Rosário Anjos e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 18 de Julho de 2018, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de 2015/12 e 2016/12, resultantes, respectivamente, das declarações de substituição n.º ..., entregue em 26-06-2017, e n.º ..., entregue em 26-06-2017, e das respectivas liquidações de juros compensatórios, bem como da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto, no valor de € 66.319,66.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ilegalidade dos actos tributários referidos, por erro de facto e de direito.

 

3.            No dia 19-07-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 06-09-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 26-09-2018.

 

7.            No dia 31-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Durante os anos de 2015 e 2016 a Requerente suportou encargos superiores a €260.000,00 com a construção de um armazém que passou a utilizar, desde meados de 2016 na sua actividade.

2-            Até meados de 2016, os gastos suportados com a construção foram sendo registados em contas de “Investimentos em curso”, tendo o armazém sido contabilizado como Activo Fixo Tangível em curso e, uma vez concluído, transferido para Activos Fixos Tangíveis - Edifícios e Outras Construções.

3-            A Requerente, enquanto sujeito passivo registado para efeitos de IVA e com direito à dedução, relativamente às "obras de construção civil" liquidou e deduziu o IVA suportado com a referida construção.

4-            O terreno (actual prédio U-..., freguesia...) onde foi edificado o referido armazém é, e era à data, propriedade de B..., sócio da Requerente, e é contíguo a outro terreno (prédio U-... da mesma freguesia), em nome do mesmo proprietário, onde se situa outro armazém da Requerente do qual paga renda desde Janeiro de 2015.

5-            O referido armazém edificado no prédio U-... está concluído e em uso pela Requerente desde meados de 2016.

6-            O prédio U-... não está registado em nome da Requerente, mas em nome do referido sócio B... .

7-            O armazém foi construído e pago integralmente pela sociedade.

8-            Concluída a referida construção (em Dezembro de 2016) foi entregue por B..., em seu nome individual, a declaração modelo 1 do IMI para averbar as alterações do prédio contemplando aquela construção.

9-            A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva, iniciada em 23-03-2017 e concluída em 30-05-2017, determinada pelas Ordens de Serviço n.ºs 012017... e 012017..., em termos de IVA e para os exercícios de 2015 e 2016, a qual concluiu no sentido de serem devidas correcções técnicas motivadas por dedução indevida de IVA e falta de liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil, nos montantes de €59.290,32 e €7.029,34, para cada um daqueles anos, relativo a obras em obras em propriedade alheia, nos seguintes termos:

a.            2015: Imposto indevidamente deduzido, (obras em propriedade alheia): € 56.396,92;

b.            Falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil: € 2.893,40;

c.            2016: Imposto indevidamente deduzido, (obras em propriedade alheia): € 3.703,54;

d.            Falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil: € 3.325,80.

10-         Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, o seguinte:

“(...) III.2.1.2. Obras em propriedade alheia

Conforme se explanou ao longo do ponto II3.7. do presente relatório, o SP A..., em resultado da edificação de um armazém em terreno do sócio, suportou encargos da referida construção e também deduziu imposto (IVA), que o próprio SP liquidou por conta do mecanismo de inversão do SP (serviços de construção civil), nos termos da alinea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

Não se pretendendo repetir a matéria de facto que consta explanada naquele ponto do relatório, resumem-se de seguida os principais factos:

(i) O SP A... edificou um armazém num terreno (à época, o artigo rústico R-..., na freguesia de ...) que é propriedade do sócio B..., tendo suportado um conjunto de gastos durante os anos de 2015 e 2016;

(ii) Findas aquelas obras (em dezembro de 2016), o cidadão B... entregou no serviço de Finanças competente a declaração Modelo 1 do IMI. para averbar I registar o prédio modificado, incluindo a construção do já referido armazém, tendo ao referido artigo sido atribuído novo n.º de matriz: U-...e valor patrimonial tributário (VPT) de € 213.820 (enquanto rústico tinha VPT de € 12,20);

(iii) Na contabilidade da sociedade A..., os gastos de construção, integralmente suportados pela sociedade, foram sendo registados numa conta de investimentos em curso, com o objetivo de, presume-se, uma vez findas as obras (2016), passar a depreciar (amortizar) aquele ativo;

(iv) Relativamente ao IVA, as faturas relativas aos serviços de construção foram emitidas em nome da sociedade A..., tendo o SP autoliquidado (inversão do SP - serviços de construção civil) e, simultaneamente, deduzido o imposto;

(....) Factualmente está em causa a dedução de imposto em bem que não estava, nem está, em nome da sociedade. Independentemente daquele bem ser usado pela sociedade no âmbito da sua atívidade, a realidade é que o mesmo pertence ao sócio. Nada obstava a que o sócio levasse a cabo obras em terreno próprio e, findas as obras, arrendasse o armazém / edificio à sociedade.

Assim sendo, está em causa a legitimidade da dedução do imposto daquela construção que, factualmente pertence ao cidadão B..., que, caso tivesse suportado individualmente, como deveria, os encargos com a construção do referido armazém, não sendo um SP do imposto nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não praticando operações sujeitas e não isentas, não poderia beneficiar do direito à dedução.

Em face do exposto resulta claro que o SP A... deduziu indevidamente imposto relativo às obras de construção do armazém, dedução essa que foi operada com base nos registos que se listam de seguida, conforme cópia dos extratos de conta relativos às contas de investimentos em curso em que foram registados (contas SNC 4321, 4322 e 4324) e exemplos relativos a quatro faturas ...

 

Assim sendo, conclui-se que com este procedimento o SP deduziu indevidamente imposto no montante global de € 56.396,92, durante o ano de 2015, por violação do artigo 20° do CIVA, com a distribuição por período de imposto conforme quadro acima, que foi incluída nos campos 20 e 24 das respetivas DP's do IVA.”

11-         Na sequência de notificação para apresentação de explicações, a Requerente apresentou, no decurso do procedimento de inspecção, um “contrato de constituição de direito de superfície”, datado de 01-03-2015, entre a sociedade reclamante e o sócio B..., pelo qual este constituía sobre o imóvel, a favor da Requerente, direito de superfície pelo prazo de 20 anos, em que a Requerente não pagava qualquer prestação em dinheiro por tal direito de superfície, e em que a construção implantada no terreno reverteria a favor do referido B..., como preço de cedência, não tendo a referida Requerente direito ao pagamento de qualquer indemnização.

12-         Até à data da elaboração do Relatório Final da Inspecção, não foi efectuada qualquer participação do referido contrato no serviço de finanças competente relativa à constituição do direito de superfície.

13-         Do referido contrato constava que “os contraentes declaram que, por interesse recíproco, prescindem do reconhecimento presencial das assinaturas e renunciam à invocação da omissão desses factos”.

14-         No decurso da acção inspectiva a Requerente procedeu à transferência contabilística dos valores relacionados com a construção do armazém da conta 43.2.2 - "investimentos em curso" para a conta 27.8.3.02 – “A...”, passando, dessa forma, todos os valores do imobilizado (incluindo o IVA dedutível) para a conta do referido sócio.

15-         Aquando da operação referida no ponto anterior, as contas da Requerente de 2015 já se encontravam fechadas e aprovadas pelos sócios, encontrando-se depositadas na Conservatória do Registo Predial e tendo sido entregue a IES.

16-         A mesma operação não foi precedida por qualquer deliberação dos sócios a autorizar a reabertura da contabilidade da Requerente.

17-         Na sequência de tal operação, a Requerente:

a.            entregou declarações previstas no art. 121.º do CIRC referentes aos períodos de tributação de 2015 e 2016, consideradas de substituição, sendo que não foram efectuadas quaisquer alterações ao registo da prestação de contas dos períodos de tributação em causa;

b.            entregou, no dia 26-06-2017, declarações de substituição para efeitos de IVA, reportadas aos meses de Dezembro de 2015 e 2016, fazendo delas constar o imposto considerado pela Inspecção como indevidamente deduzido; e

c.            procedeu ao pagamento do imposto apurado naquelas declarações.

18-         Em 01 de Setembro de 2017, a Requerente transferiu o valor de € 352.676,31 da conta 27.8.3.02 “Gerência –B...” para:

a.            a conta 43.3.2.1 – “Instalações c/ IVA Dedutível”: € 286.776,35;

b.            a conta 24.3.9.02 – “IVA (contencioso)” - € 65.869,96.

19-         No dia 24-10-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de Imposto (IVA) e juros compensatórios, assentes nas declarações de substituição referidas no ponto anterior.

20-         Da decisão da Reclamação graciosa consta, para além do mais, o seguinte:

 

 

 

21-         A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho datado de 13-04-2018, notificado por meio do ofício n.º..., remetido por carta registada em 18-04-2018, para o mandatário constituído pela Requerente.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Em causa na presente acção arbitral está a apreciação da legalidade dos actos de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de 2015/12 e 2016/12 da Requerente, resultantes, respectivamente, das declarações de substituição n.º..., entregue em 26-06-2017, e n.º ..., entregue em 26-06-2017.

Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, verifica-se que no caso a Requerente foi submetida a uma inspecção tributária na qual foi considerado que “está em causa a dedução de imposto em bem que não estava, nem está, em nome da sociedade” e a “a legitimidade da dedução do imposto daquela construção que, factualmente pertence ao cidadão B...”, pelo que “o SP A... deduziu indevidamente imposto relativo às obras de construção do armazém”.

Mais se verifica que, no decurso de tal acção inspectiva, a Requerente procedeu a alterações na sua contabilidade, e, posteriormente, entregou declarações de substituição de IVA, e pagou o imposto ali apurado.

Subsequentemente, no âmbito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, entendeu a AT, em suma, que (sublinhados nossos):

- “Duas condições são exigidas para ser concedido o direito à dedução do IVA em obras de propriedade alheia: o imóvel encontrar-se afeto à atividade produtiva e integrar o ativo fixo tangível, independentemente de haver ou não um contrato de arrendamento ou figura similar ou imóvel se encontrar registado/inscrito na matriz em nome dos sócios.”;

- “Não se encontrando relevados contabilisticamente nos exercícios de 2015 e 2016 os custos das obras em propriedade alheia em "ativo fixo tangível em curso· e posteriormente em "ativo fixo tangível" após a sua conclusão, mas antes a contabilização de um empréstimo da sociedade aos sócios (conta 27.8.3), preclude o direito à dedução do IVA em obras de propriedade alheia, conforme fundamentos atrás expostos.”.

Por fim, em 01 de Setembro de 2017, a Requerente transferiu o valor de € 352.676,31 da conta 27.8.3.02 “Gerência –B...” para:

a.            a) a conta 43.3.2.1 – “Instalações c/ IVA Dedutível”: € 286.776,35;

b) a conta 24.3.9.02 – “IVA (contencioso)” - € 65.869,96.2017, a Requerente transferiu o valor de € 352.676,31 da conta 27.8.3 do sócio A... para:

a) a conta 43.2 – “instalações outros”: € 286.776,35;

b) a conta 24.3 – “IVA dedutível (em contencioso)” - € 65.869,96.

                Face às circunstâncias descritas, cumpre então apreciar duas questões, a saber:

                - Se o IVA suportado pela Requerente, em obras de edificação realizadas no imóvel propriedade do sócio, para a construção de edifício que ficou afecto à sua actividade é, ou não, dedutível; e

                - Se, em caso de resposta afirmativa, as vicissitudes contabilísticas verificadas interferem, ou não, com o referido direito à dedução.

                Vejamos, então.

 

*

                No que diz respeito à primeira questão formulada, a resposta está, de forma suficientemente esclarecedora, plasmada na decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

                Assim, como ali se refere, duas condições são exigidas pela AT para ser concedido o direito à dedução do IVA em obras de propriedade alheia: e

- o imóvel encontrar-se afecto à actividade produtiva;

- integrar o mesmo imóvel o activo fixo tangível, independentemente de haver ou não um contrato de arrendamento ou figura similar ou imóvel se encontrar registado/inscrito na matriz em nome dos sócios.

                Como também se explana na decisão da reclamação graciosa, o que está em causa no presente caso, relativamente ao “direito à dedução do IVA não é o facto do imóvel estar registado em nome do sócio e/ou a eficácia jurídica do contrato de "constituição do direito de superfície" mas sim se o mesmo vem sendo utilizado no exercício da atividade e se encontra registado como ativo fixo tangível.”.

                Este entendimento, de resto, é conforme ao decidido no Ac. do TCA-Norte de 15-10-2010, proferido no processo 00013/2000 – Mirandela, bem como com o Ac. do TCA-Sul de 15-07-2009, proferido no processo 02516/18, e referido no RIT, na medida em que, como se afirma no Ac. do STA de 23-01-2013, proferido no processo 0757/12, naquele foi considerado o “bem não estar direta e exclusivamente afeto ao exercício da atividade da empresa”, o que não é o caso.

                Com efeito, a primeira daquelas circunstâncias, ou seja, a de o imóvel estar a ser utilizado pela Requerente no exercício da actividade, está dada como provada, constando igualmente o mesmo quer do RIT, quer da decisão da reclamação graciosa (cfr. p. 3 desta).

                Daí que a questão que se coloque é a de o imóvel se encontrar, ou não, registado como activo fixo tangível da Requerente.

                Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, até meados de 2016, os gastos suportados com a construção em causa foram sendo registados em contas de “Investimentos em curso”, tendo o armazém sido contabilizado como Activo Fixo Tangível em curso e, uma vez concluído, transferido para Activos Fixos Tangíveis - Edifícios e Outras Construções.

                Daí decorre que, à data a que se reportam os factos tributários, 2015 e 2016, o imóvel em causa encontrava-se registado no activo fixo tangível da Requerente.

                Daí que, dúvidas não se colocam, face ao entendimento da própria AT, plasmado na decisão da reclamação graciosa, à data dos facto tributários, se verificavam os requisitos exigidos por aquela Autoridade para que fosse aceite a dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente na construção do imóvel em questão.

                Aqui chegados, coloca-se, então, a segunda das questões supra formuladas, ou seja, a de saber se as vicissitudes contabilísticas verificadas após o início da acção inspectiva a que a Requerente foi sujeita, são ou não susceptíveis de interferir com o direito à dedução do IVA em causa, suportado pela Requerente, verificados os pressupostos referidos.

                Ora, conforme é consabido, a legalidade de um acto tributário deve aferir-se em relação à situação de facto existente à data da sua ocorrência, sendo que, como se viu, à data dos facto tributários sub iudice (2015 e 2016), a Requerente:

- tinha o imóvel afectado à sua actividade produtiva;

- tinha integrado o mesmo imóvel no seu activo fixo tangível.

                E se, é verdade, que entretanto a Requerente alterou, contabilisticamente, a afectação do imóvel, retirando, em 2017, no decurso da acção inspectiva, o imóvel do seu activo fixo tangível, menos certo não é, conforme resulta dos factos provados, que, ainda no mesmo ano, e previamente à apresentação da reclamação graciosa, voltou a corrigir tal situação, voltando a integrar o imóvel em causa no seu activo tangível.

                Daí que se julgue que tais vicissitudes contabilísticas não contendam com o direito à dedução da Requerente, assim determinado.

                Com efeito, se é verdade que em 2017, como se refere na decisão da reclamação graciosa, a Requerente desafectou, contabilisticamente, o imóvel em questão do seu activo tangível, menos verdade não é que, no mesmo ano, voltou a repor a situação, integrando tal imóvel naquele activo, sendo ainda certo que, como se referiu, à data do facto tributário, era esta última situação que se verificava.

                E, não havendo dúvidas de que, em termos factuais, o imóvel em causa estará, desde a sua edificação, a ser utilizado pela Requerente na sua actividade produtiva, motivos não haverá, designadamente relacionados com qualquer situação de evasão ou fraude fiscal, para dar como não verificados os pressupostos, reconhecidos pela própria AT, próprios da existência daquele mesmo direito.

                Daí que, consagrando o art.º 20.º/1 do CIVA o direito à dedução do “imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”, haverá que concluir que a liquidação de imposto, ao arrepio da dedução do encargos suportados pela Requerente na construção do edifício, ainda que edificado em prédio alheio, destinado e utilizado exclusivamente na sua actividade empresarial, se dá em violação da referida norma, pelo que deverá ser anulada.

                Consequentemente, deverá proceder o pedido arbitral, na parte relativa ao IVA suportado nas obras realizadas em propriedade alheia, e que não foi deduzido.

 

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                Na sua resposta, a Requerida aventa que pretende “nos presentes Autos, (...) que se dê por provado o constante do PA e que, como tal, se considere não terem as correcções efectuadas, bem como as liquidações decorrentes das declarações de substituição, enfermado de qualquer vício.”.

                Ora, dando-se como provado, no que para o caso releva, o apurado no PA, designadamente no que respeita à efectiva utilização do imóvel na actividade empresarial da Requerente, bem como no que respeita às operações contabilísticas operadas pela Requerente, a conclusão, conforme se explicou, é a supra referida, ou seja, a de que à data do facto tributário a Requerente preenchia as condições, reconhecidas pela própria AT como necessárias à existência do direito à dedução, e de que as alterações contabilísticas operadas não contendem com o reconhecimento de tal direito.

                Mais alega a Requerida que “a não ser assim, (...) a dar como provado o constante da nova posição assumida pelo Requerente nos presentes autos sobre a matéria em análise, sempre se teria de dar por não verificada, por tal constituir, nos termos acima melhor detalhados, um abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio, por ser esta a única forma de fazer corresponder o direito à posição materializada pelo Requerente quanto à matéria perante a Requerida e por esta tida como verdadeira.”.

                Ressalvado o respeito devido, carecerá, integralmente, tal posição de qualquer sustentação.

                Efectivamente, a posição que a Requerida aponta como nova, mais não é do que a posição da Requerente que existia à data do início do procedimento de inspecção, não se tratando assim de qualquer venire contra factum próprio, mas, antes, da reposição daquela que era, ab initio, a posição da Requerente na matéria e que, igualmente, ab initio, foi contestada em sede de inspecção, mas foi, em termos abstractos, acolhida pela própria AT em sede de reclamação graciosa, notando-se, ainda, que a alteração final operada pela Requerida se deu previamente à apresentação do pedido de reclamação graciosa.

                Assim, e pelo exposto, conclui-se pela inexistência de qualquer abuso de direito.

 

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                Conforme resulta da matéria de facto, as correcções determinadas pela AT em sede inspectiva, e acolhidas pela Requerente em sede de declarações de substituição, reportam-se a:

a.            2015: Imposto indevidamente deduzido (obras em propriedade alheia), no montante de € 56.396,92, e a falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 2.893,40; e

b.            2016: Imposto indevidamente deduzido (obras em propriedade alheia), no montante de € 3.703,54, e falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil, no montante de € 3.325,80.

Ora, na presente acção arbitral, a Requerente apenas contesta a liquidação de imposto sobre o imposto considerado como indevidamente deduzido, não se insurgindo contra a liquidação de imposto sobre a falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil, sendo que o imposto liquidado na sequência das declarações de substituição por si apresentadas abrange ambas as situações.

Ora, atento o quanto previamente foi exposto, apenas se apura a ilegalidade das liquidações de imposto que são objecto da presente acção arbitral, na parte relativa ao IVA considerado, no procedimento de inspecção, como indevidamente deduzido.

Daí que, na parte em que esteja em causa o IVA relativo à falta de liquidação na aquisição de serviços de construção civil, no montante global de € 6.219,20, deva o pedido arbitral improceder.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável, em primeira linha à Requerente, que apresentou as declarações de substituição e procedeu ao pagamento do imposto decorrente das mesmas.

Apenas a partir da decisão da reclamação graciosa é que se pode imputar à Autoridade Tributária e Aduaneira a manutenção na ordem jurídica dos actos de liquidação objecto da presente acção arbitral .

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de 2015/12, no montante de € 56.396,92, e 2016/12, no montante de € 3.703,54, resultantes, respectivamente, das declarações de substituição n.º..., entregue em 26-06-2017, e n.º..., entregue em 26-06-2017, e das respectivas liquidações de juros compensatórios;

b)           Anular parcialmente, na mesma medida, a decisão da reclamação graciosa que teve aqueles actos como objecto;

c)            Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

d)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €230,00, a cargo da Requerente, e de €2.218,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €66.319,66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Março de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal,

(Maria do Rosário Anjos)

 

O Árbitro Vogal

(José Ramos Alexandre)