Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 439/2018-T
Data da decisão: 2019-03-01  IRC  
Valor do pedido: € 53.403,83
Tema: Dedutibilidade de benefícios fiscais à coleta de tributações autónomas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

Em 5 de setembro de 2018, A..., S.A., com o NIPC ... e com sede na ..., ..., ...-... ..., que anteriormente girou sob a denominação social de B..., S. A. (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável sem oposição das Partes.

 

A. Objeto do pedido:

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.ºs 2014... e 2015..., referentes aos exercícios de 2013 e de 2014, pelas quantias de € 21 104,54 e de € 32 299,29, respetivamente, assim como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 9 de fevereiro de 2018, por preterição do regime ínsito nos artigos 88.º, 90.º e 92.º, do Código do IRC, 2.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Mais peticiona a Requerente a restituição das quantias indevidamente suportadas, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, do CPPT, bem como a condenação da Requerida nas custas processuais, atribuindo ao pedido o valor económico de € 53 403,83 (cinquenta e três mil, quatrocentos e três euros e oitenta e três cêntimos).

 

B. Síntese da posição das Partes

                1. Da Requerente:

A Requerente alicerça os pedidos anulatório e indemnizatório nas seguintes razões de facto e de direito:

1.            Os formulários das declarações modelo 22 de IRC, aprovados pelos Despachos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 1576/2014, de 31 de dezembro de 2013 e n.º 15632/2014, de 18 de dezembro de 2014, não permitiram que a Requerente pudesse deduzir a quantia remanescente de benefícios fiscais de que dispunha nos exercícios de 2013 e de 2014 à coleta de IRC, apurada a título de tributações autónomas nesses exercícios;

2.            No exercício de 2013, a Requerente dispunha de benefícios fiscais no montante global de € 895 344,72, referentes a SIFIDE II de 2012, RFAI de 2011, RFAI de 2012, RFAI de 2013 e CFEI, de que apenas deduziu à coleta de IRC a quantia de € 300 252,08, tendo ficado por deduzir benefícios fiscais no montante de € 595 092,64;

3.            No campo 365 do quadro 10 da Modelo 22 de IRC do exercício de 2013, a Requerente apurou tributações autónomas no montante de € 21 104,54;

4.            No exercício de 2014, a Requerente dispunha de benefícios fiscais no montante global de € 896 331,16, referentes a SIFIDE II de 2013, RFAI de 2011, RFAI de 2012, RFAI de 2013 e CFEI, dos quais deduziu à coleta de IRC do exercício de 2014 o montante de € 116 470,30, permanecendo por deduzir benefícios fiscais no montante de € 779 860,86;

5.            No campo 365 do quadro 10 da Modelo 22 de IRC do exercício de 2014, a Requerente apurou tributações autónomas no montante de € 32 299,29;

6.            Por entender que as autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e de 2014 padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, tacitamente indeferido;

7.            A tributação autónoma é uma taxa de IRC que incide sobre determinados encargos dos sujeitos passivos e que tem subjacente a dificuldade de fiscalização e controlo das empresas por parte da AT e a necessidade de tributar despesas que não possuam escopo empresarial fiscalmente relevante, sendo uma componente do IRC, como decorre do atual artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, que veda a dedutibilidade ao lucro tributável do «IRC, incluindo as tributações autónomas»;

8.            O IRC inclui as tributações autónomas para efeitos da não dedutibilidade ao lucro tributável, não se compreendendo como poderá não incluir as mesmas tributações autónomas no que respeita ao procedimento de liquidação e dedução de benefícios fiscais, nos termos do artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC;

9.            O artigo 88.º, do CIRC, limita-se a definir as diferentes taxas de tributações autónomas e não qualquer mecanismo de liquidação do imposto, concluindo-se que o artigo 90.º, do CIRC, se refere às formas de liquidação do IRC, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no CIRC, incluindo tributações autónomas, pois não existe qualquer outra disposição que preveja termos distintos para a sua liquidação;

10.          Deste modo, conclui-se que a dedução relativa a benefícios fiscais prevista no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC, é aplicável à coleta resultante das tributações autónomas;

11.          Se o artigo 90.º do CIRC não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, ter-se-ia de concluir que não haveria norma que previsse a sua liquidação nos exercícios de 2013 e 2014, devendo as liquidações ser anuladas por inconstitucionalidade decorrente da violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP;

12.          De acordo com o artigo 90.º, n.º 2, do CIRC, as deduções são efetuadas “ao montante apurado nos termos do número anterior”; o n.º 1 da mesma norma refere-se precisamente à operação de liquidação do IRC, que inclui as tributações autónomas, da qual resulta o apuramento da coleta, à qual não poderão deixar de ser efetuadas as deduções previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC;

13.          Assim, caso o montante dos benefícios fiscais seja superior à coleta resultante do lucro tributável, será o remanescente do crédito de imposto dedutível, também, à coleta resultante das tributações autónomas e até à concorrência desta;

14.          A possibilidade de dedução do SIFIDE II, CFEI e RFAI resulta da própria natureza dos benefícios fiscais, enquanto “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, que se sobrepõem à motivação de arrecadação da receita proveniente das tributações autónomas;

15.          Nem a redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (O. E. para 2016) ao n.º 21 do artigo 88.º, do CIRC pode conduzir a entendimento distinto nos exercícios de 2013 e 2014, apesar de o legislador ter atribuído natureza pretensamente interpretativa a esta alteração legislativa, por violação do princípio da irretroatividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;

16.          As declarações Modelo 22 de IRC dos exercícios de 2013 e 2014 foram preenchidas pela Requerente em conformidade com os formulários disponibilizados pela AT, os quais não permitem quaisquer deduções às tributações autónomas, o que determinou uma incorreta liquidação do montante de imposto de tais exercícios e consubstancia uma situação de erro imputável aos serviços da AT.

 

2. Da Requerida:

Na sequência do despacho de notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta na qual se defendeu por exceção e por impugnação e fez juntar o processo administrativo (PA).

a)            Por Exceção:

Invoca a Requerida a exceção da incompetência material do tribunal arbitral para dirimir o litígio objeto dos presentes autos, fundamentando-se no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que veio estabelecer o objeto e termos da vinculação das então DGCI e DGAIEC, atual AT, à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD, em que expressamente se excluem do âmbito da vinculação as “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e, ainda, no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter sido apresentado na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa apresentado após esgotado o prazo da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT.

b)           – Por impugnação, defende a AT, em suma, o seguinte:

a.            A integração das tributações autónomas, no CIRC conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro do artigo 90.º/1-a) do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, que obedecem a regras diferentes;

b.            Não há, assim, uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos do artigo 90.º/1-a) do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, cada uma materializada na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias;

c.            Daí resulta que o montante apurado nos termos do artigo 90.º/1-a) não tem um carácter unitário, comportando valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, a fim de manter a coerência da estrutura concetual do regime-regra do imposto;

d.            Em termos globais, a coleta do IRC, apurada nos termos dos artigos 89.º e 90.º/1, tem natureza compósita: por um lado, entre a coleta de imposto propriamente dita, resultante da estrutura geral de apuramento do IRC, a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º/2, nos termos ali referenciados e, por outro, o somatório das coletas das tributações autónomas;

e.            A interpretação de que não existe uma única coleta do IRC e de que não lhe podem ser efetuadas indiferenciadamente as deduções referidas no artigo 90.º/2, do CIRC, foi agora fixada por via da norma interpretativa do artigo 88.º/21 (aditado pela Lei 7-A/2016, de 30 de março), com o intuito de assegurar certeza e igualdade na aplicação da lei;

f.             Pretende a Requerente que a expressão «montante apurado nos termos do número anterior», ínsita no n.º 2 do artigo 90.º, do CIRC, deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria coletável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º, o que implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no artigo 105.º/1 do CIRC – e em termos idênticos aos utilizados no artigo 90.º/2, fossem incluídas as tributações autónomas;

g.            Porém, tal como é reconhecido pacificamente pela doutrina e é coerente com a natureza dos pagamentos por conta, embora no artigo 105.º/1 do CIRC seja usada a expressão «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)», para a sua base de cálculo apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria coletável, determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.º do respetivo Código;

h.            A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no artigo 90.º/2 do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no artigo 105.º/1 do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita atribuindo-lhe o mesmo sentido em ambos os preceitos;

i.             É esta a interpretação coerente com a natureza das deduções referidas nas alíneas do artigo 90.º/2, do CIRC, relativas a: Créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica [atuais alíneas a) e b)]; Benefícios fiscais [atual alínea c)]; Pagamento especial por conta [atual alínea d)] e Retenções na fonte [atual alínea e)];

j.             Todas as realidades refletidas nas deduções a que se refere o artigo 90.º/2 do CIRC respeitam a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável, determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas;

k.            O crédito de imposto ou dedução à coleta é uma das modalidades técnicas, previstas no artigo 2.º/2 do EBF, adotadas nas medidas de incentivos fiscais ao investimento, pela transparência e simplicidade do cálculo da despesa fiscal associada e pela sua indexação à rendibilidade do investimento, como acontece no caso do SIFIDE e que só se efetiva se houver lucro;

l.             Também no que respeita à dedução do CFEI, o próprio artigo 3.º/5-a) da Lei 49/2013, forneceu uma resposta clarificadora, ao prescrever que «Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1: a) Efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;», em que não se regista qualquer interferência das tributações autónomas;

m.          Por seu turno, a tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º, do CIRC, visa acautelar os equilíbrios específicos do IRC e a receita do imposto ao desincentivar a realização de despesas que pela sua natureza e fins podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos privados ou corresponder a encargos que tenham como finalidade específica e última, o evitamento do imposto;

n.            Terá, pois, de se concluir que ao montante das coletas das tributações autónomas não sejam deduzidos os benefícios fiscais, mormente, e no aqui nos ocupa, o SIFIDE, incentivo orientado para as empresas que através da investigação e da inovação, criem conhecimento e novos processos de produção com vista a melhorar a posição competitiva nos mercados, criar valor e gerar lucros, e não a “premiar” as que maximizam a realização das despesas que integram os factos sujeitos às taxas de tributação autónoma;

o.            A dedutibilidade dos benefícios fiscais nos termos defendidos pela Requerente resultaria em que um incentivo fiscal orientado para o desenvolvimento económico do país poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e propiciar a incentivação de comportamentos traduzidos na realização de despesas que o legislador teve como propósito desincentivar;

p.            O artigo 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 março, que atribuiu caráter interpretativo ao n.º 21 do artigo 88.º, do CIRC, limitou-se a fixar um entendimento que já tinha apoio na letra e na ratio da lei e que sempre teve aplicação pela generalidade dos contribuintes por se extrair das disposições legais vigentes nem viola o princípio da proteção da confiança, pois nenhum sujeito passivo, no período acima referido, tinha a expetativa de exercer o crédito de imposto do SIFIDE II ao montante das coletas das tributações autónomas;

q.            Não se verificando nos presentes autos um erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.

 

Notificada para responder à matéria de exceção invocada pela Requerida, a Requerente veio defender que tal exceção se não verifica, citando doutrina e jurisprudência nesse sentido.

 

Por não tendo sido requerida a produção de prova adicional nem haver factos controvertidos, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e convidaram-se as Partes à produção de alegações escritas sucessivas com início na Requerente, tendo sido fixada a data de 1 de março de 2019 para prolação da decisão arbitral e advertida a Requerente de que, até essa data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente apresentou as suas Alegações escritas, nas quais reiterou o teor das peças processuais anteriores.

 

A Requerida não contra-alegou.

 

 

II. SANEAMENTO

1.            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 19 de novembro de 2018, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

4.            A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, do RJAT, quando a sua procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo n.º 1 do artigo 125.º, do mesmo CPPT.

 

A.           Factos Provados:

1.            A Requerente é uma sociedade comercial anónima de direito português, com sede e direção efetiva na ..., ..., ...-... ..., que anteriormente girou sob a denominação social de B..., S. A. e cujo objeto social consiste, entre outras, na prossecução das atividades de secagem, armazenamento, processamento e comercialização de arroz e milho (artigo 6.º da PI);

2.            No exercício de 2013, a Requerente dispunha dos seguintes benefícios fiscais, no valor global de € 895 344,72 (Docs. 6 a 11 juntos à PI):

Benefício fiscal  Montante

SIFIDE II – 2012                 € 138 639,05

RFAI – 2011           90 306,38

RFAI – 2012        € 279 815,48

RFAI – 2013        € 116 632,43

CFEI – 2013        € 269 951,38

3.            A Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2013 em 26/05/2014 (declaração n.º 2011...– Doc. 1 junto à PI), em cujo campo 351 do quadro 10 apurou a coleta de IRC no valor de € 300 252,08, à qual deduziu benefícios fiscais no mesmo montante, ficando por deduzir a quantia de € 595.092,64;

4.            No campo 365 do quadro 10 da referida declaração modelo 22, a Requerente apurou tributações autónomas da quantia de € 21 104,51, a que não pode ser efetuada qualquer dedução, por não permitida pelo formulário disponibilizado pela AT (Doc. 1 junto à PI);

5.            Da declaração modelo 22 n.º 2011... resultou a autoliquidação n.º 2014..., em que se apurou o reembolso da quantia de € 57 483,84 (PA);

6.            No exercício de 2014, a Requerente dispunha dos seguintes benefícios fiscais, no valor global de € 896,311,16 (Docs. 6 a 12 juntos à PI):

Benefício fiscal  Montante

SIFIDE II – 2013                 € 301 238,52

RFAI – 2011           15 243,36

RFAI – 2012        € 279 815,48

RFAI – 2013           85 744,23

CFEI       € 214 289,57

7.            Em 26/05/2015, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2014 (Declaração n.º 2011-...), tendo apurado, no campo 351 do quadro 10, a coleta no valor de € 116 470,30, à qual deduziu benefícios fiscais, até à sua concorrência, ficando por deduzir a quantia de € 779 860,86 (Doc. 2 junto à PI);

8.            No campo 365 do quadro 10 da mesma declaração, a Requerente apurou tributações autónomas no montante de € 32 299,29, às quais pode efetuar qualquer dedução, por tal não ser permitido pelo formulário disponibilizado pela AT (Doc. 2 junto à PI);

9.            Da declaração modelo 22 n.º 2011-..., resultou a autoliquidação de IRC n.º 2015..., que apurou um reembolso da quantia de € 156 311,52 (PA);

10.          Nos exercícios de 2015, 2016 e 2017, a Requerente apenas deduziu à coleta de IRC daqueles exercícios e até à sua concorrência, benefícios fiscais nos montantes de € 53 772,79, € 81 466,28 e € 75 459,21, respetivamente (Docs. 13, 14 e 15, juntos à PI);

11.          Em 9 de fevereiro de 2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015..., referentes aos exercícios de 2013 e de 2014, com fundamento na impossibilidade de dedução dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas, conforme o formulário da declaração modelo 22 disponibilizado pela AT (Doc. 3 junto à PI e PA);

12.          A Requerente não foi notificada da decisão do pedido de revisão oficiosa identificado no número anterior.

 

B.            Factos não provados:

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração que nenhum dos factos acima descritos, invocados pela Requerente com base na prova documental indicada em cada uma das alíneas supra, foi impugnado pela Requerida, não havendo sobre eles controvérsia, deverão os mesmos considerar-se como provados.

 

 

III.2 DO DIREITO

1.            Questão prévia – da (in)competência material do tribunal arbitral

Na sua Resposta veio a Requerida invocar a exceção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido.

Por se tratar de questão processual que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa (artigos 576.º e 577.º, alínea a), do CPC, aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), deve a mesma ser de apreciação prioritária.

 

Fundamenta a AT a incompetência material do tribunal arbitral na letra do preceituado na alínea a) do artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que veio estabelecer o objeto e termos da vinculação das então DGCI e DGAIEC, atual AT, à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, junto do CAAD, excluindo do âmbito da vinculação as “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, bem como no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter sido apresentado na sequência do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa apresentado após esgotado o prazo da reclamação prevista no artigo 131.º, do CPPT.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, tal como definida no artigo 2.º, do RJAT, compreende a apreciação, entre outras, das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (n.º 1, alínea a), encontrando-se a administração tributária vinculada à jurisdição arbitral tributária, nos termos do artigo 4.º, do RJAT, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Não obstante o teor literal da alínea a) do artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, excluir a arbitrabilidade das pretensões relativas à declaração de ilegalidade das autoliquidações, retenções na fonte e pagamentos por conta nos casos em que o contribuinte não tenha previamente lançado mão da impugnação administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º, do CPPT, têm a doutrina e a jurisprudência entendido que, para aquele efeito, o pedido de revisão oficiosa deve ser equiparado à reclamação graciosa ali prevista.

 

Efetivamente, tanto a decisão de indeferimento, expresso ou tácito, da reclamação graciosa como do pedido de revisão oficiosa são atos de segundo grau, diretamente lesivos (artigo 95.º, n.º 1, alínea d), da LGT – de acordo com a factualidade fixada, não tendo a Requerente sido notificada da decisão do pedido de revisão oficiosa formulado em 9/02/2018 dentro do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, presume-se o seu indeferimento para efeitos do disposto no n.º 5 do mesmo artigo), que constituem o objeto imediato do pedido e através dos quais se afere da legalidade dos atos primários, como são no caso dos autos, as autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e de 2014.

 

Assim, defende Carla Castelo Trindade  que “(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa atos que não são da autoria da Administração Tributária mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o ato de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efetivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa”.

 

Convergentemente, a nível da jurisprudência arbitral tributária, cite-se o Acórdão proferido no processo n.º 620/2017-T, sendo Presidente do Tribunal Arbitral o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

“(…) a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que atos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exatamente a vinculação que resulta do diploma regulamentar, devidamente interpretado.

(…)

Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do ato)».

Não ocorre, assim, incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que apreciem a legalidade quer de atos de autoliquidação quer de atos de liquidação adicional. (…)”.

 

Também o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2018, de 11 de maio de 2018, processo n.º 636/2017 - 1.ª Secção, se pronunciou sobre a competência dos tribunais arbitrais em situações idênticas, concluindo “(…) pela não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.”.

 

Aderindo ao entendimento exposto, considera-se que também no caso dos presentes autos o tribunal arbitral é materialmente competente para a decisão da causa, na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015... .

2.            Da dedutibilidade dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas

A principal questão objeto dos autos consiste em saber se os montantes dedutíveis dos benefícios fiscais previstos no SIFIDE II, RFAI e CFEI podem ser deduzidos à coleta de IRC derivada de tributações autónomas, nos anos de 2013 e de 2014, apesar do aditamento, pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, do n.º 21 do artigo 88.º, do Código do IRC, e posterior redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, às quais foi atribuída natureza interpretativa.

 

2.1.        A Liquidação das tributações autónomas

De acordo com o artigo 89.º, do Código do IRC, a liquidação deste imposto, incluindo as tributações autónomas, compete, em primeira linha, aos sujeitos passivos, na declaração periódica a que se referem os artigos 120.º e 122.º, do Código do IRC e, subsidiariamente, à administração fiscal.

 

O procedimento e forma de liquidação vêm estabelecidos no artigo 90.º, do Código do IRC, que, na redação em vigor no exercício de 2013, dispunha:

“Artigo 90.º - Procedimento e forma de liquidação

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 - (Revogado)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

9 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 - A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”.

 

Com a republicação do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a norma do artigo 90.º, passou a ter a seguinte redação, em vigor no exercício de 2014:

“Artigo 90.º - Procedimento e forma de liquidação

1- A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 - (Revogado).

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.

9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4. 

11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com caráter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

12 - A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”.

 

Parece, pois, pacífico que o disposto no artigo 90.º, do Código do IRC se aplica às tributações autónomas, apuradas pelo sujeito passivo na declaração modelo 22 ou, sendo caso disso, pela Administração Fiscal pois, se assim não fosse, ter-se-ia de concluir, como faz a Requerente, que não existindo nos exercícios em análise norma específica para a liquidação das tributações autónomas, teriam as mesmas de ser anuladas por ilegais e inconstitucionais, face ao artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça “nos termos da lei”.

 

Tanto mais que o artigo 88.º, do Código do IRC, se limita a identificar as situações suscetíveis de tributação autónoma, fixando as taxas respetivas e não contendo qualquer norma sobre liquidação, procedimento que, de acordo com a sistemática do Código, se inicia no artigo 89.º.

 

Quanto à coleta das tributações autónomas previstas no Código do IRC, cuja autonomia se restringe às taxas aplicáveis e à matéria tributável sobre a qual incidem, é hoje pacífico o entendimento jurisprudencial de que a mesma constitui coleta de IRC, apurada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do referido Código, a que podem ser efetuadas as deduções previstas nas diversas alíneas do seu n.º 2, quando a liquidação seja efetuada pelo sujeito passivo ou, quando efetuada pela Administração Tributária, aquelas de que esta tenha conhecimento (artigo 90.º, n.º 8, na redação em vigor em 2013 e n.º 10, na redação em vigor em 2014).

 

Efetivamente, tal como consta da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, processo n.º 466/16, 2.ª Secção, “(…) a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas. (…)”.

 

2.2.        A dedução de benefícios fiscais

À coleta do IRC apurada pelos sujeitos passivos ou pela Administração Tributária são dedutíveis os benefícios fiscais de que o sujeito passivo disponha (artigo 90.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRC, para o exercício de 2013 e alínea c) quanto ao exercício de 2014).

Resta, porém, saber se aquela previsão engloba todos e quaisquer benefícios fiscais ou se haverá benefícios fiscais, nomeadamente os benefícios fiscais ao investimento, que ali não possam ser incluídos.

 

Os benefícios fiscais de que a Requerente dispunha nos exercícios de 2013 e de 2014 respeitavam a Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II), Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).

 

Nos exercícios em análise, o SIFIDE II encontrava-se sucessivamente regulado pelos artigos 33.º e seguintes do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009 de 23 de setembro e pelos artigos 35.º e seguintes do novo Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, ali se prevendo que o referido incentivo aproveita aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e aos não residentes com estabelecimento estável nesse território, que o podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, na liquidação respeitante ao período de tributação a que respeita, desde que o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos. As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas nos exercícios subsequentes.

 

Nos mesmos exercícios, o RFAI era regulado pelos artigos 26.º e seguintes e 22.º e seguintes dos Decretos-Lei n.º 249/2009 de 23 de setembro e n.º 162/2014, de 31 de outubro, respetivamente, em condições similares às anteriormente descritas.

 

Quanto ao CFEI, aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, é um incentivo destinado os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, cujo lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos (artigo 2.º), traduzindo-se numa dedução à coleta de IRC do exercício de 2013 (artigo 3.º) e que, tratando-se do regime especial de tributação de grupos de sociedades, é efetuada ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo; a importância que não possa ser deduzida no exercício poderá sê-lo nos cinco períodos de tributação subsequentes.

 

Ora, no regime dos incentivos fiscais de que a Requerente dispunha nos exercícios de 2013 e de 2014, nada indica que os mesmos não possam ser deduzidos ao montante apurado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, do Código do IRC, no qual se incluem as tributações autónomas, as quais não constituem método indireto de avaliação, para efeitos do disposto nos artigos 85.º e 87.º e seguintes, da LGT.

 

Por outro lado, sendo os benefícios fiscais medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores aos da própria tributação que impedem, que apenas podem ser suspensos ou extintos nas situações previstas no artigo 8.º, do EBF, sempre os mesmos se sobreporiam ao escopo recaudatório subjacente às tributações autónomas.

 

Assim, anteriormente ao aditamento do n.º 21 do artigo 88.º, do CIRC, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, não existia qualquer fundamento legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II, do RFAI e do CFEI à coleta das tributações autónomas.

 

2.3.        A natureza interpretativa do n.º 21 do artigo 88.º, do Código do IRC

O artigo 133.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, aditou o n.º 21.º do artigo 88.º, do Código do IRC, que veio dispor não poderem ser efetuadas quaisquer deduções ao montante apurado a título de tributações autónomas, tendo o artigo 135.º, da mesma Lei, atribuído natureza interpretativa àquela norma.

 

O artigo 231.º, da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2018), conferiu nova redação ao n.º 21 do artigo 88.º, do Código do IRC, em que se passou a dispor que “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.”

 

Em regra, a lei apenas vigora para o futuro, a menos que lhe seja atribuída eficácia retroativa (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil); porém, integrando-se a lei interpretativa na lei interpretada, ela terá sempre efeitos retroativos  que, em matéria fiscal, são proibidos pelo artigo 103.º, 3, da CRP.

 

                Deste modo, decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 267/2017, processo n.º 466/16, 2.ª Secção, “Julgar inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC – número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei – segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016 (…)”.

 

                Muito embora a questão objeto de recurso no Acórdão do Tribunal Constitucional citado se prendesse com a dedutibilidade do PEC à coleta das tributações autónomas e no caso vertente esteja em causa a dedutibilidade dos benefícios fiscais, decorre da interpretação do direito infraconstitucional que também estes são dedutíveis à coleta das tributações autónomas, nos termos do n.º 2 do artigo 90.º, do Código do IRC, uma vez que estas integram o montante apurado nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, conclusão que tanto vale face à redação originária do n.º 21 do artigo 88.º, do Código do IRC, como face à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, para os exercícios anteriores à respetiva publicação, ainda que a “legislação especial” mencionada nesta última se reporte aos diplomas que regulam os benefícios fiscais de que a Requerente dispunha.

Do exposto, resulta a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e de 2014, bem como das mesmas autoliquidações, que devem ser parcialmente anuladas.

 

3.            Dos pedidos de restituição do tributo e de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, do RJAT, são efeitos da decisão arbitral que transite em julgado a vinculação da administração tributária a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, sendo “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Bem assim, o artigo 100.º, da LGT, determina que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Na situação em análise o objeto imediato dos autos é o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não de atos tributários (praticados pela administração tributária), mas sim de autoliquidações efetuadas pelo sujeito passivo, equiparados a atos tributários no que tange às garantias dos contribuintes, nos termos do artigo 54.º, n.º 2, da LGT.

A reconstituição da situação prévia à ilegalidade das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e de 2014 com os n.ºs 2014... e 2015..., respetivamente, determina a restituição da prestação tributária suportada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios nos termos legais.

O regime dos juros indemnizatórios, devidos por erro dos serviços, consta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, da LGT, com a seguinte redação:

 

“Artigo 43.º - Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

(…)”

As autoliquidações de IRC efetuadas pela Requerente, nas quais não foi possível deduzir os benefícios fiscais de que dispunha (SIFIDE II, RFAI e CFEI) à coleta das tributações autónomas, decorreram do preenchimento das declarações modelo 22, aprovadas pelos Despachos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.ºs 1576/2014, de 31 de dezembro de 2013, e 15632/2014, de 18 de dezembro de 2014.

Por outro lado, também são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea a), da LGT, “Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos.”, ou seja, nos casos em que a (auto)liquidação apure reembolso a favor do sujeito passivo.

Neste contexto, devendo considerar-se imputável à administração tributária o erro das autoliquidações n.ºs 2014... e 2015... de que decorreu reembolso de imposto em montante inferior ao legalmente devido, são devidos juros indemnizatórios à taxa legal desde, a data em que cada um dos reembolsos devia ter sido emitido, até à data da sua efetiva emissão.

 

IV.          DECISÃO

Nestes termos decide o tribunal arbitral em:

a.            Julgar improcedente a exceção da incompetência material do tribunal arbitral para apreciação da legalidade do indeferimento tácito da revisão oficiosa das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e de 2014;

b.            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015..., que parcialmente se anulam, na parte em que não permitiram a dedução do SIFIDE II, do RFAI e do CFEI à coleta das tributações autónomas apuradas pela Requerente nos exercícios de 2013 e de 2014, pelas quantias de € 21 104,54 e de € 32 299,29, respetivamente;

c.            Condenar a Requerida no reembolso à Requerente das quantias de € 21 104,54 e de € 32 299,29, acrescidas de juros indemnizatórios relativamente a cada uma das quantias a reembolsar, desde as datas em que cada um dos reembolsos deveria ter sido efetuado.

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 53 403,83 (cinquenta e três mil, quatrocentos e três euros e oitenta e três cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de março de 2019.

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.